Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
189/15.4JAFAR.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PREVENÇÃO GERAL
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Do ponto de vista dogmático a suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, reveste carácter autónomo e com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios.

II - Por isso, a sua aplicação funda-se em critérios de legalidade, não de moralidade, havendo que respeitar as exigências legais para a sua aplicação, as quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente, sem esquecer todas as circunstâncias que, na vertente da medida da pena, em concreto, se coloquem e não colidam com as necessidades preventivas que se deparem.

III - Relevam, pois, considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e não de culpa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, da Secção Criminal da Instância Central e Comarca de Faro, realizado o julgamento e proferido acórdão, o arguido A. foi condenado, pela prática de um crime de violação, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º e 164.º, n.º 1, do Código Penal (CP), na pena de 3 (três) anos de prisão.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso, extraindo as conclusões:

1. O recorrente foi condenado na pena de 3 anos de prisão efectiva pela prática de um crime de violação, na forma tentada, previsto pelos artigos 22º, 23º e 164º, n.º 1 do Código Penal.

2. A mãe do recorrente, por força dos presentes autos reaproximou-se do mesmo e manifestou vontade de o apoiar, nomeadamente integrando-o no seu agregado familiar, sendo que esta reside actualmente na Rua …, Gafanha da Boa Hora.

3. O recorrente é primário, nunca tendo sido condenado por qualquer outro crime.

4. Não existe qualquer razão exigência de prevenção geral ou especial que justifique aplicação de pena de prisão efectiva ao recorrente.

5. O recorrente reúne todos os pressupostos para que lhe seja aplicada a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.

6. As finalidades da punição ficarão totalmente satisfeitas com a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão suspensa na sua execução subordinada ao cumprimento dos deveres, observância das regras de conduta e regime de prova que o Tribunal tenha por convenientes.

7. O douto acórdão recorrido violou as disposições do artigo 50º do Código Penal.

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser a douta sentença de que se recorre revogada e substituída por outra que condene o recorrente numa pena de prisão de 3 anos, suspensa na sua execução subordinada ao cumprimento dos deveres, observância das regras de conduta e regime de prova que o Tribunal tenha por convenientes, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:

1. Aplicada a pena de 3 (três) anos de prisão importa averiguar se, no caso concreto, cabe proceder à sua substituição por qualquer outra pena não privativa de liberdade, designadamente ponderando-se a substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da pena de prisão.

2. A suspensão da execução da pena é configurada como uma pena de substituição, estando o Tribunal vinculado (não se trata de uma mera faculdade) a decretar tal suspensão verificados os pressupostos previstos na lei.

3. A preferência do ordenamento por esta modalidade de pena confirma mais uma vez a opção de considerar a pena de prisão efetiva como último recurso, aplicável quando todos os outros mecanismos não asseguram a ressocialização do indivíduo.

4. In casu recorde-se a postura do arguido e que foi (bem) descrita pelo Tribunal recorrido nos seguintes termos: “(...) a total ausência de arrependimento ou de qualquer sentimento (patente face à sua postura física em julgamento, onde nunca demonstrou qualquer tipo de emoção) é demonstrativa de que também se terão de convocar as exigências de prevenção especial negativa, pois que não se poderá negligenciar a existência de um juízo de prognose de reincidência.”

5. Tal situação denuncia uma fraca postura crítica face ao tipo de comportamentos em questão e pouca interiorização do juízo de censura que a sociedade lhes dirige.

6. Verificamos que ainda hoje assume uma postura desresponsabilizante sobre os mesmos, não manifestando qualquer sentido critico sobre o seu comportamento, pelo contrário, revela um completo desinteresse não só pela norma transgredida como pelos sentimentos e bem-estar da vítima.

7. Resulta dos presentes autos que inexistem comprovadas circunstâncias que possam favorecer o arguido e que tais circunstâncias impedem um juízo de prognose a si favorável, tanto mais que não se vislumbra do seu recente comportamento que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa (tal juízo terá como ponto de partida, o momento da decisão e não a data da prática do crime), o Tribunal recorrido afastou, e bem, a possibilidade de suspender a pena de prisão que aplicou concretamente ao arguido.

8. O juízo de prognose favorável fica comprometido.

9. A suspensão lesaria, pois, a finalidade preventiva da pena, pelo que, em nossa opinião, é de rejeitar, por força do citado artigo 50.º n.º 1 do Código Penal.

10. E tanto nos basta para concluirmos pela improcedência absoluta do recurso interposto pelo arguido A..

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, louvando-se na referida resposta e no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10 (publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995) e ao acórdão do STJ de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583 (acessível in www.dgsi.pt).

Delimitando-o, resume-se a apreciar se a pena em que foi condenado deve ser suspensa na execução, ainda que mediante imposição de deveres e regras de conduta ou regime de prova.

No que ora releva, consta do acórdão recorrido:
Factos provados:

1-No dia 22 de Junho de 2015, entre as 14h30m e as 14h45m, na Ilha Deserta, em Faro, o arguido A. abordou a ofendida Kathrin, que se encontrava sozinha, com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos e com ela manter relações sexuais de cópula vaginal, ainda que contra a vontade da mesma.

2-O arguido usava óculos de sol com armação plástica preta e lentes escuras, calções curtos e justos de licra, ostentava uma tatuagem num braço e trazia consigo os seguintes objectos: uma mochila escura, uma bola de plástico azul, uma cana de pesca e uma toalha branca e laranja.

3-O arguido começou por estender a toalha junto da ofendida, sentar-se e entabular com ela conversa num inglês deficiente.

4 - A dada altura, e sem que nada o fizesse prever, o arguido empurrou Kathrin pelos ombros e projectou-a para o chão, colocando-a de costas para o solo.

5-De seguida, o arguido colocou o seu corpo sobre o da ofendida, agarrando e pressionando o seu pescoço, com o único propósito de manietá-la para manter relações sexuais de cópula vaginal – uma vez que tinha o pénis erecto e tentou tirar os calções que envergava.

6-Enquanto o arguido estava em cima da ofendida, esta começou a gritar, e não obstante aquele lhe tapar a cabeça e a boca - inclusive com a referida toalha - para lhe abafar os gritos, Kathrin mordeu o braço do arguido, opondo-se fisicamente, esbracejando e esperneando, o que levou aquele a fugir do local, sem pressa, mas olhando em redor.

7-Em consequência da descrita disputa corporal travada com o arguido, a ofendida sofreu:

· dores ao nível do pescoço, ombro e cotovelo esquerdos e dores musculares por todo o corpo;
· limitação da mobilidade do ombro e cotovelo esquerdos;
· nervosismo e ansiedade;
· escoriação no ombro esquerdo com 5 x 3 cms;
· equimose de cor roxa na face posterior do cotovelo com 8 x 4 cms -

8-Tais lesões determinaram 12 dias de doença, sem afectação da capacidade do trabalho geral, mas com afectação da capacidade do trabalho profissional.

9-Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito firmado de satisfazer os seus instintos libidinosos e manter relações sexuais de cópula vaginal com Kathrin , mesmo sabendo e sentindo a sua oposição corporal, ao que foi indiferente.

10-Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei, ao que foi alheio.

Das condições pessoais do arguido
11-O arguido é proveniente de agregado familiar pobre, quer ao nível socio-económico quer cultural.

12-À data da prática dos factos residia com a sua avó, que entretanto faleceu.

13-A mãe do arguido nunca assumiu um papel parental significativo face ao filho, tendo-se reaproximado do mesmo e manifestando vontade de o apoiar.

14-É portador de doença crónica do foro psiquiátrico, necessitando de acompanhamento psiquiátrico regular, sendo que à data da prática dos factos encontrava-se medicado e mantinha um comportamento globalmente adequado, sem prejuízo de algumas crises e irrupções comportamentais irregulares, favorecidas pelo abandono, ainda que temporário, da medicação.

15-No âmbito do processo nº --/13.1PBFAR, por factos relativos a 2013, foi considerado inimputável, por decisão transitada em julgado em 23/09/2015, e condenado a medida de segurança de internamento em unidade de saúde mental não prisional pelo período máximo de 5 anos, suspensa na sua execução por igual período com acompanhamento dos serviços da DGRSP.

16-Tem mantido, no estabelecimento prisional, um comportamento adequado às normas em vigor.

17-Mostra-se intimidado pela sua actual situação, revelando reflexão sobre a sua conduta e respectivas consequências.

18-Manifesta consciência da necessidade de estar adequadamente medicado e mostrou vontade em desenvolver esforços nesse sentido, sujeitando-se ao que vier a ser determinado pelo Tribunal.

19-Revela consciência da necessidade de estar adequadamente medicado e mostra vontade em desenvolver esforços nesse sentido.

20-É considerado, pelas amigas que com ele privam, pessoa respeitadora, atenciosa e protectora.

21-O arguido não tem antecedentes criminais.

Fundamentação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada fundou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma.

Desde logo o Tribunal atendeu ao teor das declarações prestadas pelo arguido, que negou a prática dos factos imputados na acusação. Embora assumindo que se encontrou com Kathrin, no período entre as 14:00 e as 15:00 horas, no passadiço de madeira, que se estende pelas dunas e permite o acesso à praia, referiu que se sentou junto da mesma, que estava sentada no passadiço, e que entabulou uma conversação com a mesma. Entretanto, entendeu que ela queria algo mais consigo, pelo que colocou o seu braço nos ombros dela e tentou beijá-la na boca. No entanto, ela começou a esbracejar, dizendo “não, não”, pelo que se levantou e foi-se embora, dirigindo-se em sentido contrário ao da Praia, onde pretendia arranjar boleia para a Ilha do Farol, onde ia a uma festa. Referiu ainda que na altura trazia consigo uma bola, uma toalha, vestia calções e vinha da Praia da Deserta. Explicou ainda que tinha pernoitado na Ilha Deserta com uns amigos, e que tinha andado à pesca, pelo que todos os arranhões que tinha no corpo eram derivados de andar nessa actividade, que também praticou junto a pedras e onde inclusivamente caiu. Explicitou que a rapariga, quando lhe disse não, nem gritou e que cerca de uma ou duas horas antes deste episódio, tinha mantido relações sexuais com outra rapariga estrangeira, na praia, pessoa de que nem sabe o nome.

Já do depoimento do Inspector da Polícia Judiciária, JB, resultou que foram efectuadas duas comunicações relacionadas com violações, sendo que num dos casos a vítima não pretendeu queixa. No entanto, com base na descrição do indivíduo a quem imputavam a prática dos factos, suspeitaram do ora arguido, sendo que, por ambas as vítimas foi descrita a existência de uma tatuagem. Posteriormente foi feita uma reportagem fotográfica do local onde o arguido teria pernoitado na Ilha Deserta, e que confirmou ser a constante de fls. 89 e 90, onde se encontrava a toalha de praia apreendida e a bola. Tendo a testemunha estado presente na diligência de reconhecimento pessoal efectuada por Kathrin, afirmou ainda que, naquela diligência, a ora assistente não manifestou quaisquer dúvidas quando identificou o arguido como sendo o autor dos factos.

Foram inquiridas outras testemunhas em sede de audiência, nomeadamente, a testemunha JC, de cujo depoimento resultou que o arguido terá ido para a ilha Deserta na noite anterior aos factos, tendo sido a testemunha que o levou de barco, e que também declarou que sendo o arguido seu conhecido tem conhecimento directo que o mesmo se dedica à pesca. Já as demais testemunhas inquiridas, indicadas pela defesa, CR, LM, TL, amigas do arguido, não revelaram ter conhecimento sobre os factos em discussão nos autos mas declararam que convivendo com o arguido o consideram como pessoa respeitadora, amigável e não o revendo na prática dos factos. Já a testemunha MM, mãe do arguido, embora só há pouco tempo tenha retomado o contacto com o filho, declarou que sempre lhe pareceu uma pessoa normal e que está disposta a recebê-lo na sua casa.

Tendo Kathrin prestado declarações para memória futura, nos termos preceituados no art.º 271º do Código de Processo Penal, procedeu-se à audição dessas declarações, que se encontram registadas em suporte informático, estando também transcritas nos autos a fls. 227 a 241.

Nessa diligência processual, a ora assistente, a mesma declarou que no dia 22 de Junho de 2015, foi à Ilha Deserta e que depois de caminhar, vinda do lado da Ria Formosa, veio a sentar-se no passadiço (“trilho”), a descansar. No sentido contrário de onde a assistente tinha chegado, viu chegar um homem, vestido com calções, trazendo cana de pesca, bola e mochila, e que passou por si, colocou as coisas que transportava mais à frente no passadiço, e veio colocar a toalha, branca de um lado e predominantemente cor de laranja do outro lado, no chão ao seu lado, a cerca de 50 centímetros de si, e sentou-se, começando a conversar consigo. Conforme ia falando consigo, o homem foi-se aproximando mais da assistente e de repente jogou o seu corpo para cima dela, fazendo com que tombasse com as costas no passadiço. Com ela já deitada, o homem deitou-se por cima dela, agarrou-a pelo braço direito, e como ela começou a gritar agarrou-a pelo pescoço, e depois novamente nos ombros, enquanto ela se defendia e mexia muito. Como continuava a gritar o homem dizia para ela se calar, mas como não cessou os gritos, ele colocou-lhe a toalha em cima da cara. Segundo a declarante, durante todo o tempo em que se manteve deitada, tentando defender-se para se libertar, o individuo tentava agarrá-la, mostrando-se excitado e tentando tirar os calções que trazia vestidos, o que só não logrou porque ela se mantinha a debater-se com as mãos e braços, tendo as suas pernas manietadas pelo corpo dele, vindo a arranhá-lo e mordido. A assistente declarou ainda que toda a situação cessou quando o homem se levantou, dirigiu-se às coisas que tinha pousado e foi-se embora, andando calmamente em direcção à Ria, mas ainda olhando algumas vezes para trás em sua direcção. Referindo que o homem nunca a tentou beijar ou lhe tocou em qualquer parte íntima do corpo, acrescentou que depois foi embora do local onde se encontrava, correndo na direcção do mar, onde sabia existir um café. Quando viu um nadador-salvador verificou que este também vinha na sua direcção, e que lhe perguntou se ela tinha visto um homem com uma cana de pesca e a quem ela contou o que havia sucedido, tendo o mesmo dito que já andavam à procura desse homem porque tinha havido uma senhora que tinha sido violada e que a Polícia já estava no restaurante, para onde ela também se deveria dirigir.

Verifica-se assim, que entre a versão que o arguido trouxe aos autos e aquela que a assistente, então na qualidade de testemunha prestou, existe uma total discrepância.

E, para dilucidar essas discrepâncias, não poderíamos deixar de atentar que a lesão que se encontra documentada a fls. 15, e que Kathrin apresentava no ombro esquerdo não é compatível com a explicação que o arguido pretende convencer o tribunal, pois o colocar uma mão no ombro de alguém, num contexto amoroso e pacífico, como o pretende fazer crer não, pode provocar tais lesões. Este tipo de hematoma, visível a qualquer um, só pode ser consequência do uso de força, perfeitamente compatível com a descrição efectuada pela assistente, e praticada num contexto de tentar dominar alguém pelo uso da força.

E, como resulta também da reportagem fotográfica constante de fls. 94 e 95 (que de acordo com o que resulta do teor do relato de diligência externa constante de fls. 81, terá sido realizada no dia 26 de Junho de 2015), o ora arguido apresentava vários arranhões no corpo, nomeadamente no seu braço esquerdo e outros locais no corpo. O arguido justificou tais arranhões devido à sua actividade piscatória, sendo que em sede de audiência não referiu nenhum como sendo proveniente da reacção da mulher à sua tentativa de a beijar, até porque, como já referimos supra, o arguido declarou que a mesma apenas esbracejou.

No entanto, e como já referimos, Kathrin referiu ter tentado defender-se arranhando o arguido, sendo que, como decorre de fls. 20 foram recolhidos vestígios biológicos das suas mãos e mesmo fragmentos das suas unhas que, sujeitos a exame pericial, e por confronto com o material biológico obtido através de zaragatoa bucal recolhida ao arguido (fls. 110), resultou que existia vestígios de ADN do arguido no fragmento de uma unha esquerda da ofendida (vide relatório pericial de fls. 283 e 283 verso).

Este resultado pericial é totalmente compatível com o declarado pela ofendida e reforça a sua versão dos factos, pois se, como o arguido afirma, os arranhões que apresentava quatro dias depois dos factos eram devidos à actividade piscatória, como poderia o seu ADN estar numa das mãos da ofendida? A única explicação possível para ser encontrado ADN do arguido na unha da ofendida é aquela que a própria declarou, pois que o mesmo não é volátil nem é detectável em terceiro apenas resultante de um mero toque, como o pretende fazer crer o arguido.

Ou seja, a versão que o arguido trouxe aos autos, não nos mereceu credibilidade, embora até justificasse o porquê da ofendida ter efectuado um reconhecimento pessoal positivo da sua pessoa (como decorre de fls. 99 a 101) bem como dos bens que lhe foram apreendidos (como se constata do teor de fls. 102), pois que, em confronto com a versão trazida pela ofendida, que nunca o tinha visto nem nenhuma relação mantinha com o mesmo, não existindo, por conseguinte, nenhum motivo para denunciar factos tão gravosos como os ora em discussão, se encontra contrariada, encontrando-se a versão desta corroborada por dados objectivos e científicos, como os da existência de material biológico do arguido na sua unha, compatível com os arranhões que fez ao defender-se, bem como pela existência de lesões e sequelas físicas e psicológicas, detectadas aquando da sua sujeição a exame de clínica forense, como decorre do relatório de fls. 153 a 154 verso.

Perante estes elementos probatórios, não nos surgiu, por conseguinte, qualquer dúvida ao considerar provados todos os factos descritos no libelo acusatório, sendo manifesto, que se se mostrava excitado (expressão que atento o contexto em que foi proferida só pode ser compreendida como excitado sexualmente), e tentava retirar os calções que trazia vestidos, enquanto se mantinha em cima da ofendida, que se encontra virada de frente para ele, com as costas no passadiço, o arguido necessariamente visava manter com ela relações sexuais de cópula vaginal.

Os factos atinentes à intenção do arguido, resultam assim da inferência que se retira das circunstâncias que envolveram a actuação do mesmo e das regras da normalidade e experiência comuns, relativas a este tipo de actuações, consideradas no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127.º do C.P.P.

No que concerne aos factos atinentes à sua situação pessoal, o Tribunal valorou o teor do relatório social constante dos autos bem como o teor do seu certificado de registo criminal.

Escolha e determinação da medida concreta da pena:
Importa então determinar a sanção a aplicar ao arguido A, devendo para tal atender-se que se decidiu pela sua condenação pela prática de um crime violação, na forma tentada, que atento os critérios plasmados no art.º 73º, n.º1, al.s a) e b) do Código Penal, será punido com pena de prisão de 7 meses e 6 dias até 6 anos e 8 meses.

Nos termos dos artigos 40º, n.º 2 e 71º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena terá sempre como limite inultrapassável a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial positivas.

Quanto à prevenção geral positiva, sempre que o Tribunal aplica uma pena, tem por fim restaurar a confiança que a comunidade deve ter naquela determinada norma que foi violada. Como muitas vezes se tem dito, citando Anabela Miranda Rodrigues, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (“A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570).

No que concerne à prevenção especial positiva, visa-se a socialização e reintegração do autor do facto ilícito na sociedade, de forma a que não volte a cometer mais crimes.

A culpa, como vertente pessoal do crime, limita as exigências de prevenção, na medida em que a pena jamais poderá ultrapassar essa culpa sob pena de se desrespeitar o princípio basilar da dignidade humana.

Em síntese, dentro desse limite máximo inultrapassável que é a medida da culpa, a pena é determinada “no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico” (vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pp. 110 e 111) e em função de exigências de prevenção especial.

Para além disso, para decidir da pena concreta a aplicar há que ter em consideração os factores previstos no n.º 2 do citado artigo 71º do Código Penal, assim atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, pág. 234).

As necessidades de prevenção geral positiva fazem-se sentir de forma acentuada atenta a frequência com que este tipo de ilícito é praticado e as consequências intensamente perturbadoras que causam nas suas vítimas, consequências que por vezes permanecem para toda a vida, ao nível psicológico.

Já ao nível da prevenção especial, entendemos que apesar do arguido revelar algumas qualidades de personalidade, conseguindo também ser pessoa respeitadora, atenciosa e protectora, e não revelando antecedentes criminais passiveis de serem valorados, também será necessário atentar que toda a factualidade que demonstra o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos (em plena via de acesso à praia), a total ausência de arrependimento ou de qualquer sentimento (patente face à sua postura física em julgamento, onde nunca demonstrou qualquer tipo de emoção) é demonstrativa de que também se terão de convocar as exigências de prevenção especial negativa, pois que não se poderá negligenciar a existência de um juízo de prognose de reincidência.

Os factos revelam também uma ilicitude já média, atento o grau de violência exercido, sendo também de relevar que o arguido terá agido com dolo intenso, porquanto na modalidade de directo.

No entanto, e a favor do arguido milita a circunstância de não ter logrado sequer mantido com a vítima actos de cariz sexual.

Nestes termos, face à moldura abstracta de punição, e o já supra exposto sobre a determinação do quantum concreto da pena, considera-se adequada à censura ético-jurídica que se pode fazer da conduta do arguido a pena de 3 anos de prisão.

Da Suspensão da Execução da Pena
Ora, ao caso dos autos, coloca-se a hipótese da pena concreta, em que o arguido é condenado ser substituída por outra pena, nomeadamente pela suspensão da execução da pena.

De facto, o artigo 50º do Código Penal estabelece que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Saliente-se que, a opção pela suspensão da pena, “não se trata (...) de uma mera “faculdade” em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção, de um poder-dever” (neste sentido, Figueiredo Dias, Das Consequências Jurídicas Do Crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 341).

Para que se possa decidir pela suspensão, tem que se demonstrar que a ameaça de cumprimento da pena será suficiente para prosseguir os fins visados com as penas (neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, Vol. I, Rei dos Livros, 2ª edição, 1996, p. 547).

Estão aqui em questão, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção. O que está em causa, depois de escolhida a pena detentiva de acordo com os critérios e as finalidades expostas, é determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.

Esta opção deve partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo a suspensão ser negada sempre que não se configure esse juízo favorável. No caso de se duvidar dessa capacidade não deverá ser concedida a suspensão.

Ora, no caso sub judice, entendemos que não é possível fazer esse juízo de prognose favorável.

Efectivamente, o arguido, apesar de não ter antecedentes criminais (a decisão que aplicou medida de segurança, por inimputabilidade, configura uma decisão absolutória), não demonstra ter integração familiar ou profissional efectiva e não demonstra qualquer arrependimento pelos factos praticados.

Em suma, não vislumbramos nas qualidades pessoais do arguido que a mera suspensão da execução da pena o determinasse a interiorizar o desvalor da sua conduta ou o determinasse a inverter o seu percurso delitivo, pelo que a pena em que vai condenado deverá ser efectivamente cumprida.

Apreciando:
Em defesa da sua posição, pugnando pela suspensão da execução da prisão, o recorrente contesta que o tribunal tenha considerado que não está integrado familiarmente e revelou total ausência de qualquer sentimento.

Para tanto, invoca, quanto ao primeiro aspecto, que retirá-lo da morada onde residia com a sua avó e integração do mesmo no agregado familiar da mãe, que tem melhores condições económicas facilitará a reintegração do recorrente na vida em sociedade, permitirá um acompanhamento mais próximo e apertado por parte da mãe deste e proporcionar-lhe-á oportunidades de se integrar no mercado laboral e, se assim não se entender, tal constitui uma anatema à origem social do recorrente que se deve de todo evitar.

Acerca do segundo aspecto, alega que se provou que se mostra intimidado pela sua actual situação, revelando reflexão sobre a sua conduta e respectivas consequências e deverá recordar-se que conforme resulta do relatório social o recorrente apresenta precoces e sérios défices de funcionamento pessoal e social associados a um quadro de perturbação grave da personalidade e que perante um cenário intimidante como é a sujeição a um tribunal colectivo aberto ao público a fim de enfrentar um julgamento após ter permanecido em prisão preventiva por mais de 8 meses terá necessariamente que funcionar como atenuante para o comportamento do recorrente em sede de julgamento, podendo mesmo tal comportamento ser considerado normal, atentas as circunstâncias acima descritas.

Mais se reporta a que não tem antecedentes criminais, que conforme foi dado como provado pelas declarações das amigas que com ele privam, respeitador, atencioso e protector o que só por si levará a uma prognose favorável de que os factos em causa terão sido uma excepção e episódio isolado na sua vida e, ainda, que Não se crê ser possível fazer um juízo de prognose relativamente a um qualquer arguido, favorável ou desfavorável, baseado apenas na sua postura (obviamente condicionada) em julgamento.

Vejamos.

A aplicação de penas de substituição da prisão, como seja a suspensão da execução da mesma, insere-se em opção que poderá ser consentânea com as finalidades punitivas, respeitados que sejam os legais critérios.

Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, págs. 52/53, (…) o sistema sancionatório do nosso CP assenta na concepção básica de que a pena privativa da liberdade – sendo embora um instrumento de que os ordenamentos jurídico-penais actuais não conseguem ainda infelizmente prescindir – constitui a ultima ratio da política criminal (…) bem pode afirmar-se que o CP vigente deu realização (…) aos princípios político-criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão, revelando ao mesmo tempo a sua oposição de princípio à execução contínua de penas curtas de prisão.

Também, segundo Anabela Miranda Rodrigues, in “Sistema Punitivo Português”, Revista Sub Judice n.º 11, Janeiro/Junho.1996, pág. 32, A principal linha de força a destacar aqui é que a prisão (…) deve ver a sua aplicação reduzida aos casos de cometimento de crimes mais graves em que uma reacção através de outras formas de pena não poderia assegurar o efeito essencial de prevenção geral desejado.

Nisto reside a natureza da prisão como ultima ratio, em sintonia com o disposto no art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, designadamente tendo em conta o subjacente princípio da proporcionalidade, traduzido, conforme Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, volume I, págs. 392 e seg., na proibição do excesso, a qual se desdobra nos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito, sem perder de vista, é certo, outras condicionantes ao nível da prevenção especial e que possam ser satisfeitas através de outras formas de pena.

As finalidades das penas - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização, que emergem do art. 40.º, n.º 1, do CP - conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime, mas sempre tendo presente a real necessidade da aplicação da pena, na qual se incluirá, num sentido amplo, o seu modo de execução.

E se essas finalidades se puderem atingir de modo menos gravoso que com a sujeição a prisão, há que dar prevalência às penas ditas de substituição, cujo elenco e âmbito de aplicação, através da revisão do Código operada pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, foram alargados, na sequência do que já era afirmado na Exposição de Motivos constante da Proposta de Lei n.º 98/X (na origem dessa revisão), de que «A revisão procura fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado» e que «de entre as suas principais orientações, destacam-se; (…) a diversificação das sanções não privativas da liberdade, para adequar as penas aos crimes, promover a reintegração social dos condenados e evitar a reincidência».

Segundo Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, pp.25-51, e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.

Revertendo à suspensão da execução da prisão, cujo regime é definido nos arts. 50.º a 57.º do CP, consubstancia medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, que tem a virtualidade, sobretudo, de dar expressão a que a prisão (e sua execução) constitui ultima ratio da punição, apesar de limitada pela salvaguarda das finalidades punitivas, obviando, ainda, aos nefastos efeitos criminógenos comummente reconhecidos.

Do ponto de vista dogmático como pena de substituição, reveste carácter autónomo e com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios.

Por isso, a sua aplicação funda-se em critérios de legalidade, não de moralidade, havendo que respeitar as exigências legais para a sua aplicação, as quais, no essencial, se reconduzem à ideia da existência de prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do agente, sem esquecer todas as circunstâncias que, na vertente da medida da pena, em concreto, se coloquem e não colidam com as necessidades preventivas que se deparem.

Acompanhando, ainda, Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 343, A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo.

E (mesmo Autor, ob. cit., pág. 501) Ela (a prevenção geral) deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…) como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

Relevam, pois, considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e não de culpa.

Ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 20.02.2008, no proc. n.º 08P295, in www.dgsi.pt, refere que Para aplicação desta pena de substituição necessário se torna que o julgador se convença de que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido, que foi caso acidental, esporádico, ocasional, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas, não olvidando que a pena de substituição não pode colocar em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.

Assim, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo que o tribunal conclua por um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de socialização do arguido, quando a essa suspensão se opuserem as finalidades da punição, nomeadamente as considerações de prevenção geral, pois que só por estas exigências se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

Tal prognose favorável consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito (Jescheck, in “Tratado de Direito Penal, Parte Geral”, 2.º vol., pág. 1154, edição em castelhano).

Acresce que é dever do juiz assentar o incontornável «juízo de prognose», favorável ou desfavorável em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza, o que não quer dizer, obviamente, que tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do agente.

Não obstante, pois, sempre e inevitavelmente, com algum risco fundado e calculado, mas ainda assim, assente em razões minimamente justificadas e sérias, que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, sob pena de frustração das finalidades punitivas e, mormente, de se colocar em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.

No caso em análise, o recorrente descurou (não fazendo qualquer referência) a premente protecção do bem jurídico violado e as inerentes exigências de prevenção geral associadas.

Lesando a liberdade de determinação sexual de outra pessoa (ainda que, aqui, apenas na forma de tentativa), assume inegável ressonância ético-valorativa relativamente à qual se impõe resposta punitiva eficaz, não surpreendendo que o tribunal tivesse fundamentado (em sede de determinação da pena) que “As necessidades de prevenção geral positiva fazem-se sentir de forma acentuada atenta a frequência com que este tipo de ilícito é praticado e as consequências intensamente perturbadoras que causam nas suas vítimas, consequências que por vezes permanecem para toda a vida, ao nível psicológico“, o que, aliás, se apresenta indiscutível segundo os dados da experiência.

Por seu lado, preferiu o recorrente apelar às necessidades de prevenção especial e de socialização, como que, à luz da sua posição, permitindo que se descortine o referido juízo de prognose favorável, suporte de que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão atinjam o desiderato de realizar as finalidades punitivas, ainda que com sujeição a deveres/regras de conduta/regime de prova.

Todavia, afigura-se que o tribunal a quo atentou devidamente nas alegadas circunstâncias, motivando que essas exigências não apontem, de forma séria, para dimensão reduzida, como o recorrente pretenderá fazer crer.

Assim, não decorre que esteja familiar e socialmente integrado, embora a manifestação recente de apoio de sua mãe e a sua situação de portador de doença do foro psiquiátrico com necessidade de acompanhamento regular.

Admitindo-se que esse apoio possa vir a ser útil, não se conhece, porém, em que medida se reflectirá no comportamento do recorrente, tanto mais que, ao nível da sua personalidade, de acordo com os elementos disponíveis, denotou ausência de interiorização do desvalor dos factos, se bem que ciente da necessidade de estar adequadamente medicado por força da sua doença.

Saliente-se, contudo, que, quanto à doença, não se demonstrou, em concreto, influência perturbadora na sua reflexão de decisão da conduta que levou a efeito.

Também, não só a sua postura em audiência serviu para afastar o juízo de prognose conducente à visada suspensão da execução da prisão, mas inevitavelmente contribuiu para se perceber a forma como não atribuiu relevo aos seus actos, elemento indiciário do tipo de personalidade em presença.

Acresce que, não obstante a ausência de antecedentes criminais, a conjugação de todos os aspectos pertinentes não conflui para afirmar, com a segurança exigível, que o ocorrido tivesse sido meramente esporádico e ocasional, no sentido de constituir realidade arredia à personalidade do recorrente.

Não se divisa, pois, fundamento bastante para que a suspensão da execução da prisão, ainda que com regime de prova, eventualmente incluindo deveres e regras de conduta específicos (art. 53.º do CP), seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, uma vez que, sendo pacíficas as elevadas exigências de prevenção geral, o comportamento e as condições pessoais do recorrente não tendem para prognose que se afigure, propriamente, favorável, ao ponto de razoavelmente a consentir.

Crê-se, enfim, que a protecção dessas exigências mínimas e irrenunciáveis de carácter geral não se compagina com o risco injustificado que a suspensão da execução da prisão acarretaria, já que, apesar do alegado, a devida concretização de condições pessoais em sentido positivo e favorável não se descortina fundada.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim,
- manter o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça de 3 UC.

Processado e revisto pelo relator.

12 de Julho 2016


(Carlos Jorge Berguete)

(João Gomes de Sousa)