Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
392/18.5T8STR-H.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO SUPLEMENTAR
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - o EAJ prevê a atribuição da remuneração variável (RV) aos AI visando incentivar a diligência desenvolvida e premiar os resultados obtidos com a gestão e liquidação do património para satisfação dos interesses dos credores;
- o apuramento RV faz-se em função da concreta conduta do Administrador da Insolvência, levando em conta o que resulte das diligências de liquidação por si efetuadas;
- a quantia depositada na conta da massa insolvente por AE, proveniente do saldo apurado no processo executivo que corria termos contra a devedora, não integra o resultado da liquidação da massa insolvente promovida pelo AI;
- logo, não releva para efeitos de cálculo da RV.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Credora: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), C.R.L.
Recorrido / Administrador da Insolvência: (…)

No âmbito do processo de insolvência de (…), veio o AI apresentar cálculo da Remuneração Variável (RV) nos termos do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, cifrando-se em € 6.718,33 a RV a coberto do n.º 4, alínea b), do citado preceito e em € 6.182,15 a RV nos ternos do n.º 7, o que implica no valor global de € 12.900,48, a que acresce o IVA no montante de € 2.967,11.
O Ministério Público deu parecer favorável ao cálculo apresentado.
A Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), C.R.L. apresentou-se a reclamar de tal cálculo, sustentando que, inexistindo atos de liquidação no processo e tendo a quantia de € 101.848,29 sido depositada nos autos sem qualquer intervenção por parte do AI (proveio do saldo decorrente da liquidação executiva operada noutro processo), tal quantia não releva para efeitos de apuramento da RV.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferido despacho indeferindo a reclamação do qual consta, designadamente, o seguinte:
«Compulsados os termos legais, verifica-se que a lei não faz qualquer distinção quanto à forma como o montante apurado para a massa insolvente chega à mesma, não tendo acolhimento legal a distinção feita pelo credor se foi por iniciativa do AI, ou de terceiro em cumprimento de imperativo legal, que o valor monetário passou a integrar a massa insolvente.
Sufragar a posição defendida pelo credor seria colocar o Tribunal numa posição de violação do princípio “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.
Em face do exposto, indefere-se a reclamação do credor.
Custas do incidente anómalo pelo mesmo, que se fixam em 1,5 UC.»

Inconformada, a Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), C.R.L. apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue inadmissível a proposta de remuneração apresentada pelo AI. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1- A decisão proferida é nula por não terem sido apreciadas pela 1ª Instância com vista à decisão sobre a reclamação da proposta da remuneração adicional do Sr A.I., as seguintes questões suscitadas pela recorrente:
Questão a)- Decidir-se se é elemento essencial ao conceito legal de “remuneração variável” do n.º 4 e 6 do artigo 23.º do EAJ, a existência de (operações de) liquidação da massa insolvente e não a mera existência de “receita obtida”.
Questão b)- Decidir-se da aplicação ao presente caso do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do mesmo Estatuto que refere que a remuneração variável é determinada em função do resultado da recuperação do devedor, ou do produto percebido pela massa insolvente fruto das diligências por si efetuadas.
Questão c)- Decidir-se da aplicação ao presente caso do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ de que resultará que não se deve aceitar o montante da remuneração adicional que o Sr. AI exige, pois que o cálculo não tem em conta o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, devendo o cálculo ser expurgado da quantia atrás mencionada e ter em conta o dito grau de satisfação.
2- A pronúncia deveria, ainda, ter incidido em decidir-se sobre o pedido da recorrente de fosse entendido que “no cálculo da majoração importa incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos.”
3- A nulidade encontra-se intimamente ligada à regra estabelecida no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, de acordo com a qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, sendo que não se tratam de meros argumentos ou motivos de discordância de parte, mas questões substanciais.
4- A decisão recorrida padece de erro de julgamento que resulta da errada aplicação da lei.
5- O Sr. AI apresentou o cálculo da sua remuneração variável com base na quantia total depositada na conta bancária da Massa, que designa de receita da liquidação.
6- Tal cálculo foi apresentado nos seguintes termos:
“Saldo” da liquidação – € 134.366,54 [€ 137.250,18 (receita da liquidação (sic)
- € 1.184,64 (despesas liquidação) – € 1.699,00 (conta de custas)]
Remuneração Variável – artigo 23.º, n.º 4, alínea b), do EAJ – € 134.366,54 x 5% = € 6.718,33.
Majoração da remuneração Variável – artigo 23.º, n.º 7, do EAJ – 5% nos termos do artigo 23.º, n.º 7, do EAJ (€ 123.843,00 (base de cálculo) x 5%) = € 6.182,15.
Total da remuneração variável = € 12.900,48/total com IVA de € 15.867,59.
7- “Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente”, assim o dispõe o n.º 4 do artigo 23.º do EAJ.
8- Para efeitos do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente.
9- Do cálculo da remuneração variável do Sr. A.I. deve excluir-se a quantia de € 101.848,29 que foi depositada nos presentes autos pela A.E. do processo 2111/17.4T8ENT, quantia aí obtida por via da venda executiva de um bem da insolvente anteriormente à sentença de insolvência e nomeação do Sr. A.I., quantia essa que quando foi depositada espontaneamente na conta da insolvência pela AE da execução, a qual já se encontrava deduzida da remuneração adicional por resultados obtidos da mesma Agente de Execução prevista nos n.º 7 e 11 do artigo 50.º da Portaria n.º 282/2013.
10- A interpretação do Tribunal de 1ª Instância que defende “que a lei não faz qualquer distinção quanto à forma como o montante apurado para a massa insolvente chega à mesma, não tendo acolhimento legal a distinção feita pelo credor se foi por iniciativa do AI, ou de terceiro em cumprimento de imperativo legal, que o valor monetário passou a integrar a massa insolvente”, não é a que deve ser aplicada ao caso concreto.
11- O depósito efetuado pela Sra. Agente de Execução, por sua própria iniciativa, não é uma receita obtida pelo Sr. Administrador Judicial, nem deve ser considerado “montante apurado” pois que tal expressão deve ser interpretada em conjugação com a expressão “resultado da liquidação”.
12- É elemento essencial da “remuneração variável” a existência de (operações de) liquidação da massa insolvente e não a mera existência de “receita obtida” ou de um “montante”.
13- A remuneração variável do A.I. é determinada em função do produto percebido pela massa insolvente que seja fruto das diligências por si efetuadas.
14- Da aplicação ao presente caso do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do EAJ resulta que a remuneração variável é determinada em função de um resultado ou um “trabalho”.
15- Outra conclusão interpretativa, como a que será a feita pelo Tribunal de 1ª Instância, é uma interpretação inconstitucional de preceitos constitucionais fundamentais.
16- O depósito feito nos autos pela Sra. Agente de Execução, por sua iniciativa e sem apreensão do A.I. não deve ser considerado como uma operação da liquidação, nem resultado de diligências efetuadas pelo AI.
17- Importaria, pelo menos que tivesse existido apreensão para a massa insolvente para efeito do cálculo da remuneração adicional do administrador, o que não aconteceu.
18- Nos presentes autos o A.I. não apreendeu para a massa insolvente a quantia pecuniária € 101.848,29 resultado da venda de um imóvel em sede de processo de execução judicial, a qual se realizou cerca de 3 (três) meses antes da declaração de insolvência no processo n.º 2111/17.4T8ENT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, no Juízo de Execuções do Entroncamento, Juiz 2.
19- O Sr. A.I. e o seu trabalho (as suas diligências) não contribuíram para a realização dessa venda, nem para o resultado da mesma, nem sequer para a determinação do melhor valor possível para o bem imóvel ou tão pouco para obter o respetivo depósito na conta bancária da Massa.
20- Não tendo existido atos de liquidação de que resultasse o valor transferido para a Massa Insolvente, nem por tal montante de € 101.848,29 corresponder ao produto da venda de bens apreendidos pelo Sr. AI, ou resultado das suas diligências, não deverá a remuneração adicional ser calculada com base na mencionada quantia mas apenas tendo por base o restante valor resultante da liquidação de bens que foram efetivamente aprendidos.
21- O legislador estabeleceu regras de cálculo da retribuição adicional e sua majoração que não abstraem da concreta intervenção do AI para a obtenção do montante apurado na realização do ativo da massa insolvente.
22- A lei terá que ser interpretada considerando o conjunto das diversas disposições aplicáveis ao caso concreto.
23- Nos termos do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, a retribuição deve ser conforme a quantidade de trabalho (logo, as suas intensidade e duração), a sua qualidade (logo, com respeito pelos conhecimentos, capacidade e experiência que o trabalho exige) e a sua natureza (perigosidade, penosidade ou dificuldade).
24- “É indiscutível que a alteração à forma de cálculo da remuneração variável visou estimular a atividade do administrador judicial, motivando-o a diligenciar pela obtenção da maior receita possível e premiando-o em função dos resultados de gestão e venda do património do insolvente.”[1]
25- O Tribunal de 1ª Instância deveria ter recusado a proposta de remuneração adicional variável apresentada pelo Sr. A.I. o pois o cálculo não teve em conta o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
26- Dispõe o n.º 7 do artigo 23.º do EAJ que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
27- Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora, deve entender-se também nos presentes autos que, “.... [2] o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa (que inclui a remuneração fixa do administrador), com exceção da remuneração variável e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência, mas esse valor é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
Ou seja, no cálculo da majoração importa incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos.”
28- A tese contrária colocaria em causa o princípio da igualdade, vertido nos artigos 13.º e 59.º, n.º l.º, alínea a), da CRP, porquanto faria com que a retribuição de um A.I. que encetasse inúmeras diligências tendentes a efetivar a venda dos bens da massa insolvente, auferisse igual quantia que um AI que, com o devido respeito, se limitou a rececionar o produto de uma venda ocorrida meses antes à declaração de insolvência.
29- É, manifestamente injusto, o Sr. A.I. auferir a quantia de € 15.867.59 a título de remuneração variável, sendo por essa via os credores penalizados com um “segundo” pagamento por remunerações adicionais por resultados obtidos.
Foram violadas com a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo, nomeadamente, as seguintes disposições legais, dos artigos 23.º, 24.º e 27.º do EAJ, artigos 13.º e 59.º, n.º 1.º, alínea a), da CRP».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
i. da nulidade da decisão;
ii. da irrelevância da quantia monetária depositada no processo de insolvência, proveniente de processo executivo que corria termos contra a Insolvente, para efeitos de fixação da remuneração variável devida ao AI.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar
1 - Em 04/04/2018, a Agente de Execução nomeada no processo n.º 2111/17.4T8ENT foi notificada “de que foi proferida sentença de insolvência da devedora aqui executada (…), cfr. cópia de anúncio que se junta” (doc. 1 da ref.ª 8708606, de 16/05/2022).
2 - Em 08/05/2018 (por comunicação datada de 04-05-2018) a dita A.E. informou nos presentes autos de Insolvência “que no processo existe a quantia de € 101.848,29 que está à disposição do Sr. Dr. Administrador de Insolvência (....) para ser entregue à massa insolvente (...)” (doc. 2 da refª 8708606, de 16/05/2022).
3 - Em 09/05/2018 a mesma A.E. comunicou ao Sr. Administrador de Insolvência “que, tendo sido notificada pelo Tribunal em 04/04/2018 da declaração da sentença da insolvência da executada (…), vem informar no processo existe a quantia de € 101.848,29” ... “os mesmos encontram-se à disposição de V. Ex.ª no que diz respeito à massa insolvente” (doc. 3 da ref.ª 8708606, de 16/05/2022).
4 - Em 16/05/2018 a mencionada A.E. transferiu para o “NIB do processo da massa insolvente” a quantia de € 101.848,29 limitando-se o Sr. A.I. a informar tal NIB (doc. 4 e 5 da ref.ª 8708606, de 16/05/2022).
5 - A A.E. recebeu a remuneração adicional prevista nos n.º 7 e 11 do artigo 50.º Portaria 282/2013 “pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor” (dos credores), isto é, recebeu uma remuneração por ter colocado à disposição da Massa Insolvente dos presentes a mencionada quantia de € 101.848,29 (doc. 2, a fls. 2 e 3 da ref.ª 8708606, de 16/05/2022).
6 - Por requerimento de 16/09/2022, o Sr. AI apresentou nos autos um requerimento com o cálculo da remuneração variável elaborado nos seguintes termos:
Saldo da liquidação ---------- € 134.366,54 [€ 137.250,18 (receita da liquidação – € 1.184,64 (despesas liquidação) – € 1.699,00 (conta de custas)]
Remuneração Variável artigo 23.º, n.º 4, alínea b), EAJ ------ € 134.366,54 x 5% = € 6.718,33.
Majoração da Remuneração Variável, artigo 23.º, n.º 7, EAJ, 5% nos termos do artigo 23.º, n.º 7, do EAJ ----------- (€ 123.843,00 (base de cálculo) x 5%) = € 6.182,15.
Total da remuneração variável = € 12.900,48 + € 2.967,11 de IVA = € 15.867,59.

B – As questões do recurso
i. Da nulidade da sentença
A Recorrente sustenta que a decisão proferida enferma de nulidade por omissão de pronúncia das questões suscitadas na reclamação.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Nas palavras de Alberto dos Reis[3], há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."
Por conseguinte, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas[4]. Por isso, vem sendo entendido[5] que não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da ação. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicado pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.
Na reclamação apresentada, a Credora sustentou que a quantia pecuniária depositada nos autos, nem sequer tendo sido apreendida pelo AI, não devia integrar o resultado da liquidação para efeitos de determinação da RV do mesmo.
Essa foi a questão foi decidida, pelo que não se verifica a apontada nulidade.

ii. Da irrelevância da quantia monetária depositada no processo de insolvência, proveniente de processo executivo que corria termos contra a Insolvente, para efeitos de fixação da remuneração variável devida ao AI.
Tendo o administrador insolvência, em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz, direito a ser remunerado pelos atos praticados, cabe-lhe, desde logo, a remuneração fixa de € 2.000,00 – cfr. artigo 23.º/1, do EAJ.
Mais tem direito a remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado em 5% do resultado da liquidação da massa insolvente; o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência – cfr. artigo 23.º, n.ºs 4 e 6, do EAJ. A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000,00 (euro) – cfr. artigo 23.º, n.º 10, do EAJ.
Decorre desde logo da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 112/IX (na génese do Estatuto do Administrador da Insolvência aprovado pela Lei n.º 32/2004) e, bem assim, da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 107/XII (relativa ao Estatuto do Administrador Judicial vigente, aprovado pela Lei n.º 22/2013) que a remuneração variável visa incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível em termos de liquidação, isto é, a premiá-los pelo empenho e esforço que hajam colocado nas tarefas inerentes à apreensão e liquidação de bens para satisfação dos créditos reclamados. A finalidade do processo de insolvência, quando não se mostre possível a recuperação do devedor, é, afinal, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores – artigo 1.º/1, do CIRE.
Nos termos do artigo 23.º/4 e 6, da Lei n.º 22/2013,
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
O artigo 24.º/2, do CIRE, estatui o seguinte:
O administrador da insolvência nomeado pelo juiz que for substituído pelos credores, nos termos do n.º 1 do artigo 53.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tem direito a receber, para além da remuneração determinada em função dos atos por si praticados, remuneração variável, em função do resultado da recuperação do devedor, ou do produto percebido pela massa insolvente fruto das diligências por si efetuadas, proporcionalmente ao montante total apurado para satisfação de créditos recuperados, sendo o valor assim calculado reduzido a um quinto.
Ora, a liquidação da massa insolvente é viabilizada pela apreensão de todos os bens integrantes da massa (cfr. artigo 149.º do CIRE), com vista à venda de todos eles (cfr. artigo 158.º do CIRE), depositando-se na conta bancária titulada pela massa insolvente o produto da liquidação, à medida que se for efetuando (cfr. artigo 167.º do CIRE). Segue-se, então, o pagamento das dívidas da massa, segundo o princípio da satisfação integral sucessiva (cfr. artigo 172.º do CIRE). A liquidação da massa insolvente compreende, assim, o conjunto de atos necessários à conversão do património do devedor numa quantia pecuniária para repartição pelos credores.[6]
Todas estas tarefas são incumbência do Administrador da Insolvência – cfr. artigo 55.º/1, alínea a), 150.º/2, 158.º e 172.º do CIRE. Todas estas tarefas são instrumentais da finalidade do processo de insolvência. Donde, o empenho e esforço desenvolvido pelo Administrador da Insolvência são determinantes para o sucesso do processo de insolvência.
O que implica que o apuramento da remuneração variável (RV) se faça em função da concreta conduta do Administrador da Insolvência, levando em conta o que resulte das diligências de liquidação por si efetuadas.
Afigura-se que a quantia depositada na conta da massa insolvente por Agente de Execução, proveniente do saldo apurado no processo executivo que corria termos contra a Devedora, não integra o resultado da liquidação da massa insolvente promovida pelo AI.
Logo, não releva para efeitos de cálculo da RV.
Neste sentido, cfr. Ac. TRP de 20/09/2011 (João Proença):
«Um pressuposto essencial, implícito no próprio conceito de remuneração, sem o qual, crê-se, ao administrador da insolvência não é lícito reclamá-la: que o montante apurado para a massa insolvente corresponda ao produto da venda de bens por si apreendidos ou que, de todo o modo, tenha sido determinado em função de atos por ele praticados.»
Ac. TRC de 26/06/2012 (Arlindo Oliveira):
«O critério fundamental para a fixação da remuneração variável a que o administrador de insolvência tem direito é o montante apurado na realização do ativo da massa insolvente. Depende, pois, em primeira linha, do resultado da liquidação.
Mas daqui resulta também que tal montante apurado, o resultado da liquidação tem de ser correspetivo de uma atividade própria do administrador da insolvência (trata-se, como se referiu de um prémio que visa promover a sua boa diligência na obtenção de resultados benéficos para a massa insolvente) com vista a obter um montante apurado mais elevado, que é o resultado do trabalho e diligência do administrador da insolvência.
(…)
Nada dos autos consta ou resulta que tal pagamento e depósito seja resultado da atividade da administradora da insolvência, pelo que tais quantias não podem ser consideradas como montantes apurados para a massa insolvente, para efeitos da fixação da remuneração variável a que tem direito, nos moldes aí previstos, o administrador da insolvência.»
E ainda o já citado Ac. TRE de 23/03/2017:
«(…) não houve lugar a liquidação uma vez que a quantia pecuniária destinada a ser repartida pelos credores (…) resultou de “apreensões em processos de execução fiscal”, sendo esta a razão pela qual a decisão recorrida declinou à Recorrente, o direito à remuneração variável.»
Procedendo as conclusões da alegação do presente recurso, importa revogar a decisão recorrida, deferindo-se a reclamação apresentada pela Credora Reclamante.

As custas recaem sobre o AI na vertente de custas de parte – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, deferindo-se a reclamação apresentada ao cálculo da RV, determinando-se, para efeitos de tal cálculo, a exclusão da verba de € 101.848,29 (cento e um mil, oitocentos e quarenta e oito euros e vinte e nove cêntimos) do resultado da liquidação da massa insolvente.
Custas pela AI, na vertente de custas de parte.
*

Évora, 14/09/2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
(assinatura digital)
Francisco Matos
(assinatura digital)
Ana Margarida Leite
(assinatura digital)
__________________________________________________
[1] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29 setembro 2022 proferido no processo n.º 260/14.0TBTVR.E1.
[2] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29 setembro 2022 proferido no processo n.º 260/14.0TBTVR.E1.
[3] CPC Anotado, vol. V, pág. 143.
[4] A. Reis, ob. cit., pág. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688.
[5] Segue-se aqui de perto o Ac. STJ de 29/11/2005 (Sousa Peixoto).
[6] Ac. TRE de 23/03/2017 (Francisco Matos).