Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
18/21.0T8PTG.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
INDEMNIZAÇÃO DO ARRENDATÁRIO
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Não se pode admitir que as rendas anteriores à propositura da acção e pagas em mora estejam isentas da indemnização;
2 - Havendo mora, o cumprimento só se realiza com o pagamento das duas parcelas, ou seja, a arrendatária tinha também de pagar a indemnização, quer a acção tenha sido proposta, quer não.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 18/21.0T8PTG.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…), solteiro e maior, veio propor a presente acção contra Auto (…) – Oficina Automóvel, Lda., com fundamento na falta de pagamento de rendas.
Pede que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento e a Ré, Auto (…) – Oficina Automóvel, Lda., condenada a despejar imediatamente o prédio identificado na p.i., bem como, a pagar ao Autor as rendas vencidas até Dezembro (inclusive) de 2020, no montante de € 4.500,00 e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão que decrete a resolução do contrato, assim como, até à efectiva entrega do locado, a título de indemnização, a quantia mensal de € 500,00, com custas e procuradoria condigna.
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A R. contestou defendendo-se por excepção, invocando a excepção peremptória de caducidade do direito de resolução do contrato por parte do senhorio.
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Foi proferido saneador sentença cuja parte decisória é a seguinte:
a) Declaro resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes relativo ao prédio urbano, sito na Rua (…), n.º 5 e n.º 5-A, Zona Industrial de Portalegre, inscrito na matriz sob o n.º (…), da freguesia da Sé, do concelho de Portalegre;
b) Condeno a Ré, Auto (…) – Oficina Automóvel, Lda. a entregar imediatamente ao Autor, (…), o locado livre e devoluto de pessoas e bens;
c) Condeno a Ré, Auto (…) – Oficina Automóvel, Lda. a pagar ao Autor, (…), o montante de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros), a título das rendas vencidas e vincendas até Julho de 2021, acrescido das rendas vincendas desde Agosto de 2021 até à data do trânsito em julgado da presente sentença, e desde então, numa indemnização mensal, até ao mês em que ocorrer a efectiva restituição do locado, sempre à razão mensal de € 500,00 (quinhentos euros).
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Desta sentença recorrer a R., entendendo, no essencial, que a si cabe proceder ao pagamento de 20% do valor que for devido, do valor que esteja em falta, e não já 20% do valor das rendas que tinham sido já pagas à data da propositura da ação, ainda que fora do prazo legal ou convencionado.
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O recorrido contra-alegou defendendo, também no essencial, que a contestação da Recorrente foi apresentada a 5 de Abril de 2021, demonstrando o pagamento de todas as somas devidas a título de rendas, até Março de 2021, mas já não de todas as indemnizações a que se reporta do n.º 1 do artigo 1041.º.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. O Autor é dono do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 5 e n.º 5-A, Zona Industrial de Portalegre, inscrito na matriz sob o n.º (…), da freguesia da Sé, do concelho de Portalegre.
2. Por acordo datado de 1/01/2013, o A. acordou ceder à R. a utilização da fracção A do referido prédio, com o n.º 5 de polícia, correspondente ao r/c esquerdo, com o alvará de utilização n.º (…), emitido pela Câmara Municipal de Portalegre, para reparação, mecânica, oficina automóvel, electricista, montagem de pneus, comércio de peças e acessórios para automóveis, comércio a retalho de automóveis novos e usados, pela renda mensal de € 500,00, pagável até ao dia 8 do mês a que respeitar, por depósito bancário, no NIB (…), da agência de Portalegre do Banco Espírito Santo.
3. Posteriormente as partes acordaram, verbalmente, com respeito ao pagamento da renda, que a Ré pagaria a quantia de € 375,00 directamente Autor, e a quantia de € 125,00 directamente à Autoridade Tributária, a título de retenção de IRS à taxa de 25%.
4. A Ré não pagou atempadamente ao Autor as rendas referentes aos meses de Janeiro a Dezembro de 2020.
5. A 31 de Dezembro de 2020, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 1.500,00, como pagamento parcial dos valores em dívida referente aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2020 (€ 375,00 x 4).
6. A 19 de Janeiro de 2021, a Ré efectuou o pagamento da retenção de IRS à taxa de 25%, à Autoridade Tributária no valor de € 500,00 euros, relativo aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2020.
7. No dia 26 de Janeiro de 2021, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 3.000,00, como pagamento parcial dos valores em dívida referente aos meses de Maio a Dezembro de 2020 (€ 375,00 x 8).
8. A 27 de Janeiro de 2021, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 375,00, como pagamento parcial do valor devido a título de renda do mês de Janeiro de 2021.
9. A 18 de Fevereiro de 2021, a Ré efectuou o pagamento da retenção de IRS à taxa de 25%, à Autoridade Tributária no valor de € 1.125,00, respeitante aos meses de Maio de 2020 a Janeiro de 2021 (€ 125,00 x 9).
10. A 8 de Fevereiro de 2021, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 375,00, como pagamento parcial do valor devido a título de renda do mês de Fevereiro de 2021.
11. A 5 de Março de 2021, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 375,00, como pagamento parcial do valor devido a título de renda do mês de Março de 2021.
12. A 19 de Março de 2021, a Ré efectuou o pagamento da retenção de IRS à taxa de 25%, à Autoridade Tributária no valor de € 125,00, respeitante ao mês de Fevereiro de 2021.
13. A 24 de Março de 2021, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 900,00, como pagamento parcial dos valores em dívida a título de indemnização pelo atraso no pagamento das rendas.
14. A 7 de Abril de 2021, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 375,00, como pagamento parcial do valor devido a título de renda do mês de Abril de 2021.
15. A 19 de Abril de 2021, a Ré efectuou o pagamento da retenção de IRS à taxa de 25%, à Autoridade Tributária no valor de € 125,00, respeitante ao mês de Março de 2021.
16. A 19 de Maio de 2021, a Ré efectuou o pagamento da retenção de IRS à taxa de 25%, à Autoridade Tributária no valor de € 125,00, respeitante ao mês de Abril de 2021.
17. A 4 de Junho de 2021, a Ré depositou na conta bancária do A., a quantia de € 375,00, como pagamento parcial do valor devido a título de renda do mês de Junho de 2021.
18. A petição inicial deu entrada em juízo a 6/01/2021, e a contestação a 5/04/2021.
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Como nota a recorrente, a questão que se esgrime nos presentes autos é se, à data da propositura da ação, estavam por pagar rendas vencidas de tal forma que haja fundamento para o exercício do direito à resolução do contrato e, na afirmativa, se a Recorrente, até ao termo do prazo da contestação, purgou a mora, implicando a caducidade do direito de resolução.
Tendo isto em conta, importa ver as rendas que estavam em falta e quais as que foram pagas. Importa também ter em conta que a maneira de obstar à resolução é a demonstração de que as todas rendas estão pagas e acompanhadas da respectiva indemnização até ao termo do prazo para contestar a acção (artigos 1042.º, n.º 3 e 1048.º do Código Civil).
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A R. não pagou as rendas do ano de 2020 (12 x € 500), tal como não pagou atempadamente a renda de Janeiro de 2021.
Foi pagando, no total, a quantia de € 9.150,00, sendo € 6.500,00 de renda e o restante da indemnização legal.
No entanto, o valor desta é de € 1.300,00 sendo que a recorrente só pagou a quantia de € 900,00.
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São estes os factos fundamentais e que a recorrente aceita.
Mas argumenta que pode proceder ao pagamento de 20% do valor que for devido e não já 20% do valor das rendas que tinham sido já pagas à data da propositura da ação, ainda que fora do prazo legal ou convencionado.
O que a lei exige para obstar ao pagamento é que não fique nenhuma renda e indemnização em falta do decurso da acção. É o que decorre do artigo 1041.º, n.º 3, ao estabelecer que, enquanto não forem cumpridas as obrigações decorrentes do n.º 1 (renda e indemnização), as rendas posteriores têm-se por não pagas, por devidas para todos os efeitos.
Por isso, e salvo o devido respeito, não se pode admitir que as rendas anteriores à propositura da acção e pagas em mora estejam isentas da indemnização. Havendo mora, o cumprimento só se realiza com o pagamento das duas parcelas. Ou seja, a recorrente tinha também de pagar a indemnização, quer a acção tenha sido proposta quer não.
Como se escreve no ac. da Relação de Coimbra, de 30 de Abril de 2019, para impedir a resolução do contrato tem o inquilino que oferecer o pagamento da indemnização uma vez que, como resulta do artigo 1042.º do Código Civil, só põe fim à mora se oferecer o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, acrescido da indemnização fixada no artigo 1041.º/1, do Código Civil. No mesmo sentido, decidiu a Relação de Lisboa, em ac. de 11 de Dezembro de 2018, que o arrendatário só porá fim à mora se observar o disposto no artigo 1041.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pagando ao autor a indemnização devida de 50% relativamente a cada renda vencida desde a primeira em que incorreu em mora e até ao momento em que satisfaz a indemnização.
Ou seja, e no fundamental, é absolutamente indiferente para obstar ao despejo que as rendas estejam pagas antes da propositura da acção; o que é importante é que, dentro do prazo para contestar, todas as rendas estejam pagas tal como as respectivas indemnizações.
Assim, não tem razão a recorrente.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 13 de Janeiro de 2022
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos