Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
491/15.5GBSSB-A.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Enquanto a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor não prescrever, a mesma não pode ser declarada extinta, independentemente de, decorrido o período da mesma, o arguido não ter obtido título de condução.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Especial Sumaríssimo, o arguido (…), por decisão transitada em julgado em 7-06-2017, foi condenado pela prática:
- De um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
- E de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 1 e, 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
- Em cúmulo jurídico das penas referidas, resultou condenado na pena única de 199 (cento e noventa e nove) dias de multa, já efetuado o desconto de 1 (um) dia em virtude da detenção sofrida nos autos (artigo 80º, nº 2, do Código Penal), à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de €995,00 (novecentos e noventa e cinco euros), a que correspondem 132 (cento e trinta e dois) dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

Por despacho proferido em 27 de Dezembro de 2019, pela Exma. Juiz titular dos presentes autos, foi declarada a extinção desta pena acessória de proibição de conduzir, por impossibilidade de cumprimento, em virtude de até ao momento o arguido não ser titular de licença de habilitação legal para conduzir.

Deste despacho o Ministério Público, interpôs o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

1. No caso dos presentes autos não ocorreu a prescrição da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses e quinze dias, aplicada por sentença transitada em julgado no dia 07-06-2017;
2. Por força do disposto nos artigos 122º e sgs. do Código Penal, as penas acessórias prescrevem no prazo de quatro anos contados a partir da data do trânsito em julgado da sentença que as aplicou, sendo que, no caso em apreço, a pena acessória aplicada apenas prescreverá no dia 08-06-2021.
3. Não existe fundamento legal para declarar extinta a pena acessória aplicada nos presentes autos, nem ocorreu qualquer causa de extinção da aludida pena acessória.
4. O tribunal recorrido entendeu que se verifica uma situação de “impossibilidade de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir em virtude de até ao momento o arguido não ser titular de licença de habilitação legal para conduzir”.
5. Em primeiro lugar, o facto de o arguido não ser, até ao momento, titular de licença ou título que o habilite a conduzir veículos motorizados não implica que se verifique uma situação de impossibilidade de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
6. Enquanto não se verificar a prescrição da aludida pena acessória (que apenas ocorrerá no dia 08-06-2021), pode a mesma vir a ser executada, caso o arguido, entretanto, obtenha título de condução. Se o arguido vier a obter título de condução mantém-se a obrigação daquele em proceder à entrega do referido título à ordem dos presentes autos para cumprimento da pena acessória em causa.
7. Em segundo lugar, o fundamento invocado no despacho recorrido não constitui qualquer das causas de extinção das penas que vêm elencadas no Código Penal.
8. Para além das penas se extinguirem por efeito da prescrição (artigo 122º e seguintes do Código Penal), apenas se podem extinguir pelo cumprimento, por força da morte do agente, por força de perdão genérico e por força de indulto (artigos 127º e 128º, do Código Penal), sendo que a amnistia não extingue a pena, mas tem como efeito fazer cessar a execução tanto da pena como dos seus efeitos (artigo 128º, nº 2, do Código Penal).
9. Assim sendo, não se tendo verificado qualquer das causas de extinção da pena acima indicadas, não existe qualquer fundamento legal para declarar extinta a pena acessória aplicada nos presentes autos.
10. Não se verificando qualquer outra causa de extinção da pena, o despacho recorrido, ao ter declarado extinta a pena acessória aplicada ao arguido (…), violou as normas dos artigos 122º e sgs. 127º e 128º, do Código Penal e, consequentemente, deveria ter sido proferido despacho judicial ordenando que se oficiasse ao I.M.T. para que esta entidade viesse informar se o arguido/condenado, entretanto, havia obtido título de condução.
11. O douto despacho judicial recorrido deve, por isso, ser revogado e substituído por outro que declare o prosseguimento dos autos até à verificação da prescrição da pena acessória e que ordene que se oficie ao I.M.T. para que esta entidade venha informar se o arguido/condenado, entretanto, obteve título de condução.
No entanto, Vossas Exas., Venerandos Desembargadores, decidirão conforme for de Justiça.


Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, conforme melhor resulta do seu parecer que firmou nos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Com dispensa de vistos prévios, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
O despacho de 27-12-2019, ora recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):
Na impossibilidade de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir em virtude de até ao momento o arguido não ser titular de licença de habilitação legal para conduzir, declaro extinta a mesma.
Boletins ao registo criminal.
Comunique à ANSR e ao IMT.
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.

Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:
- Impugnação do despacho proferido por inexistência de fundamento legal para a declaração de extinção da pena acessória aplicada.


2 - Apreciando e decidindo:
Apreciando, resulta dos autos, que por decisão transitada em julgado no dia 07-06-2017, o arguido (…), foi condenado, pela prática, como autor material:
- (…) de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 1 e, 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, (…) na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
Desde logo, resulta evidente do despacho recorrido, a total ausência de fundamentação de facto e de Direito, o mesmo omite por completo o dever de fundamentação.
Como é sabido, a falta de fundamentação de despachos tem como efeito a irregularidade se a lei não a cominar de forma diferente (cfr., v.g., Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal-Notas e Comentários, 2ªed., Coimbra, 2011, pág. 277 e jurisprudência ali mencionada).
Por isso, contrariamente ao que sucede com a sentença, em que a falta de fundamentação constitui nulidade (artigos 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal), a falta de fundamentação ou a deficiente fundamentação do despacho não sendo cominada com nulidade, configura uma mera irregularidade prevista no artigo 123º, do Código de Processo Penal, que não foi arguida no prazo a que alude o citado artigo, ou seja, nos três dias seguintes a contar daquele em que foi notificado para qualquer termo do processo.
Como bem assinala o Ministério Público, “Para além das penas se extinguirem por efeito da prescrição (artigo 122º e seguintes do Código Penal), apenas se podem extinguir pelo cumprimento, por força da morte do agente, por força de perdão genérico e por força de indulto (artigos 127º e 128º do Código Penal), sendo que a amnistia não extingue a pena, mas tem como efeito fazer cessar a execução tanto da pena, como dos seus efeitos (artigo 128º, nº 2, do Código Penal)”.
Decorre do disposto no artigo 122º, nº 1, alínea d) e, nº 2, do Código Penal, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prescreve decorrido o prazo de quatro anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena.
Assim, a prescrição da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor apenas irá prescrever em 08-06-2021.
Por outro lado, não resulta dos autos, nem tal é invocado no despacho recorrido, qualquer das situações enumeradas nos artigos 127º e 128º, do Código Penal.
Atenta a evidente falta de fundamento legal para o despacho recorrido, terá o mesmo de ser revogado e, substituído por outro, determinando se oficie ao IMT para esta entidade informe se o arguido/condenado, entretanto, obteve algum título de condução.
Por tudo o exposto, procede o recurso interposto pelo Ministério Público.

Sem custas, pela procedência do recurso e a qualidade do recorrente.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgam totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido, substituído por outro, oficiando ao IMT para informar se o arguido/condenado, entretanto, obteve algum título de condução.

Sem custas, pela procedência do recurso e a qualidade do recorrente.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Consigna-se, ainda, não ter sido realizada conferência presencial, mas por teleconferência.
Évora, 10-11-2020

Évora, 10-11-2020


_____________________
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
_____________________
(Beatriz Marques Borges)