Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
549/13.5TALGS-B.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: RECLAMAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE NÃO ADMITIR OU RETIVER RECURSO
INUTILIDADE ABSOLUTA
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: PRESIDÊNCIA
Texto Integral: S
Sumário: 1. Sendo certo que sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria inúteis, não é menos verdade que se tratará sempre de uma inutilidade absoluta.
2. Tal só poderá significar que sempre que, no processo, se possa voltar ao momento em que se proferiu a decisão recorrida (e, depois, revogada no recurso), este nunca é inútil – naturalmente, com custos em tempo gasto e repetições de processado, mas ainda de manifesta utilidade, pois o processo levará ainda o rumo que a decisão do recurso lhe tiver imprimido.
Decisão Texto Integral: RECLAMAÇÃO 549/13.5TALGS-B.E1 (actualmente já no JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE PORTIMÃO)


Uma vez notificado do douto despacho proferido a 8 de Outubro de 2020, no Juízo de Instrução Criminal de Portimão (Juiz 2), ora a fls. 49 dos autos – o qual, embora lhe tenha admitido o recurso que havia interposto da douta decisão proferida a 06 de Julho de 2020, que lhe indeferiu nulidades que oportunamente arguira, nos presentes autos, nessa altura ainda de instrução, ora já de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, instaurados contra si e outros, embora lhe tenha admitido tal recurso, dizíamos, lhe fixou o “efeito meramente devolutivo”, “com subida com o recurso interposto da decisão que ponha termo à causa, em separado”, assim se insurgindo contra o efeito devolutivo que lhe foi fixado e contra a sua retenção, pelo que deverá o mesmo subir de imediato e ter efeito suspensivo –, vem o aí arguido (…), residente na Rua (…), n.º 23, 4º-A, Lisboa, apresentar Reclamação de tal douto despacho, “nos termos do disposto no artigo 405.º do Código Processo Penal”, por entender que, ao contrário do aí decidido, “o recurso em causa tem que ter subida imediata e tem que ter efeito suspensivo”, já que a sua apreciação “com a decisão que ponha termo à causa tornaria o recuso absolutamente inútil, dado que o recorrente não poderia aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção o resultado contrário ao que se quis alcançar e que está subjacente ao regime das nulidades”. Acresce ainda que “o douto tribunal a quo também não decidiu bem quanto à fixação dos efeitos do recurso”, “à luz do que dispõe o artigo 408.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, dado depender do recurso a validade ou a eficácia dos actos subsequentes”. São, pois, termos em que se deverá vir ainda a deferir a presente reclamação, para que o recurso interposto suba de imediato ao Tribunal Superior e com efeito suspensivo, conclui.
O Ministério Público apresenta resposta à reclamação (a fls. 71 a 74) para dizer, em síntese, que, neste caso, foi deduzida acusação e a decisão instrutória pronunciou o arguido nos seus precisos termos, “tendo sido indeferidas pelo Mº Juiz de Instrução as nulidades invocadas pelo arguido em sede de instrução” – e assim, o despacho em crise nem sequer é recorrível, pelo que “deve a presente reclamação ser indeferida”.
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Atendem-se aos seguintes factos e datas:

1. Em 06 de Julho de 2020 foi proferida douta decisão, em sede de debate instrutório, nos presentes autos, nessa altura ainda de instrução, ora de processo comum com intervenção do tribunal colectivo, que veio a indeferir ao Arguido, ora Reclamante, (…), a arguição de nulidades do processo por ele oportunamente suscitadas (vide o teor completo daquela douta decisão na acta do debate instrutório, que fica apensa por linha e aqui é dada por reproduzida na íntegra).
2. Dele vindo o mesmo a interpor recurso e a juntar as correspondentes alegações no dia 23 de Setembro de 2020 – “vem interpor recurso do despacho proferido a 06 de Julho de 2020, que indeferiu nulidades arguidas pelo arguido e que consta da acta do debate instrutório”, aduz – (vide o douto articulado de fls. 21 a 48, que aqui se dá, também, por inteiramente reproduzido, com a data de entrada respectiva certificada a fls. 19).
3. Mas no dia 08 de Outubro de 2020, pese embora tenha tal recurso sido admitido pelo douto despacho ora objecto desta Reclamação, foi-o “com subida com o recurso interposto da decisão que ponha termo à causa, em separado e efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados dos artigos 399.º, 401.º, nº 1, alínea b) e 406.º, n.º 2, do C.P.P.”, tudo conforme consta de fls. 49 dos autos.
4. E em 26 de Outubro de 2020 apresentou o arguido Reclamação desse douto despacho, conforme ao seu douto articulado a fls. 3 a 7, que aqui também se dá por reproduzido na íntegra, com a respectiva data de entrada certificada a fls. 2 dos autos.
5. A 14 de Agosto de 2019 havia o Ministério Público deduzido acusação pública, entre outros, contra o arguido (…), pela prática, “em co-autoria material, sob a forma consumada e em concurso real ou efectivo, de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.os 1 e 2, alínea a), ambos do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea b), do referido diploma legal; de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal; e de um crime de branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368.º-A, n.os 1, 2 e 3, do Código Penal”, conforme ao seu douto despacho acusatório de fls. 50 a 68 dos autos, também aqui dado por reproduzido integralmente.

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Tudo está, pois, em saber se o recurso devia ter sido admitido para subir de imediato – como pretende o Arguido/Reclamante nesta sede de reclamação – ou se foi bem decidida a sua admissão para subir diferidamente “com o recurso interposto da decisão que ponha termo à causa” – como foi fixado no despacho agora objecto da reclamação.
É só isso o que hic et nunc está em causa – a retenção do recurso –, pois que a lei processual penal é muito clara ao delimitar os casos em que poderá haver Reclamação para a Presidência da Relação, no seu artigo 405.º, e sob uma epígrafe já de si totalmente elucidativa e clara de “Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso” (com sublinhados nossos):
1 - Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
2 - A reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
3 - No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediato do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.
4 - A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso”.

Veja-se a seguinte anotação n.º 2 a este artigo, no site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, como segue:
2. Decisão de 09-06-2014 do Vice-Presidente do TRP: Não é admissível recurso nem reclamação do despacho que, admitindo o recurso com subida imediata, lhe atribui efeito devolutivo, pois em processo penal essa questão cabe no âmbito dos poderes do relator, aquando da conclusão para exame preliminar, se não for caso de decisão sumária, competindo-lhe decidir se deve manter-se o efeito atribuído ao recurso.

Pelo que o efeito do recurso – suspensivo ou meramente devolutivo – não cabe nos casos de Reclamação para o presidente da Relação.

Por outro lado, também não cabe aqui curar de saber se o recurso foi mal admitido, como parece pretender o Ministério Público na sua douta resposta à Reclamação.
O recurso está admitido – bem ou mal, não interessa nesta sede –, não se podendo discutir, aqui, ainda, a sua admissibilidade legal.

Resta, assim, como se disse, a problemática da retenção do recurso.

Mas o Mm.º Juiz tem razão quando entende que o recurso interposto da referida douta decisão que indeferiu ao arguido nulidades do processo por ele oportunamente suscitadas, não podia subir de imediato – à luz dos normativos legais aplicáveis, que estão, em parte, a constar do próprio despacho reclamado, podendo completar-se com a previsão dos artigos 400.º, a contrario e 407.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Aí se decidiu, com efeito, a fls. 49 dos autos:

Por legal, tempestivo, interposto por quem tem legitimidade para o efeito e mostrando-se paga a multa devida pela apresentação das alegações de recurso no 2º dia útil posterior ao termo do prazo, aceito as mesmas, as quais são para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, com subida com o recurso interposto da decisão que ponha termo à causa, em separado e efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea b) e 406.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
(…)
Uma vez que o recurso apresentado não suspende os efeitos da decisão instrutória, remeta os autos à distribuição, conforme já determinado”.

[Nem que, de resto, o Reclamante, não ache que assim não possa ser; tão-somente que se lhe afigura que seria mais útil (ou que doutra maneira perderia utilidade) que lhe fosse dada a prioridade/importância de recursos que sobem de imediato; naturalmente, também cremos que seria ideal que todos os recursos subissem sempre de imediato e com efeito suspensivo, para ficarem, à partida, definitivamente clarificadas as questões que fossem surgindo, antes de passar à fase seguinte, evitando-se retrocessos e repetições na tramitação dos processos.]
Como quer que seja, o regime legal não é esse, antes aquele que o douto despacho reclamado deixou exarado, de acordo com (algumas) das disposições legais aí também aduzidas. Pois não sendo aqui aplicável a qualquer dos casos previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, para o recurso subir de imediato só se pode, então, convocar – como hic et nunc convoca o Reclamante – o regime estabelecido no seu n.º 1: “Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
Porém, não se pode aqui tratar de uma qualquer inutilidade, antes que de uma inutilidade absoluta: “cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”, se afirma no preceito (nosso sublinhado).

Ora, tal só poderá significar que sempre que, no processo, se possa ainda voltar ao momento em que se proferiu a decisão recorrida (e depois revogada no recurso), este nunca é inútil – naturalmente, com custos em tempo gasto/perdido e repetições de processado (incluindo o próprio julgamento que, entretanto, já pode ter-se realizado e a sentença ter sido depois proferida), mas ainda e sempre de manifesta utilidade, pois o processo levará ainda o rumo que a decisão do recurso lhe tiver imprimido.

É essa a posição dominante na jurisprudência (vide, verbi gratia, a douta decisão desta Presidência de 27 de Fevereiro de 2006, no processo 554/06-1, in Base de Dados do ITIJ: “O recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil é apenas aquele cuja decisão, ainda que favorável ao recorrente, já não lhe pode aproveitar, por não poder produzir quaisquer efeitos dentro do processo, e não aquele cujo provimento implique a anulação de quaisquer actos, incluindo o do julgamento, por esse ser um risco próprio dos recursos com subida diferida”; e a douta decisão singular desta Relação de 09 de Outubro de 2012, no processo n.º 410/11.8GHSTC.E1, nessa mesma Base de Dados: “Não se pode confundir a inutilidade absoluta do recurso com a eventual necessidade de repetição de diligências ou mesmo de anulação do processado, inclusive o próprio julgamento, ou seja, não se pode confundir a inutilidade do recurso com a inutilidade da lide decorrente da procedência dele; essa é uma realidade que o legislador não desconhecia ao consagrar o regime dos recursos, assumindo o risco inerente à celeridade processual, que é valor consagrado no n.º 2 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa”).

Que é o que ocorre justamente no caso sub judicio. Apreciado o recurso a final, se for provido, proceder-se-á à anulação e/ou repetição do processado que se mostrar necessário à implementação da solução que aí for definida.
Tem custos e dá trabalho, mas mantém intacta a utilidade.
[E aí poderá entrar a própria repetição do julgamento – mas não podemos nesta sede de Reclamação decidir que assim será ou não (rectius qual o âmbito dessa eventual reorganização do processo em caso de procedência do recurso a final), pois não faz parte do objecto da pronúncia que aqui nos é dado realizar.]

São termos em que terá de manter-se na ordem jurídica o douto despacho reclamado, que assim considerou, e indeferindo-se a Reclamação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, indefiro a Reclamação e confirmo o douto despacho que vem reclamado.
Custas pelo Reclamante.
Registe e notifique.
Évora, 12 de Novembro de 2020
Mário João Canelas Brás