Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1498/14.5PAPTM.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
ARMA BRANCA
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I – Não constitui arma branca um artefacto em madeira com um objeto em ferro na ponta com um elefante, um bico e uma agada, que é habitualmente destinado à decoração doméstica.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do J2 da Secção Criminal da Instância Local de Portimão, da Comarca de Faro, o arguido P. foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de:

-- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª a) e 2, do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão, cuja execução foi suspensa por idêntico período; e

-- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1 al.ª c) e d), "ex vi" art.º 2.º, n.º 1 al.ª g) e m) e 3 al.ª p), da Lei n.º 5/2006, de 23-2, na pena de 280 dias de multa, à razão diária de 6 €, o que perfaz um total global de 1.680 €.
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Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença proferida nos autos do processo comum número 1498/14.5PAPTM, no qual a Meritíssima Senhora Juiz de direito da Seção Criminal J2, Intancia Local de Portimão, Comarca de Faro, Condenou o aqui recorrente Paulo Jorge Reis dos Santos da Encarnação:

a) Pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1 alinea a) do Código Penal , na pena de dois anos e dois meses de prisão , suspensa na sua execução por igual período.

b) Pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1 alineas c) e d) ex vi artigo 2.º, n.º 2, n.ºs 1 alineas g) e m) e 3 alinea p), ambos da lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro , na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 perfazendo um total de € 1.680,00 ( correspondendo a pena de multa aplicada 186 dias de prisão subsidiária, em caso de falta de pagamento culposo);

c) No pagamento das custas do processo, na taxa de justiça de 3 UC (cfr. Art.º 344, n.º 2 alinea c) do Código Processo Penal e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais);

Ora, entende o aqui Recorrente que esta condenação não satisfaz o direito e está bem longe do que se pretende no que à justiça diz respeito.

2- Entende, o aqui ora recorrente que esta conclusão não satisfaaza o direito e está longe do que se pretende e no que à justiça diz respeito

3- Tal conclusão resulta da análise atenta de todo o processo, da reavaliação de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e, ainda, no que à integração dos fatos ao direito diz respeito.

4- Eentende o aqui ora Recorrente que a fatualidade dada como provada assenta muito especialmente na convição do julgador.Convição não fundamentada nem alicerçada em provas recolhidas.

5- Entende, ainda, o aqui Recorrente que se verificam evidentes contradições entre a matéria de fato dada como provada, os critérios de formação da convição do Tribunal, a subsunção dos fatos ao direito e, a determinação da pena a aplicar.

6- Entende o aqui ora recorrente que foi claramente violado o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

7- Mais entende o aqui ora Recorrente que foi claramente mal interpretado o disposto nos artigos 152.º, n.º 2, do codigo penal e art.º 86.º, n.º 1 alineas c) e d) ex vi artigo 2.º, n.º 2, n.ºs 1 alineas g) e m) e 3 alinea p), ambos da lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

8- Deveria o tribunal, alterar substancialmente os factos e imputar ao arguido a prática de um crime de injúrias previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal, todavia a ofendida não se constituiu como assistente para que o procedimento prosseguisse quanto a essa parte!

9- No Mais poderia ter dado aso à imputação de um crime de ameaça, previsto e punivel no artigo 153.º do Código Penal”, mas as ameaças foram mútuas não se sabendo que ameaçou primeiro!!!

10- Mais entende o aqui Recorrente que foi claramente esquecido o disposto no artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente no que à determinação da medida da pena diz respeito, em função da culpa do agente e das exigências concretas de prevenção.

11- Foi também claramente violado um dos principios basilares do Direito Penal, falamos oviamente do Principio do In Dubio Pró Réu.

12- Aqui o Recorrente discorda da fatualidade dada como provada constante dos pontos 3, 4, 5,6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19;

13- Relativamente ao ponto 3 e 4 da fatualidade dada como provada, entende o ora Recorrente que não corresponde à verdade, sendo que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento outra verdade não resulta;

14- Para justificar a impossibilidade de ter praticado qualquer tipo de ameaça com uma arma, na data constatada no ponto 3 da douta acusação e (que depois mereceu alteração em sede de fatos provados e não provados) nomeadamente entre Junho e Setembro de 2014, mencionou que saiu de casa no dia 31 de agosto de 2014, em virtude de não conseguir mais aguentar os sobressaltos que a sua mulher lhe causava com a sua conduta desiquilibrada proveniente do consumo de drogas.

15- E disse mais o aqui recorrente que tudo esteve bem até ao dia 16 de Julho de 2014, correspondente ao dia em que o aqui Recorrente fez o seu aniversário.

16- Com relevo para o alegado em 3 e 4 temos os seguintes depoimentos:
A) Arguido Sessão de 22/06/2015 CD 00.00.01 a 00.23.04 - 00.09.26 a 00.12.22
B) A ofendida sobre a mesma matéria disse ( 00.00.01 a 00.40.18 dos 2.55 aos 08.00) -04:45 a 08.23
C) Depoimento da testemunha NC CD 00.00.01 a 00.24.42 - CD 00.07.59 a 08.44

17- Do depoimento da ofendida e da testemunha decorre que os fatos relativamente a este ponto ocorreram após Setembro ou no decurso do mês de Setembro, altura em que o aora arguido já teria saído de sua casa e deixado de coabitar com a ofendida.

18- Como seria de esperar do depoimento da ofendida a mesma teria de fazer menção aos fatos constantes da acusação, todavia, não faz uma descrição nitida dos mesmos nem relativamente a este fato nem relativamente a nenhum dos fatos que foram considerados provados, nem apresenta um comportamento sofrido e típico das vitimas de violencia doméstica.

19- A testemunha N também ao longo do seu discurso não apresenta um raciocinio coerente capaz de justificar a ocorrencia dos fatos, nomeadamente um disparo apenas menciona que estava deitado e “pareceu – lhe ouvir o barulho de um disparo.

20- Pela noite dentro, o barulho de um disparo não é impercetível.

21- Como é ovio, sendo filho da ofendida e indo a sua mãe depor contra o arguido teria o mesmo de mencionar que ouviu o episódio do disparo.

22- Pareceu – lhe ouvir, não viu nada.

23- Sabemos que o crime de violencia doméstica na sua maior parte das vezes passa – se no meio de quatro paredes, todavia aqui não há mais provas relativamente a esta situação.

24- A ofendida não sabe a data de um acontecimento bem marcante desta natureza, o filho não sabe se ouviu um disparo,

25- Salvo o devido respeito e melhor opinião há muitas dúvidas quanto à prática deste fato.

26- As restantes testemunhas nada viram sobre este fato.

27- Pelo que, se inexiste prova documental, prova testemunhal e se existe contradição relativamente à forma como os fatos ocorreram, há uma duvida; uma nuvem cinzenta;;;;

28- Nestes termos, A fatualidade referida neste ponto terá que ser empurrada para a fatualidade dada como não provada.

29- Ou noutro caso, sempre se poderia dizer que estariamos aqui diante de um crime de ameaça!!!

30- Todavia, ninguém viu, é a palavra da ofendida contra a do arguido;

31- Na dúvida absolve – se;

32- Algumas discussões havia mas eram mútuas!!!!!

33- Outra qualquer conclusão não passa de mera tentaiva de adivinhação;

34- Telativamente ao ponto 5 não existem testemunhas, prova documental ou prova pericial.

35- Com relevo para o alegado no ponto 5 temos o depoimento das seguintes testemunhas:

A)Arguido: negou a prática dos factos CD faixa 00.00.01 a 00.23.04 sessão de 22/06/2015
Minuto 14.45 a 17.34

B) ofendida Cd 00.00.01 a 00.40.18 sessão de 22/06/2015 minuto 14.08 a 18.32

36- Das declarações da ofendida em algum momento se pode retirar o fato dado como provado neste ponto.

37- A Própria ofendida admite que as agressões eram mútuas.
c)NC - CD 00.00.01 a 00.24.42 minuto 00.13.41 a 00.14.56 sessão de 22/06/2015
d) Testemunha CS CD 00.00.01 a 00.10.40 minuto
02.54 a 17.25

38- Transcrevendo – se todo o seu depoimento verifica – se que a mesma nunca viu agressões fisicas entre o casal, mencionando várias vezes que a dona Ema era muito implicativa e que era esta que se encontrava constantemente a chamar nomes ao Arguido,

e)Testemunha AA Sessão de 22/06/2015 CD .00.01 a 00.13.46
A partir do minuto 07.09 a 13.43

39- Também esta testemunha menciona que efetivamente havia discussões entre o casal mas sempre em relação à prestação do trabalho, no caso o Restaurante que ambos exploravam e não em relação ao casal em concreto;

40- Mais menciona que quem começava as discussões era a ofendida não deixando o arguido trabalhar, portanto em jeito de provocação.

41- Esta testemunha não presenciou nada do que vem mencionado neste ponto dado por provado pelo tribunal

42- Tendo sido quase “forçada” dentro do seu depoimento a dizer coisas que não viu.
f) Testemunha MJ Cd 00.00.01 a 00.08.31
Sessão de 22/06/2015: minuto 02.24 a 5.2

43- Analisada a fundamentação da Merítissima Juiz de direito vemos que o depoimento desta testemunha, relativamente à prova deste pornto foi totalmente desconsiderado pelo Tribunal.

44- Assim, este ponto da fatualidade deverá ser empurrado também para a fatualidade considerada como não provada.

45- No que concerne aos pontos 6 e 7 da fataulidade dada como provada,

46- Sempre se dirá o que já foi dito quanto aos pontos 4 e 5 passados no interior da casa do casal

47- O arguido negou a prética dos fatos

48- A testemunha EC, a qual também assume a qualidade de ofendida não se esperava outra coisa do seu depoimento senão a confimação dos fatos, CD sessão de 22/06/2015Passagem 08.31 a 09.45

49. Depoimento do N CD sessão de 22/06/205 minuto 08.32 a 10.02

50- Do seu depoimento nesta parte resulta que efetivamenre ouviu o Sr. P chamar à sua mãe cabra e toxocodependente, mas não lhe foi perguntado se a sua mãe também chamava alguns nomes, sendo certo que momentos anteriores no seu depoimento esta testemunhas diz que as agressões eram mútuas.

51- A Ofendida diz no seu depoimento que o filho presenciou as ofensas verbais, mas o filho diz que do quarto conseguia ouviar a discussão.

52- Será que a testemunha N só menciona no seu depoimento o que ouviu a arguido chamar à sua mãe porque só isso lhe foi perguntado e não mencionou o os nomes que a sua mãe chamava ao arguido, porque não lhe foi perguntado???

53- Sérias duvidas nos suscitam quanto a este ponto.

54- Injúrias e discussões havia entre o casal nos finais do relacionamento!!!

55- Mas o arguido diz que quem desencadeava as discussões era a ofendida, por a partir de determinado momento começar a consumir drogas e a ter alterações de comportamento que se vieram a repercutir na prática com o encerramento de um negócio com mais de 20 anos!!!

56- Estariam estas injúrias e ameaças dentro do alcance da previsão normativa do crime de violencia doméstica???

57- Sérias dúvidas nos suscitam

58- Quando não sabemos quem agride primeiro não se pode punir assim reza o artigo do Código penal.

59- E, na dúvida absolve – se e não se condena.

60- Por isso estes pontos da acusação que foram dados como provados deveriam ser transportados para os fatos não provados.

61- O ponto 6 e 7 da douta acusação também deve ser dado como não provado

62- -Pelas mesmas razões que já vem sido ditas:
a)Prova documental, não existe
b)Prova testemunhal ninguém disse ter visto a não ser a ofendida que é a “ suposta vítima”
c)Prova pericial não há.

62- Isto porque depoimentos prestados:
Arguido Negou os fatos
Testemunhas
Nélson
Carina
Afonso
António
63- Ninguem viu, nem ouviu antes pelo contrário!!!

64-Pelo que, sem necessidade de mais, a fatualidade referida terá de ser empurrada para a fatualidade dada como não provada.

65- O ponto 10 da douta acusação e que foi dado como provado, jamais poderia ter sido dado como provado, porquanto o arguido e a ofendida não tinham nem têm bens comuns do casal e durante o decurso do processo que correu termos no Tribunal, assinaram um divórcio por mútuo consentimento, na Conservatória do Registo predial de Portimão mais precisamente no dia 14 de Maio de 2015.

66-Por isso este ponto jamais deveria ter sido considerado como provado, e consequentemente deveria ter sido transportado para a matéria de fato não provada!!!

67-No que ao ponto 11 e 12 concerne, com exeção da ofendida e do seu filho menor mas imputável já em termos de direito penal, (portanto bem capaz de compreender o resultado dos seus depoimentos e das suas condutas e considerando que os laços familiares do mesmo com a sua mãe semre foram muito parcos),

68- Perguntamos:
- Alguém viu ?
Alguém disse??
Alguem tomou conhecimento??
69- Respondemos: Não e mais o que foi visto pela maioria das restantes testemunhas foi uma versão contrária bem suportada pelas declarações do arguido em sede de primeiro interrógatório judicial e em sede de audincia de discussão e julgamento.

70-Também sempre se dirá que o arguido segundo as declarações quer do filho quer da mãe não só agia a cobero da residência mas também na presença dos funcionários do restaurante que viram sempre tudo de forma completamente diferente.

71- Pelo que, os fatos supra transcritos não resultam da prova produzida e devem ser retirados da fatualidade considerada como provada.

72- No que concerne aos pontos 13, 14 e 15 os mesmos não resultaram provados de toda a prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento.

Senão vejamos
73- O depoimento do arguido P.
Sessão de 22/06/2015 CD 00.00.01 a 00.23.04 - Minuto 08.31 a 18.52 e sessão de 01/07/2015 CD 00.00.01 a 00.10.21 minuto 03.27 a 06.45 e 06.45 a 08.30

74-Afirmou ter uma arma na sua posse mas que para essa arma não era necessária licença e disse que não tinha munições, disse que nunca tinha essas coisas na sua posse.

75- A ofendida como não poderia deixar de ser evidente diz que o senhor P tinha armas, nno entanto também resultou das declarações do sr. P que este deixou residência do dia 30 de Agosto de 2014.

76-Poderia, durante este tempo a ofendida ter levado essa arma para casa, não sabemos ????

77- Só porque este diz que era do arguido já o mesmo detém uma arma proibida.

78- A testemunha N, afirma no seu depoimento que viu duas vezes o arguido com uma arma à cintura à vista dentro do Restaurante

79-Ora se estava dentro do restaurante, não ficou provado a que horas seria mas certamente não seria de madrugada, em pleno restaurante, um homem trabalhador e honesto como o arguido é conhecido na terra, alguma vez iria correr esse risco, não nos podemos conformar salvo o devido respeito e melhor opinião;

80- Não nos faz sentido este depoimento e não poderá merecer a mínima credibilidade, salvo devido respeito e melhor opinião.

81 -Afinal trata – se da mãe de Nelson que é ofendida no processo, de detenção de arma proibida e de violencia doméstica, e não se poderia esperar outro depoimento detse testemunha que não a menção a armas, afinal não é criança de 12 ou 10 anos mas sim de 16 e já sabe muito bem o que deve dizer.

82- A testemunha C nunca viu o arguido com armas e foi notória a sua naturalidade quanto a esta parte do depoimento; idem para a testemunha AA; A testemunha S depoimento desta testemunha no dia 01/07/2015 CD 00.00.01 a 00.05.10, viveu com o arguido vários anos e nunca o viu com armas, como resulta do seu depoimento e menciona que o arguido tinha armas decorativas;

83- Da prova pericial junta aos autos nada consta que a arma em causa tivesse sido usada, apenas que estaria em condições de ser usada e a testemunha AM fez a peritagem, mas não consegue afirmar com precisão se a arma em questão integra uma arma da classe c.

84- Nesta parte o depoimento desta testemunha AM
CD – Minuto 00.00.01 a 00.05.21

85 -Esta testemunha diz que não foi ele quem fez a apreensão, Portanto existe dúvidas acerca da forma como a apreensão foi feita.

86- Por isso não havendo certeza estes fatos deveriam ser transportados para a fatualidade dada como não provada.

87- No que toca aos restantes pontos, nomeadamente 16, 17 e 18, sempre se dirá
Sessão de 22/06/2015 CD 00.00.01 a 00.23.04, depoimento do arguido Minuto 19.40 a 21.16

88-Parece - nos que o depoimento do arguido quanto aos mesmos foi bastante credível, dizendo que detinha essa arma dentro carro em virtude de se encontrar a mudar de restaurante, tendo dido o mesmo ao Tribunal que a referida arma era utilizada como peça decorativa que o mesmo colocava em cima da lareira, e que apenas teria naquele local em virtude do que se estava a passar na sua vida

89- Imaginemos o cenário:

1. O arguido e a ofendida separam – se;
2. A ofendida nessa sequência fecha um restaurante que durante anos foi explorado pelo arguido, deixando os trabalhadores sem trabalho.
3. O arguido vê – se sem local de trabalho, isto em Outubro de 2014, mais precisamente no dia 16.
4. Uma vez que é uma pessoa bem estimada na terra onde mora, rápidamente arrenda outro estabelecimento.
5. Todavia, quando vai ao antigo restaurante buscar os seus pertences, a ofendida tinha levado tudo.
6. O arguido por forma a que a ofendida lhe tirasse mais coisas transportou o que pode para dentro do seu carro e em modo de mudanças andava há muitos dias.
7. Sendo certo que o Restaurante abre dia 15 Dezembro, e o arguido ainda andava com algumas coisas no carro.
8. Aquele objeto foi um deles.
9. Pelo que, com tanta mudança, os agentes de autoridade no dia da detenção viram que o arguido estava em mudanças de estabelecimento.

Por isso este fato também não pode ser considerado como provado!!!!

90-Sempre se dirá que, Antes de mais:

91-O aqui Recorrente não consegue perceber, relativamente a estes fatos, a forma como os mesmos foram apurados e a sua fundamentação

92- .Não consegue o aqui Recorrente perceber o raciocínio lógico, as premissas e os fundamentos que determinaram a indicação destes fatos na qualidade de fatos provados.

93- Mais não consegue alcançar, porque não indicado, o exame crítico das provas que serviram para formar a convição do Tribunal.

94- Tal violação configura nulidade, por violação expressa das leis do processo, que aqui se invoca por tempestiva, com todas as consequências legais.

95- O mesmo vício se identifica no que aos fatos considerados não provados, o que aqui se invoca, para todos os efeitos legais.

96- Esta limitação é séria e impossibilita de forma evidente a construção de uma argumentação coerente e credível e, por conseguinte o verdadeiro exercício do direito ao recurso, na sua plenitude e concretização pretendidas.

97-Atento o já referido desconhecimento das razões de ciência, das provas, dos elementos essenciais para a formação da convição do Tribunal, dos fundamentos e da análise critica dos depoimentos, para além do mais sempre se dirá que:

98- Os fatos indicados nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 13, 14, 15 e 16, não resultaram de qualquer prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não foram sequer referidos por qualquer das testemunhas inquiridas a não ser da testemunha da parte da ofendida que, sendo seu filho e já com 16 anos, sabendo que a sua mãe estava a tentar provar fatos suscetiveis de imputar ao seu ex marido a paratica de um crime de violencia doméstica e de arma proibida, teria o mesmo de enfatizar determinados pormenores no seu depoimento como logrou em fazer.

99- Certo é que do depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento não resulta nada do supra indicado, sendo esta uma colagem evidente a fatos constantes da acusação, que oviamente não tiveram resposta em sede de audiência de discussão e julgamento, momento certo para o apuramento da verdade.

100- O aqui Recorrente não praticou qualquer crime de violencia doméstica nem tampouco de detenção de arma proibida;

101-Como se sabe, necessário é, oviamente, explicar quer ao arguido, quer à sociedade, como se deram tais fatos como provados, qual foi o metodo utilizado, qual foi o raciocinio seguido, qual foi o elemento determinante, qual foi a prova concludente.

102- A ser assim, nenhuma necessidade haveria de prever a obrigatoriedade da fundamentação.

103- Da leitura da sentença temos que conseguir perceber que as provas A, B e C, foram determinantes para a prova do fato x, exercício que tem de ser efetuado e repetido para todos os fatos, ainda que se admita que de uma só vez e com base nas mesmas provas, se entendam provados mais do que um fato... agora assim é que não pode ser!!! Não podemos aceitar isso mesmo!!

104- Entende aqui o Recorrente que se mostra violado o Principio da Livre apreciação da Prova, previsto e punido pelo artigo 127.º do Código Penal

105- A valoração da prova não é arbitrária.

106- Se é verdade que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova tarifada, também é verdade que o julgador, na sua atividade de valoração, está vinculado à busca da verdade material.

107- Está o julgador limitado pelas regras da experiencia comum e por outras restrições legais.

108-Se é verdade que tal principio concede ao julgador uma margem de discricionaridade na formação do seu juízo de valoração, não lhe confere a absoluta arbitrariedade.

109- Deve o julgador ser capaz de demonstrar o seu raciocinio fundamentaqndo – o por forma a que se entenda.

110- Deverá o raciocínio ser lógico e racional.

111 - In casu não conseguimos alcançar tal raciocinio, sendo que o juízo efetuado foge largamente à razoabilidade, à logica e à experiencia comum.

112- Assim sendo, está claramente violado o princípio em referencia, o que deverá ser declarado com as necessárias consequências legais.

113- Na dúvida absolve – se, ou a dúvida beneficia o arguido.

114- O In dubio pro Ré é um principio geral do processo penal, sendo a sua violação uma autentica questão de direito.

115- O principio do in dubio pro Reu constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre fatos decisivos para a boa decisão da causa.

116-Este é necessáriamente um principio intrinsecamente ligado aos fatos, não tendo quaisquer implicações no caso de alguma dúvida assaltar o espirito do julgador acerca da matéria de Direito.

117- Tem assim implicações na apreciação da matéria de fato, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos fatos demonstrativos da sua existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

118- Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do fato, isto porque neste princípio, uma das vertentes que é o principio constitucional da preunção de inocência (art.º 32.º, n.º 2 1.ª parte da CRP), contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso de persistência de uma dúvida sobre um fato: nessa situação o tribunal tem de decidir pro reu

119- Apesar da não contestação a este principio a verdade é que nos autos partimos da responsabilidade do arguido, aqui recorrente, pelos fatos descritos na douta acusação do Ministério público ( ou pelo menos grande parte deles) – ao arrepio da presunção de inocencia.

120- Isto, apesar de, excecionando as declarações prestadas pela ofendida, as quais a nosso ver não foram nada convincentes nem típicas de uma vítima de violencia doméstica, verdadeira interessada na condenação, não temos qualquer testemunha que refira que:

121- O arguido mal tratava a ofendida, antes pelo contrário, quem era implicativa, causadora de disturbios e ulizadora de predicados pouco educados era a ofendida;

122- Que o arguido usava armas, as unicas pessoas que falaram no cenário de armas foi a ofndidqa e o seu filho, mais ninguem até a própria ex mulher falou que não usava armas;

123- O arguido falou que estava em mudança de trabalho, nomeadmente um estabelecimento comercial que, quem conhece do ramo sabe que não é nada fácil e mudanças de um negócio que tinha cerca de trinta anos.

124- Maisn disse o arguido que uma das armas era utilizada como elemento decorativo e todos nós sabemos que aquelas armas são utilizadas para tal

125- Não somos contra a condenação, no caso de um crime de violencia doméstica, até mesmo porque este crime tem de ser punido pelo direito e tem vindo a ser mais severamente acautelado pelo direito.

126- Todavia, este tipo de crime, como qualquer outro, tem de ser analisado caso a caso e não porque alguém se vem queixar de violencia doméstica que a pessoa contra quem a queixa é apresentada deverá ab initio ser tratada como culpada.

127- Muitos casos há em que inventam situações e condutas com o fim de incriminar pessoas, e nos nossos dias é o que não falta; As pessoas hoje são mais esclarecidas;

128- Todavia, analisado o caso concreto e considerando a motivação do casamento deste casal, o tempo que mativeram a sua relação, a vontade que o arguido teve em resolver a deselace da situação, saindo de casa, assinando um divórcio, não é conduta típica de quem pratica este tipo de crime.

129-Deveria ainda a Meritissima juiz ter pesado a forma como surgiu o casamento e os anos de durabilidade; Foi uma casamento de encomenda!!!!

130- Sabemos, conforme vem mencionado na douta sentença que a ratio do tipo incriminador não está na proteção da comunidade conjugal, mas antes na proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana, abrangendo no ambito punitivo os comportamentos que lesam essa dignidade.

131-Também sabemos que As condutas abrangidas pelo tipo incriminador podem ser de variada natureza ou espécie, tais como maus tratos físicos - isto é ofensas corporais simples, maus tratos psiquicos,

132- Mas no caso dos autos a admitir a existencia de maus tratos psiquicos os mesmos foram praticados pelos casal não se sabendo quem começou primeiro?!!!!!!!!!

133- Com seria de esperar a ofendida diz que é o arguido.

134- A ofensas e as ameaças não eram feitas só entre quatro paredes, e segundo testemunhas quem proferia as primeiras provocações era a ofendida.

135- Não sabemos, não estavamos lá e não resultou provado.

136- Então não pode o arguido nos autos ser condenado.

137- Com a sua condenação violamos, necessáriamente o referido principio, o que oviamente será alterado por V. Exas. (in dubio pro reu)

138- Entende aqui o ora Recorrente que, na sentença, objeto do presente recurso se mostra claramente violado o disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal.

139- A culpa é necessáriamente o limite da pena.

140- Ora, do que resulta dos autos e, sem prejuízo do já dito no que à não verificação de qualquer crime, é notório que a pena aplicada relativamente aos dois tipos de crime vai muito para além da culpa do arguido.

141- Mesmo a entender – se como certa e verdadeira toda a fatualidade exposta na aliás douta sentença ( o que em nenhum momento se admite por absolutamente irreal), necessário seria salientar:

- a conduta do arguido anterior e posterior é irrepreensivel;
- a evidente preparação do arguido para manter uma conduta licita;
- a notória integração social com respeito pelos valores, regras e Direito.

142- Por força do disposto no n.º 1 e 2, alineas c) e d) do artigo 72.º, deveria a pena aplicada ser especialmente atenuada, o que in caso não se verificou.

143- Salvo o devido respeito, que é muito, e melhor opinião, entende o aqui Recorrente que muito mal andou o Tribunal a quo no que à daterminação da medida da pena diz respeito.

144- Analisados os autos, recolhidos todos os meios de prova, observados todos os fatos, retirados todos os fatos dados como não provados, formada a convição do tribunal a quo e a sentença produzida entende o aqui Recorrente que não foram tomados em consideração um conjunto de elementos, um conjunto de fatos que se relevam de importância extrema na determinação da sua medida.

145- A verdade é que, salvo melhor opinião e mais douta opinião, o Tribunal a quo elaborou o seu raciocinio tendo por base a responsabilidade do arguido, aqui Recorrente, pelos fatos ocorridos, o qual negou desde o inicio a sua prática e no que ao crime de detenção de arma proibida concerne, a sua falta de consciencia da ilicitude.

146- Se os fatos apurados são relevantes para a determinação da pena a aplicar a verdade é que para além deste episódio, existe um momento posterior e um momento anterior, ou seja existe um individuo que o tribunal também entendeu estar social e profissionalmente bem integrado.

147- Note –se que, a este respeito, refere aliás a douta sentença:

3. “Mais se provou que o arguido trabalhava no restaurante explorado em nome do filho, tendo declarado auferir uma remuneração mensal no valor de € 600,00 (seiscentos euros) relativamente à qual entrega € 128,00 à massa insolvente;
4. Vive com uma companheira que também trabalha num restaurante e aufere entre € 600,00 e €700,00;
5. Moram em casa da mãe do arguido;
6. O arguido tem três filhos com 13, 19 e 21 anos que não vivem consigo mas para cujas despesas contrubui;
7. Estudou até ao 11.º ano;
8. É pessoa bem considerada entre os seus familiares e amigos não sendo por estas conotado com atos de violencia
9. Elaborado o relatório social relativamente ao arguido, junto aos autos a fls... 355 a 357, do mesmo fez – se constar, para além do mais que se dá por integralmente reproduzido...”
10. O arguido não tem antecedentes criminais;”.

148- O aqui Recorrente é um profissional atento e cumpridor, é tido como uma pessoa amiga, responsável e trabalhadora

149- Para além do atual casamento já casou outras vezes nunca tendo sido a violencia o motivo dos anteriores divórcios, aliás é de referir que casou três vezes com a mãe de dois dos seus filhos, a testemunha S tendo esta inclusivamente vindo aos presentes depor como testemunha a seu favor;

150-É respeitado por amigos e demais comunidade com quem diretamente lida, sendo sempre acarinhado. È também muito empreendedor e responsável.

151- Não se lhe conhece qualquer outro comportamento de natureza identica à discutida nos autos.

152-A pena a plicar deverá ter em atenção os elementos recolhidos e não meras suposições, abstrações ou intenções; quer num tipo de crime, quer no outro

153-A pena é determinada em função da culpa – artigo 71.º do Código Processo Penal.

154- Na determinação da pena devem, ainda, atender – se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alineas a) a f), do n.º 2 do artigo 71.º do supra citado diploma legal.

155-A introdução deste artigo no Código Penal ( vide acta n.º 8, pagina 78 – acta da comissão revisora) visou auxiliar o interprete, tornando as claras funcões da culpa e da prevenção.

156-A culpa é o ponto de referencia que o julgador não pode ultrapassar, até esse limite jogam as considerações relativas à prevenção geral e especial.

157- In casu as penas aplicadas ultrapassam em muito a culpa do agente!!!!!

158- Temos assim que considerar que o o Tribunal a quo deveria ter considerado na determinação concreta da medida da pena que o arguido, aqui Recorrente, nunca antes havia sequer sido indiciado pela prática de qualquer crime.

159- Mais deveria ter – se atendido ao facto de o arguido ser um homem trabalhador, bem inserido na sociedade e na terra onde mora sem nunca ser referenciado por ter cometido quaisquer atos de violencia e bem assim como sem ser referendciado pelo uso de qualquer arma.

160-Por outro lado deveria ter atendido ainda ao rendimento mensal do arguido, cerca de € 600,00 (seiscentos euros mensais), sendo que €128,00 (cento e vinte e oite euros), entrega todos os meses à massa insolvente e o restante é dividido entre as suas despesas e a pensão de alimentos dos seus três filhos menores.

161-O arguido Mostra – se também absolutamente integrado e tem um comportamento socialmente irrepreensível o que tem determinado a angariação de respeito de toda a comunidade.

162-O arguido foi casado três vezes com a mãe de dois dos seus filhos, a qual nutre ainda um verdadeiro carinho pelo mesmo e disse em tribunal que o mesmo nunca foi agressivo para consigo.

163-Em face destes elementos é nosso entendimento que a pena aplicada é excessiva e desadequada, não satisfazendo nem o direito, nem a justiça!

164-Tendo em atenção as circunstâncias descritas nos autos e, aceitando – as como verdadeiras ( o que se faz por mero exercício académico, sempre seria de aplicar uma pena muito próxima dos limites mínimos e sempre não restritiva da liberdade.

165- A ser condenado deveria o arguido ser condenado por crime de injurias e ameaças!!!

166-Relativamente ao crime de injúrias está esgotado o procedimento para que o tribunal se pronuncie ou se pronunciasse!!

167- Relativamente ao crime de ameaças, ou ameaças mutuas não se sabendo que ameaça em primeiro luga, sendo certo que algumas testemunhas mencionaram ter sido a ofendida

168-Entende o aqui recorrente que foram violadas as seguintes disposições legais:
- artigo 143.º n.º 1 do Código Penal;
- artigo 152.º.n.º 2 do Código Penal;
- artigo artigo 86.º, n.º 1 alineas c) e d) ex vi artigo 2.º, n.º 2, n.ºs 1 alineas g) e m) e 3 alinea p), ambos da lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro Código Penal
- artigo 71.º do Código Penal
- artigo 72.º do Código Penal
- artigo 127.º do Código de processo Penal
- artigo 374.º n.º 2 do Código de Processo penal
Artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa
Principio do In dubio pro Reu

169.Assim, atenta a matéria constante dos autos e, ainda, a demais prova carreada, com especial relevo para a prova produzida em sede de audência de discussão e julgamento, entende o aqui recorrente que deverá ser proferida sentença que o absolva da prática do crime pelo qual foi condenado, fazendo – se assim justiça!!!

Nestes termos e nos demais em Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão,

Deverá a sentença objeto do presente recurso ser revogada na íntegra e substítuida por outra que absolva o arguido dos crimes pelos quais foi condenado, com todas as consequencias legais

Caso V. Exas assim não entendam deverá a sentença objeto do presente recurso ser ser revogada e o arguido ser condenado por um outro tipo de crime que não o de violencia doméstica absolvido do crime de detenção de arma proibida e a ser condenado seja pelos limites mínimos.
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A Exma. Procuradora-Adjunta do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:

1 - O arguido P. foi condenado, pela prática, como autor, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa, por igual período e como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n." 1, alíneas c) e d), ex vi artigo 2.°, n.ºs 1, alíneas g) e m) e 3, alínea p), ambos da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de €6, o que perfaz um total global de €1.680.

2 - A convicção da Mmª. Juiz foi devidamente fundamentada, dando, assim, adequado e cuidadoso cumprimento ao dever de fundamentação.

3 - O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada pretendendo que o tribunal dê como não provados os factos vertidos nos pontos 3 a 19 da matéria de facto provada na d. sentença a quo sem que tal tenha resultado da prova produzida em audiência.

4 - Os factos que o recorrente impugna estão suportados pela prova produzida em audiência, que o tribunal apreciou, como é livre de fazer, de acordo com o disposto no art. 127.°, do C.P.P. não existindo razões objectivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente.

5 - A decisão recorrida contém a menção de todos os factos provados e não provados que se consideraram relevantes para a decisão, encontrando-se fundamentada de facto com a indicação dos meios de prova e respectivo exame crítico, através dos quais imediatamente se conclui, pela existência de todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de violência doméstica e detenção de arma proibida pelo qual o arguido foi condenado.

6 - A pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais de que uma outra perspectiva de colocar precisamente a mesma questão relativa ao julgamento sobre a matéria de facto.

7 - A douta sentença "sub judice" respeitou a globalidade dos parâmetros que reputamos legalmente exigidos (cfr. art. 71.°, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal), afigurando-se-nos que as medidas concretas das penas fixadas são adequadas e proporcionais à factualidade apurada e considerando a igualdade na aplicação da lei penal.

8 - Pelo exposto, julgamos não merecer censura a decisão recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma legal.
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Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
-- Factos provados:

1. O arguido P. e a ofendida EC casaram um com o outro no ano de 2012;

2. O casal e o filho menor da ofendida, N (nascido a 05/02/1999), fixaram residência na Rua…, em Lagoa;

3. Em data não concretamente apurada, mas situada entre junho e setembro do ano de 2014, o arguido, aproveitando a circunstância da ofendida se encontrar à janela, no interior da residência onde habitavam, a fumar um cigarro, abeirou-se da mesma e apontou-lhe uma arma à cabeça ao mesmo tempo que lhe disse “tu sabes o que te posso fazer com isto?”;

4. Ato contínuo, o arguido efetuou um disparo para o exterior da residência, com o intuito, concretizado, de amedrontar ainda mais a ofendida;

5. Alguns dias mais tarde, o arguido, no interior do restaurante que ambos exploravam, sito em Carvoeiro, abeirou-se da mesma e desferiu-lhe um empurrão, tendo atirado a mala desta para o chão;

6. Em dia não exatamente apurado, do mês de setembro de 2014, no interior da residência do casal, o arguido, na sequência de uma discussão que estava a manter com a ofendida desferiu-lhe um empurrão e apelidou-a de “drogada e puta”;

7. Tais factos foram presenciados pelo filho menor da ofendida E, o qual, interpôs-se entre esta e o arguido P;

8. No dia não concretamente apurado, em Outubro de 2014, no interior do restaurante explorado pelo casal, o arguido dirigiu à ofendida as seguintes expressões “cabra, não mereces o ar que respiras, és uma puta, drogada” e, bem ainda, “que lhe pegava fogo ao cabelo se a mesma ali continuasse a fumar e que a partia toda lá dentro”;

9. O arguido também, por várias vezes, em dias e horas não concretamente apurados, mas no decurso do mês de Outubro de 2014 disse à ofendida, quando ambos se encontravam no interior do restaurante que exploravam que, “andava sempre armado”;

10. Desde que saiu de casa, EC e o arguido P. encontram-se em disputa relativamente à divisão dos bens do casal, sendo que, aquele, no decurso de Outubro de 2014, disse-lhe que “a matava”, “que se a visse passar na rua passava-lhe com o carro por cima”, “que se encontrasse o carro dela o partia”

11. O arguido P agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente com o propósito concretizado de lesar a integridade física da ofendida EC, de a vexar, amedrontar e manter num permanente estado de constrangimento, indiferente ao facto da relação conjugal que com ela mantinha e ao dever de respeito que dessa relação para si nascia quanto à mesma, relação e dever de que estava bem ciente;

12. Mais agiu a coberto do resguardo da residência, que aproveitou e, bem ainda, na presença de menor de idade;

13. Desde data não concretamente apurada até ao dia 16 de Outubro de 2014, o arguido P, deteve no interior da sua residência, sita na Estrada…, em Carvoeiro, uma munição calibre 6,35mm, as quais são destinadas a serem utilizadas em armas de fogo de percussão central, assim como, uma arma de ar comprimido de calibre 5,6mm, cuja energia cinética, medida à boca do cano é igual a 24J. 18.º;

14. A referida arma encontrava-se em condições de efetuar disparos e a munição encontrava-se em razoável estado de conservação;

15. O arguido P. bem sabia que não podia nem devia possuir, nem deter a aludida arma e munição da classe C acima referidas, por não ter a necessária licença de uso e porte de arma, assim como, estava perfeitamente ciente que as detinha fora das condições legais e em contrário com as prescrições das autoridades competentes;

16. No dia 29 de Dezembro de 2014, o arguido P. detinha, no interior da sua viatura automóvel de matrícula HZ-, mais concretamente escondido na parte de trás do banco do condutor, um artefacto em madeira com objeto em ferro na ponta com um elefante, um bico e uma agada, sendo o comprimento total de 47cm, correspondente a 34 cm do cabo em madeira e 10cm relativos à parte perfurante;

17. O arguido não tinha qualquer autorização para se fazer acompanhar do aludido objeto e, bem assim, era do seu perfeito conhecimento as características do mesmo, sendo certo que não possuía qualquer justificação para o deter na sua posse que, não fosse poder usá-lo como instrumento de agressão, único e exclusivo fim para o qual foi o sobredito objeto construído;

18. Em todas as suas condutas, o arguido, agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

Mais se provou:

19. O arguido trabalha no restaurante explorado em nome do filho, tendo declarado auferir uma remuneração no valor de €600, relativamente à qual entrega €128 à massa insolvente;

20. Vive com uma companheira que também trabalha num restaurante e aufere entre €600 e €700;

21. Moram em casa da mãe do arguido;

22. O arguido tem três filhos com 13, 19 e 21 anos que não vivem consigo mas para cujas despesas contribui;

23. Estudou até ao 11.º;

24. É pessoa bem considerada entre os seus familiares e amigos, não sendo por estes conotado com atos de violência;

25. Elaborado o relatório social relativamente ao arguido, junto aos autos a fls. 355 a 357, do mesmo fez-se constar, para além do mais que aqui se dá por reproduzido, que:

“(…) P. mostra-se um indivíduo empreendedor no trabalho, dedicando-se há cerca de 30 anos ao trabalho de restauração em Carvoeiro, onde também reside. À data dos factos explorava o restaurante C…, ainda que em nome da então esposa EC, trabalhando juntos. A separação do casal, no final do verão de 2014, determinou também o encerramento da empresa, perdurando ainda desavenças e acusações mútuas de prejuízo no âmbito da vida profissional. Desde o final do ano de 2104, P. encetou um novo projeto que mantém, explorando o restaurante Ponto de Encontro, também em Carvoeiro.

Conta com referências familiares de origem na zona. Mantém a residência no mesmo edifício do restaurante que explorava (C…), na medida em que o mesmo é propriedade da família. Mostra-se um indivíduo que goza de uma reputação favorável no meio, não havendo registo do uso de violência no trato interpessoal em geral, ainda que se aponte como atribulada a sua vida, designadamente na gestão dos negócios e imiscuidade entre os mesmos e a sua vida amorosa.

A relação com EC assumiu de início um cariz extra-marital, mas veio a consolidar-se, incluindo o matrimónio no ano de 2012 e organização comum da vida profissional. Com o casal passou a viver passado pouco tempo o filho adolescente de EC, também referenciado no processo. Ainda que de início a relação fosse descrita em moldes muito satisfatórios, o ano que antecedeu a separação foi marcado por conflitos externos, sucedendo-se episódios de ofensas mútuas. Ter-se-ão vindo a intensificar os factores de stress, que o arguido atribui às características da vítima identificada, designadamente hábitos aditivos e o desgoverno nos gastos daí decorrentes.

P não reconhece qualquer oportunidade à acusação e envolvimento judicial em apreço, negando o dano causado, considerando-se, pelo contrário, vítima da má-fé e difamação da queixosa.

Desde a separação e, principalmente, desde a interposição da medida de coação de proibição de contactos, não houve mais lugar a confrontos, sendo assumida mutuamente como definitiva a desvinculação do casal.

II – Conclusão
(…)
Dos factores de risco observados há a assinalar o estilo relacional atribuído ao arguido, sendo-lhe difícil a manutenção de relações íntimas/estabilização afectiva, bem como a fácil adopção de resoluções de problemas pela via da sedução/manipulação. Em todo o caso, não é tido como pessoa dada ao uso da violência nas relações interpessoais em geral. O processo em apreço assume um carácter excepcional, sendo que a intensificação de conflitos, observada à data dos factos, veio também a diminuir, sendo definitiva a desvinculação.

Em caso de condenação, entende-se existirem condições para a aplicação de medida probatória em meio livre, tendo o arguido indicação para vir a integrar programa especifico de intervenção/acompanhamento direcionado para a promoção de estratégias alternativas ao comportamento violento nas relações conjugais.”

26. O arguido não tem antecedentes criminais registados;

27. EC trabalha como relações públicas, auferindo entre €1.500 a €2.000 mensais;

28. Vive com o filho de 16 anos em casa arrendada, relativamente à qual paga €400 por mês.
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-- Factos não provados:
1. Em data não concretamente apurada, no mês de Junho de 2014, o arguido, na sequência de uma discussão que manteve com a ofendida, no interior da residência onde habitavam, agarrou no pulso desta e desferiu-lhe um empurrão, na sequência do qual, a mesma foi embater numa parede;

2. Nas circunstâncias referidas no ponto 5 da factualidade provada, o arguido tentou ainda desferir uma cabeçada na ofendida, o que só não logrou conseguir em virtude da pronta intervenção de alguns funcionários que se encontravam no interior do aludido estabelecimento comercial, sendo certo que, ainda assim conseguiu apertar o pulso da mesma;

3. Nas circunstâncias referidas em 7 dos factos provados, o arguido levantou a mão a EC e preparava-se para com a mesma desferir uma chapada na face daquela;

4. Nas circunstâncias referidas no ponto 8 da factualidade provada o arguido disse, ainda, a EC “que lhe partia os dentinhos todos”;

5. No dia 18 de Outubro de 2014, a ofendida EC viu-se obrigada a abandonar a residência do casal em virtude de P. ter pedido às respetivas entidades que interrompessem o fornecimento de água e luz àquela;

6. As expressões descritas no ponto 10 dos factos provados foram proferidas através de telefone;

7. O arguido, nas circunstâncias referidas no ponto 10 dos factos provados também disse a EC que lhe pegava fogo ao carro;

Da contestação
8. EC consome drogas.

Não resultaram provados, ou não provados, quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa. Não se tomou posição expressa sobre a matéria de teor meramente conclusivo, de direito, irrelevante para o conhecimento dos autos ou, no caso da contestação, de mera impugnação.
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Fundamentação da decisão de facto:
A convicção do Tribunal fundou-se na valoração crítica e conjugada da totalidade dos elementos de prova produzidos, designadamente, nas declarações prestadas pelo arguido, nos depoimentos das testemunhas inquiridas e no teor dos seguintes documentos juntos aos autos, entrecruzados entre si e sopesados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

No que respeita aos factos referentes ao crime de violência doméstica imputado ao arguido, este negou ter praticado qualquer um dos factos descritos na acusação, pese embora tenha confirmado, na época em questão, a existência de conflitos e discussões com EC que, na sua versão, estariam relacionados com questões patrimoniais entre o casal, designadamente, com o facto de EC se ter apropriado de um estabelecimento comercial de restauração que lhe pertencia. Assim, segundo o arguido, era EC quem lhe chamava nomes, fazendo-o no restaurante, na frente dos seus funcionários e tendo mesmo chegado a agredi-lo, chamando-se a si própria “puta” e “drogada”.

Disse ainda que na data a que se referem os factos constantes da acusação já não vivia na mesma casa que EC e que o corte de eletricidade se ficou a dever a uma decisão da sua mãe, e não sua, a quem a casa pertencia.

A versão narrada pelo arguido - que por si só não mereceu a credibilidade do tribunal, quer pela forma como foram prestadas as declarações (em que o arguido mais do que tentar explicar os episódios descritos, procurou sobretudo fazer perpassar a ideia de que a denunciante se teria apropriado de bens que lhe pertenciam e que é toxicodependente), quer por não se nos afigurar credível que vivendo o arguido e a denunciante uma situação de conflito permanente e grave, fosse EC a única a provocar os conflitos, chamando nomes ao arguido sem que este sequer lhe respondesse - foi frontalmente contrariada pelo depoimento prestado por EC.

Com efeito, a denunciante referiu que era frequente terem discussões motivadas por dinheiro e por discordâncias na gestão do restaurante que o casal explorava e, pese embora, algumas dificuldades por parte da testemunha na concretização temporal dos factos, os episódios relatados na acusação, na parte que se considerou provada, foram por si descritos de forma que nos pareceu sincera, destituída de exageros, coerente com as regras da experiência comum e, por isso mesmo, credível.

Assim, a testemunha relatou um episódio, ocorrido no verão de 2014, em que, na sequência de uma discussão, o arguido foi buscar uma arma e perguntou-lhe “sabes o que é que te posso fazer com isto?”, tendo disparado um tiro através da janela do quarto. Explicou ainda que o disparo terá acordado o seu filho que vivia com o casal e que terá acordado.

Estes factos foram confirmados pelo filho da EC, N, de 16 anos de idade, que na época vivia com o casal e, inquirido como testemunha, referiu ter acordado com um som que lhe pareceu de um disparo, tendo saído do quarto e encontrado a sua mãe a chorar.

EC relatou ainda outro episódio, ocorrido no interior da casa onde residiam, em que o arguido lhe terá chamado drogada e puta e, dizendo-lhe que se não fosse ele, ela e filho não comiam, e em que tentando o arguido agredi-la, o filho da testemunha apareceu e interpôs-se entre ela e o arguido, sendo que o arguido ainda logrou magoá-la num pulso.

Também estes factos foram confirmados por N, de uma forma que nos pareceu espontânea e verdadeira, tendo N concretizado os pormenores do episódio a que terá assistido, de forma até mais explícita do que o fez a própria denunciante e tendo inclusivamente explicado que, depois de ter dado um grito ao arguido, este foi-se embora.

Assim, em função do conjunto dos depoimentos prestados por EC e por N – que não demonstrou animosidade para com o arguido, tendo até esclarecido que antes dos factos supra descritos o arguido e a mãe pareciam dar-se bem – considerou o tribunal como provada a matéria ínsita nos pontos 3, 4, 6 e 7 dos factos provados.

A matéria considerada não provada, referentes às mesmas situações, assim o foi em virtude de não ter sido suficientemente descrita, pela denunciante EC.

No que respeita aos factos que terão ocorrido no restaurante, EC explicou ainda que, mesmo após o arguido sair de casa, continuaram a encontrar-se no restaurante que exploravam, tendo aí ocorrido várias discussões motivadas por questões patrimoniais, aludindo a várias situações que aí terão ocorrido.

Com efeito, referiu que o arguido, numa ocasião, estando a denunciante à porta do escritório, agarrou-a por um braço, empurrou-a contra a porta e arrastou-a, magoando-a num braço; noutra, puxou-a pelo cabelo e pelo braço até à porta do escritório para a colocar de lá para fora; noutra, ainda, chamou-lhe puta e drogada e disse que não merecia o ar que respirava, e que “não sabes o que te espera”, tendo-lhe uma das funcionárias vindo dizer que o arguido estava com uma arma atrás das costas.

Referiu também que alguns destes factos foram presenciados pelos funcionários do restaurante que aí se encontravam.

A testemunha descreveu ainda outra situação, em que estaria a fumar no escritório e o arguido disse-lhe que não queria que ela fumasse no escritório e que lhe deitava o fogo ao cabelo.

Por fim, a denunciante, disse que o arguido lhe terá dito que lhe desfazia o carro, como a desfazia a ela e que foi obrigada a sair de casa por o arguido não ter pago a luz e ter arrancado o contador da água, tendo a denunciante ficado ainda uma semana em casa sem água porque não tinha para onde ir.

A convicção resultante do depoimento prestado por EC (que, no que concerne aos factos ocorridos no interior da residência do casal, foi parcialmente confirmado pelo seu filho N), não foi minimamente abalada pelo depoimento prestado pelos funcionários do restaurante, C e AA, que, inquiridos como testemunhas, e apesar de terem condições para terem assistido a parte dos factos, disseram não os ter visto.

Com efeito, estas testemunhas eram funcionárias do restaurante explorado pelo casal - que acabou por ser encerrado por decisão de EC - trabalhando atualmente noutro restaurante que é explorado pelo arguido, em nome do filho, cuja gestão é natural que seja feita pelo próprio arguido - e prestaram um depoimento que evidenciou um elevado grau de animosidade contra EC e não se nos afigurou minimamente isento.

Pese embora ambas as testemunhas tenham confirmado o clima de discussões e brigas entre o casal – tendo a testemunha AA conseguido identificar pelo menos uma situação de conflito mais intenso - negam que o arguido tivesse qualquer participação em tais factos, imputando à denunciante a responsabilidade por todas as discussões e chegando AA a dizer que esta chamava nomes ao arguido e este não lhe respondia, o que, atenta a situação de conflito entre ambos, não se nos afigura minimamente credível.

Ainda assim, o depoimento prestado pelas testemunhas C, AA e MC (este último genro do irmão do arguido e frequentador do restaurante), apesar de ter ficado muito aquém dos factos que se crê que as testemunhas tenham assistido, acabou por contribuir para a credibilização do depoimento de EC, pois apesar de estas testemunhas negarem ter assistido aos factos descritos na acusação, limitando-se a descrever a intervenção de E. nas situações de conflito, referiram-se a episódios concretos ocorridos entre esta e o arguido, no restaurante, assim confirmando o contexto subjacente às agressões que a denunciante relatou.

Assim, em síntese, a convicção do tribunal quanto à matéria dos pontos 5 a 8 dos factos provados, resultou do depoimento prestado por EC, que foi credível quanto aos mesmos. Sempre se diga, aliás, que se a disposição da denunciante fosse a de inventar factos, tê-los-ia situado dentro de casa, ao invés de dizer que se passaram na presença dos funcionários do restaurante, correndo o risco de estes não os confirmarem (como aliás sucedeu).

O tribunal julgou não provada a matéria ínsita nos pontos 2, 4, 6 e 7 da factualidade não provada, por os mesmos não terem sido suficientemente descritos por nenhuma das testemunhas, sendo que EC omitiu tais factos ou limitou-se a fazer uma alusão descontextualizada que não permitiu ao tribunal a formulação de um juízo de certeza sobre a verificação dos mesmos.

Também se considerou não provado o ponto 5 em virtude de o arguido ter referido que a casa pertencia à sua mãe e que foi dela a decisão de cortar a água e a luz, sem que nenhum elemento dos autos permita que se conclua de forma contrária.

O facto integrante do ponto 11 da factualidade provada (referente ao elemento subjetivo) resulta das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, pois, sendo o arguido, como é, uma pessoa de diligência normal, não poderia deixar de saber que ao atuar da forma descrita, estava a lesar a integridade física de EC, a constrangê-la e a diminui-la na sua dignidade.

Quanto às armas descritas na acusação e à sua posse pelo arguido, o tribunal teve em consideração as suas próprias declarações, tendo o arguido confirmado que as armas apreendidas lhe pertenciam, em conjugação com o auto de apreensão de fls. 22, reportagem fotográfica de fls. 66 a 67, relatório fotográfico de fls. 133 a 135 e 140 a 141, auto de exame direto e avaliação de fls. 153 a 155, auto de exame direto e avaliação de fls. 193 a 195; 196 a 198; 199 a 200 (referente ao artefacto em madeira com objeto em ferro na ponta, com elefante, bico e agada); auto de exame e avaliação de fls. 219 a 220 (referente à arma de ar comprimido); auto de exame e avaliação de fls. 221 a 222; 223 a 224 e 225 a 226.

Considerou-se ainda o facto de o artefacto de madeira com objeto em ferro na ponta ter sido encontrado no interior do veículo utilizado pelo arguido, conforme decorre do respetivo auto de apreensão.

Pese embora o arguido haja referido que o objeto só aí se encontrava porque se tinha esquecido do mesmo naquele local, tais declarações não mereceram credibilidade, não apenas por tal esquecimento ser contrário às regras da experiência comum – atenta a dimensão do objeto em causa – mas também porque, EC, aquando do seu depoimento, referiu que o arguido mantinha habitualmente o referido objeto no veículo, com intenção de utilizar para se defender.

Quanto à classificação das armas e ao seu estado de conservação tiveram-se em conta os respetivos autos de exame.

A convicção do tribunal quanto à matéria do elemento subjetivo, no que respeita à detenção das armas descritas, resultou das regras da experiência comum, pois que, qualquer pessoa normal e de diligência média, sabe que a detenção das armas em causa não é permitida.

Quanto às condições pessoais e sociais do arguido tiveram-se em conta, para além das suas próprias declarações, o relatório social junto aos autos e os depoimentos prestados por MC e S.
A convicção do tribunal no que concerne aos antecedentes criminais do arguido assentou no Certificado do Registo Criminal junto aos autos.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:

1.ª – Que a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto assente como provada no tocante às armas aí referidas, bem como em relação aos factos dados como não provados;

2.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provado que o arguido praticou os crimes pelos quais depois o condenou; quando muito, depois de devidamente apurados pela forma pretendida pelo arguido, os mesmos integrariam antes a prática de um crime de ameaça e outro de injúria;

3.ª – Que – e passamos a citar o ponto 104 das conclusões – foi violado o Principio da Livre apreciação da Prova, previsto e punido pelo artigo 127.º do Código Penal;

4.ª – Que também foi violado o princípio "in dubio pro reo"; e

5.ª – Que as penas aplicadas são exageradas e deviam, aliás, ter sido especialmente atenuadas, devendo, de qualquer modo, não ser privativas da liberdade.
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Vejamos:

No tocante à 1.ª das questões, a de que a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto assente como provada no tocante às armas aí referidas, bem como em relação aos factos dados como não provados:

Vamos lá ver:
Fundamentação da decisão da matéria de facto assente como provada no tocante às armas:
(…)
Quanto às armas descritas na acusação e à sua posse pelo arguido, o tribunal teve em consideração as suas próprias declarações, tendo o arguido confirmado que as armas apreendidas lhe pertenciam, em conjugação com o auto de apreensão de fls. 22, reportagem fotográfica de fls. 66 a 67, relatório fotográfico de fls. 133 a 135 e 140 a 141, auto de exame direto e avaliação de fls. 153 a 155, auto de exame direto e avaliação de fls. 193 a 195; 196 a 198; 199 a 200 (referente ao artefacto em madeira com objeto em ferro na ponta, com elefante, bico e agada); auto de exame e avaliação de fls. 219 a 220 (referente à arma de ar comprimido); auto de exame e avaliação de fls. 221 a 222; 223 a 224 e 225 a 226.

Considerou-se ainda o facto de o artefacto de madeira com objeto em ferro na ponta ter sido encontrado no interior do veículo utilizado pelo arguido, conforme decorre do respetivo auto de apreensão.

Pese embora o arguido haja referido que o objeto só aí se encontrava porque se tinha esquecido do mesmo naquele local, tais declarações não mereceram credibilidade, não apenas por tal esquecimento ser contrário às regras da experiência comum – atenta a dimensão do objeto em causa – mas também porque, EC, aquando do seu depoimento, referiu que o arguido mantinha habitualmente o referido objeto no veículo, com intenção de utilizar para se defender.

Quanto à classificação das armas e ao seu estado de conservação tiveram-se em conta os respetivos autos de exame.

A convicção do tribunal quanto à matéria do elemento subjetivo, no que respeita à detenção das armas descritas, resultou das regras da experiência comum, pois que, qualquer pessoa normal e de diligência média, sabe que a detenção das armas em causa não é permitida.
(…)
Fundamentação da decisão da matéria de facto em relação aos factos dados como não provados – embora não se veja aonde nesta parte esteja o interesse do arguido em agir, a que refere o art.º 401.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; malgré tout:
(…)
A matéria considerada não provada, referentes às mesmas situações, assim o foi em virtude de não ter sido suficientemente descrita, pela denunciante Ema Coelho.
(…)
O tribunal julgou não provada a matéria ínsita nos pontos 2, 4, 6 e 7 da factualidade não provada, por os mesmos não terem sido suficientemente descritos por nenhuma das testemunhas, sendo que EC omitiu tais factos ou limitou-se a fazer uma alusão descontextualizada que não permitiu ao tribunal a formulação de um juízo de certeza sobre a verificação dos mesmos.

Também se considerou não provado o ponto 5 em virtude de o arguido ter referido que a casa pertencia à sua mãe e que foi dela a decisão de cortar a água e a luz, sem que nenhum elemento dos autos permita que se conclua de forma contrária.
(…)
De forma que, atenta a manifesta falta de razão do recorrente nesta matéria, nem vale a pena falar mais sobre o assunto.
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No tocante à 2.ª das questões, a de que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provado que o arguido praticou os crimes pelos quais depois o condenou; quando muito, depois de devidamente apurados pela forma pretendida pelo arguido, os mesmos integrariam antes a prática de um crime de ameaça e outro de injúria:

Temos pois que ir ouvir as gravações da prova produzida em julgamento, designadamente a indicada pelo recorrente, para aferir o que se passou, uma vez que o recorrente impugnou a matéria de facto pela forma prevista no art.º 412.º, n.º 3 e 4.

Acreditar num depoente e não acreditar noutro é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal porque é que acredita naquele e já não acredita no outro seja racional e tenha lógica.

E quem está numa posição privilegiada para avaliar essa credibilidade é, sem dúvida, o tribunal da 1.ª Instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova.

Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.

Aliás, segundo recentes pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação presencial, apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder – vide Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14. Ora se a audição de uma gravação permite fruir com fidelidade aqueles 7% de capacidade de influência exercida através da palavra e ainda, mas nem sempre, os 38% referentes ao tom de voz, sobram os 55% referentes à fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, a que o tribunal de 2.ª Instância nunca terá acesso.

É que há sempre coisas que os juízes de julgamento viram enquanto ouviam e não ficaram na gravação e às quais, por isso, o tribunal de recurso nunca terá acesso, sendo por vezes precisamente essas que fazem a diferença e levam o tribunal a quo a tombar para o lado do provado em vez do não provado ou vice-versa.

Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. Assim, a reapreciação pelo Tribunal da Relação das provas gravadas só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1.ª Instância caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.

Ora ouvida a gravação dos depoimentos prestados em julgamento pelo arguido, pela ofendida EC, pelo filho desta, N e pelos vários empregados do restaurante de que o arguido e a EC eram proprietários, bem como pelo cliente MC, constata-se que quase todas as situações dadas como provadas foram testemunhadas por pelo menos mais uma pessoa, umas vezes o filho da ofendida, N, outras pelos empregados e uma delas também pelo cliente MC.

Das situações descritas na matéria de facto assente como provada em que há apenas o depoimento do arguido e o da ofendida EC – em que efectivamente divergem sobre o que então se passou – é a do ponto 8, em que o arguido declarou ter encontrado a EC mais um sujeito que não conhecia a consumirem estupefaciente dentro do restaurante a altas horas da noite.

Mas por mais que se esmiúcem aqueles depoimentos, não há neles qualquer pormenor ou detalhe que imponha decisivamente a convicção do arguido à do tribunal recorrido – isto é, que permita a esta Relação, com base em pormenores evidentes da prova gravada, impor ao tribunal "a quo" que uma convicção diferente da que assumiu seja mais adequada face à prova produzida.

É que, como bem diz o Desembargador António Latas num caso semelhante ao destes autos, no ac. RE de 17-9-2009, proc. 524/05.3GAABF.E1, www.dgsi.pt, que passamos a seguir de perto, nos recursos em que se impugne a decisão sobre a matéria de facto, a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a opção do tribunal a quo por uma das versões em confronto, quando este assenta a convicção sobre a credibilidade da prova produzida em elementos que relevam dos princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso.

Tal não significa que o tribunal ad quem não controle o processo de formação da convicção do tribunal de 1ª instância e da respectiva decisão sobre a matéria de facto, quer no que respeita à exigência fundamental de que a decisão sobre os factos resulte de prova produzida no processo, quer quanto à sua conformidade com as regras da experiência, da lógica e os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, nomeadamente as que dispõem sobre a validade da prova ou o especial valor de alguns meios de prova, como a confissão, a prova pericial ou a derivada de certos documentos. Afirma-se apenas que, não visando o recurso em matéria de facto um novo julgamento, que aquele apenas deve constituir um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, não pode o tribunal de recurso, sem imediação e oralidade, limitar-se a sobrepor à do tribunal a quo a sua convicção sobre a credibilidade das pessoas ouvidas em audiência.

Assim – e concluindo no mesmo sentido que aquele acórdão conclui –, tendo presente o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127.º) e considerando que no caso presente a decisão sobre a matéria de facto assenta em prova efectivamente produzida, conforme ressalta da gravação da prova testemunhal e dos documentos juntos, que não é exigida a prova por determinado meio e que não está em causa a violação de algum dos apontados princípios, regras ou máximas da experiência, concluímos pela falta de fundamento para censurar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, a qual se mostra suficientemente fundamentada e racionalmente explicada, nomeadamente no que respeita aos pontos de facto questionados pela recorrente.

Nada há, pois, a censurar à decisão sobre a matéria de facto que julgou provados os pontos de factos ora impugnados pelo recorrente.
Pelo que carece também de fundamento a pretensão do arguido em que, depois de devidamente apurados pela forma por si pretendida, os factos passassem a integrar antes a prática de um crime de ameaça e outro de injúria.
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No tocante à 3.ª das questões, a de que – e passamos a citar o ponto 104 das conclusões – foi violado o Principio da Livre apreciação da Prova, previsto e punido pelo artigo 127.º do Código Penal:

Percebe-se que o arguido se está a referir ao principio da livre apreciação da Prova, previsto (mas não punido) pelo art.º 127.º do Código de Processo Penal.

Como ensina Paulo Cunha “Os princípios assumem uma funcionalidade múltipla: condensam valores, porque têm um fundo axiológico indesmentível; propiciam unidade ao sistema jurídico, na medida em que são elementos agregadores de interpretação, não especificamente constitucional, mas geral (...) e determinam, possibilitando e condicionando (guiando), a racionalidade da interpretação” (“Direito Constitucional Anotado”, ed. 2008, Editora Quid Juris, pág. 45 ). Ou seja: os princípios podem ser jogados autonomamente no jogo tópico como argumentos revestidos de toda a dignidade (isto é, constitucional) tendo preponderância sobre as normas.

Posto isto, o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.).

O art.º 127.º, do Código de Processo Penal, dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente.

Como se afirma no Ac. Trib. Const. n.º 464/97, de 1/7/97, www.tribunalconstitucional.pt., “este princípio da prova livre ou da livre convicção do julgador não é contrário às garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Em oposição a um sistema segundo o qual o valor da prova é dado por critérios legais-abstractos que o predeterminam, dotados de um carácter de generalidade [que é o sistema da prova legal], o princípio da prova livre evidencia a dimensão concreta da justiça e reconhece que a procura da verdade material não pode prescindir da consideração das circunstâncias concretas do caso em que essa verdade se recorta”.

E porque assim é, não custa aceitar que os mesmos elementos de prova, exibidos em audiência, mereçam apreciações diversas por banda dos julgadores, por um lado, e do arguido (ou do Ministério Público ou do assistente) por outro.

Isso, porém, não acarreta qualquer vício para a sentença assim proferida nem, necessariamente, se traduz em erro de julgamento (na apreciação da prova).

A livre convicção do julgador, posto que justificada, ponderada e, por isso, não arbitrária, aliada às regras da experiência, é o modo como, no nosso sistema processual penal, deve ser apreciada a prova.

É na conjugação destes dois factores (livre apreciação do julgador e regras da experiência) que a prova há-de ser apreciada (a não ser, naturalmente, que se trate de prova tarifada ou vinculada).

Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, ed. 1974, 204, a decisão do juiz há-de ser sempre e necessariamente uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais”.

Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-11-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-201.

Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos – acórdãos do STJ de 6-3-02, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.002, II-44 e da Relação de Évora de 25-5-04, Colectânea de Jurisprudência, 2.004, III-258.

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Ora não podemos deixar de aceitar a posição do julgador no caso concreto agora trazido em recurso pelo arguido, porque baseada na imediação e que de modo algum aponta para uma apreciação arbitrária da prova produzida.

De modo que não se vê aonde o tribunal "a quo" tenha violado o princípio em questão.
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No tocante à 4.ª das questões, a de que também foi violado o princípio "in dubio pro reo":

Sobre a violação do princípio "in dubio pro reo", quando da prova produzida emerge a possibilidade de se formarem duas convicções, isso não implica, como parece pretender o recorrente, que ambas se anulem reciprocamente, fazendo funcionar de modo automático aquele princípio. Se assim fosse, caíamos no sistema da prova testemunhal tarifada, em que a versão que vencia era a que tinha maior número de testemunhas e sendo esse número igual para cada uma delas, entrava em funcionamento o "in dubio pro reo".

De resto, da leitura da fundamentação da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo não teve dúvidas sobre os factos que deu como assentes, dúvidas que este Tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, também não tem, pois que só se a fundamentação revelasse que o tribunal a quo tivesse ficado em dúvida "patentemente insuperável", como se referiu no Ac. do STJ de 15-6-00, publicado na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.000, II-228, é que se podia afirmar que havia sido postergado o princípio in dúbio pro reo, que sendo um corolário da presunção de inocência, só vale até ser, como foi, elidida em julgamento. Ou se, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, esta resultasse evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência, ou seja, quando fosse verificável que a dúvida só não era reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3-3-1999 e 4-10-2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e ainda da Relação de Évora de 30-1-2007, no mesmo sítio da Internet.

Ora a fundamentação da decisão de facto da sentença recorrida não evidencia qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido.

Nesta perspectiva e como já acima se disse, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

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No tocante à 5.ª das questões, a de que as penas aplicadas são exageradas e deviam, aliás, ter sido especialmente atenuadas, devendo, de qualquer modo, não ser privativas da liberdade:

O arguido foi condenado por um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª a) e 2, do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão, cuja execução foi suspensa por idêntico período; e por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1 al.ª c) e d), "ex vi" art.º 2.º, n.º 1 al.ª g) e m) e 3 al.ª p), da Lei n.º 5/2006, de 23-2, na pena de 280 dias de multa, à razão diária de 6 €, o que perfaz um total global de 1.680 €.

Destas penas, a de prisão de execução suspensa não é privativa da liberdade. Claro que se a suspensão da execução da pena de prisão vier a ser revogada, ela será convertida numa privação da liberdade (art.º 56.º, n.º 2, do Código Penal). Mas isso também poderá vir a suceder com a de multa: art.º 49.º, n.º 1, do Código Penal; e com outras das penas de substituição, que à partida não são privativas da liberdade: art.º 43.º, n.º 2 e 5 e 59.º, n.º 2, do Código Penal.

No tocante à pretendida atenuação especial das penas:

Decorre do art.º 72.º, n.° 1, do Código Penal, que o tribunal atenua especialmente a pena – fora dos casos expressamente previstos na lei – quando houver circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

Com efeito, como flui do n.° 1 daquele art.º 72.º, que é na acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, ou nas exigências de prevenção, que radica a autêntica "ratio" da atenuação especial da pena. Daí que as circunstâncias enumeradas no n.° 2 do mesmo artigo não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem que este seja consequência necessária e automática da presença de uma ou de mais daquelas circunstâncias – Ac. STJ de 7.12.99, in proc.113 5/99.

Ora o acervo de razões invocadas pelo arguido – e que tenham ficado provadas, tais como ser o arguido trabalhador, estar inserido socialmente e ser delinquente primário – não chega para diminuir por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

Por exemplo, a ausência de antecedentes criminais, mesmo que entendida no sentido de bom comportamento anterior, «tem escassa relevância quando esse bom comportamento não é superior ao comum e normal nas pessoas da classe do agente da infracção em idênticas condições de vida e de cultura» – acórdão do STJ, de 4-7-1984, Boletim do Ministério da Justiça n.º 339-223.

Pelo que improcede esta pretensão do arguido.

No tocante a que as penas aplicadas são ou não exageradas:

O tribunal "a quo" justificou as suas escolhas com a seguinte argumentação:

IV – Escolha e Medida concreta da pena
Feito, pela forma descrita, o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.

O artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, estabelece para o crime de violência doméstica, quando cometido nas circunstâncias aí especialmente previstas, pena de prisão de dois a cinco anos.

Por seu turno, o crime de detenção de arma proibida, nos termos previstos pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, é punido com pena de prisão, de um a cinco anos ou multa até 600 dias.
*
Não obstante o disposto no artigo 70.º do Código Penal – nos termos do qual o nosso sistema jurídico-penal dá preferência às reações criminais não detentivas sobre as penas privativas da liberdade, desde que aquelas satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição plasmadas no artigo 40.º do Código Penal - no caso do crime de violência doméstica, o julgador não dispõe da liberdade de, ab initio, optar entre uma pena detentiva e uma pena não detentiva, dado que o legislador entendeu que só aquela satisfaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por a considerar mais conveniente do ponto de vista da defesa do ordenamento jurídico, ou seja, da tutela dos bens jurídicos e da estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade da norma violada – prevenção geral de integração.

Já no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, que admite a opção pela pena de multa, haverá que considerar que a preferência pela pena não privativa da liberdade é imposta e justificada por finalidades exclusivamente preventivas. Havendo um juízo favorável de prognose social - em atenção a considerações de prevenção especial de socialização - só deve negar-se a aplicação da medida não detentiva quando a execução da pena de prisão se revele necessária ou mais conveniente do ponto de vista da defesa do ordenamento jurídico.

In casu, as exigências de prevenção geral, são elevadas, atenta a frequência com que ocorre a prática deste tipo de ilícito.

As exigências de prevenção especial, por seu turno, consideram-se baixas uma vez que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais e está profissional e socialmente inserido, assim se entendendo que, no caso concreto, justifica-se um juízo de prognose favorável quanto aos efeitos de uma condenação em pena de multa sobre o seu futuro comportamento.

Pelo exposto, entende-se ser de aplicar ao arguido, pela prática do crime de detenção de arma proibida, pena não privativa da liberdade.
*
Nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal a determinação da medida concreta aplicável tem como critérios a culpa da arguido e as exigências de prevenção, geral e especial, que cabem no caso concreto, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra a arguido, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Ora, naquilo que concerne ao crime de violência doméstica, são elevadíssimas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que ocorre este crime, cujas cifras negras continuam a colocar Portugal como um dos países da Europa com maiores taxas de violência e agressões entre casais, tendo levado a sucessivas recomendações por parte das organizações internacionais, assim se impondo uma contínua exigência de reafirmação dos valores inerentes ao respeito pela integridade física e moral dos membros do casal e ex-casal.

Quanto às exigências de prevenção especial, estas devem considerar-se em grau diminuto já que o arguido não tem antecedentes criminais, é profissionalmente ativo, decorrendo ainda do relatório social junto aos autos que se mostra inserido na sociedade, não é tido como sendo pessoa violenta, e a impressão geral causada no tribunal pelo conjunto da prova produzida é que os factos que ora se julgam estarão relacionados com o próprio contexto de conflituosidade específica daquele casal.

Além do mais, o facto de o arguido já estar divorciado da denunciante, não residindo com esta e tendo uma nova companheira, é circunstância atenuadora das necessidades de prevenção especial, não sendo de crer que o arguido venha a reincidir na prática deste crime.

Em desfavor do arguido, para além das já referidas elevadas necessidades de prevenção geral, é apenas de considerar a intensidade dolosa, na modalidade de dolo direto, tendo o arguido reiterado as suas condutas ilícitas e a circunstância de o arguido não denotar qualquer arrependimento, crendo-se que o desvalor da sua conduta não foi totalmente assumido.

Ainda a seu desfavor, no que tange ao crime de detenção de arma proibida, haverá que considerar que a conduta do arguido preencheu vários tipos legais de crime (em concurso aparente), o que se traduz num agravamento da ilicitude, que deverá ser considerada elevada.

A favor do arguido é de considerar a inexistência de antecedentes criminais, a sua inserção social e profissional e o já referido contexto de conflituosidade mútua típica de um período de pre-separação e de separação entre o casal.

O grau de ilicitude situa-se no limiar médio-baixo quanto ao crime de violência doméstica, porquanto, tanto o desvalor da ação como o desvalor do resultado situam-se no limiar mínimo genericamente considerado pelo legislador para este tipo legal de crime (nunca tendo a vítima necessitado de assistência médica e assumindo as agressões físicas uma gravidade pouco acentuada, já que se traduziram em empurrões, situando-se o cerne da violência doméstica na gravidade e reiteração das ameaças).

Ponderadas as circunstâncias supra referidas e tomando por referência a medida da culpa e as elevadas exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, o tribunal considera adequada, suficiente e proporcional, a aplicação das seguintes penas:

Pela prática do crime de violência doméstica, a pena de dois anos e dois meses de prisão.

Pela prática do crime de detenção de arma proibida, a pena de 280 dias de multa.

No que respeita ao “quantum” pecuniário da pena de multa, decorre do disposto nº 2 do artigo 47º do Código Penal que “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e €500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.

Ora, atenta a matéria de facto considerada provada relativamente às condições pessoais do arguido, considera-se adequada a fixação, por cada dia de multa, da quantia de €6.
*
Não se procede à determinação da pena única resultante do concurso de crimes, dando cumprimento ao disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, uma vez que no caso dos autos foram aplicadas ao arguido penas de diferente natureza.

De acordo com o disposto no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Esta norma consagra um dos princípios inerentes ao nosso sistema penal, assente na consideração das penas de prisão como ultima ratio da repressão criminal, impondo ao juiz o dever de suspender a pena de prisão, aplicada em medida não superior a cinco anos, sempre que o circunstancialismo que rodeia o delinquente possibilite um juízo de prognose positivo quanto aos efeitos da simples ameaça de prisão sobre as finalidades da pena.

No caso dos autos, a este respeito, impõe-se atender a que os factos considerados provados, designadamente a informação constante do relatório social junto aos autos, legitimam a convicção de que a atuação do arguido se pautou dentro de um quadro de conflituosidade mútua com a denunciante, tendo a conduta do arguido sido potenciada e agravada pelos contornos específicos daquela relação.

Por outro lado, o arguido não tem antecedentes criminais, mantém uma atividade profissional regular e está socialmente inserido.

Assim, considera o tribunal que a simples censura do facto e a ameaça séria de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.

Pelo exposto, o tribunal decide suspender a execução da pena de dois anos e dois meses de prisão aplicada, por igual período.

Ora bem.

O crime de violência doméstica é p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª a) e 2, do Código Penal, com uma pena de prisão de dois a cinco anos. O tribunal "a quo" aplicou dois anos e dois meses de prisão, cuja execução foi suspensa por idêntico período.

Não havendo, como já acima vimos, lugar a atenuação especial, nesta pena concreta poderíamos, quando muito, baixá-la apenas num máximo de 2 meses.

Ora, não havendo lugar a reformar o que quer que seja sobre os considerandos expendidos pelo tribunal "a quo" acerca do tema, com a brevidade que o caso impõe se conclui que a pena pelo crime de violência doméstica está correctamente doseada.

Por sua vez, o crime de detenção de arma proibida é p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1 al.ª c) e d), "ex vi" art.º 2.º, n.º 1 al.ª g) e m) e 3 al.ª p), da Lei n.º 5/2006, de 23-2, com uma pena de pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. O tribunal "a quo" aplicou 280 dias de multa, à razão diária de 6 €, o que perfaz um total global de 1.680 €.

As armas pelas quais foi aplicada esta pena são:

- A pistola de ar comprimido de calibre 5,6 mm.;
- A munição de arma de fogo calibre, 6,35 mm.; e
- O artefacto examinado (e fotografado) a fls. 199-200 e que o tribunal "a quo" descreveu assim, no ponto 16 da matéria de facto assente como provada:

(…) artefacto em madeira com objeto em ferro na ponta com um elefante, um bico e uma agada, sendo o comprimento total de 47cm, correspondente a 34 cm do cabo em madeira e 10cm relativos à parte perfurante;

Em relação à pistola de ar comprimido de calibre 5,6 mm. e à munição de arma de fogo calibre, 6,35 mm., não há nada a dizer.

Agora o artefacto, classificado como arma branca…

As disposições legais usáveis para punir a sua posse, todos da Lei n.º 5/2006, de 23-2 (Regime Jurídico das Armas e Munições), poderão, em abstracto, ser as seguintes:

Art.º 86.º, n.º 1 al.ª d):

1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:

d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.

Art.º 2.º, n.º 1 al.ª m):
Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação e com vista a uma uniformização conceptual, entende-se por:

1 - Tipos de armas:

m) «Arma branca» todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante, ou corto-contundente, de comprimento igual ou superior a 10 cm e, independentemente das suas dimensões, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, os estiletes com lâmina ou haste e todos os objectos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;

Art.º 3.º, n.º 1 e 2 al.ª f):
1 - As armas e as munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização.

2 - São armas, munições e acessórios da classe A:

f) As armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção;

Art.º 4.º, n.º 1:
1 - São proibidos a venda, a aquisição, a cedência, a detenção, o uso e o porte de armas, acessórios e munições da classe A.

Ora analisando o auto de exame e avaliação que a fls. 199-200 se debruçou sobre o artefacto e constata-se da foto 1 de fls. 200 que a sua superfície perfurante não mede mais de 4 cm e que o conjunto metálico, todo na cor dourada própria da fancaria, medindo não mais de 12 cm até ao encaixe no cabo de madeira, ostentando de um lado um elefante e do outro a dita agada[1] (que é uma espécie de gancho de ponta romba em forma de um c, com a parte superior do mesmo embutida no corpo metálico principal e a ponta inferior do c virado para o punho do cabo de madeira) não tem características corto-contundentes. Objectos corto-contundentes típicos ou actuando como tal são o machado, a foice, a alabarda, os cutelos ou parecidos e suas variações.

Sem ofensa para quem quer que seja, como arma, seja ela pretensamente perfurante e/ou corto-contundente, é um objecto ridículo.

Da experiência de vida e após consulta de ficheiros vários sobre armamento, resulta só poder tratar-se o artefacto em questão de uma recriação folclórica para turistas de uma qualquer arma regional africana ou asiática.

Estabelece o art.º 3.º, n.º 2 al.ª f), da Lei n.º 5/2006, que são armas as armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção.

E o art.º 86.º, n.º 1 al.ª d), do mesmo diploma legal, pune a detenção de instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse.

Ora o arguido explicou no art.º 68.º da sua contestação e em julgamento que o artefacto em questão fora trazido por sua mãe como um presente de um país que visitara, que o arguido costumava ter por cima da lareira e que se encontrava no carro por andar num processo de mudanças de restaurante e uma vez que quando a ofendida se fora embora lhe levou muitas coisas, receando que também o fizesse quanto àquela recordação – o que é normal e plausível.

Assim, tal artefacto não é uma arma por, desde logo, ser objecto comummente destinado à prática doméstica da decoração, que é sem dúvida uma aplicação definida e faz dele um objecto com aplicação definida.

Agora se ele pode ser usado como arma de agressão? pois pode – tal e qual como praticamente todo e qualquer outro objecto destinado à prática doméstica da decoração, que é sem dúvida uma aplicação definida e que também são objectos com aplicação definida: pica-gelos, castiçais de metal, atiçadores de lareiras e de fogões de sala, para só falar dos vagamente parecidos com o artefacto em questão e de resto bem mais apropriados a causarem estragos físicos de monta no adversário que o artefacto em questão.

Arma não é (talvez seja preferível, definir o conceito negativamente, por exclusão) o objecto que, podendo excepcionalmente ser aproveitado para praticar uma agressão, não foi fabricado com essa finalidade nem é essa a sua utilidade normal.

Em face do exposto, tem, pois, de se retirar o dito artefacto do universo de armas pelas quais o arguido foi punido.

O que implica, necessariamente, reformular a pena aplicada pelo crime de arma proibida, o qual passa assim a ser p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1 al.ª c) e d), "ex vi" art.º 2.º, n.º 1 al.ª g) [desaparece a al.ª m) do n.º 1 do art.º 2.º] e 3 al.ª p), da Lei n.º 5/2006, de 23-2.
Pelo que tudo visto e ponderado, tem-se por justa e adequada a pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de 6 (seis) €, o que perfaz o montante global de 1.200 (mil e duzentos) €.

IV
Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, se decide:

1.º
Baixar a pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, o qual passa a ser p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1 al.ª c) e d), "ex vi" art.º 2.º, n.º 1 al.ª g) [desaparece a al.ª m) do n.º 1 do art.º 2.º, por se considerar que o artefacto mencionado no ponto 16 dos factos provados não é uma arma] e 3 al.ª p), da Lei n.º 5/2006, de 23-2, pena que se fixa em 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de 6 (seis) €, o que perfaz o montante global de 1.200 (mil e duzentos) €.

2.º
Manter no mais a decisão recorrida.

3.º
Não é devida tributação (art.º 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

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Évora, 26-4-2016

(elaborado e revisto pelo relator)

João Martinho de Sousa Cardoso

Ana Maria Barata de Brito


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[1] Vocábulo que não consta de dicionários, nem do “Glossário Armeiro”, de Luis Stubbs Saldanha Monteiro Bandeira, edição da Fundação da Casa de Bragança, 1993.