Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
16/14.0YREVR
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: REENVIO PARCIAL
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 02/28/2014
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DEFERIDA A ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Sumário:
I - Nos casos de reenvio do processo para novo julgamento, ainda que parcial, esse julgamento deve, em princípio, ser realizado pelo tribunal anterior (artigo 426.º-A do CPP). Apenas se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que participou no anterior julgamento presidir ao novo julgamento determinado pelo tribunal superior (cf. art.40.º do CPP).
Decisão Texto Integral:
I – Relatório


No âmbito do processo comum singular n.º ---/09.2TASTB, do 1.º Juízo de Competência Criminal do TJ de Setúbal, na sequência de recurso interposto pela assistente A...,Lda, da sentença absolutória ali decretada em favor dos arguidos B. e C., foi proferido acórdão neste Tribunal da Relação de Évora que determinou o reenvio dos autos para novo julgamento restrito ao ponto 18 dos factos, que a primeira instância teve por não provado e que integrava o objecto do processo.

Conclusos os autos à senhora juíza Dr.ª E., que presidira ao julgamento anterior, aquela, por seu despacho de 09-12-2013, convocando o disposto nos art. 426.º, 426.º-A e 40.º, todos do CPP, determinou a remessa dos autos ao Mmº Juiz titular para agendamento de data para julgamento.

Por sua vez, o senhor juiz a quem os autos foram enviados, por seu despacho de 12-12-2013, manifestando o entendimento de que o Tribunal da Relação de Évora pretende somente seja dada cabal fundamentação da matéria de facto dada por não provada no ponto 18, através da Magistrada que proferiu a sentença, determinou que os autos voltassem àquela para os fins tidos por convenientes.

Conclusos, de novo, os autos à referida Magistrada, esta por seu despacho de 13-12-2013, perfilhando o entendimento de que foi determinado o reenvio para novo julgamento, pese embora delimitado a um ponto concreto de facto, declarou-se impedida para realizar o novo julgamento e determinou nova remessa dos autos ao juiz titular para os efeitos tidos por convenientes, o qual, por seu despacho de 13-01-2014, reiterou a sua anterior posição.

Nessa sequência, a Meritissima Juíza veio suscitar a esta Relação a resolução do impasse criado pelos despachos proferidos, nos termos constantes de fls.2 destes autos incidentais.

Cumprido o disposto no artº 36.º, n.º 1 do CPP, pronunciaram-se quanto à resolução da questão suscitada o Exmo Senhor Procurador Geral Adjunto e a assistente A..., Lda, o primeiro, no sentido de que “o cumprimento do determinado pela Relação é da competência da senhora juíza que presidiu ao julgamento parcialmente anulado, cabendo-lhe reabrir a audiência para apurar a questão concretamente identificada pela decisão da 2.ª instância; se essa senhora magistrada se encontrar legalmente impedida de tramitar o processo, esse exercício funcional caberá, segundo as leis e regras da organização judiciária, ao magistrado que, nessa situação a deverá substituir”, a segunda, no sentido de que a competência para a realização do novo julgamento cabe ao Tribunal Judicial de Setúbal, mas não à Meritíssima Juiz que proferiu a sentença recorrida, por impedimento desta, de acordo com o disposto nos artigos 426.º, 426.º-A e 40.°, n.º 1, c), do CPP.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Da documentação junta aos autos resulta a factualidade enunciada supra.

Apreciando e decidindo:

Temos que reconhecer que estamos perante um conflito atípico, que tem a sua génese numa declaração de impedimento da senhora juíza que presidiu ao julgamento anterior, proferida ao abrigo do disposto nos art.ºs 40.º, al. c) e 41.º do CPP, que é insusceptível de recurso – art. 42.º, n.º1 do CPP – com a qual o senhor juiz do processo não se conformou, por entender que não é pretendido pelo Tribunal da Relação de Évora a repetição do julgamento, mas a aclaração do ponto 18 dos factos não provados, o que pode ser feito pelo juiz da condenação, dado que tudo o mais não está colocado em crise.

Tal impasse, gerador de um real conflito de competências, uma vez que ambos os magistrados repudiam a competência própria para tramitar os presentes autos, deve ser resolvido sem demora, sendo competente, para o efeito, o Presidente da Secção Criminal, como resulta da al. a) do n.º5 do art.12.º do CPP.

Impõe-se dizer, desde já, que no acórdão desta Relação, que está na génese do conflito, não foi decretada a nulidade da sentença, por um qualquer fundamento de entre os prevenidos no art. 379.º do CPP, que importasse apenas repetir a sentença por parte da senhora juíza que a proferiu. Estamos sim perante um caso que se reconduz à anulação parcial do julgamento, com reenvio do processo para novo julgamento, posto que encurtado no seu objecto de discussão e prova, por se ter verificado a existência de um dos vícios prevenidos no n.º 2 do art. 410.º do CPP (a contradição insanável da fundamentação). É isso que decorre do texto do acórdão e da respectiva decisão, ao aludir-se que o vício é patente no texto da decisão recorrida pelo que leva à repetição do julgamento, no que respeita ao item 18 dos factos não provados, e ao determinar o reenvio dos autos para novo julgamento restrito àquele ponto.

A primeira questão prende-se com a competência para o cumprimento do determinado no acórdão desta Relação.

Para resolvê-la cumpre, em primeiro lugar, lembrar o que dispõe o art. 426.º-A do Código de Processo Penal, na versão actual, que já vigorava ao tempo em que foi proferida a decisão que determinou o reenvio parcial do processo para novo julgamento e subsequente prolação de nova sentença, como se impõe.

Com a elucidativa epígrafe «Competência para o novo julgamento» diz o seguinte:

1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.

2. Quando na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição”.

A regra atributiva da competência parece-nos ser clara: é o tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior; é, manifestamente, o mesmo órgão jurisdicional.

É essa a letra da lei e foi essa a intenção afirmada do legislador: «Nos casos de reenvio do processo, admite-se que o novo julgamento seja realizado pelo tribunal anterior (artigo 426º-A). Apenas se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação (artigo 40º)» (cfr Exposição de Motivos da PL 109/X; negrito acrescentado). O tribunal será o mesmo, mas com diferente composição humana.

A questão subsequente, portanto, e distinta daquela é a de saber se há algum impedimento que contenda com a normal composição do tribunal, impedimento esse que pode ser um dos previstos no art. 40.º, como até também um dos de carácter geral do art. 39.º. Então o que estará em causa é apenas a composição humana do tribunal que se alcançará, se necessário for, nos termos do art. 68.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais n.º 3/99 ainda em vigor na parte que aqui releva. Disposição essa que também de forma elucidativa, no “corpo” do seu nº 1, começa por referir que se ocupa da substituição dos juízes de direito «nas suas faltas e impedimentos».

Ora, a senhora juíza Dr.ª E., que interveio no 1.º julgamento está, de facto e de direito, impedida para o novo julgamento, nos termos da al. c) do art. 40.º do CPP, pelo que bem andou ao declarar o seu impedimento. Mas não o estará, por certo, o titular do juízo a quem o processo em causa está distribuído.

Assim, a competência para a realização do novo julgamento, nos termos que foram determinados por este Tribunal da Relação de Évora, caberá ao Exmo. Juíz que, no presente, exercer as suas funções no 1.º Juizo de Competência Criminal de Setúbal.

Só assim não acontecerá se o actual titular do referido juízo também se encontrar impedido (por qualquer outro fundamento) e não for possível a substituição por outro juiz do mesmo juízo criminal.

A verificar-se essa situação, de que não há notícia, aplicar-se-ia, a título subsidiário, a regra que deriva do n.º2 do citado art. 426-A.

Como diz o Exmo. Juiz Desembargador Nuno Gomes da Silva, na sua decisão de 14-06-2013, no âmbito da resolução de conflito negativo de competência, acessível in www.dgsi.pt/jtrl, “A lei refere como condição de distribuição a existência de mais de dois tribunais na mesma comarca o significa inequivocamente que a regra será de usar na hipótese de haver pelo menos três (ou mais)...[1]

Assim, havendo dois tribunais na mesma comarca se o juiz de um deles que interveio originariamente está impedido para o julgamento determinado pelo reenvio logicamente que este novo julgamento caberá ao sobrante por força do disposto quanto à da substituição como mencionado.

Já se forem mais de dois a regra tem pleno cabimento: impedido o juiz do tribunal do primeiro julgamento, o novo julgamento que é determinado pelo reenvio ficará a cargo de um dos restantes conforme resultar do sorteio.

Excepto, claro, se o quadro de juízes de cada tribunal (juízo) comportar mais do que um lugar em que prevalecerá a regra da substituição.”

Em face do exposto, decide-se dirimir o presente conflito atribuindo a competência para efectuar o novo julgamento, nos termos delimitados pelo acórdão desta Relação, ao senhor juiz que, no presente, exerça funções no 1.º Juízo de Competência Criminal de Setúbal, por onde tem corrido o processo.

Sem tributação.

Cumpra o disposto no art. 36.º, nº 3 do CPP.

(Texto processado informaticamente em 4 folhas e integralmente revisto pelo relator, que vai assinar)

Évora, 2014-02-28


Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal)

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[1] - E na comarca de Setúbal estão em funcionamento 3 (três) juízos de competência criminal.