Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1137/22.0T8PTM-C.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
SISTEMA FISCAL
DISPENSA
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Quer a confidencialidade fiscal, quer a confidencialidade bancária, têm em vista assegurar a tutela da intimidade da vida privada, valor com assento constitucional (artigos 26.° e 35.°, n.° 4, da CRP), e o interesse público de confiança nas instituições.
- O segredo bancário e o segredo fiscal estão igualmente tutelados pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (artigo 5.º, n.º 1, alínea f) «integridade e confidencialidade») e pela sua lei de execução, a Lei n.º 58/2019, de 08/08 (artigo 20.º «dever de segredo»), uma vez que os elementos tutelados pelo segredo figurem em meios total ou parcialmente automatizados (artigo 2.º do RGPD).
- O artigo 135.º do CPP prevê o regime processual da quebra de sigilo fazendo apelo ao princípio da prevalência do interesse preponderante.
- O artigo 6.º do RGPD ao enunciar um conjunto de situações que, para além do consentimento, conferem licitude ao tratamento, faz apelo à valoração proporcional dos interesses legítimos prosseguidos por terceiro.
- Estando em causa o arrolamento dos bens do casal, constituído pela Requerente e pelo Requerido, afigura-se preponderante e de maior relevo, o interesse particular daquela em conhecer a real expressão desses bens (que também lhe pertencem) por forma a preservá-los para a partilha a que haja de proceder-se em consequência da eventual decretação do divórcio, relativamente ao interesse do Requerido em manter sob sigilo os seus dados pessoais (bancários e fiscais) contendo tal informação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: P. 1137/22.0T8PTM-C.E1 - incidente de dispensa de sigilo

2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

RELATÓRIO

Corre termos no Juízo de Família e Menores de Portimão incidente de arrolamento de bens que (…) intentou contra seu marido (…), por apenso à ação principal de divórcio sem consentimento do outro cônjuge e como preliminar do processo de inventário para partilha de bens do casal que prevê intentar.

Entre outros bens comuns refere a existência de uma renda cujo arrendatário desconhece, bem como a existência de contas bancárias que não consegue identificar.

Requerendo o arrolamento de tais bens, nomeadamente a:

“Verba 3: direito de crédito correspondente a metade do valor das rendas vincendas e devidas pela arrendatária do prédio descrito no Art.º 8º do presente Requerimento, e que se encontra dado de arrendamento.

Verba 2: Saldos bancários de contas bancárias, tituladas ou co tituladas pelo Requerido, em qualquer instituição bancária a operar em território nacional.”

Pedindo para o efeito:

Que seja oficiado à autoridade tributária para que venha proceder à identificação do arrendatário e do valor anual da renda declarada, relativamente ao imóvel descrito no requerimento inicial.

E que seja oficiado ao Banco de Portugal para que venha proceder à identificação das instituições bancárias a operar em território nacional, onde o Requerido seja titular ou cotitular de contas bancárias.

Por despacho de 07/11/2022 foi ordenada a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) e do Banco de Portugal, para os fins requeridos.

Em 11/11/2022 a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu «[…] não ser possível satisfazer o solicitado, uma vez que o mesmo está abrangido pelo sigilo profissional fiscal estatuído no artigo 64.º da Lei Fiscal Tributária e Aduaneira sobre “O Dever de Confidencialidade”. Contudo, este Serviço de Finanças fornecerá quaisquer elementos solicitados, desde que o pedido venha suportado por despacho fundamentado da autoridade judiciária, que permita identificar qual a informação pretendida».

Por ofício de 14/11/2022 o Banco de Portugal respondeu “A informação constante da Base de Dados se Contas (doravante “BCB”) encontra-se abrangida pelo dever legal de segredo que impende sobre o Banco de Portugal nos termos dos artigos 80.º e 81.º-A das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (doravante “RGICSF”). A violação deste dever de segredo profissional é punível nos termos do Código Penal, de acordo com o disposto no artigo 84.º do mesmo RGICSF. (…) Fora destas situações, o Banco de Portugal apenas poderá legalmente prestar tais informações nos casos excecionais previstos no n.º 2 do artigo 80.º do RGICSF, ou seja, mediante autorização expressa da pessoa à qual os elementos informativos respeitam ou mediante notificação do levantamento jurisdicional do dever de segredo, nos termos do artigo 135.º do Código de Processo Penal. Assim, na situação em apreço, o Banco de Portugal solicita que lhe seja comunicado que espécie de procedimento cautelar está em causa no processo sub judice, para que melhor possamos enquadrar o V/pedido. Em alternativa, se o pedido for autorizado pela pessoa à qual respeita a informação bancária pretendida, a mesma poderá ser facultada independentemente do contexto processual do pedido. (…)”

Ou seja, ambas as instituições recusaram prestar as informações pedidas com fundamento no dever de confidencialidade.

Com data de 12/12/2022 foi proferido o seguinte Despacho:

“Em face do estado dos autos a questão a ponderar diz respeito ao dever legal de segredo invocado pelo Banco de Portugal no ofício entrado nos autos em 14/11/2022 e, bem assim, à invocação de dever semelhante por parte da ATA (no ofício de 11/11/2022), importando decidir sobre a acessibilidade, em tal quadro, às informações solicitadas pelo Tribunal.

(…)

Diante do exposto é, então, necessário ponderar a legitimidade da recusa protagonizada pelo Banco.

Nessa esteira, tendo presente o previsto nos artigos 78.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) e sem olvidarmos o previsto no artigo 417.º, n.º 3, alínea c), do CPC, temos que diante das informações que nos autos se pretendem obter a recusa em prestar as mesmas encontra respaldo nas normas enunciadas, o que lhe confere legitimidade, valendo tal raciocínio para o sigilo invocado pela ATA, desta feita em face do regime do artigo 64.º da LGT.

Face ao exposto, considera-se a recusa apresentada por ambas as entidades (posto que salvo melhor juízo é esse o sentido geral dos ofícios enviados ao processo) legítima.

Aqui chegados coloca-se, então, uma segunda questão; a de saber se, ainda assim, o Banco e a ATA deverá(ão) prestar as informações solicitadas no âmbito deste processo.

(…)

Nessa linha, competirá, salvo diverso entendimento, ao Tribunal da Relação decidir da justificação da recusa apresentada, motivo pelo qual se determina a remessa dos autos a esse Venerando Tribunal para apreciação da questão.”


II

FUNDAMENTAÇÃO

De Facto:

Os factos pertinentes para a economia do presente processo são os que se deixaram expressos no relatório.

De Direito:

É a seguinte a questão a decidir:

No confronto dos interesses que se hão de decompor e sopesar, devem a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Banco de Portugal prestar as informações solicitadas não obstante serem entidades sujeitas ao dever de sigilo?

A 1ª instância decidiu com particular clareza, pela legitimidade de ambas as recusas, mas não se conformou com as mesmas, cabendo a esta 2ª instância, a valoração dos interesses em presença, e decidir pelo desbloqueamento da recusa ou pela manutenção da recusa, na prestação de informações sujeitas a confidencialidade.

Vejamos, de forma breve, o que está em jogo nesta confidencialidade, que abrange uma relação predominantemente contratual no caso do sigilo bancário e uma relação meramente institucional, no caso do sigilo fiscal.

Sobre o segredo em geral refere António Menezes Cordeiro in Direito Bancário, 6ª ed., pág. 354 e ss. o seguinte:

“Diz-se obrigação de sigilo ou segredo o dever de não revelar determinados conhecimentos ou informações.”

“A regra do sigilo contratual corresponde a uma concretização da tutela da confiança. Pode dizer-se que a confiança é tanto mais forte quanto maior for a personalização da relação.”

“O segredo deixa, progressivamente, de ser uma exigência da tranquilidade contratual e da confiança bilateral, surgida entre os contratantes. Ele assume a dimensão de uma exigência pública, necessária para o funcionamento das instituições.”

“O passo seguinte tem a ver com a oponibilidade do sigilo a terceiros. Desta feita, o problema põe-se não já perante indiscrições do co-contratante, mas em face de outras entidades que, a qualquer título, tenham ou possam ter – acesso às informações. Nestas condições está, desde logo, o próprio Estado.”

A propósito do segredo bancário e seu fundamento refere o mesmo autor (obra citada, pág. 359):

“[o] segredo bancário sempre surgiria como concretização do dever de boa-fé: não sendo específico da realidade bancária ele tem, aí, um relevo profundo fácil de entender.

Finalmente, o segredo bancário tem a ver com direitos de personalidade e com a inerente tutela constitucional: direitos do cliente, sobretudo, mas, também, direitos do banqueiro. Trata-se de uma posição dominante na doutrina que tem acolhimento na melhor jurisprudência nacional e que, como é evidente, não é incompatível com certas limitações”.

No segredo bancário para além do interesse próprio dos clientes afetados com a violação existe o interesse público na inexistência de violação de informação bancária, recaindo sobre o banco o dever de garantir a respetiva confidencialidade e o dever de exigir reserva e sigilo a todos os seus trabalhadores e colaboradores (cfr. Ac. do TRP de 14/12/2017, Processo n.º 10355/17.2T9PRT-A.P1, in www.dgsi.pt ).

Também a confidencialidade fiscal tendo em vista assegurar fundamentalmente a tutela da intimidade da vida privada, valor com assento constitucional (artigos 26.° e 35.°, n.° 4, da CRP), tem subjacente o interesse publico de confiança nas instituições.

Nesse sentido, o parecer da PGR n.° 20/94 de 09/2/95 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, in https://www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/8716 ):

"O exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica.

"Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância coletiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis atividades, um alto interesse público.

"Daí que a violação da obrigação a que ficam adstritos certos agentes profissionais de não revelarem factos confidenciais conhecidos através da sua atividade funcional - obrigação que informa o conceito do segredo profissional - seja punível não só disciplinarmente mas também criminalmente".

O segredo profissional traduz-se na proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou que foram confiados no exercício ou em razão de uma atividade profissional.

Admitindo que uma significativa parte dos elementos de natureza fiscal equacionados na consulta estejam informatizados, atente-se no disposto no artigo 35.º, que, como se referiu, funciona como garantia do direito corporizado no artigo 26.º, ambos da Constituição.”

Passemos ao normativo legal.

O artigo 78.º do RGICSF (D-L n.º 298/92, de 31-12) dispõe que:

«1 - Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.

3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.»

O artigo 79.º do RGICSF só permite a revelação, mediante autorização do cliente (n.º 1).

O n.º 2 admite as seguintes exceções ao dever de segredo: revelações ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução no âmbito das suas atribuições (alíneas a), b), c) e d)); às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal (alínea e); às comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto, o qual inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão (alínea f); à administração tributária, no âmbito das suas atribuições (alínea g); quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo (alínea h).

Na Lei Geral Tributária (LGT) o artigo 64.º estabelece:

“Confidencialidade

1 - Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.»

O n.º 2 estabelece os casos em que cessa o dever de sigilo, enunciando, em primeiro lugar, a autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária, logo depois, a cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, a cooperação com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais, a colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e mediante despacho de uma autoridade judiciária, no âmbito do Código de Processo Penal e, finalmente, a confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal às entidades legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel.

No Código Penal o artigo 195.º prevê a violação do segredo:

“Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.”

O segredo bancário e o segredo fiscal estão ainda tutelados pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados[1] (artigo 5.º, n.º 1, alínea f) «integridade e confidencialidade») e pela sua lei de execução, a Lei n.º 58/2019, de 08/08 (artigo 20.º «dever de segredo»), uma vez que os elementos tutelados pelo segredo figurem em meios total ou parcialmente automatizados (artigo 2.º do RGPD).

O artigo 6.º do RGPD enuncia um conjunto de situações para além do consentimento, que conferem licitude ao tratamento como, para o que ora importa, a estabelecida na alínea f):

“O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.”

De acordo com esta norma, os interesses do responsável pelo tratamento ou os interesses de terceiro podem fundamentar a licitude do tratamento.

O artigo 135.º do CPP prevê o regime processual da quebra de sigilo fazendo apelo ao princípio da prevalência do interesse preponderante.

Assim:

“1 – (…) as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.

2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

(…)”.

O artigo 417.º, n.º 4, do CPC («dever de cooperação para a descoberta da verdade») remete a quebra de sigilo para o disposto no processo penal.

“1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.

2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, (…).

3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: (…)

c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.

4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado”.

Assim, nenhum destes segredos está imune a limitações e, o consentimento não constitui a única causa de legitimidade e de licitude no tratamento de dados pessoais, nomeadamente bancários e fiscais.

O princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente, tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade ou, a necessidade do tratamento para efeito dos interesses legítimos prosseguidos por terceiros, podem fundamentar a licitude do tratamento.

No caso, estamos perante um litígio que pondera os interesses de terceiro.

Estando este litígio sob a tutela privada impõe-se perguntar: quando um dos cônjuges não tenha dado consentimento ao levantamento do sigilo ou, sendo de supor que o não fará, deve o seu direito ao sigilo ceder perante o interesse do outro cônjuge em conhecer os bens existentes em ação de arrolamento com vista ao futuro inventário e partilha dos bens do casal?

Decerto que não.

O interesse deste é legítimo porque pretende uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP). O cônjuge requerente do arrolamento, terceiro relativamente à relação bancária ou tributária, não tem ao seu alcance outra via de obter informação sobre bens comuns.

De acordo com o princípio de proporcionalidade sugerido ao intérprete pelo artigo 6.º, alínea f), do RGPD, o direito do cliente bancário ou do sujeito tributário, não prevalece sobre o direito deste. Não revela nada de fundamental que o sobreponha. Prevalece, por isso, este interesse de terceiro.

No mesmo sentido o Ac. do TRP de 10/01/2012 (Processo n.º 5336/10.0TBMAI-A.P1), in www.dgsi.pt:

“I- Na dispensa do cumprimento do dever de sigilo bancário estão, por um lado, o interesse público da proteção da atividade bancária e o interesse privado da reserva da proteção da vida privada do titular da conta, e, por outro lado, o interesse público na prossecução da justiça e o interesse particular da Requerente na consulta dos extratos e movimentos da conta de que é titular seu marido, Requerido no processo, com vista à proteção dos seus interesses patrimoniais.

II - Estando em causa o arrolamento dos bens do casal, constituído pela Requerente e pelo Requerido, afigura-se preponderante, em relação aos demais, o interesse público da boa realização da justiça e o interesse particular da Requerente em conhecer a real expressão desses bens (que também lhe pertencem) por forma a preservá-los para a partilha a que haja de proceder-se em consequência da eventual decretação do divórcio.”

As informações em causa mostram-se necessárias para assegurar interesses legítimos e preponderantes de terceiro e não vão além do necessário.

Logo a sua prestação é lícita, ou, com maior rigor, justificada.

Em consequência, devem a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Banco de Portugal prestar as informações que o Mm.º Juiz da 1ª instância lhes solicitou.

Síntese conclusiva:

(…)


III

DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em autorizar a quebra do sigilo fiscal por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, devendo esta entidade prestar aos autos as informações solicitadas no despacho de 07/11/2022 (a identificação do arrendatário e do valor anual da renda declarada, relativamente ao imóvel descrito no requerimento inicial).

Bem como acorda-se em autorizar a quebra do sigilo bancário por parte do Banco de Portugal, devendo esta entidade prestar aos autos as informações solicitadas no mesmo despacho de 07/11/2022 (a identificação das instituições bancárias a operar em território nacional, onde o Requerido seja titular ou cotitular de contas bancárias).

Sem custas.

Évora, 12 de janeiro de 2023

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Jaime Pestana (2º Adjunto)

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[1] Regulamento do Parlamento Europeu do Conselho (EU) n.º 2016/679, de 27 de Abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.