Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
441/17.4T8OLH-E.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CADUCIDADE
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- A prescrição tende para a perpetuidade do direito na esfera jurídica do titular, necessitando de uma ação exterior para que o direito se extinga; ao invés, a caducidade prevê, em si mesmo, o momento em que o direito se extingue (artigos 300.º a 327.º do CC, para o regime da prescrição e 328.º a 333.º, para a caducidade).
II.- O prazo previsto no artigo 123.º/1, do CIRE é um prazo de caducidade e não de prescrição.
III.- O exercício do direito de resolução integra o património autónomo ou de afetação que constitui a massa insolvente que, apesar de não ter personalidade jurídica, tem capacidade judiciária, sendo neste âmbito representada pelo Administrador da Insolvência, que representa o devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (artigo 81.º/4, do CIRE).
IV.- Em caso de resolução, só após a receção da declaração pela contraparte a resolução do contrato se torna eficaz, como preceituam os artigos 224.º/1 e 436.º/1, do CC, pelo que, tendo optado o Administrador pela propositura de uma ação declarativa para resolver o contrato, é com a citação que a resolução se torna eficaz.
V.- Se o Administrador foi investido em funções no dia 19-10-2017 e substituído no dia 19-12-2017, e a Ré foi citada no dia 28-06-2018, mostra-se decorrido o prazo de seis meses a que alude o artigo 123.º/1, do CIRE, pelo que caducou o direito de resolução.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 441/17.4T8OLH-E.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: Massa Insolvente de (…) Sociedade Imobiliária, S.A.


Recorrido: (…) Parque – Investimentos Imobiliários, S.A.

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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Comércio de Lagoa, Juiz 1, na ação proposta por Massa Insolvente de (…) – Sociedade Imobiliária, S.A. contra (…) Parque – Investimentos Imobiliários, S.A., pedindo que se declare resolvido em benefício da massa insolvente o contrato de arrendamento celebrado entre a insolvente e a ré, e que caso esta tenha créditos, sejam considerados como créditos sobre a insolvência e subordinados, foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, julgo procedente a exceção de caducidade do direito de resolução e, em consequência, declaro caducado o direito da autora resolver o contrato de arrendamento celebrado entre a (…) – Sociedade Imobiliária, SA e a (…) Parque – Investimentos Imobiliários, e absolvo a ré do pedido formulado pela autora.
Custas pela autora – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.

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Não se conformando com o decidido, Massa Insolvente de (…), Sociedade Imobiliária, SA recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

a) A recorrente insurge-se relativamente à forma como o tribunal a quo contou o prazo de seis meses, contemplado no artigo 123.º do CIRE, nomeadamente quanto ao momento de início da contagem daquele prazo nas situações em que o administrador da insolvência foi substituído em assembleia de credores e quanto ao momento em que cessa a contagem nos casos em que a resolução é efetuada por ação.

b) Apesar da epígrafe do artigo 123.º do CIRE, se referir à “prescrição do direito”, afigura-se pacífico que o prazo de seis meses ali previsto é um prazo de caducidade.

c) A ré foi declarada insolvente por sentença de 19 de outubro de 2017, tendo sido nomeado para o exercício das funções de administrador da insolvência o Sr. Dr. (…), que a 11 e 12 de dezembro de 2017 juntou aos autos principais, respetivamente, o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE e o inventário dos bens a que apelidou de “auto de apreensão”.

d) Os relatório e inventário, que o Sr. Dr. (…) elaborou e juntou aos autos, são totalmente omissos quanto à existência do contrato de arrendamento objeto da ação.

e) O (…) foi substituído nas funções de administrador da insolvência pelo (…), na assembleia de credoresde19deDezembrode2017, sendo que o primeiro contacto que este administrador da insolvência teve com o processo de insolvência ocorreu só depois desta mesma assembleia de credores.

f) A ação de resolução, com vista à resolução do contrato de arrendamento, celebrado em 1 de janeiro de 2007 entre a insolvente e a recorrida, foi proposta a 8 de maio de 2018, tendo a ré sido citada a 28 de junho de 2018.

g) Nos casos em que o administrador da insolvência se socorra de ação judicial para resolver negócios em benefício da massa insolvente, não são aplicáveis as regras constantes do artigo 224.º do Código Civil.

h) Cfr. Menezes Cordeiro (in Tratado de Direito Civil, V, Almedina, p. 207). “em sentido estrito, a caducidade é uma forma de repercussão do tempo nas situações jurídicas que, por lei ou por contrato, devem ser exercidas dentro de certo termo. Expirado o respectivo prazo sem que se verifique o exercício, extinção.”

i) In casu, o ato a que tem de atribuir-se o efeito impeditivo da caducidade é, singelamente, o da propositura da ação de resolução, altura em que o administrador manifesta a intenção de exercer o direito, e não o da data de recebimento da citação.

j) Ao contrário do que se passa com a interrupção da prescrição – cfr. artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil – nada se encontra na lei que faça depender o efeito impeditivo do ato de citação do réu.

k) Se assim fosse, contrariamente a ratio inerente ao instituto da caducidade, este prazo (de caducidade) ficaria na dependência de terceiros, por exemplo nas mãos da secretaria judicial ou nas mãos do serviço postal, que, se demorassem anos a executarem as tarefas que lhes compete, obstariam ao exercício atempado do direito da recorrente.

l) Para obstar à caducidade do direito, basta que o administrador da insolvência proponha a ação no prazo de seis meses, após o conhecimento do ato resolvendo. Se depois o réu é citado imediatamente, em cinco ou em cinquenta dias, é-lhe irrelevante, na medida em que a caducidade do direito foi impedida pela mera interposição da ação conexa com o direito que pretende salvaguardar.

m) Volvendo ao caso concreto, há que considerar que a cessação da contagem do prazo ocorreu no dia 8 de Maio de 2018, momento em que a recorrente instaurou a ação de resolução.

n) E para o caso de se considerar que estaremos perante um prazo de prescrição e não de caducidade, sempre o mesmo se consideraria interrompido no dia 13.05.2018, no prazo de cinco dias contados da data da propositura da ação – cfr. artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil.

o) Tal como consta da sentença, o contrato de arrendamento, objeto do ato resolvendo, apenas surge no processo com a petição da ação de resolução e não em momento anterior.

p) A (mera) referência ao arrendamento dos imóveis nos elementos contabilísticos juntos ao processo especial de revitalização, que antecedeu a declaração de insolvência, bem como a obrigação do apuramento da situação jurídica dos bens, resultante do ato derivado da apreensão, ou a consulta dos elementos da contabilidade da insolvente, cuja apreensão o administrador deve fazer em ato seguido à declaração de insolvência, não permitem concluir que o administrador da insolvência originário tinha conhecimento dos pressupostos necessários à existência do direito de resolução, mostrando-se insuficientes para concluir pelo início da contagem do prazo, sendo que,

q) Relativamente a este aspeto a ré nada provou.

r) Dos autos não resulta qual a data em que o administrador da insolvência teve acesso ao contrato de arrendamento, objeto do ato resolvendo, apenas resultando que o contrato apenas surgiu com a petição que despoletou a ação de resolução.

s) Para além disso e em primeiro lugar, a contagem do prazo de caducidade tem início quando o administrador da insolvência tem conhecimento, não de todos, mas dos factos essenciais que lhe permitam decidir se deverá ou não resolver os negócios, sendo que a referência ao contrato de arrendamento no processo especial de revitalização não é, de todo, suficiente para que o administrador da insolvência possa concluir que deverá resolver o negócio, principalmente porque da menção à existência de um contrato, não resulta que o negócio tenha sido prejudicial e porque tratando o processo especial de revitalização de um acordo global com os credores, não se encontra previsto que o administrador judicial provisório proceda a uma análise respeitante a negócios que devam ou não ser resolvidos.

t) A menção à existência do contrato de arrendamento no processo especial de revitalização é, pois, irrelevante e insuficiente para o início da contagem do prazo de caducidade.

u) Em segundo lugar, o apuramento da situação jurídica global dos bens, subsequente à respetiva apreensão, terá também de falecer, na medida em que implicaria que o administrador da insolvência tivesse procedido à efetiva apreensão material, o que não sucedeu, antes tendo ocorrido simplesmente a inventariação dos bens, por arrolamento, previsto no artigo 153.º, n.º 1, do CIRE, e a propósito da realização da assembleia de credores.

v) Se o administrador da insolvência se tivesse deslocado aos bens teria necessariamente de efetuar menção no auto à existência de contratos de subarrendamento, pois é isso estava obrigado – cfr. artigo 150.º, n.º 4, alínea e), do CIRE – e não fez.

w) Nos autos não consta evidenciado que o administrador da insolvência efetuou a apreensão material dos bens a 31 de Outubro de 2017.

x) Mas ainda que tivesse procedido à apreensão material em tal data, nem por isso se podia concluir que o administrador da insolvência tinha tido conhecimento do contrato arrendamento, pois que, pelos subarrendatários, que não tinham na sua posse contrato arrendamento, apenas lhe poderiam ter sido exibidos os contratos de subarrendamento celebrados entre os mesmos e a recorrida.

y) Como tal e mais uma vez, a data de elaboração do auto de apreensão – que não é mais do que um inventário – demonstra-se insuficiente para concluir, com as certezas que são exigida no caso vertente (circunstâncias do negócio aptas a despoletar a resolução), que o primitivo administrador da insolvência poderia ter tido conhecimento do contrato de arrendamento, ou que estaria em condições de o conhecer.

z) Em terceiro lugar e no que respeita ao argumento da consulta dos elementos da contabilidade da insolvente, cuja apreensão o administrador deve fazer em ato seguido à declaração de insolvência, importa recordar que a notificação destinada a dar conhecimento ao primitivo administrador da insolvência de que havia sido nomeado para o exercício de tais funções, foi elaborada no sistema Citius no dia 24 de Outubro de 2017, considerando-se o mesmo notificado no dia 27 de Outubro de 2017.

aa) Quando muito, só depois de 27 de Outubro de 2017 é que o primitivo administrador da insolvência poderia ter diligenciado pela apreensão da contabilidade da insolvente.

bb) Será pacífico que a apreensão da contabilidade de uma empresa insolvente, será tarefa que poderá demorar algumas semanas.

cc) Não obstante, dos autos não resulta que algum dia o administrador da insolvência tenha tido a contabilidade da insolvente na sua posse e em que momento. Não resultando também da sentença se a contabilidade foi efetivamente apreendida ou não, seja porque o administrador da insolvência não aprendeu, seja porque a insolvente não a entregou.

Desconhece-se até se o contrato de arrendamento se encontrava junto com a contabilidade da insolvente.

dd) Estes três argumentos, que o Tribunal a quo o usou para concluir que o direito da recorrente havia caducado, assentam num raciocínio, não circunstanciado, da possibilidade do conhecimento. Deles não se pode retirar que o administrador da insolvência tinha objetivamente conhecimento do contrato de arrendamento, nos termos necessários ao início da contagem do prazo de caducidade.

Mas mais,

ee) O prazo de seis meses previsto no artigo 123.º do CIRE é um prazo subjetivo porque inerente a uma pessoa em concreto (conhecimento do administrador da insolvência em funções) e dela dependente (vontade de agir do administrador da insolvência em funções).

ff) A interpretação de que o início da contagem deste prazo se afere em relação ao órgão e não à pessoa que o ocupa, não é admissível, não só porque a norma não refere o órgão, mas sim a pessoa que o ocupa.

gg) Imagine-se, por exemplo, que um administrador da insolvência, que tinha já conhecimento do ato resolvendo, falece sem ter iniciado o procedimento de resolução e sem ter podido transmitir tal informação ao administrador da insolvência substituto, que assim poderia vir a ficar impedido de proceder à resolução.

hh) Nessa medida, no caso vertente o início da contagem do prazo de caducidade, no limite, nunca poderia ter ocorrido em momento anterior à data da realização da assembleia de credores, 19.12.2017, importando referir a este propósito que nem no relatório, nem no auto a que o administrador da insolvência substituído apelidou de “auto de apreensão”, existe qualquer referência ao contrato de arrendamento.

ii) O tribunal a quo andou mal ao não considerar que o prazo de seis meses, a partir do qual o administrador da insolvência pode resolver o ato prejudicial, apenas poderia ter início, no limite, após a nomeação do administrador da insolvência substituto e que o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento do ato pelo primeiro, não se transmite ao segundo.

jj) Com todo o respeito, a decisão recorrida violou, além do mais, as seguintes normas legais: artigo 123.º, n.º 1, do CIRE, no sentido que o prazo se conta a partir do momento em que o primeiro administrador da insolvência teve ou podia ter conhecimento do ato, artigo 224.º do Código Civil, por aplicação indevida, artigos 306.º, n.º 1, 323.º, 329.º e 328.º todos do Código Civil, por falta de aplicação.

Termos em que deverá a decisão, que determinou a caducidade, ser revogada e substituída por outra, que determine a resolução do ato consubstanciado no contrato de arrendamento objeto dos autos, assim se fazendo justiça.


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Contra-alegou a recorrida, concluindo:

1. A aqui Recorrida notificada das alegações apresentadas pela Recorrente e não se conformando com as mesmas vem apresentar as suas contra-alegações.

2. A decisão aqui recorrida decidiu julgar procedente a exceção de caducidade do direito de resolver o ato a favor da massa insolvente (nos termos do artigo 123.º do CIRE) alegada pela Recorrida fundamentado que “(…) sendo a declaração de resolução uma declaração receptícia, que se efetiva mediante declaração à outra parte e que apenas produzirá efeitos quando chegue ao poder do respetivo destinatário, tem que se considerar que com a citação da a 28 de junho de 2018 se considera efetivada a comunicação da resolução. Nessa data, ainda que só se considerasse como início da contagem do prazo a data da nomeação do atual administrador, havia decorrido o prazo de caducidade de seis meses previsto no artigo 123.º, n.º 1, do CIRE”.

3. No caso em concreto, e para efeitos da apreciação da questão aqui a decidir, ao contrário do alegado pela Recorrente, é de considerar que, o atual Administrador da Insolvência foi nomeado nos presentes autos de insolvência em 19.12.2017.

4. A nomeação do Administrador da Insolvência foi aceite pelos Credores em sede de Assembleia de Credores no próprio dia 19.12.20217, tendo sido junta a declaração de aceitação do atual Administrador da Insolvência, assinada nos termos do disposto no artigo 53.º do CIRE.

5. À data da nomeação do atual Administrador da Insolvência encontrava junto aos autos não só todos os documentos a que se refere o artigo 24.º do CIRE, os quais já haviam sido juntos no âmbito do Processo Especial de Revitalização em que a Insolvente foi parte como Devedora (apenso aos autos de insolvência), além de que, encontrava-se junto aos autos o relatório elaborado nos termos do artigo 155.º do CIRE (incluindo o auto de apreensão) em que o contrato de arrendamento aqui em questão encontra-se devidamente identificado.

6. No âmbito das suas funções, o Administrador da Insolvência instaurou a presente ação nos termos do artigo 123.º do CIRE, em 08.02.2017, tendo apenas a aqui Recorrida sido citada da mesma em 28.06.2018.

7. Ora, dispõe o artigo 123.º, n.º 1, do CIRE que “A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência (…) nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois ano sobre a data da declaração de insolvência.”

8. Ora, relativamente ao prazo, apesar de constar na epígrafe o artigo 123.º que se trata de um prazo de prescrição, uma maioria doutrinária defende opinião contrária, retratando-se este prazo como de caducidade.

9. Neste sentido, e considerando a Doutrina dominante, de acordo com Luís Fernandes e João Labareda, Marisa Vaz Cunha e Luís Martins o direito de resolução em benefício da massa insolvente é um direito potestativo e temporário, que se encontra sujeito ao disposto no artigo 123.º, pelo que se trata de um prazo de caducidade.

10. Quanto ao início da contagem do prazo para efeitos de resolução do ato, o artigo 123.º do CIRE, é igualmente claro, e marca, como regra vigente que, como inicio da contagem do prazo, o momento do conhecimento.

11. Neste sentido, partilhamos o entendimento da Doutrina dominante acerca da matéria que entende que, “este conhecimento deve ser aferido em função do ato em si (do conhecimento) e no mesmo sentido de salientar o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do Processo n.º 3324/10.5TBSTS-F.P1, datado de 12 de maio de 2014, em que é Relator Manuel Domingos Fernandes, disponível in www.dgsi.pt.

12. Defender posição contrária seria “colocar nas mãos do Administrador da Insolvência fácil e indefinida dilação do prazo, o que contrariaria, em absoluto, os princípios da segurança e da estabilidade dos negócios jurídicos que o legislador quis proteger”.

13. Além do prazo previsto e aqui considerando para efeitos de resolução de atos a favor da massa insolvente – artigo 123.º do CIRE, terá que ser considerado que, para efeitos da eficácia da resolução do ato dito prejudicial, é de considerar que, a declaração resolutiva em benefício da massa insolvente tem natureza recetícia, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 224.º do C.C., pelo que a sua eficácia depende da sua chegada ao poder do destinatário ou do seu conhecimento por ele (n.º 1), sem prejuízo das situações em que só por culpa dele a declaração não foi recebida (n.º 2).

14. Neste sentido, de considerar o entendimento do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Processo n.º 1686/15.7T8LRA-C.C1, pelo Relator Vítor Amaral, em 14.11.2017 e que se encontra disponível em www.dgsi.pt e (entro outros) o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Processo n.º 5572/10.9TBCSC-G.L1.8, pela Relatora Isoleta Almeida Costa, em 23.10.2014 e que se encontra disponível em www.dgsi.pt. Posto isto,

15. No caso em concreto, quanto ao momento do conhecimento do ato para efeitos de resolução não há dúvidas que o Administrador da Insolvência teve conhecimento do mesmo aquando a sua nomeação (19.12.2017), tendo apenas a declaração de resolução chegado ao conhecimento da aqui Recorrida com a citação da presente ação, i.e, em 28.06.2018, data em que se considera efetivada a comunicação da resolução.

16. Assim, considerando os fatos e datas concretas, tal como concluído e decidido pelo Tribunal a quo não existem dúvidas que, o prazo de caducidade de seis meses, previsto no artigo 123.º do CIRE, já havia decorrido aquando a citação da presente ação à aqui Recorrida.

17. Neste seguimento, não existem dúvidas que, andou bem o Tribunal a quo quando decidiu julgar procedente a exceção alegada pela Recorrida na sua contestação, mostrando-se, claramente, caducado o direito de resolução do ato aqui em questão – contrato arrendamento celebrado entre a aqui Recorrida e a Insolvente.

18. Assim, e para tanto, claramente que a sentença não viola qualquer tipo de norma legal, razão pela qual não deverá a sentença aqui recorrida ser alterada, devendo manter-se a decisão objeto de recurso.

Nestes termos e nos mais de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverão V. Exas. julgar improcedente a presente apelação e manter o teor da douta sentença recorrida.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada Justiça.


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Foram dispensados os vistos.

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A questão que importa decidir é a de saber se caducou o direito de resolução de negócio jurídico celebrado em prejuízo da massa insolvente, a que alude o artigo 123.º/1, do CIRE.
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Com interesse para a decisão mostram-se provados os seguintes factos:
1. No dia 3 de abril de 2017, a (…) – Sociedade Imobiliária, SA deu entrada de um Processo Especial de Revitalização;
2. Não tendo obtido aprovação do plano de revitalização, essa sociedade foi declarada insolvente por sentença de 19 de outubro de 2017, data em que foi nomeado administrador da insolvência;
3. A 30 de Outubro de 2017, os imóveis propriedade da insolvente foram apreendidos;
4. A 19 de Dezembro de 2017 teve lugar a assembleia de credores onde foi deliberado substituir o então administrador da insolvência pelo atual;
5. A ação foi proposta em 08-05-2018.
6. A ré foi citada em 28 de junho de 2018.
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Conhecendo.
A questão controvertida nos autos resume-se a saber se se mostra decorrido o prazo a que alude o artigo 123.º/1, do CIRE, que dispõe sobre a “Forma de resolução e prescrição do direito” de resolver negócio jurídico efetuado em prejuízo da massa insolvente, e que estipula o seguinte: “A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”.
Numa primeira nota deve referir-se que só uma deficiente técnica jurídica pode classificar de prescrição o direito potestativo de propositura da ação, uma vez que se trata de um prazo de caducidade e não de prescrição.
Com efeito, tratando ambas dos efeitos do decurso do tempo nas relações jurídicas, conduzindo à extinção do direito, na caducidade trata-se de algo ínsito ao direito que o faz cessar e não algo exterior, como na prescrição.
A prescrição tende para a perpetuidade do direito na esfera jurídica do titular; ao invés, a caducidade prevê, em si mesmo, o momento em que o direito se extingue; por isso, entre outras características diferenciadoras, a caducidade não se suspende nem se interrompe (cfr. artigos 300.º a 327.º do Código Civil para o regime da prescrição e 328.º a 333.º para a caducidade; na doutrina Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1998, Almedina, 1998, pág. 464 e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, Coimbra Editora, 2005, pág. 375/6).
Ora, como acima se transcreveu, o direito de propor a ação existe na esfera jurídica do titular durante 6 meses, decorrido este prazo o direito extingue-se por mero efeito do prazo, sem necessidade de ser invocado por quem beneficia da sua extinção.
O que significa de pouco importar o nomen iuris que o legislador deu ao direito em causa, o que releva é o seu regime jurídico porque é este que permite a sua classificação em certa categoria técnico-jurídica e, neste caso, deve ser classificado na categoria da caducidade.
Voltando à questão, o artigo 120.º/1, do CIRE estabelece que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
O n.º 2 do mesmo preceito dispõe que se consideram prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
Com a resolução pretende-se obter a reintegração de bens e valores na massa insolvente, de modo a permitir a satisfação dos direitos dos credores, escopo essencial do processo de insolvência.
No caso dos autos, a pretensão da recorrente é de ver resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a insolvente e a Ré.
O exercício do direito de resolução integra o património autónomo ou de afetação que constitui a massa insolvente que, apesar de não ter personalidade jurídica, tem capacidade judiciária, sendo neste âmbito representada pelo Administrador da Insolvência que representa o devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (artigo 81.º/4, do CIRE).

A fim de operar a resolução do negócio que entendia ter sido celebrado com a finalidade de prejudicar a massa insolvente, o sr. Administrador da Insolvência, em lugar de ter enviado uma carta registada com aviso de receção para a Ré, como estipula o artigo 123.º/1, acima citado, decidiu propor uma ação declarativa constitutiva para obter o mesmo efeito.
Nada na lei impede que a resolução se efetive por esta via, como bem assinalou o tribunal a quo, contudo, os efeitos relativamente ao atingido pela resolução, designadamente o carater recetício da declaração de resolução, são os mesmos, quer se trate de envio da carta registada quer se trate da propositura de ação declarativa para efetivação de direito potestativo à resolução.
Só após a receção da declaração pela contraparte a resolução do contrato se torna eficaz, como preceituam os artigos 224.º/1 e 436.º/1, do CC, prevendo, este último, que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte, ou seja, através de meio extrajudicial e mera declaração.
E não com a propositura da ação como pretende a recorrente.
Assim sendo, tendo o sr. Administrador da massa escolhido o caminho mais sinuoso para obter o mesmo efeito jurídico e, se a consequência de tal escolha foi ter sido efetivado o direito apenas com a citação – momento em que a declaração chegou ao conhecimento da Ré e se tornou eficaz – e também se, nesse momento, já haviam decorrido os 6 meses durante os quais o direito existia na esfera jurídica da massa insolvente (e não na esfera jurídica do sr. Administrador como parece pretender a recorrente), sibi imputet, ou seja, a ele devem ser imputadas as consequências de tal decisão.
Com efeito, o primeiro Administrador tomou posse no dia 19-10-2017, tendo sido substituído no dia 19-12-2017, e a Ré foi citada no dia 28-06-2018, o que equivale por dizer que já haviam decorrido 6 meses do conhecimento do ato jurídico a resolver.
Pouco importa saber se o sr. Administrador conheceu do ato logo no dia em que tomou posse ou posteriormente; o que releva é o facto de estar em condições de tomar conhecimento e estar obrigado a isso – artigo 81.º do CIRE – uma vez que fica de imediato investido nos poderes de administração da empresa.
É certo que se trata de uma ficção pretender que o sr. Administrador tome conhecimento, num só dia, de todos os atos que foram praticados pela empresa, por isso se prevê um prazo de 6 meses para que tal aconteça.
Ora, como acima se conclui, este prazo mostrava-se ultrapassado no momento em que a Ré foi citada e tomou conhecimento da decisão de resolução – quer o termo inicial se considere na data em que o primeiro administrador tomou posse quer na data do segundo –, pelo que bem andou o tribunal a quo em julgar verificada a exceção de caducidade do direito de resolução e absolveu a Ré do pedido.
Assim sendo, a apelação é improcedente e a sentença é confirmada.

No mesmo sentido, o Acórdão do TRE de 28-01-2021, Mário Coelho, Processo n.º 3537/17.9T8SRT-H.E1: A declaração de resolução do ato prejudicial à massa insolvente, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CIRE, torna-se eficaz quando chega ao conhecimento da contraparte, isto é, da pessoa que celebrou o negócio jurídico com o insolvente,(…).
E o Acórdão do TRL de 09-03-2021, Vera Antunes, Processo n.º 4281/19.8T8SNT-F.L1-1:
I – O prazo de seis meses previsto pelo artigo 123.º do CIRE, não obstante a epígrafe do artigo, é um prazo de caducidade, pelo que o mesmo não se suspende nem interrompe, como preceitua o artigo 328.º do Código Civil, senão nos casos em que a lei o determine.
II - Estes casos são aqueles que vêm previstos pelo artigo 331.º do Código Civil, nomeadamente, conforme previsto pelo n.º 1: “Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.
III - No caso, está assente que a carta de resolução não foi enviada no decurso do prazo de seis meses.
IV- Tendo ocorrido, porém a morte do anterior AI, antes de esgotado o prazo de seis meses, pode haver lugar à aplicação do disposto pelo artigo 329.º do Código Civil, considerando a impossibilidade absoluta de exercício desse direito, por morte do anterior AI e até ser nomeado o actual, verificando-se um lapso de tempo em que o direito não pode legalmente ser exercido.
V - No entanto, esta circunstância nunca determinaria uma interrupção do prazo, mas quando muito tão somente uma suspensão do mesmo e, nesse caso, fazendo um paralelismo com o que se prevê para a prescrição, de caso de força maior, tal como previsto pelo artigo 321.º do Código Civil, o prazo em curso retomava a sua contagem no momento da nomeação do actual AI, pelo que também por aqui se verificava a preclusão do direito de resolver o negócio porque, contrariamente ao que sucede na interrupção (artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil), a suspensão não inutiliza o tempo decorrido até à causa da suspensão.
VI - Ainda que houvesse de se considerar o prazo em causa como de prescrição, o que por mera hipótese de raciocínio se concede, e consequente suspensão com o falecimento do AI inicialmente nomeado, tal como previsto pelo artigo 321.º do Código Civil, igualmente se teria de concluir nos termos expostos, ou seja, pelo decurso do prazo, dado não estarmos perante uma interrupção.

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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e mantém a sentença recorrida.

Custas pela recorrente – Artigo 527.º CPC.
Notifique.

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Évora, 23-09-2021

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira (não assina, mas tem voto de conformidade)

Emília Ramos Costa