Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
539/14.0TBVNO-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os efeitos da impugnação pauliana não se produzem se o bem sobre que incidia integra uma massa insolvente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 539/14.0TBVNO-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) instaurou a presente execução contra (…) - Construção e Gestão Imobiliária, S.A. e Massa Insolvente de (…) - Construções Sociedade Unipessoal Lda. visando a cobrança coerciva da quantia de € 564.170,88.
Apresentou quanto à primeira executada como título executivo uma letra.
E, quanto à segunda executada, sentença proferida nos autos de acção pauliana (ordinária) n.º …/13.7TBVNO-D, já transitada em julgado, e que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém foi declarado ineficaz, em relação ao ora exequente, o contrato de compra e venda celebrado em 04/01/2010, entre a primeira e a segunda executadas, que teve por objecto o prédio urbano, sito na E.N. 356-2, (…), Leiria, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º (…), da freguesia de Leiria, tendo ainda declarado que o exequente poderia obter o pagamento do seu crédito (resultante da letra exequenda) à custa do dito prédio.
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A executada Massa Insolvente de (…) - Construções Sociedade Unipessoal Lda. deduziu embargos de executado, alegando que a oponente foi declarada insolvente por sentença proferida em 04.04.2013 no âmbito do processo de insolvência n.º …/13.7TBVNO, que correu termos no 2° Juízo do extinto Tribunal Judicial de Ourém, publicada no Citius em (…), o que obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.
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O exequente contestou alegando que o Sr. AI, representante da massa insolvente actua em abuso de direito, porquanto o crédito reconhecido por sentença foi tramitado por apenso à insolvência, por tal ter sido requerido pelo Sr. AI., pelo que não compreende o exequente que agora se venha a opor à presente execução com o fundamento supra exposto.
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Foi proferida sentença, no despacho saneador, em que se julgaram totalmente procedentes os embargos e se determinou a extinção da execução.
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Desta sentença recorre o embargado defendendo a improcedência dos embargos.
Mais defende que sentença recorrida violou o disposto nos artigos 51.º, n.º 1, 88.º, n.º 1, 89.º, n.º 1 e n.º 2, 172.º, n.º 3, todos do CIRE e 610.º do Código Civil.
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A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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A matéria de facto é a seguinte:
1.º Por sentença proferida nos autos de acção pauliana (ordinária) n.º …/13.7TBVNO-D, já transitada em julgado, e que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém foi declarado ineficaz, em relação ao ora exequente, o contrato de compra e venda celebrado em 04/01/2010, entre a primeira e a segunda executadas, que teve por objecto o prédio urbano, sito na E.N. 356-2, (…), Leiria, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º (…), da freguesia de Leiria. 2.º Mais foi declarado que o ora exequente poderia obter o pagamento do seu crédito (resultante da letra exequenda) à custa do dito prédio.
3.º A acção referida em 1º foi apensada por requerimento do Sr. AI ao processo de insolvência.
4.º Por sentença proferida em 04.04.2013 no âmbito do processo de insolvência n.º …/13.7TBVNO, que correu termos no 2º Juízo do extinto Tribunal Judicial de Ourém, publicada no Citius em (…), (…) - Construções Sociedade Unipessoal, Lda. foi declarado insolvente.
5.º A execução foi intentada contra a sociedade (…), bem como contra a ora oponente, em 08.05.2014.
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O recorrente alega que o impedimento constante na previsão do normativo relativamente à instauração de ações executivas (art.º 88.º, CIRE) diz respeito ao insolvente após o decretamento da sua insolvência e não à massa insolvente, não tendo por isso aplicação a qualquer situação em que o credor da massa insolvente pretenda exigir desta o ressarcimento daquilo a que entenda ter direito. Acrescenta que o legislador previu e diferenciou as situações de dívidas do insolvente e de dívidas da massa insolvente, sendo que, quanto a estas, o único óbice à instauração de execuções é o impedimento circunscrito ao período de três meses seguintes à data da declaração de insolvência (art.º 89.º), período esse de carência que se apresenta como um meio de tutela da massa insolvente.
Por último, alega que se trata de dívidas de uma sociedade (a co-executada …, S.A.) ao exequente, pelas quais responde um prédio transmitido pela dita …, S.A. à sociedade insolvente, e cuja transmissão, por via de uma acção pauliana intentada pelo aqui recorrente contra a Massa Insolvente (ação essa quer correu por apenso ao respetivo processo de insolvência), foi julgada ineficaz relativamente àquele.
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Seguiremos, no essencial, o ac. do STJ, de 11 de Julho de 2013 (citado pela recorrida), que tratou de um caso semelhante; tal como teremos presente, embora o não sigamos nas suas conclusões, o estudo de Armindo Ribeiro Mendes sobre o Exercício da Impugnação Pauliana e a Concorrência Entre Credores (nos Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 417 e segs.).
E o problema, tal como ali vem colocado, é o seguinte: ele «consiste em saber quais os efeitos da declaração de insolvência dos executados, que em consequência da acção de impugnação pauliana instaurada contra eles pelo aqui exequente, viram decretada a ineficácia do negócio impugnado, doação de um bem imóvel que foi penhorado na execução».
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A natureza pessoal da impugnação pauliana tem o seu reflexo próprio na circunstância de ela beneficiar apenas o credor impugnante e apenas na medida do necessário para a satisfação do seu crédito, nos termos do art.º 616.º, n.ºs 1 e 4, Cód. Civil. Acresce que a impugnação não retira validade ao negócio realizado, não o anula, o que tem por consequência que a transmissão da propriedade não retorna ao alienante (veja-se, aliás, o art.º 818, do mesmo Código que se refere ao caso de execução que incida sobre bens de terceiro).
Não se trata pois de uma garantia real (que tenha por objecto uma coisa em concreto) mas tão-só de uma garantia pessoal.
Por outro lado, temos de ter em conta que o art.º 88.º, CIRE, refere-se, expressamente, a execuções ou providências que atinjam os bens integrantes da massa insolvente (e que é este o caso não há dúvidas uma vez que a impugnação pauliana não tem o efeito de retirar o bem da propriedade do adquirente). O que se pretende com este preceito é que estes bens respondam só pelas dívidas da insolvência e não por quaisquer outras que não estejam reconhecidas (porque não reclamadas) no respectivo processo.
Dito de outra forma, os bens que integram a massa insolvente não podem ser afectados a outro fim que não o pagamento dos credores reconhecidos no próprio processo, sendo que a impugnação pauliana não tem capacidade para afastar aquela afectação dos bens.
O imóvel dos autos não retorna ao alienante (a 1.ª executada), não regressa ao seu património; o credor deve executar o seu direito à restituição no património do obrigado à restituição (como se nota no acórdão citado), no caso, a insolvente. E este património, como se disse, está dirigido um determinado fim.
No seguimento disto, também devemos ter em conta que o processo de insolvência tem carácter universal (art.º 1.º, CIRE) pois que são admitidos todos os credores e não apenas aqueles que têm já um título executivo. Admitir a execução nos termos em que, no nosso caso, foi proposta constituiria um desvio à regra da paridade de credores; teria como consequência que não haveria lugar ao concurso de credores.
Estas razões conjuntamente levam-nos a aceitar antes a posição de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pp.600-601) [e que já havia sido proposta por Vaz Serra aquando da elaboração do Código (cfr. Ribeiro Mendes, ob. et loc. cit, p. 421] e do citado ac. do STJ em detrimento da solução defendida por este último Autor (p. 453).
Por estes motivos, entendemos que a sentença que julga procedente a impugnação pauliana não pode ser executada se o bem que dela foi objecto integra a massa insolvente.
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Dito isto, e dado o carácter real do que aqui está em questão, também entendemos que a execução não pode prosseguir contra o alienante pois que o título executivo é o que resulta da impugnação.
Com efeito, sendo o objecto desta o mesmo bem que foi apreendido para a massa insolvente, o credor não pode executar o alienante a respeito de um bem que lhe não pertence; melhor dizendo, que não está na disponibilidade deste.
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Cremos ser este o sentido, tanto do art.º 88.º como do art.º 127.º, n.º 3, (ambos do CIRE). A impugnação pauliana não perde a sua eficácia pois o crédito do impugnante «é considerado, quanto à medida da restituição, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do referido art.º 616.º, tal como tenha sido reclamado e verificado no processo de insolvência» (Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 3.ª ed., QJ, Lisboa, 2015, p. 518).
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Considerando o exposto, resulta que o argumento que assenta na diferença entre dívidas do insolvente e dívidas da massa insolvente não tem qualquer relevo para o nosso caso. Desde logo porque a massa insolvente serve para pagar as dívidas do insolvente; o problema tem só que ver com bens e não com pessoas.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 14 de Setembro de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho