Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
60337/17.7YIPRT.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
CESSÃO DE CRÉDITO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Os documentos são meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (artigo 341.º do Código Civil), daí que a sua junção, em regra, deva ser efectuada na fase instrutória da causa, nos momentos que actualmente se mostram previstos no artigo 423.º do CPC.
II - Este regime regra decorre do princípio da audiência contraditória, visando que a parte contrária possa, desde logo, contestar no articulado ou em resposta subsequente quer a admissibilidade, quer a autenticidade e força probatória material do documento apresentado.
III - Não obstante, atento o interesse público no apuramento da verdade material, o n.º 2 do citado preceito possibilita que a parte possa ainda apresentar documento que não juntou com o articulado respectivo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo porém condenada em multa pela apresentação tardia, excepto se provar que não pôde oferecer o documento oportunamente, podendo ainda efectuar a sua apresentação após aquele limite temporal mas apenas quando se verifique alguma das situações excepcionais previstas no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
IV - O recurso não é o meio próprio para juntar documentos aos autos, já que a sede própria para a instrução da causa é o tribunal de primeira instância, donde resulta a natureza excepcional da admissão de documentos nesta fase, uma vez que a referida reapreciação das decisões deve ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento em que as mesmas foram proferidas, e não avaliar da sua bondade ou desconformidade em função de outros documentos novos que poderiam ter sido tomados em conta, mas não o foram no momento próprio por não terem sido presentes para apreciação do julgador da primeira instância.
V - Sendo certo que o incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode em algumas situações influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, a arguir pelo interessado nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC, temos vindo a considerar que quando ocorre uma nulidade processual que se encontra coberta por uma decisão judicial que admite recurso, aquela é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, sendo tempestiva a arguição da eventual nulidade cometida nas alegações de recurso.
VI - Não podemos confundir os poderes-deveres decorrentes para o juiz do cumprimento do princípio do inquisitório, com a sua substituição às partes, mormente àquela sobre a qual impende o ónus da prova dos factos que alega, porque a tal se oporiam tanto o princípio dispositivo como o princípio da igualdade das partes.
VII - Assim, caso o direito seja disponível, o princípio do inquisitório não consente que o juiz supra o incumprimento por banda da parte onerada com o ónus da prova de determinado facto, carreando aos autos após o encerramento da discussão da causa, prova documental que aquela não juntou, porque a tal se opõe o princípio dispositivo na vertente da instrução probatória.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 60337/17.7YIPRT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. BB, instaurou procedimento de injunção contra CC, pedindo a condenação do requerido a pagar-lhe a quantia global de 13.505,81€, correspondendo o capital em dívida a 8.751,84€; os juros de mora vencidos até à data da instauração do procedimento de injunção, a 3.262,60€, à taxa de 4% ao ano, acrescida da quantia de 1.338,37€, a título de outras quantias (despesas) e ainda de 153,00€, a título de taxa de justiça paga pela instauração do procedimento de injunção.
Em fundamento, alegou, em síntese, ter sido celebrado um contrato de cessão de créditos, entre a ora requerente e o «DD, Plc», através do qual por este lhe foi cedido o crédito vencido que detinha sobre o requerido, com todas as garantias e direitos acessórios inerentes.

2. O Requerido deduziu oposição, impugnando os factos alegados no requerimento de injunção, invocando, por excepção, a nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento de injunção, em face da ininteligibilidade da causa de pedir, que nem sequer foi suprida pela junção de qualquer documento, e ainda a prescrição da pretensão da requerente que invoca a existência de um saldo negativo em 09.04.2009, concluindo a pedir a respectiva absolvição do pedido.

3. Os autos seguiram os termos da acção declarativa com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, tendo a requerente respondido, invocando designadamente ter diligenciado, sem êxito até ao momento, junto do cedente para facultar a documentação relativa ao contrato de adesão e extracto de conta do cartão de crédito, e requerendo que fosse ordenada a notificação do cedente para vir aos autos juntar «o contrato de adesão e o respectivo extracto referente ao contrato 4228650034996009, celebrado com o requerido CC».
A requerente juntou o original e a tradução do contrato assinado entre EE Plc e o DD Plc denominado “Contrato de Compra de Activos”, cópia de duas notícias da imprensa a respeito do anúncio da aquisição pelo DD de cartões de crédito do EE em Portugal, e cópia do contrato de cessão datado de 21.02.2011, celebrado entre DD Plc e BB (fls. 33 a 160).

4. No início da audiência final, foram admitidos os meios de prova indicados pelas partes e determinada a notificação do DD, para proceder à junção dos indicados documentos, suspendendo-se a audiência para continuação no dia 09.02.2018.

5. Por e-mail de 29.01.2018 o DD remeteu aos autos cópia da proposta do contrato de adesão, subscrito pelo requerido, e cópia do respectivo bilhete de identidade, informando que «o arquivo encontra-se temporariamente indisponível, os extractos bancários serão enviados com a maior brevidade possível» (fls. 184 a 188).
Por e-mail remetido em 08.02.2018 o DD remeteu aos autos cópia do extracto bancário do requerido (fls. 193 a 196).

6. Em 14.02.2018, foi proferida sentença que julgou improcedentes as excepções invocadas pelo Réu e a acção, absolvendo o Réu do pedido.

7. Inconformada, a Autora apelou, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«A) Entende assim, a Autora, ora Recorrente que se provou, com relevo para a decisão da causa, que através do contrato de compra e venda de activos, tenha sido cedido, à ora Autora, o crédito de que o «DD, Plc» era titular, perante o Réu.
B) O Tribunal recorrido efetuou uma errada interpretação das provas apresentadas, nomeadamente, porque constam do processo documentos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida, porquanto a A., ora Recorrente, logrou fazer prova bastante que através do contrato de compra e venda de activos, tenha sido cedido, à ora Autora, o crédito de que o «DD, Plc» era titular, perante o Réu.
C) Não obstante, tal não invalida a possibilidade de serem as partes convidadas a prestar esclarecimentos sobre o que se afigurar pertinente, nomeadamente, no que respeita ao anexo e à identificação do crédito sobre o R.».

8. Não foram apresentadas contra-alegações.

9. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as questões que importa apreciar no presente recurso, atenta a sua ordem lógica, consistem em saber se deve proceder-se à reapreciação da matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente, e se, em consequência dessa decisão, o Réu deve ser condenado no pedido.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«A)- Por contrato escrito, denominado de compra e venda de activos, celebrado em 21/2/2011, o «DD, Plc», cedeu, à ora Autora, «BB», créditos de que o mesmo era titular.
B)- O «DD, Plc» era titular, em 12/4/2009, de um crédito sobre o ora Réu, no montante de € 11.111,37, calculado a essa mesma data.
C)- Este crédito teve a sua fonte num contrato de adesão/utilização de um cartão de crédito, que o «DD, Plc» celebrou, com o ora Réu, em 11/5/2006, através do qual este último, pela utilização do cartão, se obrigou ao pagamento de uma prestação mensal, a qual deixou de pagar e, por isso, a quantia em dívida, ao «DD» ascendia ao montante de € 11.111,37, no dia 12/4/2009».
E foi considerado não provado «com relevo para a decisão da causa, que através do contrato de compra e venda de activos, tenha sido cedido, à ora Autora, o crédito de que o «DD, Plc» era titular, perante a ora Réu».
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III.2. – O mérito do recurso
A Apelante pretende por via do presente recurso a impugnação da matéria de facto, por entender que os documentos juntos ao processo, por si só, provam que através do contrato de compra e venda de activos, foi cedido, à ora Autora, o crédito de que o «DD, Plc» era titular, perante o Réu.
Sabido é que, quando impugna a matéria de facto, o recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição, conforme preceituado no artigo 640.º do CPC.
Analisados corpo e conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente entendemos que existe um suficiente cumprimento pela mesma dos ónus previstos no n.º 1 do preceito, já que se reporta concretamente a que não se pode conformar com a alegada falta de prova da cessão de crédito sobre o Réu, por entender que do contrato junto, que identificou, e do segmento salientado, resulta demonstrada a cessão de créditos à ora Recorrente.
A este respeito, expendeu-se na fundamentação de facto da sentença recorrida que «Não obstante ter junto aos autos vários documentos, como o contrato de cessão de créditos e os seus anexos, e de ter pedido a junção de documentos por parte do DD», os quais, igualmente, foram juntos e constam dos autos, a Autora apenas logrou provar, tendo em consideração o teor de todos os documentos que constam dos autos, ter celebrado um contrato de cessão de créditos com o «DD», através do qual o mesmo lhe cedeu créditos de que era titular, mas não logrou provar que um desses créditos fosse o crédito aludido na al. B) da factualidade provada, constante do documento junto pelo próprio «DD», cuja fonte era a celebração do contrato aludido na al. C) da factualidade provada, constante igualmente de um outro documento junto pelo «DD».
Assim sendo, pese embora a quantidade de documentos juntos aos autos, nenhum deles prova que a cessão de créditos tenha tido por objecto o concreto crédito do «DD» sobre o ora Réu. Tal crédito não consta do contrato que foi celebrado entre a ora Autora e o «DD», nem de qualquer um dos seus anexos».
Insurge-se a Apelante contra esta avaliação da prova produzida, afirmando designadamente que no que concerne ao crédito em causa nos presentes autos, entende ser prova bastante o anexo ao contrato de cessão, junto como Doc. 5 com o requerimento datado de 09/01/2018 com a referência 4560785, e explicando que, em virtude do elevado número de créditos cedidos, foi junto documento a identificar apenas o crédito a que os presentes autos respeitam, dada a extensão do mesmo, «dado que, se tornaria praticamente incomportável e, cremos, sem qualquer mais-valia para o processo a remessa aos autos da relação de todos os créditos cedidos».
Assim, prossegue a Apelante, o anexo junto aos autos consiste num print do ficheiro original, no qual constam as seguintes informações:
V_MBS_ACCT_NBR ............................ 4228650550093009 (n.º de contrato)
D_MBS_DATE_CHGOFF ..................... 09-04-2009 (data de resolução)
N_MBS_CURR_BAL ............................ 11111,37 (valor total em dívida)
D_MBS_DATE_OPENED ................... 05-06-2006 (data de aceitação da proposta)
PrinBalance ......................................... 8751,84 (valor de capital em dívida)
IntBalance .......................................... 1021,16 (valor de juros)
Fees ..................................................... 1338,37 (valor de encargos e despesas)
TBL ....................................................... 11111,37 (valor total em dívida à data da resolução)
Date_Last_Pmt .................................... 24-12-2008 (data do último pagamento)
Last_Amt_Paid ....................................... 471,23 (valor do último pagamento)
V_MNA_NAME_LINE_1 ........................ CC (Nome)
V_MNA_ADDR_1 ....................................RUA E,… No … (Morada)
V_MNA_MAKER_EMPLOYER ............... FF,LDA. (Entidade Patronal)
V_MNA_OTHER_ID .............................. 161… (NIF)
Vejamos.
Com fundamento na documentação junta pela Requerente e pelo DD aos autos, o Senhor Juiz não teve dúvidas em considerar demonstrado que, por contrato escrito, denominado de compra e venda de activos, celebrado em 21/2/2011, o «DD, Plc», cedeu, à ora Autora, «BB», créditos de que o mesmo era titular; e ainda que aquele Banco era titular, em 12/4/2009, de um crédito sobre o ora Réu, no montante de € 11.111,37, calculado a essa mesma data, o qual teve a sua fonte num contrato de adesão/utilização de um cartão de crédito, que o «DD, Plc» celebrou, com o ora Réu, em 11/5/2006, através do qual este último, pela utilização do cartão, se obrigou ao pagamento de uma prestação mensal, a qual deixou de pagar e, por isso, a quantia em dívida, ao «DD» ascendia ao montante de € 11.111,37, no dia 12/4/2009.
Entendeu, porém, que por incumbir à requerente a prova da cessão do concreto crédito em questão nos autos, a mesma não logrou provar que um desses créditos fosse o crédito aludido na al. B) da factualidade provada, constante do documento junto pelo próprio «DD».
Vista a prova documental junta aos autos, e concretamente a especificada pela Recorrente, verificamos que, ao contrário daquilo que a mesma alega, na realidade não juntou oportunamente aos autos a prova de que um dos créditos cedidos fosse aquele que o DD detinha sobre o requerido, nos termos acima descritos.
Efectivamente, lidos e relidos os documentos juntos aos autos, verificamos que os anexos que dos mesmos constam constituem: i) o anexo 1, intitulado «Declarações e Garantias”, do qual apenas emerge com algum relevo para a apreciação da matéria de facto impugnada o ponto 10, que regula sobre “Saldos dos Mútuos”, indicando que “o montante em dívida devido pelo(s) Devedor(es) em causa ao Cedente relativamente ao Mútuo em causa na Data-Limite é fixado no Anexo 2 do presente Contrato, relativamente a cada Mútuo, por referência a tal data»; ii) o anexo 2, intitulado «Informações sobre os Mútuos», constando logo em seguida unicamente a menção à existência de um CD-ROM contendo essa informação [Lista de Mútuos Incluída num CD-ROM com todas as informações associadas]; o anexo 3, intitulado «Minuta de Notificação de Cessão do Mútuo», tendo como assunto a «Notificação da Cessão de Créditos», ou seja, constituindo o documento-tipo a dar conhecimento ao devedor da cessão e indicando os dados que do mesmo deviam constar; o anexo 4, intitulado «Minuta de Dados Pessoais», do qual constam as menções genéricas acima indicadas pela Recorrente, alegadamente correspondentes ao print do ficheiro original, mas apenas do lado esquerdo e sem a concreta identificação dos dados que consta do lado direito da indicação da Recorrente nas alegações de recurso; e o anexo 5, intitulado «Certificado Acreditativo», onde após a identificação das partes outorgantes no contrato de cessão consta: «foi celebrado, em 21 de Fevereiro de 2011, um contrato de cessão de créditos sem recurso que emergem da utilização de diversos cartões de crédito», seguido de quatro alíneas nas quais, em síntese, se indicam os dizeres que daquele certificado devem constar, entre os quais avultam a identificação do n.º do cartão de crédito e do cliente, o montante do crédito do DD sobre o cliente à data da celebração do contrato de cessão, a menção a eventuais pagamentos posteriores, se tivessem ocorrido, e finalmente a indicação de que o identificado Banco já não era o titular desses créditos por os haver cedido à BB.
Assim, com relevância para a decisão da impetrada reapreciação da matéria de facto, dos documentos juntos, mormente nos de fls. 83 a 119, apenas consta o antedito e, sublinhe-se, não consta em documento algum junto aos autos até ao encerramento da audiência final, qualquer documento que refira aquilo que a Recorrente alega em sede de recurso que consta do print original, ou seja, nada suporta a afirmação por si efectuada na conclusão 13.ª de que «Todos os dados/elementos de identificação constantes do Anexo ao contrato de cessão, são referentes a elementos de identificação do R. e especificidades do contrato de adesão em causa nos autos». Supomos que eventualmente a Recorrente possa estar a fazer referência aos documentos que constavam após a prolação da sentença, de fls. 213 a 215, onde actualmente consta uma folha com uma «cota» lavrada pela Senhora Escrivã de Direito indicando que esta folha «ocupa o lugar dos documentos desentranhados no dia de hoje».
Efectivamente, extrai-se do processo electrónico que, por e-mail remetido aos autos em 15.05.2018, o DD veio apresentar um conjunto de documentos (34 de acordo com a informação de anexos existente no Citius), tendo o Senhor Juiz determinado o respectivo desentranhamento pelo despacho proferido em 22.05.2018, com o seguinte teor: «Desentranhe e remeta, ao apresentante, os documentos juntos após ter sido proferida a sentença em 1ª instância, com o fundamento de que, após o encerramento da discussão, apenas é admissível a junção de documentos, em sede de recurso, mas a realizar pela parte, não por um terceiro à causa (artº 425º do C.P.C.)».
Portanto, os documentos a que a Recorrente eventualmente se refere, designadamente o indicado print, não constam dos autos.
Ora, é consabido que os documentos são meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (artigo 341.º do Código Civil), daí que a sua junção, em regra, deva ser efectuada na fase instrutória da causa, nos momentos que actualmente se mostram previstos no artigo 423.º do CPC e na redacção anterior se encontravam plasmados no artigo 523.º do CPC.
Efectivamente, em face do preceituado no artigo 423.º, n.º 1, do CPC, «os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes».
Assim, «em regra, os documentos são – e devem ser – anexados ao articulado em que se referem, seja como fundamento da acção, seja como fundamento da defesa, os factos dele constantes. (…)
Dois pontos cumpre salientar em tal regime. Por um lado, não é no período de instrução, mas na fase inicial dos articulados, que normalmente se insere a produção da prova documental.
Por outro lado, os actos de proposição, admissão, preparação, produção e assunção da prova, em que analiticamente se desdobram os diversos procedimentos probatórios, aparecem singularmente concentrados, quanto à prova documental, no acto de junção do documento aos autos, mediante anexação ao respectivo articulado.»[4]
Este regime regra decorre do princípio da audiência contraditória, visando que a parte contrária possa, desde logo, contestar no articulado ou em resposta subsequente quer a admissibilidade, quer a autenticidade e força probatória material do documento apresentado.
Não obstante, atento o interesse público no apuramento da verdade material, o n.º 2 do citado preceito possibilita que a parte possa ainda apresentar documento que não juntou com o articulado respectivo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo porém condenada em multa pela apresentação tardia, excepto se provar que não pôde oferecer o documento oportunamente, podendo ainda efectuar a sua apresentação após aquele limite temporal mas apenas quando se verifique alguma das situações excepcionais previstas no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
Na espécie, tendo a Autora indicado dificuldade na junção tempestiva aos autos da documentação que indicou, por não lhe estar a ser facultada tempestivamente pelo terceiro que identificou, foi o Banco DD notificado para juntar aos autos os documentos então identificados pela ora Apelante, o que fez, em cumprimento do preceituado no artigo 432.º do CPC.
Portanto, os documentos que comprovariam a cessão deste concreto crédito não terão sido juntos pelo terceiro porque nada foi requerido nesse sentido pela Apelante, já que o mesmo não recusou qualquer colaboração.
Acresce ainda que - tal como disse o julgador no despacho em que determinou o desentranhamento dos documentos que o terceiro pretendeu juntar após o encerramento da audiência e, no caso, após a prolação da sentença -, a junção de documentos com as alegações de recurso só seria possível se fosse requerida pela parte - e não foi.
Mas, mesmo nesse caso, só seria passível de ser efectuada no âmbito do recurso de apelação em que nos movemos, quando, e se, se verificasse alguma das situações prevenidas no artigo 651.º do CPC, do qual resulta que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”, excepções que no caso em presença não se verificam.
De facto, da conjugação do disposto nos artigos 425.º e 651.º do CPC, verifica-se que apenas é admissível a junção de documentos no âmbito das alegações de recurso de apelação nestes tipos de situações:
- quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em primeira instância;
- quando a apresentação se tenha tornado necessária apenas em virtude do julgamento proferido pela primeira instância.
Sabido é que, quanto à primeira das referidas possibilidades - documentos cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em primeira instância - o preceito abrange quer a superveniência objectiva do documento, quer a superveniência subjectiva decorrente, por exemplo, do desconhecimento da existência do documento, ou mesmo da junção de documentos que tenham sido formados posteriormente àquele momento temporal[5].
No entanto, os documentos supervenientes a que o preceito se refere, não podem ser todos e quaisquer documentos que se reportem a factos já constantes da instrução da causa[6].
Na verdade, considerando que os recursos se destinam ao controle da decisão impugnada, hão-de admitir-se apenas os documentos que tenham relevância processual quanto a factos supervenientes estranhos ao objecto da lide ou que se destinem a pôr-lhe termo, como sejam, o documento comprovativo do óbito da parte; a confissão, desistência ou transacção realizada através de documento autêntico ou particular[7]; ou aqueles que, tendo havido impugnação da matéria de facto, se enquadrem na previsão do n.º 1, do artigo 662.º, isto é, aqueles documentos que, sendo novos e supervenientes, só por si, tenham força probatória suficiente para destruir a prova em que a decisão da primeira instância assentou[8].
Efectivamente, o recurso não é o meio próprio para juntar documentos aos autos, já que a sede própria para a instrução da causa é o tribunal de primeira instância, donde resulta a natureza excepcional da admissão de documentos nesta fase, uma vez que a referida reapreciação das decisões deve ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento em que as mesmas foram proferidas, e não avaliar da sua bondade ou desconformidade em função de outros documentos novos que poderiam ter sido tomados em conta, mas não o foram no momento próprio por não terem sido presentes para apreciação do julgador da primeira instância, isto apesar de a parte saber, ou pelo menos dever saber por estar devidamente patrocinada, que os mesmos se destinavam a provar factos que estavam sujeitos a instrução.
Deste modo, conclui-se que os referidos documentos não seriam igualmente admissíveis se a Recorrente tivesse procedido à respectiva junção com as alegações de recurso, porquanto a situação em presença nunca se enquadraria no segmento final do artigo 425.º do CPC, que a permite nos casos em que a apresentação não tenha sido possível até àquele momento, situação em que o caso em presença não se enquadra. De facto, basta pensar que a Requerente juntou os documentos que teria em seu poder e solicitou a colaboração do tribunal para notificar o terceiro que teria em seu poder os demais documentos relevantes, indicando aqueles cuja junção pretendia. Ora, estes foram juntos aos autos até ao dia anterior ao encerramento da audiência final. Porém, destes não constavam efectivamente os elementos identificativos necessários para que o Tribunal pudesse concluir que o crédito peticionado havia sido incluído no contrato de cessão. Sublinhe-se: aos autos não foram juntos os elementos que as próprias partes definiram no contrato como identificativos da existência da cessão deste concreto crédito, designadamente o print da parte do CD-ROM que se referisse ao crédito do DD sobre o requerido - que não foi junto aos autos -, e nem sequer consta o «Certificado Acreditativo» cuja minuta consta do anexo 5, ao contrato, e que a Requerente também não curou de juntar oportunamente, nem de tempestivamente solicitar a colaboração do Tribunal para o efeito, caso tivesse alguma dificuldade de colaboração por parte do Banco Cedente.
Ora, a prova do facto considerado «não provado» não se basta com a invocação efectuada pela Recorrente de que seria «pouco plausível que o cedente DD PLC viesse aos autos juntar a documentação para o qual foi interpelado, cópia do contrato de adesão e respetivos extratos, sem qualquer contestação ou questão prévia, se o crédito não tivesse sido efetivamente cedido».
O ponto é que efectivamente pelo DD PLC não foi junta qualquer outra documentação, mormente a da relativa à transmissão desta concreta dívida do Requerido «por não ter sido interpelado para tal», como diz a Recorrente. Acontece que, a mesma nada requereu a esse respeito e, portanto, apenas da sua conduta omissiva se poderá queixar.
Assim, ao invés do que pretende a Autora, ora Recorrente, o julgador não «efetuou uma errada interpretação das provas apresentadas, nomeadamente, porque», ao contrário do afirmado, não constam do processo documentos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida», isto porque, com a documentação junta aos autos, aquela não fez efetivamente prova de que lhe foi feita a cessão do crédito em causa nos presentes autos.
Acresce que, no caso vertente é evidente que o documento (print) em apreço, ainda que tivesse sido junto com as alegações de recurso, não constituiria documento superveniente para os fins referidos, desde logo porque o mesmo destinava-se a prova da invocada cessão do concreto crédito, cujo pagamento a ora Apelante veio peticionar.
Deste modo, tendo presente a consabida constatação de que os recursos visam reapreciar, com vista a confirmar, modificar, revogar ou anular, as decisões recorridas e não a criar decisões sobre matéria nova, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso debruça-se apenas sobre as questões que já foram submetidas à apreciação do Tribunal recorrido, pelo que, mesmo se tivesse sido requerida pela parte, igualmente não seria admissível a respectiva junção.
Em suma, em qualquer uma das situações referidas, não existia fundamento legal para admitir a junção aos autos de documento que, não sendo estranho ao objecto da lide não era novo e a parte manifestamente já poderia ter juntado ou, pelo menos, requerer ao tribunal que determinasse a notificação do terceiro em poder do qual se encontraria para efectuar a junção.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, urge concluir que o Senhor Juiz não desconsiderou a prova documental produzida. Ao invés, foi a Recorrente, sobre quem impendia o respectivo ónus que a não produziu oportunamente, irrelevando que eventualmente o tivesse tentado fazer posteriormente por via da junção dos documentos por terceiro, ou sequer, que se reporte agora aos factos relevantes para prova da matéria de facto não provada, e os mencione em sede de alegações de recurso, sem que os mesmos tenham sido oportunamente suportados na prova alegadamente existente mas que não foi oportunamente junta aos autos, podendo tê-lo sido.
A última questão colocada pela Apelante respeita à possibilidade de serem as partes convidadas a prestar esclarecimentos sobre o que se afigurar pertinente, nomeadamente, no que respeita ao anexo e à identificação do crédito sobre o R.
Porém, não retira desta alegação qualquer consequência invocando apenas a este respeito no corpo das alegações que «em caso de dúvida deveria a Requerente ter sido notificada, para prestar os devidos esclarecimentos, conforme tem sido prática junto de outros Tribunais».
Vejamos.
Em primeiro lugar, é uma evidência que o juiz pode notificar as partes para prestarem os esclarecimentos que entenda necessários, porque tal possibilidade encontra-se expressamente consagrada no artigo 7.º, n.º 2, do CPC, que rege sobre o princípio da cooperação, e corresponde ao que anteriormente previa o artigo 266.º do CPC.
Mas, naturalmente que, na espécie e tal como a Apelante apresenta a questão, esta faculdade do juiz teria de respeitar a documentos já existentes no processo, sendo certo que, conforme foi já referido, não existe qualquer anexo com a identificação do crédito sobre o Réu e, salvo o devido respeito, os documentos juntos não precisam de qualquer esclarecimento que a sua simples leitura não evidencie para o juiz.
Em segundo lugar, dizer que aquilo que se nos afigura que a Apelante efectivamente pretenderia - pese embora o não tenha claramente afirmado -, não é legalmente admissível, já que redundaria no suprimento pelo juiz de um ónus que impendia sobre uma das partes, no caso a Autora, que o não cumpriu.
Efectivamente, atento o princípio do contraditório ínsito no artigo 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Conforme temos vindo a referir, o referido princípio do inquisitório tem actualmente um conteúdo que «obriga a repensar a natureza de alguns poderes instrutórios do juiz. Aceitando-se que este princípio se desenha hoje como um verdadeiro poder-dever do juiz, tem este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer»[9].
De facto, conforme observam LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[10] «os poderes-deveres do juiz estabelecidos pelo artigo em anotação não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, como mostra o segmento “mesmo oficiosamente”. Ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio».
Porém, tendo nós como certo, na senda da decisão vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, citado pelos ora indicados autores[11], que «o não uso, pelo juiz, dos poderes instrutórios que a lei lhe confere pode traduzir uma nulidade processual, nos termos do art. 195-1, porquanto consiste na omissão de um ato que a lei prescreve», não é menos verdade que «caso se entenda que o juiz, ao não ordenar a diligência, viola o exercício de um autónomo poder-dever de indagação oficiosa, tem de ser arguida a nulidade de tal omissão»[12].
De facto, o incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode em algumas situações influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, a arguir pelo interessado nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC.
Não obstante assim ser, e a regra para os casos em que a parte não estiver presente no acto, implicar a arguição das nulidades no prazo de dez dias a contar da notificação da decisão da qual a respectiva comissão ou omissão decorra, o certo é que temos vindo a considerar que quando ocorre uma nulidade processual que se encontra coberta por uma decisão judicial que admite recurso, aquela é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, porquanto, sem a prática do acto devido, o tribunal conhece de questão que não podia conhecer, por outras palavras, “o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão”[13].
Portanto, no caso vertente, entendendo a Apelante que a alegada omissão cometida pelo julgador tinha influência na decisão da causa, concretamente na decisão de considerar não provado o facto em apreço, atenta a posição que vimos defendendo, sempre consideraríamos tempestiva a arguição da eventual nulidade cometida nas alegações de recurso.
Porém, não tendo a Apelante arguido qualquer nulidade, ainda que a mesma tivesse ocorrido, inelutavelmente, tem de considerar-se sanada, em face do disposto no artigo 199.º do CPC, não podendo este Tribunal conhecer oficiosamente de eventual nulidade cometida.
Como já vimos, entendemos, com o Senhor Juiz, que os meios de prova juntos aos autos efectivamente não suportam a prova do facto considerado como não provado. Acresce que, a Apelante não arguiu qualquer nulidade, e não estamos em presença de nenhuma situação enquadrável nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, que rege sobre os casos de dúvida fundada sobre a prova realizada, situação em que o Tribunal da Relação pode ordenar a produção de novos meios de prova.
Na realidade, não podemos confundir, como a Apelante parece pretender, os poderes-deveres decorrentes para o juiz do cumprimento do princípio do inquisitório, com a nossa substituição às partes, mormente àquela sobre a qual impende o ónus da prova dos factos que alega, porque a tal se oporiam tanto o princípio dispositivo como o princípio da igualdade das partes, consagrado no mesmo patamar daquele no artigo 4.º do CPC, em decorrência do princípio vertido no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que a todos assegura o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva mediante um processo equitativo.
De facto, a questão que afloramos tem ínsita uma discussão profunda que não cabe neste lugar, a respeito da visão da iniciativa instrutória do juiz no confronto com os ónus das partes[14]. Diremos apenas que, tal como entendemos o processo civil vigente, caso o direito seja disponível, o princípio do inquisitório não consente que o juiz supra o incumprimento por banda da parte onerada com o ónus da prova de determinado facto, carreando aos autos após o encerramento da discussão da causa, prova documental que aquela não juntou, porque a tal se opõe o princípio dispositivo na vertente da instrução probatória.
Assim, revertendo estas considerações ao caso em presença, não tendo a Apelante cumprido o ónus da prova do indicado facto que sobre si impendia, juntando aos autos atempadamente o documento comprovativo da cessão do concreto crédito em questão nos autos, a consequência da sua inércia não podia ser outra que não a de julgar não provado o indicado facto, do qual dependia a procedência da sua pretensão.
Pelo exposto, é de concluir que o presente recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto deve improceder, pelo que, não sendo caso de modificação oficiosa da mesma, é de manter nos seus precisos termos a matéria de facto considerada provada e não provada em primeira instância.
Em consequência, considerando que a pretensão de revogação da decisão recorrida, dependia da pretendida alteração da matéria de facto, de não provada para provada, conforme desde logo ressalta da alegação da Recorrente de que «logrou fazer prova bastante que através do contrato de compra e venda de activos, tenha sido cedido, à ora Autora, o crédito de que o «DD, Plc» era titular, perante o Réu», mantendo-se inalterada a matéria de facto não provada e nada tendo a Recorrente apontado à decisão de direito que não dependesse daquela impetrada alteração da base factual, é naturalmente de confirmar a sentença recorrida.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do presente recurso, suportando a Apelante as custas respectivas, atenta a sua integral sucumbência e o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 e do CPC.
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III.3. - Síntese conclusiva
I - Os documentos são meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (artigo 341.º do Código Civil), daí que a sua junção, em regra, deva ser efectuada na fase instrutória da causa, nos momentos que actualmente se mostram previstos no artigo 423.º do CPC.
II - Este regime regra decorre do princípio da audiência contraditória, visando que a parte contrária possa, desde logo, contestar no articulado ou em resposta subsequente quer a admissibilidade, quer a autenticidade e força probatória material do documento apresentado.
III - Não obstante, atento o interesse público no apuramento da verdade material, o n.º 2 do citado preceito possibilita que a parte possa ainda apresentar documento que não juntou com o articulado respectivo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo porém condenada em multa pela apresentação tardia, excepto se provar que não pôde oferecer o documento oportunamente, podendo ainda efectuar a sua apresentação após aquele limite temporal mas apenas quando se verifique alguma das situações excepcionais previstas no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
IV - O recurso não é o meio próprio para juntar documentos aos autos, já que a sede própria para a instrução da causa é o tribunal de primeira instância, donde resulta a natureza excepcional da admissão de documentos nesta fase, uma vez que a referida reapreciação das decisões deve ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento em que as mesmas foram proferidas, e não avaliar da sua bondade ou desconformidade em função de outros documentos novos que poderiam ter sido tomados em conta, mas não o foram no momento próprio por não terem sido presentes para apreciação do julgador da primeira instância.
V - Sendo certo que o incumprimento pelo juiz da determinação dos poderes instrutórios que lhe estão cometidos, pode em algumas situações influir na decisão da causa e consequentemente ser geradora de uma nulidade processual, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, a arguir pelo interessado nos termos dos artigos 197.º e 199.º, todos do CPC, temos vindo a considerar que quando ocorre uma nulidade processual que se encontra coberta por uma decisão judicial que admite recurso, aquela é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, sendo tempestiva a arguição da eventual nulidade cometida nas alegações de recurso.
VI - Não podemos confundir os poderes-deveres decorrentes para o juiz do cumprimento do princípio do inquisitório, com a sua substituição às partes, mormente àquela sobre a qual impende o ónus da prova dos factos que alega, porque a tal se oporiam tanto o princípio dispositivo como o princípio da igualdade das partes.
VII - Assim, caso o direito seja disponível, o princípio do inquisitório não consente que o juiz supra o incumprimento por banda da parte onerada com o ónus da prova de determinado facto, carreando aos autos após o encerramento da discussão da causa, prova documental que aquela não juntou, porque a tal se opõe o princípio dispositivo na vertente da instrução probatória.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Évora, 22 de Novembro de 2018
Albertina Pedroso [15]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo Local Cível de Abrantes.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, págs. 528 e 529.
[5] Cfr. neste sentido, AMÂNCIO FERREIRA, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina 2009, pág. 215.
[6] Cfr. sobre este ponto, JOÃO ESPÍRITO SANTO, in O Documento Superveniente Para o Efeito de Recurso Ordinário e Extraordinário, Almedina 2001, sobretudo págs. 61 a 67.
[7] Cfr. neste sentido, autor, obra e local citado, e LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 98 e 99.
[8] Cfr. neste sentido, LUÍS LAMEIRAS, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª Edição Aumentada e Reformulada, Almedina, pág. 123.
[9] Cfr. PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, vol. I, Almedina 2014, 2.ª edição, págs. 473 a 475, citando sobre o tema dos poderes instrutórios do juiz, NUNO LEMOS JORGE.
[10] In Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina 2017, pág. 208.
[11] Proferido no processo n.º 507/10.1T2AVR-C.C1, disponível em www.dgsi.pt, rectificando-se aqui o lapso na indicação da data em que o mesmo foi tirado, que é 14.10.14 e não 14.10.2015, conforme consta da nota 2 da citada obra, e fazendo a menção ao seu número de identificação integral.
[12] Cfr. inter alia, Ac. STJ, P. n.° 3521/00, 1.ª, de 11.1.2001, Sumários, 47.°-11, citado no indicado Ac. do TRC.
[13] Cfr. posição expressa pelo Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA neste sentido, no blog do IPPC, inter alia no comentário ao Acórdão deste TRE de 19/5/2016 (124/14.7T8ABT.E1), no qual expressou que «pode discutir-se se a consequência da violação do dever de cooperação do tribunal não deve ser a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que, afinal, antes do proferimento da sentença não é possível saber que o tribunal estava a laborar num equivoco e que deixou de cumprir o dever de esclarecimento. Em todo o caso, também se pode viver com a solução da nulidade do processo (cf. art. 195.º, n.º 1, CPC)... que implica a anulação da decisão por força do estabelecido no art. 195.º, n.º 2, CPC».
[14] Cfr. com muito interesse a este respeito MARIANA FRANÇA GOUVEIA, in Os Poderes do Juiz Cível na Acção Declarativa Em Defesa de um Processo Civil ao Serviço do Cidadão, e EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA YOSHIKAWA, in Considerações a respeito da iniciativa instrutória do juiz no processo civil brasileiro, JULGAR n.º 6, ambos disponíveis online.
[15] Texto elaborado e revisto pela Relatora.