Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REJEIÇÃO RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só se verifica em caso de faltar de todo a fundamentação ou motivação, não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente. 2 – Relativamente à impugnação da matéria de facto em sede de recurso, o não cumprimento dos ónus primários previstos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, determina a rejeição do recurso, não havendo lugar a aperfeiçoamento. 3 – No procedimento cautelar de restituição provisória de posse é sobre o requerente que incide o ónus probatório dos factos constitutivos ou pressupostos da providência, nomeadamente a posse, o esbulho e a violência. 4 – O juízo de censura inerente à condenação como litigante de má fé obriga a uma atitude de prudência, mas resultando dos autos manifestamente que a parte fez uso reprovável do processo, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento conhecia, impõe-se proferir condenação nos termos do art. 542º do CPC. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO O requerente, AA, instaurou o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, alegando em resumo que estava na posse, nos termos de um contrato de subarrendamento rural, da parte rústica de um prédio da requerida, e que esta, por meios que considera violentos, acabou por privá-lo da referida posse. Pediu por isso que lhe seja restituída provisoriamente a posse da parte rústica do prédio em causa, nos termos do artigo 378.º do NCPC. Determinada a audiência prévia da requerida, esta impugnou os fundamentos alegados pelo requerente, nomeadamente que existisse a posse invocada por este ou o contrato por ele referido. O procedimento cautelar foi então indeferido na primeira instância, decisão que foi mantida nesta Relação mas que veio a ser revertida no Supremo Tribunal de Justiça, o qual determinou o prosseguimento dos autos para julgamento. Realizado o julgamento, a primeira instância proferiu sentença que julgou o procedimento cautelar integralmente improcedente por não provado e condenou o requerente como litigante de má fé na multa de 20 (vinte) UC’s. * II – A APELAÇÃOO requerente intentou então recurso de apelação, apresentando no final da sua motivação as seguintes conclusões: I. Sempre com o devido respeito, terá que ser na acção principal, já proposta, de que este procedimento é preliminar, que a validade dos contratos terá que ser julgada definitivamente; II. A questão que se coloca no presente recurso versa também, a apreciação e decisão da parte do Tribunal “ad quem” no sentido de saber se a matéria de facto foi bem julgada pelo Tribunal “a quo”; III. Nomeadamente, a que consta dos pontos 2 a 41 e 61 a 65 dos Factos Provados e a alínea A) dos Factos não Provados. IV. Os factos constantes dos pontos 2 a 41 dos Factos Provados, dizendo estes respeito aos factos alegados pelas partes no processo n.º 127/21.5T8PTG, e ali dados como provados não podem ser considerados para efeitos de decisão nos presentes autos, conforme resulta do segmento das motivações que aqui versam sobre a impugnação da matéria de facto; V. Também os factos constantes dos pontos 61 a 65 não podem ser considerados para efeitos de decisão nos presentes autos, conforme resulta do segmento das motivações que aqui versam sobre a impugnação da matéria de facto; VI. A Requerida não apresentou qualquer elemento de prova com base no qual sustente que o Recorrente/Requerente não tenha a posse da parte rústica da herdade … desde final de 2007; VII. Aliás a Requerida não fez a prova, que contrarie a posse do Recorrente/Requerente da mencionada parte do prédio nem qualquer outro momento posterior aso ano de 2007; VIII. A Requerida confessou a existência da relação arrendatícia do Recorrente/Requerente na mencionada parte do prédio; IX. Tal confissão, resulta do requerimento apresentado no processo n.º 127/21.5T8PTG por parte da Requerida, em relação ao qual, foi junta aos presentes autos pelo ora Recorrente certidão, conforme melhor consta da plataforma “Citius” com a data de “27.07.2022” com a Ref.ª “261062” e a descrição “Requerimento”; X. Sempre com o devido respeito, entende o Recorrente, que o pedido feito ao Tribunal pela Requerida, para que declarasse a invalidade e ilegalidade do Contrato de Subarrendamento Rural e respectivo aditamento, celebrados entre BB e AA, ora requerente constitui uma confissão por parte da Requerida da existência do contrato; XI. O mesmo sucedendo em relação ao pedido feito pela Requerida no processo n.º 980/22.5T8PTG a correr termos no Juízo Local Cível – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, apresentado em juízo em 31.08.2022, ou seja, na pendência do presente procedimento cautelar, com vista a julgar a validade do Contrato de Arrendamento Rural e o seu Aditamento, bem assim do Contrato de Subarrendamento Rural e seu Aditamento; XII. Ou seja, o mesmo Contrato de Subarrendamento Rural e seu Aditamento com base no qual o Recorrente apresentou a requerida providência; XIII. A acção corre termos no mesmo Tribunal em que correm os presentes autos, ou seja, no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível – Juiz 2 com o processo n.º 980/22.5T8PTG; XIV. Ali se requer ao Tribunal que julgue procedente a presente acção, declarando-se: a nulidade dos contratos; XV. Termos em que, entende o Recorrente/Requerente que este ponto se mostra mal julgado, devendo ser dado como provado; XVI. Faltou à Meritíssima juiz “a quo” ter o especial cuidado de explicar o raciocínio lógico que seguiu, para que a Recorrente ficasse ciente da falta de credibilidade das declarações do Requerente, bem assim da simulação e falsidade dos contratos apresentados pela Requerida, sobretudo, atendendo a que não foi por si admitida a respectiva contra prova, apesar de terem sido objecto de impugnação e ainda assim, não foram considerados para efeitos probatórios; XVII. Entende o Recorrente, que aos presentes autos, independentemente do anterior proprietário do prédio ter vendido livre de ónus ou encargos à Requerida, é aplicável o Art.º 1057º do Código Civil que consagra o princípio “emptio non tollit locatum” sem estabelecer qualquer distinção quanto ao modo de aquisição do direito com base no qual foi celebrado o arrendamento; XVIII. Pelo que não se vê motivo para restringir o seu âmbito de aplicação, salvo nos casos expressamente previstos na lei – se o arrendamento foi celebrado antes da venda é irrelevante para o arrendatário que o proprietário venda livre de ónus ou encargos; XIX. Salvo melhor opinião, entende a Recorrente, que independentemente da prova que se fizesse, o facto da venda do prédio ter sido feita livre de ónus ou encargos, não é, por si só suficiente para não considerar o arrendamento e sempre com o devido respeito, teria a Meritíssima Juiz a quo que ter julgado o procedimento procedente por indiciariamente provado, na medida em que a Requerida não fez qualquer tipo de prova e também não fez prova de que o contrato não existe; XX. Os factos constantes dos pontos 2 a 41 dos Factos Provados, dizendo estes respeito aos factos alegados pelas partes no processo n.º 127/21.5T8PTG, não podem ser considerados para efeitos de decisão nos presentes autos, conforme resulta da parte das motivações que versam sobre a impugnação da matéria de facto; XXI. Entende o Recorrente, sempre com o devido respeito, que a prova, indiciária, da existência do contrato de subarrendamento já se mostrava feita por confissão da Recorrente/Requerida, conforme resulta da certidão extraída do processo n.º 127/21.5T8PTG junta aos autos, referente a um requerimento por si ali apresentado a requerer ao Tribunal que apreciasse a validade do arrendamento; XXII. Tudo corroborado com a petição apresentada em tribunal pela Requerida a requerer a nulidade dos contratos, realidade, que a Meritíssima juiz “a quo”, não pode deixar de conhecer, ainda quer oficiosamente, por correr no mesmo Tribunal, mas também porque lhe foi apresentada nos presentes autos pela Requerida; XXIII. A douta decisão sob recurso condena o ora Recorrente, com base numa conclusão provisória, sobre a existência e validade de um contrato, e salvo melhor opinião, ferida de uma invalidade, decorrente do facto de lhe ter sido negada a possibilidade em ter apresentado a competente contra prova; XXIV. Sendo certo, sempre com o devido respeito, que é na referida acção que já corre em Tribunal, que irá existir uma decisão definitiva; XXV. Não obstante tudo o que anteriormente se disse, a Meritíssima juiz “a quo”, condenou o Recorrente como litigante de Má-Fé, ficando obrigado ao pagamento de uma multa de 20 (vinte) unidades de conta; XXVI. O Recorrente sustenta a sua posição com base na existência do contrato de arrendamento e com suporte num conjunto de factos alegados que no entender na jurisprudência indicada e também no entender do douto Acórdão do STJ nos presentes autos mostram verificados os requisitos do esbulho e da violência; XXVII. Nos autos, houve e continua a haver, uma interpretação diversa da aplicação do direito aos factos, o que é normal, desejável, e próprio do exercício das várias profissões jurídicas; XXVIII. Que se resolvem, quando delas não concordamos, com recurso à submissão das decisões a outro grau de jurisdição; XXIX. Sempre com o devido respeito, entende o Recorrente/Requerente secundado pelo seu mandatário, que não existe qualquer prática processual que configure litigância de má-fé da sua parte; XXX. O Recorrente fundamenta também a sua posição, tendo por base a confissão da requerente formado a sua posição com base em jurisprudência dos Tribunais Superiores; XXXI. Uma coisa é a sustentação de uma posição devidamente fundamentada na doutrina e na jurisprudência, que ainda assim, não obtém vencimento, outra coisa é a litigância de Má-Fé e a consequente condenação em multa; XXXII. O Recorrente/Requerente mantêm tudo quanto disse no processo, por ser a expressão exacta da verdade e do seu legítimo entendimento; Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação ou, caso assim não se entenda, por existir uma errónea subsunção dos factos ao direito, declarando a sua revogação, e a sua substituição por outra que julgue procedente o procedimento. * III – CONTRA-ALEGAÇÕESRespondeu a apelada, defendendo nas suas contra-alegações que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente e manter-se na íntegra, a sentença recorrida. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTONa decisão recorrida foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: 1. A Herdade … é um prédio misto, com a área de 230,9 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º …, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos …,…, … e …, e na matriz predial rústica sob o artigo … da secção … da freguesia da Urra concelho de Portalegre, com o valor patrimonial global de 321.282,52€, composto por: a) Uma parte rústica com cultura arvense, sobreiros, montado de sobro, montado de azinho, solo subjacente, cultura arvense com azinheiras, olival, solo adjacente cultura arvense com oliveiras, duas dependências agrícolas e terreno estéril, inscrita na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ….º, secção …, com o valor patrimonial de 18.405,07€; b) Casa de rés-do-chão, para habitação, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, com o valor patrimonial de 29.580,00€; c) Casa de rés-do-chão, para habitação e anexo coelheira, cocheira e casa de malta, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, com o valor patrimonial de 29.580,00€; d) Edifício para armazém e actividade industrial, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, com o valor patrimonial de 107.911,35€; e e) Edifício para armazém e actividade industrial, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, com o valor patrimonial de 135.826,10€. 2. A Herdade … foi adquirida, por compra, a 20/11/1995, pela sociedade J., Lda.. 3. A 3/01/2007 foi constituída uma hipoteca voluntária, sobre o referido prédio, com o capital de 1.850.000,00€, até ao limite máximo de 2.465.125,00€, a favor da Requerida. 4. A 22/07/2008 foi constituída uma segunda hipoteca voluntária, sobre o referido prédio, com o capital de 100.000,00€, até ao limite máximo de 140.000,00€, a favor da Requerida. 5. A 16/03/2010 foi constituída uma terceira hipoteca voluntária, sobre o referido prédio, com o capital de 600.000,00€, até ao limite máximo de 840.000,00€, a favor da Requerida. 6. A 5/08/2010 foi registada uma penhora, sobre o referido prédio, no valor de 12.412,93€, a favor da Fazenda Nacional, cancelada a 19/01/2016. 7. A 23/11/2010 foi registada uma penhora, sobre o referido prédio, no valor de 46.605,67€, a favor da Segurança Social, cancelada a 10/02/2016. 8. A 14/12/2010 foi registada uma penhora, sobre o referido prédio, no valor de 17.682,95€, a favor da sociedade AMORIM & IRMÃO, S.A., cancelada a 19/02/2015. 9. A 20/12/2011 foi registada uma penhora, sobre o referido prédio, no valor de 10.712,54€, a favor da sociedade VICENT GIRALT, S.L, cancelada a 10/07/2013. 10. A 22/02/2013 foi registada uma penhora, sobre o referido prédio, no valor de 29.035,96€, a favor da sociedade NOTAITEJO-PRODUTOS E SERVIÇOS PARA A AGRICULTURA, LDA., cancelada a 10/07/2014. 11. A 6/04/2016 foi registada provisoriamente a aquisição do referido prédio, por compra, pela Requerida, a qual se converteu em definitiva, a 3/05/2016, tendo, nessa mesma data, sido canceladas todas três as hipotecas registadas sobre o prédio a favor da Requerida, por esta a elas ter renunciado. 12. Efectivamente por escritura pública, datada de 3/05/2016, registada na mesma data, a sociedade J., Lda., vendeu à Requerida, a Herdade …, pelo valor global de 2.612.184,75€, subdividido pelos seguintes valores parcelares: a) à parte Rústica do prédio, inscrita na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ….º, secção …, foi fixado o valor de 1.678.707,54€, b) à Casa de rés-do-chão, para habitação, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, foi fixado o valor de 92.111,91€; c) à Casa de rés-do-chão, para habitação e anexo coelheira, cocheira e casa de malta, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, foi fixado o valor de 92.111,91€; d) ao Edifício para armazém e actividade industrial, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, foi fixado o valor de 336.148,83€; e e) ao Edifício para armazém e actividade industrial, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….º, foi fixado o valor de 423.104,56€. 13. Pode ainda ler-se na escritura pública identificada no ponto anterior que a venda da Herdade … foi feita “livre de ónus ou encargos”. 14. Na mesma data, a Requerida acordou ceder a utilização, da totalidade da Herdade …, à sociedade J., Lda., mediante a assinatura de um documento intitulado “contrato de locação financeira imobiliária n.º 101.182”, pelo prazo de 25 anos (trezentos meses), sendo o valor do acordo no montante global de 2.748.313,84€. 15. Nos termos do acordo referido no ponto anterior, a sociedade J., Lda. obrigou-se ao pagamento de 300 rendas mensais, sendo a 1ª no valor de 500,00€; a 2ª à 37ª, cada uma, no valor mensal de 6.869,53€ (que são constituídas apenas pela componente de juros, vigorando um período de carência de capital); e a 38ª a 300ª, cada uma, no valor mensal de 13.530,80€. 16. Mais acordaram as partes que o valor residual para efeitos do referido acordo, e nomeadamente para o exercício do direito de opção de compra da Herdade …, seria de 274.831,38€. 17. Consta ainda do ponto 1, da cláusula oitava, do referido acordo, que a cedência a terceiro, total ou parcialmente, a qualquer título, designadamente sublocação, da Herdade …, por parte da a sociedade J., Lda., apenas seria válida se previamente autorizada pela Requerida. 18. A 2/05/2016, a sociedade J., Lda., vendeu à Requerida, diverso equipamento para indústria vitivinícola, melhor identificado na factura n.º 2016/176, junto como doc. 3 com a oposição, pelo valor global de 230.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal de 52.900,00€, no total de 282.900,00€. 19. A 3/05/2016, a Requerida acordou ceder a utilização, desse mesmo equipamento para indústria vitivinícola, à sociedade J., Lda., mediante a assinatura de um documento intitulado “contrato de locação financeira mobiliária n.º 21.695”, pelo prazo de 120 meses, sendo o valor do acordo no montante global de 230.000,00€, acrescido de IVA à taxa legal de 52.900,00€, no total de 282.900,00€ 20. Nos termos do acordo referido no ponto anterior, a sociedade, J., Lda., obrigou-se ao pagamento de 120 rendas mensais, sendo a 1ª no valor de 100,00€; a 2ª à 25ª, cada uma, no valor mensal de 574,75€ (que são constituídas apenas pela componente de juros, vigorando um período de carência de capital); e a 26ª a 120ª, cada uma, no valor mensal de 2.507,49€. 21. Mais acordaram as partes que o valor residual para efeitos do referido segundo acordo, e nomeadamente para o exercício do direito de opção de compra do referido equipamento, seria de 23.000,00€. 22. A 9/03/2021, foi prolatada sentença, entretanto transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 127/21.5T8PTG, que correu os seus termos nos Juízos Centrais Cíveis e Criminais de Portalegre – J1, no âmbito de um procedimento cautelar de entrega judicial de bens, proposto pela ora Requerida, contra a sociedade J., Lda., que decidiu o seguinte: «Pelo exposto, julgo procedente por provado o presente procedimento cautelar, e em consequência, decido: a) Nos termos e ao abrigo do disposto no art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 145/95, de 24 de junho, determino que a sociedade requerida “J., Ldª” entregue de imediato à requerente “Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL”, devoluto e livre de pessoas e bens, o prédio que foi objeto de locação denominado Herdade …, bem como todo o equipamento vitivinícola supra identificado; b) Julgo procedente por provado o pedido da requerente sobre a antecipação do juízo definitivo da causa principal, determinando, consequentemente, a entrega a título definitivo dos ditos bens, realizando-se por esta via a composição definitiva deste concreto litígio, tudo nos termos e ao abrigo do disposto no art. 21º, nº 7, do sobredito diploma legal, conjugado, ainda, com o disposto no art. 369º, nº 1, do Código de Processo Civil.» 23. Na referida sentença, consta do ponto 8 da matéria de facto provada, que a sociedade, J., Lda., deixou de proceder ao pagamento das rendas nºs 44 a 55, vencidas mensalmente entre 5 de Dezembro de 2019 e 5 de Novembro de 2020, no valor global de 161.972,37€. 24. Consta também do ponto 12 da matéria de facto provada da referida sentença, que a sociedade, J., Lda., deixou de proceder ao pagamento das rendas nºs 46 a 55, vencidas mensalmente entre 5 de Fevereiro de 2020 e 5 de Novembro de 2020, no valor global de 30.885,20€. 25. Consta ainda dos pontos 13 a 17 da matéria de facto provada na aludida sentença que, em face do não pagamento pontual das rendas mensais contratadas, a ora Requerida, por cartas registadas, com aviso de recepção, datadas de 10/03/2020, e de 05/11/2020, recebidas pela sociedade J., Lda., interpelou-a a proceder à regularização dos valores vencidos e não pagos, sendo que, na última carta, fixou a data limite de 18/11/2020, para a liquidação integral das rendas vencidas e não pagas, o que não ocorreu, tendo nessa sequência, sido resolvido o acordo de locação financeira, a 19/11/2020. 26. O referido acordo de locação financeira foi objecto de cancelamento no registo predial a 3/12/2020. 27. No âmbito do procedimento cautelar referido, a 6/12/2021, foi efectuada a entrega da Herdade … e do equipamento para indústria vitivinícola, por parte de BB, na qualidade de representante da sociedade, J., Lda., ao Agente de Execução nomeado nesses autos, na qualidade de fiel depositário. 28. Nessa data foram substituídas todas as fechaduras da Herdade …, e entregues duas cópias das chaves ao Requerente, uma de um armazém, e outra do portão de entrada, a fim de se alimentarem os animais que ficaram na propriedade. 29. Mais consta do auto de entrega de 6/12/2021 que, durante a diligência, foram entregues pelo mandatário da sociedade, J., Lda., três documentos: um dirigido ao agente de execução, um contrato de arrendamento rural, e um acordo de confissão de dívida. 30. No âmbito do procedimento cautelar referido, a 17/01/2022, foi efectuada a entrega, à ora Requerida, da Herdade …, por parte do Agente de Execução nomeado nesses autos, cessando nessa data as funções de fiel depositário. 31. A 28/01/2022, pelas 10h40, a pedido da Requerida, uma patrulha da GNR de Portalegre deslocou-se à Herdade …, instando os trabalhadores que ali se encontravam a podar a vinha, a mando de BB, a sair da propriedade, o que os mesmos fizeram voluntariamente. 32. A sociedade J., Lda., NIPC …, foi constituída a 10/02/1995, com sede na Herdade …, Urra, Portalegre, com o capital social de 24.939,89€, distribuído em três quotas: a) Quota de 6.234,97€, pertencente a CC, que assumiu o cargo de gerente; b) Quota de 12.469,95€, pertencente a DD; c) Quota de 6.234,97€, pertencente a BB. 33. O objecto da referida sociedade consistia na «Criação e comercialização de gado bovino, caprino, ovino, suíno, cavalar e aves de capoeira, produção e comercialização de cereais, frutos secos e frescos, rações para gado, forragens e outras actividades agrícolas.» 34. A 30/04/2009 foi alterada a sede da sociedade J., Lda. para a Herdade …, Urra, passando a gerência ser exercida pelo sócio BB, a quem foi transmitida a quota do seu pai, CC. 35. A 9/05/2016 DD transmitiu a sua quota a BB, que assim ficou sócio único da sociedade. 36. A 18/04/2019 BB transmitiu a EE, a esmagadora maioria do capital social da sociedade, ficando apenas com uma quota de 100,01€. 37. A 16/03/2020 foi alterado o objecto da sociedade para Produção e comercialização de vinhos. Exploração agrícola e Pecuária, comercialização e transformação de produtos provenientes desta exploração ou de outras. Promoção e exploração de turismo em espaço rural. Caça e repovoamento cinegético, bem como a prestação de serviços de consultadoria nas áreas do objeto social.» 38. A 30/06/2020 foi aumentado o capital da sociedade J., Lda. para o valor de 689.000,00€, que ficou distribuído do seguinte modo: a) Quota de 1.712,24€, pertencente a BB, que manteve o cargo de gerente. b) Quota de 344.500,00€, pertencente a EE. 39. A 20/10/2020, EE transmitiu a totalidade da sua quota à sociedade Bacus - SGPS, Lda, NIPC 516046365, com sede na Herdade …, Urra. 40. A 24/11/2020, BB transmitiu a sua quota à sociedade Bacus - SGPS, Lda., que assim ficou sócia única da sociedade J., Lda.. 41. A sociedade Bacus - SGPS, Lda. foi constituída a 30/07/2020, com o objecto de “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”, e com o capital social de 50.000,00€, distribuído em duas quotas: a) Quota 1.000,00€, pertencente a BB, que assumiu o cargo de gerente; b) Quota de 49.000,00€, pertencente a EE. 42. Com data de 25/10/2021, BB emitiu a factura/recibo - FTREC 1/6, em nome do Requerente, no valor de 25.000,00€, fazendo constar da mesma que é “Relativo ao SubArrendamento Rural da Herdade … referente ao Ano de 2020”. 43. A 29/10/2021, o Requerente transferiu para a conta bancária de BB o valor de 25.000,00€. 44. A 6/05/2020 foi depositado no serviço de finanças de Portalegre um documento escrito intitulado “Contrato de Arrendamento Rural”, datado de 20/12/2006, com o conteúdo constante do doc. 6 junto com a oposição. 45. Nas cláusulas segunda e terceira do documento, referido no ponto anterior, lê-se, para além do mais que, pelo período de 30 anos, com o seu início em 1/01/2007, J., Lda., representada por BB, “dá de arrendamento” (sic) a si mesmo, BB, a totalidade da parte rústica da Herdade …, bem como os prédios urbanos, com os artigos matriciais … e …, ficando excluída a parte urbana onde labora a adega, circunscrita aos artigos matriciais urbanos … e …. 46. Lê-se ainda na alínea D) do mesmo documento que «Que fica de fora do objecto do presente contrato, toda a parte que se refere à produção vitivinícola e respectivo armazenamento, que apesar de laborar na Herdade … tem do ponto de vista funcional completa autonomia». 47. Mais se lê nos pontos 2 e 3, da cláusula quinta, do sobredito documento que a primeira renda anual, fixada em 25.000,00€, apenas será devida no dia 1/09/2020, em virtude de ter sido previsto «um período de carência de 12 anos, como contrapartida para as necessárias e urgentes obras a realizar nos dois prédios urbanos que presentemente se encontram em avançado estado de degradação, bem assim proceder à vasta replantação (retancha) da vinha e colocação de postes, que urge realizar». 48. Na cláusula oitava, do referido documento, lê-se ainda o seguinte: «No que não se encontra especialmente previsto neste contrato serão aplicáveis as disposições legais pertinentes previstas no Novo Regime do Arrendamento Rural aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro.». 49. No cabeçalho desse mesmo documento, a sociedade, J., Lda., vem identificada como tendo a sede social na “Herdade …, 7300-575 Urra, Portalegre”. 50. Para além do referido documento foi, ainda, junto outro documento, com data de 4/01/2007, intitulado “Aditamento ao Contrato de Arrendamento Rural”, no qual se pode ler que se adiciona um ponto oito à cláusula sétima, com a seguinte redacção: «A Primeira Contraente autoriza ainda o Segundo Contraente a dar a parcela de subarrendamento, desde que faça constar no contrato todas as obrigações que o locatário assumiu com o locador, nomeadamente a se refere a cláusula sexta do contrato de arrendamento, cujo conteúdo aqui se transcreve: “O Segundo Contraente obriga-se a proceder às necessárias e urgentes obras a realizar nos prédios urbanos incluídos no presente contrato, e à replantação das falhas existentes (retancha) na parte da parcela com a cultura de vinha”.». 51. A 29/11/2021, o Requerente submeteu um requerimento ao processo n.º 127/21.5T8PTG, supra identificado, com o seguinte conteúdo: «AA Interessado, no processo acima melhor identificado, vem na qualidade de arrendatário do prédio sito na Freguesia da Urra, Concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção … e na matriz predial urbana sob os artigos … e … da sobredita freguesia e concelho e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o número …, vem expor e requerer a V.ª Exa. o seguinte: a. O ora Interessado teve agora e só agora conhecimento, da existência de diligências judiciais no prédio objecto do arrendamento e relacionadas com o processo acima melhor identificado. b. Sucede que o Interessado tomou de subarrendamento o referido prédio, no passado ano de 2007, mantendo ali presentemente as terras semeadas e animais de raça ovina. (Doc. n.º 1) c. Razão pela qual pretende ver salvaguardado o seu direito, no prédio, enquanto arrendatário.». 52. O doc. 1 que o Requerente juntou com o requerimento referido no ponto anterior, e que consta dos presentes autos como doc. 1 junto com o requerimento inicial, e doc. 12 com a oposição, está datado de 21/11/2007, e assinado pelo Requerente e BB, sendo intitulado de “Contrato de Subarrendamento Rural”. 53. No documento referido no ponto anterior pode ler-se que, BB acordou com o Requerente, ceder-lhe a utilização da parte rústica da Herdade …, bem como das duas casas de habitação, com os artigos matriciais … e …, nos termos e condições constantes do doc. 1 junto com o requerimento inicial. 54. Nas cláusulas primeira e segunda do documento referido nos dois pontos anteriores, lê-se, para além do mais que, pelo período de 29 anos, com o seu início em 1/12/2007, BB “dá de subarrendamento” (sic), ao Requerente, para sua exploração agrícola, a totalidade da parte rústica da Herdade …, bem como os prédios urbanos, com os artigos matriciais … e …, ficando excluída a parte urbana onde labora a adega, circunscrita aos artigos matriciais urbanos … e …. 55. Mais se lê na cláusula quarta do sobredito documento que a renda anual é fixada em 25.000,00€, a pagar no dia 1 do mês de Setembro do ano a que disser respeito, a partir do termo do período de carência de 12 anos, como contrapartida para as obras necessárias e urgentes a realizar nos prédios urbanos, assim como a replantação das faltas na vinha e colocação de postes.». 56. Para além do referido documento, foi ainda junto outro documento, com data de 21/01/2008, intitulado “Aditamento ao Contrato de Subarrendamento Rural”, também assinado por BB e o Requerente, no qual se pode ler que é adicionado um ponto dois à cláusula segunda, com a seguinte redacção: «O Segundo Contraente fica desde já autorizado a ceder a sua posição de sublocatário a uma sociedade constituída ou a constituir, organizada sob qualquer forma desde que tenha nessa sociedade uma posição social.». 57. Quer a Requerida, a 13/12/2021, quer o Requerente, a 21/12/2021, submeteram requerimentos ao identificado processo n.º 127/21.5T8PTG, solicitando que aquele tribunal se pronunciasse sobre a validade ou invalidade dos documentos referidos nos pontos anteriores, intitulados “Contratos de Arrendamento e de Subarrendamento Rural”, e respectivos aditamentos, o que não veio a ocorrer, com o fundamento que se trata de matéria estranha ao objecto daqueles autos. 58. Nunca a sociedade J., Lda. informou a Requerida das existências dos documentos referidos nos pontos anteriores, intitulados “Contratos de Arrendamento e de Subarrendamento Rural”, e respectivos aditamentos, nem fez menção ou pediu autorização prévia à Requerida para a cedência parcial, da Herdade …, ao Requerente. 59. A Requerida só tomou conhecimento da existência do documento intitulado “Contrato de Subarrendamento Rural”, e respectivo aditamento, a 29/11/2021, com a apresentação do requerimento ao processo n.º 127/21.5T8PTG, descrito no ponto 51. 60. A Requerida só tomou conhecimento da existência do documento intitulado “Contrato de Arrendamento Rural”, e respectivo aditamento, a 6/12/2021, no seguimento dos factos descritos no ponto 29. 61. De acordo com o Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., as parcelas que integram a Herdade … foram exploradas, entre 2007 e 21/01/2022, pela sociedade J., Lda., que efectuou a última DCP-Declaração de Colheita e Produção, em 11-11-2021. 62. Ainda, e de acordo com o referido Instituto, as parcelas que integram a Herdade … passaram a ser exploradas pela Requerida, em 21-01-2022, a qual efectuou a DCP-Declaração de Colheita e Produção, pela primeira vez, em 28-11-2022. 63. De acordo com o IFAP, as parcelas que integram a Herdade … foram exploradas, até 2/09/2021, por BB e, desde 3/02/2022, pela Requerida, não existindo qualquer efectivo pecuário. 64. Em nome do Requerente encontram-se registados 83 animais de raça bovina, nenhum dos quais se encontra na Herdade …. 65. Desde a entrega da Herdade … à Requerida, o Requerente foi responsável, em três ocasiões distintas, pelo arrombamento do cadeado existente no portão de acesso à referida herdade, o qual foi, pouco tempo depois, substituído pela Requerida. * O tribunal recorrido consignou ainda que julgava como sendo facto não provado que:A) O Requerente tem tido a posse pública, pacífica e titulada, da parte rústica da Herdade …, desde o final do ano de 2007. * V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO* 1 - Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).No caso presente, as questões colocadas ao tribunal de recurso sintetizam-se no seguinte: - A eventual nulidade da decisão, por falta de fundamentação. - A pretendida alteração do julgamento da matéria de facto; - O mérito da decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar. - A condenação do recorrente como litigante de má fé. Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC). * 2 – DA ALEGADA NULIDADEConstata-se das conclusões apresentadas pelo recorrente que este imputa à decisão recorrida o vício da nulidade por falta de fundamentação. Diga-se que para além da afirmação não se encontra argumentação tendente a demonstrar onde reside essa nulidade, que na verdade em face do conteúdo do aresto impugnado não é possível discernir. Esta matéria encontra a sua sede legal no art. 615º do Código de Processo Civil, o qual dispõe quanto a nulidades da sentença que é nula a sentença, nomeadamente, quando esta não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do n.º 1). De acordo com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C. “é nula a sentença quando (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)”. Tem sido entendido que o dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, diz respeito à falta absoluta de fundamentação, como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687): “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. E do mesmo modo constitui jurisprudência pacifica e reiterada do Supremo Tribunal de Justiça (v. g. nos acórdãos de 9.10.2019, Proc. nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15.5.2019, Proc. nº 835/15.0T8LRA.C3.S1 e 2.6.2016, Proc. nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1) que só se verifica a aludida nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação, não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente. Assim, a nulidade contemplada nesse preceito só ocorre quando não se especifiquem os fundamentos em que se funda a decisão, e explica-se por razões de ordem prática, uma vez que os sujeitos processuais necessitam conhecer os motivos da decisão, desde logo a fim de impugnar o respectivo fundamento, em caso de recurso. A mera deficiência da fundamentação não integra a causa de nulidade da decisão prevista no artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C. Não é o caso da decisão recorrida. Esta, mesmo para quem dela discorde, indica suficientemente os fundamentos em que se apoia, de forma compreensível e impugnável pelos destinatários. Não é possível confundir este vício com o eventual erro de julgamento, quanto aos factos ou quanto ao direito, e na verdade o que se encontra nas alegações do recorrente é a discordância em relação ao decidido. Rejeita-se, pois, a nulidade invocada com esse enquadramento jurídico. * 3 – QUANTO À MATÉRIA DE FACTOO recorrente declara que o seu recurso visa também a apreciação e decisão pelo tribunal “ad quem” quanto ao julgamento da matéria de facto feita pelo tribunal “a quo”, nomeadamente o que consta dos pontos 2 a 41 e 61 a 65 dos factos provados e a alínea A) dos factos não provados. Diz o recorrente quanto aos pontos 2 a 41 dos factos provados que eles “não podem ser considerados para efeitos de decisão nos presentes autos, por serem factos alegados pelas partes no processo n.º 127/21.5T8PTG e ali dados como provados” (sic), e também não podem ser considerados os pontos 61 a 65, uma vez que fazem referência à entidade exploradora do imóvel em disputa tal como consta dos registos no Instituto da Vinha e do Vinho, IP e no IFAP para efeitos de comparticipações financeiras do Estado à produção mas isso “não faz prova de quem efectivamente faz a exploração da terra”. Quanto à única alínea dos factos não provados, alega o recorrente que a requerida “não apresentou qualquer elemento de prova com base no qual sustente que o Recorrente/Requerente não tenha a posse da parte rústica da herdade … desde final de 2007”. Observa-se desde logo que das referências do recorrente em relação aos factos que agrupou em blocos não resulta qual a discordância do recorrente quanto ao conteúdo dos aludidos factos. No respeitante aos factos elencados sob os números 2 a 41 diz o apelante que eles não podem ser considerados para a decisão da presente causa por terem sido “alegados pelas partes no processo n.º 127/21.5T8PTG e ali dados como provados”. Ficamos sem saber, porém, se no entender do recorrente essa factualidade foi mal julgada, se é desconforme à realidade demonstrada pela prova produzida, se deve ser modificada, e nesse caso em que sentido. Dizer que eles “não podem ser considerados” para a decisão só pode entender-se como uma mera afirmação jurídica, não como uma impugnação desses factos. Quanto aos factos contidos nos pontos 61 a 65, também o recorrente não diz onde reside o erro de julgamento, raciocina apenas que deles (a inscrição nas entidades oficiais) não resulta demonstrado quem efectivamente faz a exploração da terra. Obviamente que este raciocínio, afirmando que deles não pode extrair-se a ilação referida, não constitui uma impugnação do julgamento que declarou tais factos como provados. E no tocante aos factos não provados, abstraindo agora da sua formulação em termos jurídicos, e que em rigor arrastam a decisão da causa, o argumento usado apresenta-se equivocado: diz o recorrente que a requerida não fez nenhuma prova de que ele não teria a posse que alega. Ora, como é evidente, na lógica do procedimento cautelar onde pede a restituição de posse, competia ao requerente demonstrar que tinha a posse (entenda-se, os factos que integrariam esse conceito jurídico), por ser essa factualidade que integra a causa do pedido que deduziu (cfr. art. 342º, n.º 1, do Código Civil). Recordamos que o art. 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, estabelece que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Da leitura das alegações do recorrente, e concretamente das suas conclusões (que delimitam o objecto do recurso, nos termos do art. 639º do CPC), resulta claramente a falta de cumprimento dos ónus que o recorrente tinha a seu cargo para impugnar eficazmente o julgamento da matéria de facto. Ainda que se aceitasse como sendo a indicação dos factos que o recorrente considera incorrectamente julgados as referências críticas que faz aos factos 2 a 41 e 61 a 65 e ao facto não provado A), não encontramos mencionados quais são os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diferente sobre esses pontos, nem quais as decisões concretas que deveriam ser proferidas sobre eles. E a verdade é que o n.º 1 do art. 640º impunha que o recorrente fizesse obrigatoriamente essa especificação, sob pena de rejeição da impugnação deduzida. Ora, como tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o não acatamento dos ónus primários previstos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, não determina um convite ao aperfeiçoamento, mas sim a rejeição do recurso, como consta dessa norma. Assim, considerando não cumpridos os ónus da impugnação, exigidos no artigo 640.º do CPC, rejeita-se a pretendida impugnação do julgamento da matéria de facto feito na primeira instância, mantendo-se esta, por consequência, inalterada. * 4 – SOBRE A DECISÃO IMPUGNADATendo em conta o quadro factual disponível, a primeira instância decidiu a improcedência do pedido de restituição provisória de posse. E decidiu bem, obviamente, visto que nem se provou posse nenhuma nem consequentemente perturbação ilegítima dessa posse. Como sublinhou o STJ., em acórdão proferido nos autos, estamos no âmbito de um procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse, a propósito do qual estabelece o art. 377º do CPC que “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.” O citado preceito complementa adjectivamente o disposto nos arts. 1278º e 1279º do Código Civil, e dele resulta muito claramente que são três os requisitos de que depende o decretamento da providência: a posse, o esbulho e a violência. Por outro lado, quem esteja na situação de locatário beneficia da tutela possessória, por extensão dos meios de defesa da posse, como resulta do art. 1037º do Código Civil. Naturalmente que, face ao disposto no art. 342º, n.º 1, do Código Civil, ao requerente compete fazer a alegação e a prova de que estão reunidos os requisitos para o decretamento da providência pretendida. Ora no caso, e percorrendo a matéria de facto a considerar, não se encontra demonstrada nem a existência da situação possessória alegada, nem do esbulho invocado, nem da violência mencionada (que não pode confundir-se com a utilização dos meios indispensáveis ao cumprimento de decisões judiciais, como v. g. a entrega de um imóvel). Faltou comprovar a situação possessória que constitui requisito primacial e que no caso resultaria da condição de subarrendatário, e consequentemente não se comprovou o esbulho uma vez que o esbulho só existe se alguém for privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar; e também falta a violência mencionada na norma, visto que esta existe quando se verifica esbulho e este é concretizado através de meios que, incidindo sobre pessoas ou coisas, limitem a liberdade de determinação do possuidor, coagindo-o a suportar o desapossamento. O apelante argumenta que o julgamento definitivo sobre a existência do arrendamento e do subarrendamento por ele mencionados não pode ser feito nos presentes autos de procedimento cautelar, mas sim nas acções onde eles se discutem. É certo, mas também é certo que no procedimento cautelar de restituição provisória de posse é sobre os requerentes que incide o ónus probatório dos factos constitutivos ou pressupostos da providência, nomeadamente a posse, o esbulho e a violência. Claro que, atenta a sua provisoriedade, o procedimento não exige a tal prova definitiva; mas obviamente que exige prova indiciária, sumária, da existência dos respectivos pressupostos, nomeadamente da própria posse, visto que estamos perante um meio de defesa da posse, destinado a proteger o estado de facto que constitui a essência da posse contra qualquer acto que signifique uma ameaça ou uma violação à existência da relação material invocada. No caso, faltou de todo a demonstração dos elementos indispensáveis ao decretamento da providência, desde logo a realidade da situação invocada como justificativa da tutela possessória. Consequentemente, dada a ausência do preenchimento dos requisitos necessários ao decretamento da providência cautelar peticionada, improcede inevitavelmente o procedimento, restando a este tribunal confirmar a decisão recorrida. * 5 – DA MÁ FÉA sentença recorrida condenou o recorrente em multa de 20 (vinte) UC’s, por litigar de má fé nos presentes autos, nos termos das alíneas a), b), c) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do novo Código de Processo Civil. Alega este que não há justificação para tal, uma vez que não existe qualquer prática processual da sua parte que configure litigância de má-fé, visto que uma coisa é a sustentação de uma posição que não obtém vencimento e outra coisa é a litigância de má fé. Tem razão neste ponto o apelante, mas não foi por isso que foi condenado. Na verdade, a decisão recorrida considerou que a situação dos autos enquadra-se no disposto nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, considerando a conduta processual do requerente como dolosa. Ou seja, conforme explica o julgador da primeira instância, o requerente veio a juízo deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar; alterou, de modo relevante, a verdade dos factos; praticou omissão grave do dever de cooperação; e fez uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de obter um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, e entorpecer a acção da justiça. Nomeadamente, verifica-se que o suposto contrato de arrendamento rural, datado de 20.12.2006, que está na base do subarrendamento invocado pelo apelante, faz referência a um diploma que só seria publicado quase 3 anos depois, a 13.10.2009 (ponto 48 dos Factos Provados), alude à nova sede social da J., Lda. que só foi alterada a 30.04.2009 (ponto 34 dos Factos Provados); e apenas foi depositado nas Finanças 13 anos depois da sua suposta assinatura, em 06.05.2020 (ponto 44 dos Factos Provados), pouco após a primeira interpelação sobre o incumprimento do contrato de locação financeira imobiliária, em 10.03.2020 (ponto 25 dos Factos Provados). Soma-se ainda o que consta dos pontos 61, 62, 63 e 64 da matéria de facto provada, de onde resulta não confirmado que no período de tempo a considerar o requerente tenha exercido naquele imóvel a actividade que seria suposto desenvolver caso fosse ali subarrendatário rural como afirmou ser. E resulta ainda claro, face ao conteúdo dos pontos 27ºe 28º e também 51º e seguintes dos factos provados, que o ora requerente acompanhou as diligências judicialmente ordenadas para entrega do imóvel à ora requerida, no âmbito do procedimento por esta intentado contra a sociedade ali requerida (proc. 127/21.5T8PTG), e teve inclusivamente intervenção nesse procedimento (v. pontos 51 a 57), factualidade esta localizada nos meses de Novembro e Dezembro de 2021. Torna-se assim inevitável concluir que o requerente ao peticionar a restituição provisória de posse, em Fevereiro de 2022, com base no aludido “contrato de subarrendamento rural”, de cuja falta de autenticidade não podia ter dúvidas, e ao persistir mesmo quando confrontado com a falsidade por via da oposição, estava consciente da falta de fundamento da pretensão que deduzia, e de forma intencional alegou uma situação de facto que sabia não ser verdadeira, com vista a alcançar uma finalidade que a lei não lhe permitia (a tutela da posse que não tinha), violando dessa forma os seus deveres de cooperação e de lealdade processual - numa palavra, fez manifestamente um uso reprovável do processo, incorrendo em comportamento que a norma sanciona como sendo de má fé. Consequentemente, acompanhamos as considerações da primeira instância a este respeito, entendendo também que o requerente deve ser condenado por ter litigado de má fé. De igual modo, tendo em conta a natureza dolosa da infracção, a moldura legal para a fixação da multa, e a situação económica do requerente tal como revelada pelos autos, afigura-se adequado o montante fixado de 20 UCs. Pelo exposto, julgamos que também nesta parte improcede o recurso interposto, mantendo-se a condenação do requerente como litigante de má fé. * VI - DECISÃOPelo exposto, julgamos totalmente improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida. As custas devidas ficam a cargo do requerente (cfr. art. 539.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Todavia, atento o elevado valor da causa (€1.678.707,54) e considerando o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, dispensamos o pagamento da taxa de justiça remanescente a que em princípio haveria lugar, atendendo designadamente à complexidade da causa, que não excede a mediania. * * Évora, 12 de Julho de 2023 José Lúcio Albertina Pedroso Maria Adelaide Domingos |