Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1326/18.2T8SLV-B.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
BENFEITORIAS
DIREITO DE RETENÇÃO
MÁ FÉ
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - A oposição à execução para entrega de coisa certa com fundamento em benfeitorias só é de aceitar quando estas autorizem a retenção da coisa até ao embolso da sua importância;
II - Caso contrário, i.e. a invocação de benfeitorias sem direito de retenção, reconduzir-se-ia a um pedido reconvencional não permitido em sede de oposição à execução;
III - Tendo os executados realizado benfeitorias na coisa cuja entrega lhes era peticionada na precedente acção após a citação para a mesma, fizeram-nas necessariamente de má-fé (art.º 564º a) do CPC) e por isso não gozam de tal direito de retenção por força do disposto na alínea b) do art.º 756º do Código Civil que o exclui dos que tenham realizado de má- fé as despesas de que proveio o seu crédito.
IV- Ainda que possam ter direito ao seu reembolso noutra acção não têm é o direito de reter a coisa perante a pretensão executiva de entrega que lhes é aqui formulada.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

1. BB e CC, Executados nos autos à margem identificados, nos quais figuram como Exequentes DD e EE, vieram interpor recurso do despacho de indeferimento liminar de incidente de embargos de executado que oportunamente deduziram, nele exarando as seguintes conclusões:
“I. Apelam os Recorrentes de despacho que indeferiu liminarmente os embargos de executado, atenta a inadmissibilidade legal e manifesta improcedência (art.º 732º n.º 1 al b) e c) do C.P.C).
II. Salvo o devido respeito, mal andou o tribunal “a quo” ao fazer tal entendimento, porquanto os ora Recorrentes na sua oposição, alegaram - a inexistência de título exequível, através de Defesa por Excepção, atenta a existência de prejudicialidade entre a presente execução e acção declarativa (Processo 2355/17.9T8PTM, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro,Juízo Central Cível de Portimão, J4), porquanto se encontrava (a ainda se encontra na presente data) pendente processo no qual se discute a indemnização pelas benfeitorias implantadas no prédio em apreço.
III. Discordam os Recorrentes do indeferimento proferido na medida em que na sua defesa retira-se claramente a existência de prejudicialidade entre a presente execução e a acção que corre termos no Juízo Central Cível de Portimão, uma vez que da procedência daquela acção decorrerá a inexistência de título exequível contra os ora Recorrentes, consubstanciando tal situação excepção peremptória, razão pela qual a sentença apresentada à execução não constituiria título executivo e, em consequência deveria a execução ser extinta, por falta de título (art.ºs 45.º e 46.º do CPC).
IV. Além do mais, os Recorrentes subsidiariamente, e caso assim assim não se entendesse, alegaram que a suspensão da instância, considerando que a decisão estaria dependente de julgamento de outra já proposta, socorrendo-se do estatuído nos artigos 269.º, nº 1, al.c) e 272.º, nº 1 do C.P.Civil e, também aqui o tribunal “a quo”, salvo o devido respeito não fez a correcta apreciação.
V. Segundo a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal, verifica-se a relação ou nexo de dependência ou prejudicialidade, quando a decisão ou julgamento duma acção – a dependente – é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento noutra – a prejudicial – A. dos Reis.(Comentário, volume III, páginas 267 e seguintes; Manuel Andrade, Lições de Direito Processual Civil, página 427; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Fevereiro de 1993 - B.M.J. nº 424, página 587.)
VI. Assim sendo, pode concluir-se, em tese geral, que, para efeito de consideração da prejudicialidade justificativa da suspensão da instância, “a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão do outro pleito, quando a decisão de uma acção – a dependente – é atacada ou afectada pela decisão ou julgamento emitido noutra” – Cfr. Ac. do STJ de 29/09/93, in www.dgsi.pt.
VII. In casu, a decisão que vier a ser proferida no Processo 2355/17.9T8PTM influenciará a decisão, obviamente, que na presente acção, por seu turno, venha a ser exarada, constatando-se assim, que o tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, inexoravelmente, violou no despacho recorrido os princípios da economia e celeridade processuais – princípios fundamentais do nosso processo civil – bem como violou o disposto 269.º, nº 1, al. c) e 272.º, nº 1 do C.P.Civil, considerando ainda o avançado estado processual daquela acção declarativa (quando já foi realizada pericia colegial) sendo por via disso, aconselhada a suspensão da instância nestes autos e não a simples rejeição.
VIII. Ora, considerando que se encontra a correr acção relativa a benfeitorias implantadas no prédio em apreço, encontrando-se já agendada audiência de discussão e julgamento para 7 e 8 de Março de 2019 (Doc. 1) e realizada perícia colegial (Doc. 2), cujos valores atribuídos se aproximam dos apresentados pelos ora Recorrentes, e considerando o princípio da economia processual e coerência de julgamentos, deveria ter sido suspensa a presente instância executiva, razão pela qual, discordam os ora Recorrentes da decisão proferida de não suspensão da presente execução, na medida em que para efeitos de suspensão da instância prevê a lei as situações típicas dos artigos 269º/271º e atípicas - cláusula geral artigo 272º nº 1 do CPC - quando ocorrer outro motivo justificado.
IX. O tribunal “a quo” ao entender que o processo declarativo pendente em nada interfere com o presente processo, e que este não deve ser suspenso, enquanto se discute a questão da indemnização por benfeitorias, contribuiu para uma subversão do ponto de vista lógico e uma injustiça no plano legal.
X. O que no presente caso deveria é assumir-se que de facto se encontra a discutir o direito à indemnização por benfeitorias num processo autónomo, encontrando-se neste momento esse processo numa fase processual avançada, onde inclusivamente já foi realizada perícia colegial e por força do princípio da economia e celeridade processual e consenso de julgados deveria o tribunal “a quo” suspender a presente lide executiva enquanto se encontre pendente a acção declarativa.
XI. Destarte, considerando a relevância das benfeitorias, enquanto meio de oposição à execução para entrega de coisa certa (art.º 860º CPC), reclamaram ainda os Recorrentes o direito de retenção (art. 754º do CC), entendendo, igualmente o tribunal “a quo” não existir.
XII. Não podem os Recorrentes concordar com tal decisão, na medida em Recorrentes alegaram e demonstram documentalmente que as benfeitorias foram sendo desenvolvidas ao longo do projecto agrícola que o Recorrente se candidatou anteriormente à citação, sendo hoje conhecido relatório pericial elaborado por 3 peritos, no qual se vislumbra que foram implantadas benfeitorias no prédio rústico avaliadas no montante de 75.000,00€, e agendada audiência de julgamento para dia 7 e 8 de Março de 2019.
XIII. Assim, não podem os Recorrentes conformar-se com o indeferimento liminar da oposição deduzida, nem com o fundamento da rejeição decidida, o que redunda em paradoxo, porquanto a oposição deduzida.
XIV. A não admissão por rejeição liminar da oposição deduzida, traduz-se numa denegação infundamentada de justiça para os aqui Recorrentes, pelo que pugnando pela sua admissão, entendem os Recorrentes que deve ser revogada a decisão proferida e a determinação do conhecimento do mérito da requesta deduzida aos autos de execução, por legitima, idónea, adequada e oportuna, em virtude da violação do disposto nos artigos 269.º, nº 1, al. c); 272.º, nº 1 do C.P.Civil; 729º alíneas a) e g); 732º, alíneas b) e c) e 860º n.º 1 todos do Código Processo Civil.
XV. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se decisão recorrida que indeferiu liminarmente a petição de oposição dos recorrentes, determinando a sua admissão e ulteriores trâmites até final.”.

2. Não foram produzidas contra-alegações.

3. Dispensaram-se os vistos.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se às seguintes questões: se ocorre inexistência de título executivo e se a pendência dos autos 2355/17.9T8PTM movidos pelos ora executados contra os aqui exequentes pode conduzir à suspensão da lide executiva.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Emerge da consulta dos autos a seguinte factualidade com relevância para o conhecimento do recurso:

1.1. Os exequentes DD e EE instauraram em 18.7.2018 acção executiva para entrega de coisa certa contra os executados BB e CC, com fundamento na sentença de 8 de Setembro de 2014, confirmada por Acórdão da Relação de Évora de 28 de Junho de 2017, transitado em julgado, que, entre outras decisões, condenou estes últimos a devolverem aqueles o prédio aí identificado.
1.2. - Os mesmos executados intentaram em 9 de Outubro de 2017 contra os ora exequentes acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum mediante a qual, dentre outros pedidos, requereram a condenação destes últimos a pagar-lhes € 99.922,78 atinentes a benfeitorias necessárias e úteis que executaram no dito prédio e que se lhes reconheça direito de retenção sobre o mesmo até tal crédito lhes ser satisfeito.
1.3. É o seguinte o teor do despacho recorrido:
“Vieram os executados BB e CC deduzir oposição à execução baseada em sentença que lhes movem DD e EE tendo alegado, em síntese, a inexistência de título exequível, na medida em que, após a confirmação, em sede recursiva da sentença que os exequentes ora executam, eles embargantes, instauraram novos autos de acção declarativa, a que coube o n.º 2355/17.9T8PTM e que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Portimão, tendo alegado, nesses autos, a realização de benfeitorias no prédio cuja entrega os exequentes exigem nos autos principais e tendo ainda requerido a respectiva indemnização de tais benfeitorias aos exequentes. Sustentam ainda que tal pretensão não poderia ter sido deduzida na acção declarativa no âmbito da qual foi proferida a sentença que se executa, na medida em que as ditas benfeitorias foram sendo implementadas no prédio consoante o decorrer e obrigações do programa agrícola a que o executado se candidatou. Mais invocam os embargantes que existem uma relação de prejudicialidade entre os referidos novos autos declarativos (que instauraram já depois do trânsito em julgado da sentença condenatória) e a acção executiva de que estes autos são um apenso, o que deveria ocasionar a suspensão da instância executiva, tanto mais, que é ora alegada a realização de benfeitorias e a suspensão tem lugar quando o exequente não tenha prestado caução. Alegam ainda que por via das benfeitorias realizadas têm, eles embargantes, direito de retenção sobre o imóvel cuja entrega é requerida nos autos principais. Terminam peticionando que os embargos sejam admitidos, que seja reconhecido o seu direito de retenção sobre o imóvel e que seja suspensa a lide executiva porquanto os exequentes não prestaram caução nos termos do disposto no art.º 860.º. n.º2 do Cod. de Proc. Civ.
*
Vejamos da inadmissibilidade legal e também do carácter manifestamente improcedente dos presentes embargos de executado.
Prescreve o artigo 859.º do Código do Processo Civil, norma que regula «a execução para entrega de coisa certa», que o executado pode opor-se à execução no prazo de 20 (vinte) dias a contar da sua citação /notificação.
Quanto aos fundamentos da oposição à execução estes encontram-se, por sua vez, enunciados nos artigos 729º e 730º e 731º do Código do Processo Civil, por remissão que decorre do art.º 860.º do mesmo diploma, sendo certo, que quando o título executivo seja uma sentença, os embargos apenas poderão, como o preceitua taxativamente o artigo 729º do Código citado, ser deduzidos com base num dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência ou exequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o reu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se comprove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista o obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade destes autos.
Mais dispõe o artigo 732º, nº1, al. b) do Código do Processo Civil que os embargos devem ser autuados por apenso e são liminarmente indeferidos quando entre outras causas, os fundamentos não se ajustarem ao disposto nos artigos 729º a 731º e ou forem manifestamente improcedentes.
No presente caso, desde já antecipamos, que a factualidade que foi alegada pelos oponentes não se afigura subsumível, apesar das ilações jurídicas formuladas, nomeadamente às alíneas e g) do art.º 729.º do Cod. de Proc. Civ.
Com efeito, existe indubitavelmente titulo executivo, no caso concreto trata-se de uma sentença, já transitada em julgado, da qual decorre para os executados, face à condenação sofrida, a obrigação de entrega, aos exequentes, de um bem imóvel (que era objecto do negócio de compra e venda que foi anulado).
Nos termos do art.º 703.º, n.º1, al. a) do Cod. de Proc. Civ as sentenças condenatórias são títulos executivos.
Por outro lado, o direito às benfeitorias deveria ter sido discutido, como os embargantes bem demonstram saber, por decorrência do próprio princípio da concentração da defesa, na contestação que foi apresentada no âmbito dos referidos autos declarativos, omissão essa que comporta efeitos preclusivos, quer em sede de embargos de executado, como claramente decorre do n.º3 do art.º 860.º do Cod. de Proc. Civ, quer no âmbito de quaisquer outros autos.
E nem se diga que as benfeitorias que os executados invocam, não directamente no âmbito destes autos, mas no âmbito de uma outra acção declarativa que instauraram - autos esse que pretendem que sejam considerados causa prejudicial em relação aos autos de execução (Proc. n.º 2355/17.9T8PTM) - são afinal posteriores à data em que deduziram contestação e que como tal podem, assim sendo, comportar um efeito obstativo, impeditivo ou modificativo da pretensão executiva de entrega do imóvel exequentes, na medida em que lhe conferem aos embargantes o direito de retenção.
Vejamos:
Se os executados fizeram, antes da sua citação, benfeitorias no imóvel cuja entrega os exequentes exigem nos autos principais deveriam, como supra já referimos, ter reclamado o seu pagamento e ou levantamento no âmbito dos autos declarativos no âmbito dos quais foi proferida a sentença que se executa nos autos principais.
Pois que, em bom rigor, tal factualidade nem sequer poderá conhecida ou apreciada, quer no âmbito destes autos de embargos de executado, quer no âmbito de qualquer outra acção já instaurada ou a instaurar, por o seu conhecimento se afigurar notoriamente atentatório do caso julgado que se formou com o trânsito em julgado da sentença condenatória que foi oferecida como título executivo nos principais de execução. É que a propósito entende a Doutrina que o caso julgado abrange todas as questões objecto de controvérsia, relativamente as quais tenha havido pronúncia, preconizado ainda, com base no estatuído no art. 489, nº1 do CPC (actual 573.º, nº1 do CPC), que ficam igualmente abrangidos pelo caso julgado factos que o réu / reconvindo tinha o ónus de trazer à colação e não trouxe - cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, págs. 178 a 186. Já se as benfeitorias tiveram lugar após a citação dos embargantes - e a citação comporta efeitos substantivos e processuais e contam-se entre os primeiros, a cessação da boa-fé do possuidor (artº 564º, al. a), do CPC) - os executados, claramente actuaram de má-fé aos fazer tais obras e ou melhoramentos no prédio cuja entrega os exequentes lhe exigem, sendo que nos termos do art.º 756.º do Cod.. Civ. «Não há direito de retenção a favor dos que tenham realizado de má-fé as despesas de que proveio o seu crédito».
Por outro lado, é evidente que no âmbito do processo executivo o legislador tomou medidas especiais de protecção e de tutela do caso julgado, sendo inconcebível que uma sentença possa inutilizar uma outra que haja sido anteriormente proferida de molde a que se possa concluir pela inexistência ou inexequibilidade do título.
Entre essas medidas expressas de protecção do caso julgado, ressalta a disciplina constante da al. g) do art.º 729.º do Código de Processo Civil, que determina que apenas possam ser invocados, como fundamento do incidente de embargos de executado, factos extintivos ou modificativos da obrigação, que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se comprovem por documento. Ora, a invocação do direito de retenção, da qual os executados se pretendem agora prevalecer quer no âmbito dos autos de declarativos, quer no âmbito destes autos, não satisfaz a referida exigência, sendo que pelas razões de ordem substantiva e processual supra referidas, tal direito não poderá, em todo caso ser declarado.
Ao que acresce, que a instância executiva também não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial nem por outro motivo justificado, ao abrigo do disposto no art.º 279.º, n.º 1, do CPC, apenas podendo ser suspensos o próprio incidente de embargos de executado, isto caso não se revele manifestamente improcedente e violadora do próprio «caso julgado» a argumentação deduzida pelos embargantes, como sucede no presente caso.
Pelo que atento todo o exposto, e nos termos dos artigos 732º, nº1, alíneas b) e c) do Código do Processo Civil, dada a sua inadmissibilidade legal e também dada a sua manifesta improcedência, indefiro liminarmente o presente incidente de embargos de executados.”.


2. Do mérito do recurso

2.1. Insistem os recorrentes que ocorre inexistência do título executivo mercê da pendência da acção na qual se discute a indemnização das benfeitorias implantadas no prédio cuja entrega é reclamada na execução.
A clareza com que no despacho recorrido é rebatido tal fundamento, dispensaria grandes considerações sobre o mesmo.
O título dado à execução é, sem sombra de dúvidas, uma sentença condenatória, ainda para mais transitada em julgado, revestindo, por isso, inequívocos requisitos de exequibilidade (cfr. art.sº 703.º, n.º1, al. a) e 704º nº1, ambos do C.P.C).
Não é, por isso, a pendência de uma acção proposta subsequentemente ao trânsito em julgado da sentença exequenda – visando obstaculizar a condenação decidida através da invocação do direito de retenção - que pode ter a virtualidade de retirar a exequibilidade que a lei lhe confere.
Se assim fosse, estaria descoberto o expediente para inviabilizar a ordem nela corporizada, colocando em causa a autoridade por ela formada.
Argumentam os embargantes que não podiam ter reclamado o valor das benfeitorias em reconvenção deduzida na primitiva acção porque ainda não as tinham efectuado ( e que, consequentemente, não se verifica a previsão do nº3 do art.º 860º do CPC).
É que o seu móbil ao deduzirem a oposição [a esta execução para entrega de coisa certa] com fundamento em benfeitorias reclamadas na outra acção é impedir a entrega mercê do alegado direito de retenção da coisa até ao pagamento do valor destas.
Porém, se notoriamente não houver direito de retenção apesar das benfeitorias invocadas não há real fundamento para deduzir oposição à execução.
É que só faz sentido a alusão a benfeitorias na oposição à execução para entrega de coisa certa quando aquelas autorizem a retenção da coisa até ao embolso da sua importância.
Caso contrário, i.e. a invocação de benfeitorias sem direito de retenção, reconduzir-se-ia a um pedido reconvencional não permitido em sede de oposição à execução[1].
Ora, é notório que os aqui executados não gozam de tal direito de retenção por força do disposto na alínea b) do art.º 756º do Código Civil que o exclui dos que tenham realizado de má- fé as despesas de que proveio o seu crédito.
É que as despesas inerentes às invocadas benfeitorias, havendo sido realizadas por possuidor de má-fé têm de considerar-se também como realizadas de má-fé.
Ora um dos efeitos da citação é precisamente o de fazer cessar a boa-fé do possuidor (art.º 564º a) do CPC).

Se foram realizar benfeitorias na coisa cuja entrega lhes era peticionada na precedente acção após a citação para a mesma [2]fizeram-nas necessariamente de má-fé.

Ainda que possam ter direito ao seu reembolso na outra acção [3] não têm é o direito de reter a coisa perante a pretensão executiva de entrega que lhes é aqui formulada.

2.2. De igual sorte a pendência da outra acção que moveram contra os aqui exequentes nenhuma influência tem no desfecho desta.

O direito a benfeitorias ainda que conexo com a coisa objecto da execução consubstancia-se num direito de crédito distinto do que nesta é exercitado e ainda que possa fundamentar a oposição por embargos nos casos que autorizem a retenção, quando tal não suceda nem por isso deixa de poder ser concretizado em acção autónoma.

E ainda que aí reclamem indemnização por benfeitorias que hajam feito na coisa, não se descortina fundamento para suspender o prosseguimento da presente execução pelas razões que explicitámos.

Não há pois motivo para alterar o decidido.

III-DECISÃO
Por todo o exposto, acorda este Colectivo em julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo-se o despacho recorrido.

Custas pelos apelantes.

Évora, 28 de Fevereiro de 2019
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

___________________________________ [1] Acompanhamos na íntegra o entendimento expendido por Fernando Amâncio Ferreira in “ Curso de Processo de Execução “ Almedina, 11.ª Edição, 2009, pág. 435.
[2] Pois se assim não fosse, como alerta o despacho recorrido, tê-las-iam pedido em reconvenção.
[3] Vg. No caso de terem feito benfeitorias necessárias –cfr. art.1273º do Código Civil.