Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
146/14.8GAMAC.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE NOTAÇÃO TÉCNICA
Data do Acordão: 11/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Não integra o tipo objectivo do crime de falsificação de notação técnica, p. e p. nos termos prevenidos nos artigos 258.º n.os 1 alínea c) e 2, e 255.º alínea b), do CP, a condução, pelo arguido, de um veículo pesado de mercadorias ostentando o tacógrafo um disco diagrama em nome de terceiro, já que tal não traduz qualquer interferência no processo de registo do tacógrafo do veículo.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 146/14.8GAMAC.E1


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I

1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, BB, foi acusado, pelo Ministério Público, da prática de factos consubstanciadores da autoria material, em concurso efectivo: (i) de um crime de falsificação de notação técnica, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos artigos 258.º n.os 1 alínea c) e 2 e 255.º alínea b), do Código Penal (CP; (ii) de um crime de uso de documento de identificação ou de viagem alheio, p. e p. nos termos do disposto nos artigos 261.º e 255.º alínea b), do CP; e (iii) de uma contra-ordenação muito grave, p. e p. nos termos do disposto nos artigos 7.º n.º 3 alínea d), do Decreto-Lei (DL) n.º 169/2009, de 31 de Julho, e no artigo 147.º n.os 1 e 2, do Código da Estrada (CE).

2 – Precedendo audiência de julgamento, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 25 de Janeiro de 2016, decidiu nos seguintes termos:
«Por todo o exposto, julgo a acusação pública parcialmente improcedente por não provada, e em consequência, decido:
1. Absolver o arguido da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelos artigos 258.º nº 1 alínea c) e 2 ex vi 255º alínea b) do Código Penal de que vinha acusado.
2. Absolver o arguido BB da prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelos artigos 261º nº 1 ex vi artigo 255º alínea c) de que vinha acusado.
3. Mais determino que, após trânsito, se extraia certidão da acusação pública, do auto de notícia, bem como de toda a prova documental referida na acusação e desta sentença e se remeta ao I.M.T.T., I.P., para apreciação da eventual responsabilidade contraordenacional do arguido.
4. Sem custas – cfr. art. 513.º, 1, a contrario, do Código de Processo Penal.»

3 – A Ex.ma Magistrada do Ministério Público em primeira instância interpôs recurso da sentença.
Pretende vê-la revogada e substituída por decisão que condene o arguido pela prática do crime de falsificação de notação técnica e da contra-ordenação acusados.
Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«1- O arguido, BB, deve ser condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelos artigos 258.º nº 1 alínea c) e 2 ex vi 255.º alínea b) do Código Penal.
2 – Foram dados como provados os seguintes factos:
[…]
3. E, da factualidade dada como não provada, consta que:
[…]
4. O art.º 258.º, n.º 1 al. c) e 2 do Código Penal, estabelece que:
[…]
5 - O artigo 255.º, al. b) do Código Penal, define o conceito de “notação técnica”, nos seguintes termos: […]
6 - O objeto da ação típica no crime de falsificação de notação técnica é o objeto material que, total ou parcialmente, de forma automática, criou o registo técnico relevante.
7 - No específico domínio da al. c) do n.º 1 do artigo 258.º do Código Penal, para a existência do crime é indispensável que se verifique, de forma automática, através de um aparelho técnico, o registo de um valor falso, de um peso falso, de uma medida falsa ou de um decurso falso de um acontecimento, devendo a notação técnica assim produzida ser adequada objetivamente para ter efeitos probatórios ou algum tipo de relevância jurídica.
8 - No que tange à previsão do n.º 2 do artigo 258.º, para que o crime ocorra é indispensável a ação perturbadora sobre um aparelho técnico ou automático e uma atuação posterior do agente para desencadear a produção da notação, constituindo tentativa a ação de manipulação do aparelho técnico quando a notação decorre automaticamente daquela ação.
9 - A ação típica há-de incidir sobre o aparelho, no caso o tacógrafo e não sobre a própria notação, levando ao registo de resultados da notação desconformes com a realidade.
10 – In casu, operou-se a introdução no tacógrafo de um cartão tacográfico pertencente a pessoa diferente do condutor do veículo,
11 – E verificou que o aparelho, por virtude dessa ação, produziu uma notação técnica falsa, na medida em registou a condução do veículo por terceiro que não o arguido.
12 – A notação da condução do veículo por terceira pessoa constitui facto juridicamente relevante, pois, permite que o condutor ultrapasse o período regulamentar de condução sem que fique registado.
13 - O arguido, sabia que utilizava um cartão de condutor alheio e que fazia constar do registo do tacógrafo factos que não correspondiam à verdade.
14 – O arguido visava obter benefício, traduzido na possibilidade de poder conduzir mais horas do que as permitidas por lei, sem que tal fosse detetado em caso de fiscalização.
15 - Na fundamentação da matéria de facto da sentença ora em crise, resulta, para além do mais, que:
“(…) O arguido prestou declarações quanto aos factos por que vinha acusado, a qual, no essencial, reportou ter efetivamente usado os dois cartões no desiderato de poder conduzir mais horas do que o legalmente permitido (…).”
16 - Os dados relativos ao percurso do veículo só assumem relevância quando associados à pessoa do condutor.
17 – No sentido das conclusões atrás descritas, vide, a título meramente exemplificativo, Helena Moniz, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, pág. 707 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do Processo n.º 26/12.1 GTPNF.P1, datado de 17.04.2013, disponível in www.dgsi.pt.
18 – O arguido agiu de forma consciente e intencional e conhecia a ilicitude da sua conduta.
19 – O arguido “por decisão proferida em 30/08/2011, pelo Tribunal de Polícia De Poitiers, em França, foi o arguido condenado pela prática de uma contra ordenação por condução superior ao legalmente permitido.”
20 – O regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.º 169/2009, prevê a punição do condutor, a título de contra ordenação, pela utilização do cartão de condutor por pessoa diferente do titular, mas ressalva a responsabilidade criminal, conforme dispõe o artigo 7.º, n.º 3, alínea d) do citado diploma.
21 - Pelo que, face ao exposto e tendo em conta os factos dados como provados, apenas se poderá concluir pelo preenchimento integral dos elementos constitutivos do crime de falsificação de notação técnica que vinha imputado ao arguido.
22 - E, em consequência deverá o mesmo ser condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelos artigos 258.º nº 1 alínea c) e 2 ex vi 255.º alínea b) do Código Penal.
23 - O arguido deve, ainda, ser condenado, pela prática de uma contra ordenação muito grave prevista e punida pelo art.º 7.º, n.º 3, al. d) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31.07 e com a sanção acessória prevista no art.º 147.º, n.º 1 e 2 do Código da Estrada.
24 - Nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º 1 e 3, al. d) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31.07, estabelece-se que:
[…]
25 – Da factualidade dada como provada na sentença ora em crise e do próprio teor da referida sentença pode ler-se, que:
a) “(…) resulta inequivocamente que o arguido utilizou o cartão de condutor de CC no tacógrafo do veiculo pesado de mercadorias de marca Mercedes-Benz, modelo 963-4-A, com a matrícula…, propriedade da sociedade “DD, Lda”,
b) É igualmente inequívoco que o arguido bem teve consciência dessa utilização, a fim de poder conduzir por um número superior ao de horas permitido
c) Praticou, pois, intencional e conscientemente, a contra ordenação por que vem acusado. (…)”.
26 - A M.ma Juiz a quo, entendeu que a conduta do arguido não é suscetível de configurar responsabilidade criminal mas tão só contraordenacional.
27 - E, em consequência determinou, ao abrigo do disposto no art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e dos artigos 6.º n.º 1, 7.º n.º 3 alínea d) do Decreto-Lei n.º 169/2009 de 31.07, que, após trânsito da sentença, se extraía certidão da acusação pública, do auto de notícia, bem como de toda a prova documental referida na acusação e deste despacho e se remeta ao I.M.T.T., I.P. para apreciação da responsabilidade contra ordenacional do arguido.
28 - O Ministério Público, não se conforma com essa decisão.
29 - Nos termos do disposto no art.º 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31.07, estabelece-se que: “O processamento das contra -ordenações e aplicação das coimas previstas no presente decreto -lei compete ao IMTT, I. P., e observa o regime geral das contra ordenações.”
30 - E, nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 1, 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, estabelece-se que:
[…]
31 - A M.ma Juiz a quo é competente para decidir a contra ordenação que se encontra imputada ao arguido.
32 - Tendo em conta a factualidade dada como provada e o teor da sentença ora em crise, deverá o arguido ser condenado pela prática de uma contra ordenação muito grave prevista e punida pelo art.º 7.º, n.º 3, al. d) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31.07 e com a sanção acessória prevista no art.º 147.º, n.º 1 e 2 do Código da Estrada.
Termos em que, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que condene o arguido, BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelos artigos 258.º nº 1 alínea c) e 2 ex vi 255.º alínea b) do Código Penal e pela prática de uma contra ordenação muito grave, prevista e punida pelo art.º 7.º, n.º 3, al. d) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31.07 e com a sanção acessória prevista no art.º 147.º, n.º 1 e 2 do Código da Estrada.»

4 – O recurso foi admitido, por despacho de 2 de Março de 2016.

5 – O arguido respondeu ao recurso.
Defende a confirmação do julgado.
Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:
«1 – O Ministério Público, ora recorrente alega que o Tribunal a quo não deveria ter absolvido o arguido do crime de falsificação de notação técnica, P.P. pelo artigo 258º nº 1 al. c) do CP, bem como, deveria o mesmo ter sido condenado pela prática de contra-ordenação muito grave p. e p. no artigo 7º nº 3 do DL 169/2009 de 31/07.
2 – Resulta que relativamente à absolvição do arguido pela prática do crime de falsificação de notação técnica p.p. pelo artigo 258º nº 1 al. c) do CP, não se encontravam preenchidos ou de forma integral os elementos constitutivos do crime, nomeadamente a acção perturbadora sobre um aparelho técnico ou automático e uma actuação posterior do agente para desencadear a produção da notação, o arguido com o seu comportamento não preenche este elemento constitutivo do crime.
3 – Quanto à condenação pela prática da contra-ordenação deverá ser o IMTT a apreciar da mesma;
4 – Atendendo à prova produzida não podia o Tribunal ter decidido de forma diversa.
5 – A douta sentença recorrida ao valorar a prova produzida, aplicando a lei ao caso concreto de forma correcta deverá ser mantida e o recurso interposto ser julgado improcedente.»

6 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, aderindo à motivação, é de parecer que o recurso merece provimento.

7 – O objecto do recurso reporta a saber se a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido incorreu em erro de jure, seja do passo em que absolveu o arguido do crime de falsificação de notação técnica, seja no ponto em que se desobrigou de apreciar a prática da contra-ordenação, objecto da acusação pública.
II

8 – A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo apreciou a matéria de facto nos seguintes termos:
«Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes:
A. Factos Provados:
1. No dia 4 de Dezembro de 2014, pelas 11horas e 40 minutos, na E.N. 3-12, na Zona Industrial de Mação, o arguido BB conduzia o veículo pesado de mercadorias de marca Mercedes-Benz, modelo 963-4-A, com a matrícula…, propriedade da sociedade “DD, Lda”, tendo sido fiscalizado por uma patrulha da G.N.R. do Posto Territorial de Mação.
2. No circunstancialismo supra referido, o arguido BB tinha dois cartões de condutor inseridos no interior do aparelho tacógrafo do veículo: na primeira gaveta o cartão de condutor pertencente ao próprio, e na segunda gaveta o cartão de condutor pertencente a CC, que nem sequer se encontrava no veículo, onde se encontrava o arguido, sozinho.
3. Sendo que, no cartão do motorista correspondente ao cartão de condutor do arguido BB marcava a atividade de condução e no cartão de condutor introduzido na gaveta número dois, pertencente a CC, marcava disponibilidade.
4. O arguido BB, em data e hora não concretamente apurada mas em momento anterior à hora da ação de fiscalização, introduziu na primeira gaveta o cartão de condutor pertencente ao próprio, e na segunda gaveta do aparelho tacógrafo introduziu o cartão de condutor pertencente a CC, o que fez sem o conhecimento e sem autorização deste, e com o objetivo de, simulando uma tripulação múltipla, obter mais horas de disponibilidade de condução.
5. O arguido BB ao circular com os dois cartões introduzidos no tacógrafo simulava a existência de uma tripulação múltipla, ou seja, a existência de dois condutores, o que não correspondia à verdade pois o único condutor era o arguido, não se encontrando CC a bordo do veículo.
6. Ao circular com os dois cartões o arguido BB pretendia usufruir de mais disponibilidade de horas de condução, porquanto enquanto o cartão de condutor do próprio registava períodos de condução intercalados com descanso, o cartão de condutor pertencente a CC registava descanso intercalado com disponibilidade, o que fez com intuito de uso posterior durante a mesma viagem.
7. Aquando da fiscalização, o cartão de condutor pertencente a CC ainda não registava qualquer início de atividade de condução, contudo o arguido ao colocar o mesmo na gaveta do tacógrafo, e ao circular com o veículo nessa situação de tripulação múltipla, sabendo que o outro cartão não lhe pertencia e que era condutor único, atuou de molde a que aí fossem registados registos de condução e disponibilidade indevidos.
Das condições económicas, sociais e familiares
8. O arguido vive com a esposa.
9. O arguido é motorista profissional e aufere cerca de 1 700,00 euros mensais;
10. O cônjuge aufere cerca de 535,00 euros por mês.
11. O arguido tem dois filhos maiores de idade e já independentes;
12. O arguido e o respetivo cônjuge vivem em casa própria, suportando um custo mensal de 350,00 euros para amortização do empréstimo contraído com a sua aquisição.
13. O arguido suporta ainda a quantia mensal de 300,00, com a amortização de empréstimos contraídos.
14. O arguido tem o 4º ano de escolaridade.
Dos antecedentes criminais
15. Por decisão proferida em 30/08/2011, pelo Tribunal de Polícia De Poitiers, em França, foi o arguido condenado pela prática de uma contra ordenação por condução superior ao legalmente permitido.

B) Factos Não Provados:
Não foram apurados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
a. O arguido BB agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que utilizava um documento de identificação (cartão de condutor) alheio, o que quis e conseguiu, visando, desta forma, obter um benefício ilegítimo, traduzido na possibilidade de poder conduzir mais horas do que as permitidas por lei, sem que tal fosse detetado em caso de fiscalização de tacógrafo.
b. Mais sabia que ao agir como agiu, fazia constar do registo do tacógrafo factos que não correspondiam à verdade, designadamente que existia uma tripulação múltipla na viagem em causa, quando o arguido circulava sozinho, influenciando o resultado dos registos das horas de condução associadas a cada cartão de condução, e pretendendo assim obter para si um benefício ilegítimo, ou seja, mais horas de disponibilidade de condução, o que igualmente quis e conseguiu.
c. O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, não obstante não se absteve de agir como agiu.

C) Fundamentação da Matéria de Facto
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo aos dados objetivos fornecidos pela mesma.
Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, destacando-se:
A prova documental, cujo teor não foi impugnado, infra descrita:
Registos de fls. 9, o qual permitiu dar como provado o facto 2.
CRC de fls. 167, o qual permitiu apurar que o arguido possui antecedentes contra ordenacionais (facto 15);
O arguido prestou declarações quanto aos factos por que vinha acusado, a qual, no essencial, reportou ter efetivamente usado os dois cartões no desiderato de poder conduzir mais horas do que o legalmente permitido, sendo certo que desconhecia que estava a praticar um crime, mas bem sabendo que estava a praticar uma contraordenação Estas suas declarações foram valoradas pelo Tribunal. As suas declarações foram prestadas de forma sincera e humilde, assumindo os factos.
As suas declarações permitiram dar como provadas os factos 1 a 7 e como não provado o facto constante nas alíneas a) a c).
Também foram consideradas as suas declarações quanto às respetivas condições pessoais e sociais (factos 8 a 14), as quais, também nesta parte, não levantaram quaisquer reservas ao Tribunal por verosímeis, sendo certo que não foram infirmadas por outro meio de prova.»

9 – Importa salientar, mesmo de ofício e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP.

10 – Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.

11 – Em matéria de direito, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo ponderou nos seguintes termos:
«Assentes que estão os factos, cumpre, agora, aferir se, dos mesmos, emerge qualquer responsabilidade jurídico-penal para o arguido.
Do Crime de Falsificação de notação técnica
Estatui o artº 258º do C. Penal que:
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo:
a) Fabricar notação técnica falsa;
b) Falsificar ou alterar notação técnica;
c) Fizer constar falsamente de notação técnica facto juridicamente relevante; ou
d) Fizer uso de notação técnica a que se referem as alíneas anteriores, falsificada por outra pessoa;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - É equiparável à falsificação de notação técnica a ação perturbadora sobre aparelhos técnicos ou automáticos por meio da qual se influenciem os resultados da notação.
3 - A tentativa é punível.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 256.º
O artigo 255.º, al. b) do Código Penal define nestes termos o conceito de “notação técnica”: «a notação de um valor, de um peso ou de uma medida, de um estado ou do decurso de um acontecimento, feita através de aparelho técnico que atua, total ou parcialmente, de forma automática, que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas os resultados e se destina à prova de facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua realização quer posteriormente»
O crime de notação técnica tem em vista a proteção de um específico bem jurídico-criminal, qual seja a autenticidade do modo de produção automática da notação.
Citando Helena Moniz, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 671: «Como sucede com o documento, não é o objeto material onde se realiza a ”notação técnica” o relevante no domínio jurídico – penal; «o que importa para efeitos do crime de falsificação de “notação técnica” é a interferência em qualquer processo automático de notação que acabe por dar origem a um registo de notação falsa de um valor, de um peso, de uma medida, de um decurso de acontecimento e, por conseguinte, de uma notação técnica falsa. Aquela notação constitui a prova de um facto juridicamente relevante que devido à manipulação do processo automático está desvirtuada…»
Como refere Helena Moniz, «não se trata da veracidade ou da autenticidade do conteúdo da notação; o que se pretende é a “proteção da exatidão formal” garantindo que a produção da notação é “livre” de qualquer manipulação humana …» (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, TII pag.707).
O objeto da ação típica no crime de notação de falsificação técnica é o objeto material que, total ou parcialmente, de forma automática, criou o registo técnico relevante.
No âmbito da al. c) do n.º 1 do artigo 258º do Código Penal, para a existência do crime é indispensável que se verifique, de forma automática, através de um aparelho técnico, o registo de um valor falso, de um peso falso, de uma medida falsa ou de um decurso falso de um acontecimento, devendo anotação técnica assim produzida ser adequada objetivamente para ter efeitos probatórios ou algum tipo de relevância jurídica.
No que tange à previsão do n.º 2 do artigo 258º, para que o crime ocorra é indispensável a ação perturbadora sobre um aparelho técnico ou automático e uma atuação posterior do agente para desencadear a produção da notação
Transpondo para a situação que ora nos ocupa, estando, tão só em causa a condução, por parte do arguido, do veículo de mercadorias, ostentando o tacógrafo um disco diagrama em nome do próprio e de CC à luz do que exposto ficou quanto à conformação do tipo legal, é minha convicção não integrar tal factualidade a ação relevante/típica do crime em referência, já que não traduz a mesma qualquer interferência no processo de registo do tacógrafo do veículo e, logo, não se verificou, por intermédio da manipulação do aparelho, a produção de notação falsa das horas de condução
Conclui-se, pois, pelo não preenchimento integral dos elementos constitutivos do crime de falsificação de notação técnica imputado ao arguido, pelo que deve o mesmo ser absolvido.
Perante o exposto, impõe-se a absolvição do arguido pelo cometimento do crime de falsificação de notação técnica, pelo qual vinha acusado.
Do crime de uso de documento de identificação ou viagem alheio
Dispõe o artº 261º do Código Penal que:
1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, utilizar documento de identificação ou de viagem emitido a favor de outra pessoa, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, com intenção de tornar possível o facto descrito no número anterior, facultar documento de identificação ou de viagem a pessoa a favor de quem não foi emitido.
O objeto da ação típica se encontra definido no artigo 255.º alínea c) do Código Penal. Este normativo fornece a seguinte definição de documento de identificação ou de viagem: o cartão de cidadão, o bilhete de identidade, o passaporte, o visto, a autorização ou título de residência, a carta de condução, o boletim de nascimento, a cédula ou outros certificados ou atestados a que a lei atribui força de identificação das pessoas, ou do seu estado ou situação profissional, donde possam resultar direitos ou vantagens, designadamente no que toca a subsistência, aboletamento, deslocação, assistência, saúde ou meios de ganhar a vida ou de melhorar o seu nível;”
Nos autos está em causa a utilização do «cartão tacográfico», também designado de cartão de condutor, documento definido no artigo 2.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31 de Julho, como «cartão com memória destinado à utilização com o aparelho de controlo e que permite determinar a identidade do titular, armazenar e transferir dados destinados, segundo o respetivo titular, ao condutor, à empresa detentora do veículo, ao centro de ensaio e às entidades de controlo».
Por seu turno, o «aparelho de controlo» consiste no «equipamento completo destinado a ser instalado a bordo dos veículos rodoviários para indicação, registo e memorização automática ou semi automática de dados sobre a marcha desses veículos, assim como sobre tempos de condução e de repouso dos condutores, também designado por tacógrafo, o qual pode ser analógico ou digital».
A instalação e utilização de tacógrafo digital é obrigatória nos veículos afetos ao transporte rodoviário de passageiros ou de mercadorias, matriculados em Portugal a partir do dia 1 de Maio de 2006, com exceção dos veículos enunciados no artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março e no artigo 2.º da Portaria n.º 222/2008, de 5 de Março.
Da conjugação das normas referidas resulta inequívoco que o cartão de condutor tem como única finalidade a utilização no tacógrafo digital com vista ao registo de dados sobre o condutor, a marcha do veículo, os tempos de condução e de repouso do condutor.
No entanto, o documento em causa, sendo emitido pelo IMTT, contém os elementos essenciais de identificação do condutor, além do que é indispensável à condução dos veículos equipados com tacógrafo digital e é intransmissível. Nesta perspetiva, não subsistem dúvidas de que se trata de um cartão de identificação pessoal.
Sucede, porém, que as características indicadas não permitem enquadrar o cartão de condutor na definição legal de documento de identificação constante do Código Penal, pese embora a respetiva formulação ampla, que comporta os documentos aptos, por lei, para identificar pessoas, o seu estado ou a sua situação profissional quando do respetivo uso possam resultar quaisquer direitos ou vantagens.
Na verdade, julga-se inadmissível equiparar o cartão tacográfico à carta de condução, tendo em conta a diversa razão de ser e a diferente finalidade de tais documentos, sendo certo que a falta do cartão de condutor e da carta de condução, quando exigíveis, faz incorrer o condutor somente em responsabilidade contraordenacional, no primeiro caso, diversamente da condução sem habilitação legal que, como se sabe, constitui ilícito criminal.
Por outro lado, ao referenciar a «situação profissional», o legislador reporta-se expressamente a «certificados ou atestado» e acrescenta «donde possam resultar direitos ou vantagens», não se incluindo, a nosso ver, o cartão tacográfico que se destina antes e apenas ao registo de atos concernentes a uma atividade profissional.
Note-se ainda, que, apesar da nítida equivalência do cartão de cidadão ao bilhete de identidade, o legislador teve a preocupação de atualizar o conceito de documento de identificação, de modo a incluir expressamente o cartão de cidadão, mediante a alteração ao preceito introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, sem que introduzisse idêntico aditamento do cartão tacográfico ou cartão de condutor, quando já desde 2006 era obrigatória a instalação de tacógrafo digital em determinados veículos, nem posteriormente foi alterada a redação do preceito, após a publicação do DL 169/2009 de 31-07 (diploma que define o regime contraordenacional aplicável ao incumprimento das regras relativas à instalação e uso do tacógrafo estabelecidas no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 2135/98, do Conselho, de 24 de Setembro, e pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março). Repara-se, aliás, que nas recentes alterações ao Código Penal, introduzidas pela Lei n.º 19/2013 de 21-02, o legislador, sabendo e não podendo ignorar a questão, não modificou o conceito legal de documento de identificação por forma a abranger o cartão tacográfico.
Por conseguinte, acompanhamos nesta matéria o acórdão da Relação de Coimbra de 6-4-2011, no sentido de que o conceito legal de documento de identificação não engloba o cartão tacográfico, excluindo outra interpretação do preceito, «sob pena de esquecermos o carácter subsidiário ou fragmentário do direito penal, pois, se por aí seguirmos, estaremos a alargar o campo de aplicação da norma e a postergar um efetivo critério limitador da intervenção daquele».
Assim, entendemos que a conduta do arguido ao utilizar o cartão tacográfico de CC não preenche o tipo de ilícito em análise, pelo que deve o mesmo ser absolvido.
Da contra ordenação muito grave p. e p. no artº 7º, nº 3 do DL 169/2009, de 31/07
Vem o arguido acusado da prática da contra ordenação prevista no artigo 7º, nº 3
1 - As infrações ao Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, sobre o uso e instalação do tacógrafo, constituem contraordenação, nos termos dos números seguintes.
2 – (…)
3 - É contraordenação muito grave punível com coima de € 600 a € 1800, imputável ao condutor:
d) A utilização de cartão de condutor por pessoa diferente do seu titular, sem prejuízo da responsabilidade criminal;
(…)
Ora, da factualidade supra elencada, resulta inequivocamente que o arguido utilizou o cartão de condutor de CC no tacógrafo do veiculo pesado de mercadorias de marca Mercedes-Benz, modelo 963-4-A, com a matrícula …, propriedade da sociedade “DD, Lda”,
É igualmente inequívoco que o arguido bem teve consciência dessa utilização, a fim de poder conduzir por um número superior ao de horas permitido
Praticou, pois, intencional e conscientemente, a contra ordenação por que vem acusado.
Estabelece o artigo 6.º do referido decreto-lei, sob a epígrafe processamento e regime das contra ordenações” no seu nº 1 que “O processamento das contra -ordenações e aplicação das coimas previstas no presente decreto -lei compete ao IMTT, I. P., e observa o regime geral das contra ordenações”.
E o artigo 38º do Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro (R.G.C.O.) sob a epígrafe “Autoridades competentes em processo criminal”, preceitua o seguinte:
“1-Quando se verifique concurso de crime e contra ordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contraordenação, o processamento da contraordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal.
(…)
3 - Quando, nos casos previstos nos n.º 1 e 2, o Ministério Público arquivar o processo criminal mas entender que subsiste a responsabilidade pela contraordenação, remeterá o processo à autoridade administrativa competente.
4 - A decisão do Ministério Público sobre se um facto deve ou não ser processado como crime vincula as autoridades administrativas”.
Ora, tendo em conta que o Tribunal entende que a conduta do arguido não é suscetível de configurar responsabilidade criminal mas tão só contraordenacional, determina-se, ao abrigo do referido 38º do Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro (R.G.C.O.) e dos artigos 6º nº 1, 7º nº 3 alínea d) do Decreto-lei nº 169/2009 de 31/07, se extraía certidão da acusação pública, do auto de notícia, bem como de toda a prova documental referida na acusação e deste despacho e se remeta ao I.M.T.T., I.P. para apreciação da responsabilidade contra ordenacional do arguido.»

12 – Como acima se deixou editado, importa saber se a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido incorreu em erro de jure, seja do passo em que absolveu o arguido do crime de falsificação de notação técnica, seja no ponto em que se desobrigou de apreciar a prática da contra-ordenação, objecto da acusação pública.

13 – Quanto à primeira questão, traduzida em saber se a condução, pelo arguido, de um veículo pesado de mercadorias ostentando o tacógrafo um disco diagrama em nome de terceiro integra, ou não, o tipo objectivo do crime de falsificação de notação técnica, p. e p. nos termos prevenidos nos artigos 258.º n.os 1 alínea c) e 2, e 255.º alínea b), do CP, a resposta – sem qualquer desdouro para o esforço argumentativo da Ex.ma recorrente –, coincidindo com a sentença de que se dissente, deve ser negativa.

14 – Decidiu-se, a respeito, sobre situação de facto em tudo coincidente com a que estes autos revelam, no acórdão, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29-02-2012 (Processo 24/11.2GTCTB.C1, disponível, como os mais citandos, em www.dgsi.pt), cujo teor, data venia, se transcreve:
«Dispõe o artigo 258.º, do Código Penal:
“1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: a) Fabricar notação técnica falsa; b) Falsificar ou alterar notação técnica; c) Fizer …constar falsamente de notação técnica facto juridicamente relevante; ou d) Fizer uso de notação técnica a que se referem as alíneas anteriores, falsificada por outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. É equiparável à falsificação de notação técnica a acção perturbadora sobre aparelhos técnicos ou automáticos por meio da qual se influenciam os resultados da notação.
3. A tentativa é punível.
4. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 256º”.
O artigo 255º, al. b) do Código Penal define nestes termos o conceito de “notação técnica”: “a notação de um valor, de um peso ou de uma medida, de um estado ou do decurso de um acontecimento, feita através de aparelho técnico que actua, total ou parcialmente, de forma automática, que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas os resultados e que se destina à prova de facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua realização quer posteriormente» (o negrito pertence-nos)”.
Citando Helena Moniz, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 671, prossegue o aresto “Como sucede com o documento, não é o objecto material onde se realiza a notação técnica o relevante no domínio jurídico – penal; “o que importa para efeitos do crime de falsificação de notação técnica é a interferência em qualquer processo automático de notação que acabe por dar origem a um registo de notação falsa de um valor, de um peso, de uma medida, de um decurso de acontecimento e, por conseguinte, de uma notação técnica falsa. Aquela notação constitui a prova de um facto juridicamente relevante que devido à manipulação do processo automático está desvirtuada …”
O crime de notação técnica tem em vista a protecção de um específico bem jurídico – criminal, qual seja a autenticidade da notação.
Com adverte Helena Moniz, “não se trata da veracidade ou da autenticidade do conteúdo da notação; o que se pretende é a “protecção da exactidão formal” garantindo que a produção da notação é “livre” de qualquer manipulação humana …”
O objecto da acção típica no crime de notação de falsificação técnica é o objecto material que, total ou parcialmente, de forma automática, criou o registo técnico relevante.
No específico domínio da a. c) do n.º 1 do artigo 258º, do Código Penal, para a existência do crime é indispensável que se verifique, de forma automática, através de um aparelho técnico, o registo de um valor falso, de um peso falso, de uma medida falsa ou de um decurso falso de um acontecimento, devendo a notação técnica assim produzida ser adequada objectivamente para ter efeitos probatórios ou algum tipo de relevância jurídica.
No que tange à previsão do n.º 2 do artigo 258º, para que o crime ocorra é indispensável a acção perturbadora sobre um aparelho técnico ou automático e uma actuação posterior do agente para desencadear a produção da notação …”
Transpondo para a situação que ora nos ocupa, estando, tão só em causa – no que a este crime concerne – a condução, por parte do arguido, do veículo tractor de mercadorias, de matrícula (...)27, ostentando o tacógrafo um disco diagrama em nome de C (...), à luz do que exposto ficou quanto à conformação do tipo legal, é nossa convicção não integrar tal factualidade a acção relevante/típica do crime em referência, já que não traduz a mesma qualquer interferência no processo de registo do tacógrafo do veículo e, logo, não se verificou, por intermédio da manipulação do aparelho, a produção de notação falsa das horas de condução.
É quanto basta para concluir, nesta parte, pelo acerto da decisão.»

15 – Em coincidência decidiu o acórdão, deste Tribunal da Relação de Évora, de 19-01-2016 (Processo 164/11.8GTEVR.E1) e, com o abono da mesma transcrição, se decidiu também nos acórdãos, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27-11-2013 (Processo 60/12.1GTGDR.C1) e de 26-02-2014 (Processo 113/12.6TAVZL.C1), sumariados como segue:
«I - A condução, pelo arguido, de um veículo pesado de mercadorias, ostentado o tacógrafo um disco diagrama em nome de terceiro, não integra o tipo objecto do crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art. 258.º, n.º 1, al. c) e 2, ex vi do art. 255º, al. b), ambos os normativos do CP.
II - Embora o «cartão tacográfico» corporize um documento de identificação, não se inclui na previsão da al. c) do artigo 255.º do CP.
III - Deste modo, a conduta acima referida também não preenche o tipo de crime de uso de documento de identificação alheio do artigo 261.º do mesmo diploma.»

16 – Vejam-se, em divergência, os acórdãos, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-10-2008 (Processo 148/06.8GTLRA.C1) e de 10-12-2013 (Processo 69/12.5GTGDR.C1) e, do Tribunal da Relação do Porto, de 17-04-2013 (Processo 26/12.1GTPNF.P1), nos quais, ressalvado o muito e devido respeito, se não contraria a argumentação levada naquelas outros, acima citados.

17 – Assim, avocando para o caso, a referida e transcrita jurisprudência, o recurso, nesta parcela, não pode lograr provimento.

18 – Em face do exposto a segunda questão suscitada pela Ex.ma recorrente, ademais no suposto da procedência da primeira, concernente ao segmento do deciso que entende que não sendo a conduta do arguido suscetível de configurar responsabilidade criminal mas tão só contra-ordenacional, determina «ao abrigo do referido 38º do Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro (R.G.C.O.) e dos artigos 6º nº 1, 7º nº 3 alínea d) do Decreto-lei nº 169/2009 de 31/07, se extraía certidão da acusação pública, do auto de notícia, bem como de toda a prova documental referida na acusação e deste despacho e se remeta ao I.M.T.T., I.P. para apreciação da responsabilidade contra-ordenacional do arguido», não se vê que a interpretação da citada normação, em vista da sua literalidade, possa suscitar qualquer reparo.

19 – Assim, o recurso não pode lograr procedência.

20 – Não cabe tributação – artigo 522.º, do Código de Processo Penal.
II

21 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

Évora, 29 de Novembro de 2016
António Manuel Clemente Lima (relator)
Alberto João Borges (adjunto)