Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3129/16.0 T8STR.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
Não cumpre os deveres de informação a que está vinculada - faltando à verdade - a entidade bancária, que, na qualidade de intermediária financeira, propõe a um cliente seu, com perfil e prática de depositante a prazo, a aquisição de um produto financeiro (obrigações da emitente) que, através da expressão “capital garantido”, pretende equipará-lo, em termos de garantias, a um depósito a prazo.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


BB, residente na rua do C…, nº …, Óbidos, intentou a presente ação declarativa, na forma de processo comum, contra o Banco Bic Português, S.A.,[1] com sede na avenida António Augusto de Aguiar, nº 132, Lisboa, pedindo a sua condenação no reembolso do capital de €50.000,00, “(…) acrescido dos juros vencidos desde 07 de Maio de 2015, até integral reembolso (…)” e a pagar-lhe “quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a €10.000,00 (…), por danos morais sofridos (…)”, articulando factos que, em seu critério, conduzem à sua procedência, a qual foi julgada parcialmente procedente, sendo, em consequência, a demandada condenada a pagar ao demandante “(…) a quantia de €50.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 13.12.2016, até integral pagamento”.


Inconformada com o decidido, apelou a demandada/recorrente Banco Bic Português, S.A., com as seguintes conclusões[2]:


- A sentença impugnada é nula, por pronúncia indevida e condenação ilegal;


- Os pontos 2, 10 e 13 dos factos provados encontram-se mal julgados;


- O primeiro deveria ter a seguinte formulação: “ Em Abril de 2006, o Autor dirigiu-se ao referido BPN - agência de Ourém, onde foi recebido por um funcionário que lhe propôs aplicar o seu dinheiro numa aplicação financeira da SLN, empresa que detinha o Banco, que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital, que tinha o prazo de 10 anos e que a liquidez antecipada apenas poderia ser obtida através do endosso do mesmo a outro cliente”;


- Os segundos devem ser julgados não provados;


- A antes referida modificação da matéria de facto fundamenta-se nos elementos probatórios indicados.


- Ocorreu um erro na aplicação do direito aos factos assentes;


- A ação deve ser julgada totalmente improcedente.


Contra-alegou o recorrido/demandante BB, pugnando pela manutenção do decidido.


O recurso tem por objeto as seguintes questões: a) a alegada nulidade da sentença; b) o invocado erro na apreciação da prova produzida, que determine a modificação da matéria de facto, vertida nos pontos 2,10 e 13 dos factos assentes; c) o alegado erro na aplicação do direito aos factos assentes.


Foram colhidos os vistos legais.




Fundamentação


A - Os factos


Na sentença impugnada, foram considerados os seguintes factos:


1-O Autor BB detinha um depósito a prazo, no valor de €50.000,00[3], na agência de Ourém do Banco Português de Negócios (BPN), que foi objeto de resgaste, em abril de 2006, para compra de uma obrigação SLN 2006;


2 - Em abril de 2006, o Autor BB dirigiu-se à referida agência, onde foi recebido por um funcionário, que lhe propôs aplicar o seu dinheiro numa aplicação financeira, que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital tal como o depósito a prazo.


3 - Para o efeito, e com intuito de convencer o Autor BB, o referido funcionário disse -lhe que tal aplicação seria feita pelo prazo de 10 anos, mas que poderia, eventualmente, proceder ao resgate antecipado ao fim de cinco anos;


4 - Que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso de capital investido garantido e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele tinha em depósito a prazo;


5 - Perante os argumentos do identificado, o Autor BB acedeu proceder à aplicação do seu dinheiro na aplicação financeira, que se traduzia na subscrição da obrigação, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo funcionário daquele balcão do BPN;


6 - O funcionário do BPN era pessoa que o Autor BB, enquanto cliente do banco, conhecia, há longo tempo, e no qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento das contas que o referido demandante detinha no banco, na agência de Ourém;


7 - O Autor BB questionou o funcionário do banco sobre proposta e este transmitiu que o capital estava garantido e eram-lhe também garantidas elevadas taxas de remuneração, pelo prazo de 10 anos;


8 - Em 18 abril de 2006, o Autor BB adquiriu uma Obrigação SLN 2006, no montante de € 50.000,00, correspondente ao quantitativo que detinha num depósito a prazo, tendo, para o efeito, procedido ao resgate de tal depósito;


9 - Até 7 de maio de 2015, sempre foram pagos ao Autor BB os juros do capital investido na aludida aplicação financeira;


10 - Pagamentos esses que foram feitos pelo BPN, até 8 de novembro de 2012, e pelo Réu Banco BIC Português, S.A., a partir dessa data;


11- Cinco anos decorridos após a aplicação financeira e, confiando naquilo que o referido gerente do BPN lhe havia afirmado e garantido, o Autor BB deslocou-se ao BPN (nessa data, já nacionalizado), com vista a proceder ao resgate do capital investido;


12 - Nessa data é informado que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual, e não antes;


13 - Vencido o prazo de 10 anos, contratualmente estabelecido, foi o Autor BB informado que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no aludido processo de insolvência.





B - O direito/doutrina/jurisprudência


Quanto à alegada nulidade da sentença


- O juiz deve “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”; assim, “o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade”; “não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (…) é nula a sentença em que o faça” [4];


-“A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, ou em “além, ou em cousa diversa” do que se pediu; “se a condenação ultrapassar estes limites sentença é nula” [5].


Quanto ao invocado erro na apreciação da prova produzida, que determine a modificação da matéria de facto, vertida nos pontos 2, 10 e 13 dos factos assentes


“A prova, no processo, pode (…) definir-se como a atividade tendente a criar no espírito do juiz a convicção (certeza subjetiva) da realidade de um facto. Para que haja prova é essencial esse grau especial de convicção, traduzido na certeza subjetiva[6];


- “A quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova do facto constitutivo do direito alegado, quer o facto seja positivo, quer negativo. À parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito”[7];


- Quem beneficia de uma presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz[8];


- “Se o juiz fica com dúvida sobre determinado facto, por não saber se ele ocorreu ou não, o non liquet do julgador converte-se, na sequência da diretiva traçada pelo nº 1 do artigo 8º. do Código Civil, num liquet contra a parte a quem incumbe o ónus da prova do facto” [9];


- A Relação deve alterar a decisão proferida sobre pontos concretos da matéria de facto, indicados pelo recorrente, se os factos não impugnados, a prova produzida, a indicar, também, pelo recorrente, ou documento superveniente impuserem decisão diversa da recorrida, com o conteúdo requerido[10];


- “A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição; para que o segundo grau reaprecie a prova, não basta a alegação por banda dos recorrentes em sede de recurso de apelação que houve erro manifesto de julgamento e por deficiência na apreciação da matéria de facto devendo ser indicados quais os pontos de facto que no seu entender mereciam resposta diversa, bem como quais os elementos de prova que no seu entendimento levariam à alteração daquela resposta” [11];


-“No uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto (…), a Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova” [12].


Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos

-“Um dos alicerces centrais do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham em relação aos seus clientes. A dupla razão de ser da essencialidade do apoio informativo reside na crescente sofisticação dos instrumentos financeiros e na tendencial assimetria informativa entre o intermediário financeiro e o seu cliente. Procura-se, assim, através das prescrições informativas favorecer decisões de investimento (aquisição, alienação ou manutenção de posições) livres e informadas” [13];

- “ (…) os intermediários devem pautar, em geral, o seu comportamento, no relacionamento que estabelecem com os intervenientes no mercado, por critérios de transparência (…). Mais concretamente, o intermediário deve prestar ao seu cliente, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…)”[14];

- “(…) a extensão e profundidade da informação a prestar devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência que o cliente tiver. A aplicação desta regra de proporcionalidade inversa entre a dose de informação a fornecer e o grau de conhecimento e experiência do cliente implica, necessariamente, um conhecimento por parte do intermediário financeiro quanto ao grau de conhecimento e de experiência do cliente. Não pode esquecer-se, ainda, que a densidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual realizado, havendo contratos em que a informação assume uma importância proeminente (…)”[15];

- O dever de informação recai, também, sobre “os riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” e sobre a “proteção do património do cliente e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar”[16];

- “O sistema de proteção consagrado no Código dos Valores Mobiliários assenta nomeadamente em deveres de adequação e em deveres de informação, cujo incumprimento pode desencadear deveres de indemnização, se verificados os pressupostos da responsabilidade civil[17];

- “I- Num contrato de intermediação financeira recai sobre o intermediário financeiro, o dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Este dever, imposto ao intermediário financeiro, no interesse dos seus clientes não é mais, afinal, que o dever de agir de boa-fé, constituindo um dever principal - a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. II - A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que entre clientes não qualificados, a avaliação de risco não é tão informada quanto a da contraparte. III - O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual - art. 483º, nº 1 do Código Civil - impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº 1 do Código Civil e nº 2 do art. 304-A do CVM. IV- Estando demonstrado que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da atuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não atuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, o risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é óbvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, porque deliberadamente e meticulosamente planeada. V- Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações que impliquem uma projeção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto à sua ocorrência. VI -Assim para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa da R. traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o A. não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido os termos impostos por lei ou seja de forma completa,verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. VII - Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o intermediário financeiro constitui-se na obrigação de indemnizar o cliente pelos prejuízos sofridos, consistente no montante do capital investido e respetivos juros moratórios” [18];
- “O objetivo essencial da atividade de intermediação é a de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no art. 322º. do CVM, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de“todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seu requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude. II - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa). III - Para que se verifiquem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art. 799º nº 1 do Código Civil e art. 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, a descontar o rendimento, entretanto percebido pela Autora); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e ao dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o dano ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto)” [19];

- “I - Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimento e experiência do seu cliente - no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as caraterísticas de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa - não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco como um depósito a prazo. II - Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como não foi apto a produzir o não reembolso do capital - lesão verificada -, independentemente de este ter ido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado” [20];

- “I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade. II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade co capital do banco. III - Mostrando-se que se o intermediário financeiro tivesse informado o cliente de forma completa, verdadeira e leal este nunca aceitaria subscreve o produto financeiro em causa, e mostrando-se que o reembolso não foi feito na data da respetiva maturidade nem depois, é o intermediário responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor. IV - Esse prejuízo corresponde ao montante investido, acrescido dos juros de mora; V - A circunstância de ter sido dito ao cliente que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um deposito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significa, dentro da economia da demais factualidade conhecida, que o Banco prestou informações que não eram verdadeiras, e é daqui que deve nascer a sua responsabilização” [21];

-“Os deveres de informação do intermediário financeiro não se esgotam no plano meramente formal da enunciação do produto financeiro e das suas caraterísticas, mais ou menos detalhadas, apreensível a um homem médio, exigindo-se uma informação que, em substância, surja como apreensível pelo concreto do investidor, em função do seu grau de conhecimentos e experiência” [22];

- “1. Embora a comercialização do produto financeiro com a informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido. “2. Provando-se que, no âmbito do contrato de intermediação financeira o funcionário do Banco propôs ao Autor uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto (Obrigações SLN) com garantia de capital investido e que o Autor deu a sua anuência à concretização, por se tratar de um produto comercializado pelo Banco com capital garantido, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente, designadamente o reembolso do capital investido. 3- Pois, face ao disposto no art. 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, e não tivesse havido omissão de informação por um lado e informação enganosa por outro, o autor não teria investido naquele produto financeiro. 4. Tendo-se reconhecido, no contexto factual em que ocorreu o negócio, que o Banco agiu com culpa grave, é inaplicável o reduzido prazo prescricional previsto no nº 2 do artigo 324ºdo CdVM, sendo antes aplicável o prazo prescricional ordinário” [23].


C - Aplicação do direito aos factos

Quanto à alegada nulidade da sentença


O pedido deduzido pelo recorrido/demandante BB foi o seguinte: condenação da recorrente/demandada Banco Bic Português, S.A. a pagar-lhe o capital de €50.000,00, “acrescidos dos juros vencidos desde 07 de Maio de 2015, até integral reembolso (…)” e “quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a €10.000,00 (…), por danos morais sofridos (…)”.


Por outro lado, o dispositivo da sentença impugnada tem o seguinte teor: “(…) julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e condeno o R. Banco BIC Português, S.A. a pagar ao A. a quantia de €50.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 13.12.2016, até integral pagamento.”


Assim sendo, o Tribunal recorrido não condenou “em quantidade superior” ou “em cousa diversa” do que se pediu.


Não ocorre, por isso, o alegado vício da condenação ilegal.


O demandante/recorrido BB fundamentou a sua pretensão na inobservância, por parte da dita recorrente/demandada, dos “ (…) princípios orientadores da atividade de intermediação financeira, assim como os deveres informação junto do Autor, a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio (…)”, chamando à colação, para o efeito, nomeadamente, o disposto no artigo 304º.-A do Código dos Valores Mobiliários, com referência, ainda, os artigos 73º. a 76º. do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.


A sentença impugnada alude que “(…) o R. não cumpriu o ónus de informação a que estava obrigado (…)”, decorrendo “(…) dos autos que o R. violou o que dispõe os arts. 7º e 312º , CVM, pois que, embora a comercialização do produto responsabilize em primeira linha a entidade emitente, tal não significa que essa responsabilidade não se estenda ao intermediário financeiro, como tem sido reiteradamente afirmado pela doutrina e pela jurisprudência”.


Não conheceu, deste modo, o Tribunal recorrido de causa de pedir não invocada.


Não se verifica, pois, o alegado vício de pronúncia indevida.


Improcede, pelo exposto, este segmento da apelação.


Quanto ao invocado erro na apreciação da prova produzida, que determine a modificação da matéria de facto, vertida nos pontos 2, 10 e 13 dos factos assentes


Devendo a Relação “(…) formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª instância (…)” procedeu-se à audição do registo de todos os depoimentos prestados.


As notas relevantes a extrair dos mesmos são as seguintes:


1 - Declarações de parte do Autor BB: a aplicação financeira a que aludem os autos foi-lhe sugerida pela testemunha Jorge S…; foi-lhe dito que “o dinheiro estava seguro”; pagaram sempre os juros, com exceção dos últimos dois anos; tentou, sem sucesso, o resgaste da aplicação, passados cinco anos da sua aquisição, conforme lhe fora dito, tendo sido remetido para os dez anos; nesta altura, não obteve o reembolso; emigrou aos 17 anos para França, onde esteve 47 anos;


2- Testemunha Carlos M… - não conhece o Autor BB; aludiu, em termos abstratos, aos termos em que o produto financeiro em causa foi transacionado, aos balcões do BPN; capital garantido “não era uma garantia em termos jurídicos”;


3 - Testemunha Jorge S… - o Autor BB, “pessoa de trabalho, baixa escolaridade, muito simples, pacata”, era seu cliente, num outro banco, acompanhando-o quando foi trabalhar para o BPN; sugeriu-lhe a subscrição do referido produto financeiro, que o mesmo aceitou, devido à confiança que tinha em si; o produto financeiro vendido “não era um depósito a prazo, mas era como se um depósito a prazo se tratasse”, com “capital garantido”; não tem a certeza que tenha dito ao Autor BB quem era a entidade emitente; o Autor BB era um cliente de depósitos a prazo, embora com um ou outra aplicação de curto prazo; não era um cliente de risco; admite ter falado nos termos do resgate antecipado.


Estes elementos probatórios, conjugados com os documentos juntos, sendo realçar o documento nº 2, junto a fls. 50 - onde se alude que ”O Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de Obrigações Subordinadas a 10 anos, denominada ”SLN Rendimento Mais 2004”, para consolidação da dívida da SLN, SGPS, S.A”, cuja “total subscrição” era “de importância estratégica para grupo”, possibilitam a este Relação formar a seguinte convicção:


Ponto 2 dos factos provados


Relativamente a este segmento da matéria de facto, releva, apenas, o depoimento da testemunha Jorge S…. Ora, quanto à circunstância deste ter ou não referido ao Autor BB, por ocasião da subscrição, a entidade emitente do produto financeiro a transacionar e a sua relação com o BPN, o mesmo não revelou certezas, o mesmo acontecendo com todas circunstâncias concretas em que era possível o resgate antecipado.


Assim, e na dúvida, importa decidir contra a recorrente/demandada Banco Bic Português, S.A., por o ónus da prova lhe competir.


Deste modo, improcede esta parte da impugnação da matéria de facto, fazendo sua esta Relação a convicção do Tribunal recorrido.





Ponto 10 dos factos provados


No critério da recorrente/demandada Banco Bic Português, S.A., está provado, apenas, que creditou os juros na conta do Autor BB, mas não que os tenha pago/suportado.


A questão tem de ser vista do lado do dito demandante. Para este, creditar os juros na sua conta bancária significa, pura e simplesmente, pagar.


Ora, dívidas inexistem, que, nesta perspetiva, os juros foram pagos.


Não procede, por isso, este segmento da impugnação, mantendo-se, em consequência, a resposta dada.





Ponto 13 dos factos provados


A impugnação deste pronto está relacionada com a do ponto 2 dos factos provados, ou seja, com o conhecimento por parte do recorrido/demandante BB, aquando da subscrição da aplicação financeira, que esta era um produto SLN.


O insucesso da impugnação, no que concerne àquele ponto, conduz, também, à improcedência da impugnação do ponto 13.


Improcede, igualmente, esta parte da impugnação.


Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos assentes


Dúvidas inexistem que o Banco Português de Negócios (BPN) - atualmente, o demandado/recorrente Banco Bic Português, S.A. - conhecia, em meados de 2006, a idade do Autor/recorrido BB, bem como sabia a natureza e montante das suas operações bancárias. Conhecia, igualmente, que, na antes referida data, detinha, apenas, um depósito a prazo, no montante de €50.000,00.


Assim sendo, sabia (ou devia saber) não só que este depósito coincidia com as suas poupanças de uma vida trabalho - garantia de um futuro sem, em princípio, incómodos financeiros -, como, igualmente, conhecia que operação bancária típica do perfil do referido demandante/recorrido era o depósito a prazo.


Deste modo, quando, em meados de 2006, a testemunha Jorge S…, em representação do BPN, sugeriu ao Autor BB a substituição do citado depósito a prazo, pela subscrição de uma obrigação SLN, era razoável pensar que o risco que este admitia aceitar teria de ser igual ao do primeiro.


Porém, assim não acontecia com produto financeiro sugerido e, posteriormente, adquirido, uma vez que o dito capital deixaria de beneficiar do Fundo de Garantia de Depósitos, o que não era, certamente, de somenos importância para o tipo de cliente que era o citado demandante, ainda que, na altura, se cifrasse em € 25.000,00.


Esta realidade foi omitida, optando-se por aludir a “capital garantido”, ou por se dizer qualquer coisa como “não era um depósito a prazo, mas era como se um depósito a prazo se tratasse”.


Faltou, pois, o BPN, à verdade, violando, deste modo, o dever de informação a que estava vinculado, como intermediário financeiro, e incorrendo em responsabilidade civil contratual.


Além disso, e abstraindo-se da presunção de culpa que, em consequência, o onerava, importa referir que o BPN sabia que a “SLN, SGPS, S.A.”, a emitente das obrigações, indiciava, já em 2004, dificuldades financeiras, pelo menos, como decorre do objetivo da daquela subscrição - “consolidação da dívida da SLN, SGPS, S.A”.


Acontece, ainda, que os factos provados apontam, necessariamente, para a não subscrição, por parte do Autor BB, do produto financeiro em causa, se tivesse sido informado, pelo BPN, do decréscimo de garantia de reembolso do capital a investir, relativamente ao depósito a prazo.


Não subscreve, pois, esta Relação a pretensão veiculada pelo recorrente/demandado Banco Bic Português, S.A., através do recurso, em consonância, por sinal, com a jurisprudência acima citada.


Em síntese[24]: não cumpre os deveres de informação a que está vinculada - faltando à verdade - a entidade bancária, que, na qualidade de intermediária financeira, propõe a um cliente seu, com perfil e prática de depositante a prazo, a aquisição de um produto financeiro (obrigações da emitente) que, através da expressão “capital garantido”, pretende equipará-lo, em termos de garantias, a um depósito a prazo.


Decisão


Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando a apelação improcedente, manter a sentença impugnada.


Custas pela recorrente.


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Évora, 16 de maio de 2019


Sílvio José Teixeira de Sousa


Maria da Graça Araújo


Manuel António do Carmo Bargado

__________________________________________________
[1] Relativamente ao pedido formulado contra a Caixa Geral de Depósitos, S. A., a instância, nesta parte, foi julgada extinta, com fundamento na desistência do pedido.
[2] Conclusões elaboradas por esta Relação, a partir das longas (61) e prolixas “conclusões” da recorrente.
[3] A referência a €150.000,00 é um lapso (artigo1º da petição inicial).
[4] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, págs. 704 e 705, e artigo 615º., nº 1, d), do mesmo diploma.
[5] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, pág. 67, e artigos 609º., nº 1 e 615º, nº1, e) do mesmo diploma.
[6] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 436.
[7] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 452 e artigo 342º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
[8] Artigo 350º, nºs. 1 do Código Civil.
[9] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 447.
[10] Artigos 640º., nº 1 e 662º., nº 1 do Código de Processo Civil.
[11] Acórdão do STJ, de 2 de dezembro de 2013 (processo nº 34/11.0 TBPNL.L1.S1), in www.dgsi.pt..
[12] Acórdão do STJ de 14 de fevereiro de 2012 (processo nº 6823/09.3 TBBRG.G1.S1.), in www.dgsi.pt. (no mesmo sentido, os acórdãos do STJ, de16 de outubro de 2012 (processo nº 649/04.2 TBPDL.L1.S1), 6 de julho de 2011 (processo nº 450/04.3 TCLRS.L1.S1), 6 de julho de 2011 (processo nº 645/05.2 TBVCD.P1.S1), 24 de maio de 2011 (processo nº 376/2002.E1.S1), 2 de março de 2001 (processo nº 1675/06.2 TBPRD.P1.S1), 16 de dezembro de 2010 (processo nº 2410/06.1 TBLLE.E1.S1) e 28 de maio de 2009 (processo nº 4303/05.0 TBTVD.S1), no mesmo sítio), e artigo 662º., nº 1 do Código de Processo Civil).
[13] Prof. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª edição, pág. 413.
[14] Prof. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ª edição, pág. 413, e artigos 304º., nº 1 e 312º., nº 1 do Código dos Valores Mobiliários.
[15] Prof. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ªedição, pág. 413, e artigo 312º., nº 2 do Código dos Valores Mobiliários.
[16] Artigo 312º., nº 1, e) e g) do Código dos Valores Mobiliários.
[17] Prof. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4ªedição, pág. 418, e artigo 304º.-A, nºs 1 e 2 do Código dos Valores Mobiliários.
[18] Acórdão do STJ de 25 de outubro de 2018 (processo nº258116.8 T8LRA.C2.S1/ 2ª secção), in www,dgsi.pt..
[19] Acórdão do STJ de 28 de fevereiro de 2019 (processo nº3654/16.2 T8LRA.C1.S1/ 7ª secção), in www,dgsi.pt..
[20] Acórdão do STJ de 29 de março de 2019 (processo nº 2259/17.5 T8LRA.C1.S1/ 1ª secção), in www, dgsi.pt..
[21] Acórdão do STJ de 19 de março de 2019 (processo nº 3922/16.3 T8VIS.C2.S1/ 6ª secção), in www, dgsi.pt..
[22] Acórdão da Relação de Évora de 8 de novembro de 2018 (processo nº 2208/16.8 T8STR.E1), in www,dgsi.pt..
[23] Acórdão da Relação de Évora de 10 de maio de 2018 (processo nº 2658/16.0 T8STR.E1), in www, dgsi.pt..
[24] Artigo 713º., nº7 do Código de Processo Civil.