Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
43/09.9GBRDD.E1
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1. O crime de ameaça é um minus relativamente ao crime de violência doméstica.

2. Não carece de ser comunicada nos termos do artº 358º do CPP a alteração resultante da imputação de um crime menos grave (ameaça) que o constante da acusação (violência doméstica), em consequência da simples redução da matéria de facto na sentença”. []1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I. No processo comum singular que, com o nº 43/09.9GBRDD, corre termos no Tribunal Judicial da comarca do Redondo, o arguido B, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, como autor de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Cod. Penal, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 6,00, a que correspondem 80 dias de prisão subsidiária; na procedência parcial do pedido cível, foi o arguido/demandado condenado a pagar à demandante MC a quantia de € 1.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

«1ª O arguido, aqui Recorrente vinha acusado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º/1 alínea b) e 2 C. Penal, do qual foi absolvido, tendo sido condenado pela prática de um crime de ameaça agravada - previsto e punido pelos artigos 153.°, nº 1 e 155°, nº 1, alínea a) do Código Penal.

2ª É esta a Decisão com a qual o Recorrente não se pode conformar uma vez que, inexplicavelmente, a sentença alterou a qualificação jurídica dos factos feita na acusação sem que se desse cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 358º C.P.Penal, pelo que enferma da nulidade prevista no artigo 379°/1 alínea b) C.P.Penal.

3ª Tendo sido violado na sentença proferida pelo douto Tribunal a quo o princípio do acusatório, constitucionalmente consagrado no artigo 32°, nº 5 da CRP, segundo o qual são a acusação ou a pronúncia que definem e fixam o objeto do processo.

4ª No caso dos autos, o tribunal efetuou uma alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação na sentença que proferiu, condenando o arguido por crime diverso daquele de que vinha acusado, numa violação manifesta da comunicação que o artigo 358°, n.º 3 C.P.Penal exige, coartando a defesa do arguido.

5ª A Mma. Juíza do Tribunal a quo não poderia ter procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação sem comunicar ao arguido essa alteração, concedendo-lhe prazo para preparação da sua defesa, ocorrendo assim a nulidade a que se refere o artigo 358°, n.º 3 e o artigo 379° alínea b) C.P. Penal.

6ª Pelo que, é inequívoco que a sentença recorrida violou as disposições constantes dos artigos 358°, nº 3 e 379°, nº 1, alínea b) ambos do C.P. Penal, devendo a mesma ser revogada e determinar-se que, na Primeira Instância, seja cumprido o disposto no artigo 358°, nº 1 e 3 C.P.Penal, relativamente à alteração da qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido, sob pena de nulidade da sentença (art. 379.°, al. b), do CPP e in Ac. TRP - Processo n.º 143/10.2GBSTS.P1 de 18.05.2011 e Ac. TRE - Processo n.º 157/2011, de 2012-05-29). Por outro lado,

7ª Tendo em atenção a prova produzida em Audiência, o Recorrente entende que tem toda a pertinência o presente recurso, pois à luz do princípio da livre apreciação da prova - ínsito no artigo 127.° do Código de Processo Penal -, entendemos ter existido por parte do Tribunal a quo uma errónea valoração da prova testemunhal.

8ª Tal princípio pressupõe a valoração da prova assente em critérios objetivos de motivação ­segundo as regras da experiência comum, afastando apreciações discricionárias e/ou arbitrárias -, bem como, a inexistência de critérios ou cânones legais pré-determinados no valor a atribuir àquela.

9ª Pelo que, quanto à expressão "eu ainda te mato" (página 69 da decisão recorrida), proferida pelo arguido no circunstancialismo que ficou apurado, a mesma jamais pode ter um claro e nítido significado de ameaça de morte, ainda que tenha sido proferida num "contexto de exaltação motivado pela ruptura da vida em comum e pelos consequentes atritos relacionados com as visitas aos menores (palavras do douto Tribunal a quo)".

10ª Sendo certo a este propósito o depoimento da testemunha T que "embora não tenha sabido concretizar o contexto desta expressão, a conversa que tiveram, embora tenha memória de que o arguido estava calmo ( ... ). Instada referiu que aquela expressão foi proferida em contexto de discussão, pois na sua opinião o arguido não tinha qualquer intenção de lhe fazer mal." (pg. 24 e 25 da decisão recorrida).

11ª Assim, in casu, a expressão "eu ainda te mato", não é suscetível de ser entendida como reportada a uma agressão futura e adequada a causar, na ofendida, medo e inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

12ª Nesta medida, não se encontram pois preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime, sendo forçoso de concluir que o arguido praticou um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.°, n.º 1 e 155.°, n.º 1, al. a), ambos do CP."

13ª Como é sabido o conceito de "erro notório na apreciação da prova", constante da alínea c) do nº 2 do artigo 410° do C.P.Penal, foi já suficientemente trabalhado pela doutrina e pela jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal.

14ª In casu o Tribunal a quo fez uma apreciação errada dos factos dados como provados, subsumindo-os ao crime de ameaça agravada.

15ª A matéria de facto dada como provada não constitui um crime de ameaça, e muito menos _ agravada, porquanto, a admitir-se que o recorrente tenha dito "eu ainda te mato", tal expressão mais não significa do que o anúncio de algo iminente e nunca concretizável, e nunca um mal futuro, como requer este tipo de crime.

16ª Pelo que, nenhum dos elementos do tipo legal de crime de ameaça se encontram preenchidos, pelo que, o Tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime de ameaça, previsto no art. 153° do Código Penal, com a agravação constante do artigo 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal.

17ª De igual modo, que nem todo o comportamento incorreto de um indivíduo merece tutela penal, devendo-se destrinçar as situações que traduzem, de facto, uma ameaça com dignidade penal, daquelas situações suscetíveis de revelar tão só uma frase isolada - inclusivamente proferida por alguém que se encontrava calmo! -, sem repercussão relevante na esfera da dignidade do visado. Importa ter em consideração que, por vezes, é normal algum grau de conflitualidade e animosidade entre os membros de uma comunidade, surgindo situações em que alguns deles se podem até expressar, ao nível da linguagem, de forma deselegante ou indelicada. Contudo, o direito não pode intervir sempre que a linguagem ou afirmações utilizadas incomodam o visado, devendo a sua intervenção reservar-se para as situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana.

18ª Por conseguinte, revertendo ao caso dos autos, desde já se adianta que não se vislumbra que a conduta do Recorrente-Arguido assuma dignidade penal, na perspetiva de qualquer imputação criminalmente relevante.
19ª Em suma, conclui-se que, em face dos elementos probatórios produzidos, apreciados criticamente e conjugados com os juízos de experiência comum, não se verificou a prática do crime de ameaça agravada pelo Recorrente-Arguido.

20ª Ora, perante o que consta no texto da Decisão recorrida, é inequívoco que a douta explicação não se coaduna com a prova produzida em audiência, sendo por demais evidente que a Decisão em recurso padece de flagrante vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciados de forma ostensiva, questionável e percetível pelo comum dos observadores, pela simples leitura do texto da decisão, e bem assim, pela prova testemunhal prestada, pelo que, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal e porque incorreu em flagrante violação do disposto no artigo 127.° do mesmo diploma, carece de ser revogada decretando-se a consequente e necessária absolvição do Recorrente-Arguido da prática do crime de ameaça agravada que, ainda que mal, foi condenado.

21ª Malgrado o rol de decisões que diária e mecânicamente reproduzem trechos de acórdãos anteriormente proferidos, sempre se há-de reconhecer que a nossa Lei Fundamental - a lei constitucional - ­estabelece que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos e deveres fundamentais são diretamente aplicáveis.

22ª Expostos os precedentes princípios jurídicos, esquematicamente enunciados no douto acórdão recorrido do Tribunal a quo, temos que a indemnização civil arbitrada à Demandante, a título de danos não patrimoniais - € 1.500,00 - é merecedora de reparo por parte do Recorrente-Arguido.

23ª Com efeito, como pode a Demandante ser ressarcida de danos não patrimoniais relativos, eventualmente, à prática de um crime de ameaça agravada, se o que peticionou tem única e exclusivamente a ver com um eventual cometimento de um crime de violência doméstica (do qual o arguido foi absolvido!!!)?

24ª Pelo exposto, reputamos injusta e sem enquadramento legal, por inexistente, a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo, atentos os factos aqui vertidos.

25ª Ao ter decidido de outra sorte, o Acórdão Recorrido violou, por erro notório na apreciação da prova, o disposto na alínea c) do nº 2, do artigo 410°, do artigo 127°, ambos do Código de Processo Penal e o artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogado, decretando-se a absolvição do Arguido do ilícito pelo qual foi - ainda que mal - condenado.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências não deixarão de doutamente suprir, deve ser revogado o Acórdão Recorrido e decretada a absolvição do ora Recorrente e, caso assim se não venha a entender o que só por mera cautela se coloca, que o Acórdão Recorrido seja parcialmente revogado e determinar-se que, no Tribunal de Primeira Instância, seja cumprido o disposto no artigo 358º, nº 1 e 3 C.P. Penal, relativamente à alteração da qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido, com todas as demais consequências legais, assim se fazendo a costumeira Justiça».

Respondeu a Digna Magistrada do MºPº na 1ª instância, pugnando pela manutenção do decidido e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas):

«1- Não merece qualquer censura a sentença condenatória.

2- Concatenando-se o teor do despacho de acusação proferido nos presentes autos, com os factos dados como provados na sentença condenatória proferida nos mesmos, claramente se constata que, a factualidade subjacente aos tipos legais pelos quais o recorrente foi condenado (atinentes ao crime de ameaça agravada) já se encontravam concretizados e individualizados na factualidade do libelo acusatório, embora sobre a veste de uma diferente subsunção jurídica, a do crime de violência doméstica (p. e p. pelo artigo 152° /1 a), b) e 2 C Penal);

3) Relativamente ao qual, o tipo legal de ameaça, conforme é consabido e unanimemente entendido, representa um "minus";

4) A factualidade dada como provada no âmbito da sentença proferida, no que concerne ao crime de ameaça agravada, já constava do despacho de acusação estando devidamente concretizada e circunstanciada, espacial e temporalmente, no mesmo, ou seja já fazia parte do objecto do processo, do "thema decidendum", não se tendo verificado qualquer alteração ou adicionamento de factos;

5) Consequentemente, o tribunal "a quo" não extravasou na sua decisão o objecto do processo e o princípio da vinculação temática que lhe é ínsito e, muito menos, coarctou afectou qualquer dimensão, dos direitos, garantias de defesa e contraditório do recorrente, não tendo assim violado o artigo 32° da CRP ou o princípio do acusatório;

6) Não é necessário proceder à comunicação do artigo 358° /1 C P Penal, quando a alteração da qualificação jurídica ocorre para uma infracção que representa um "minus" relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois que o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e a possibilidade de os contraditar;

7) Se a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou "menos agravado", quando da acusação ou da pronúncia resulta a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, uma vez que, o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação);

8) O mesmo deve ser entendido e adoptado em casos como o presente, em que o recorrente, acusado de um crime "composto" - na medida em que integra condutas que em si mesmo já são consideradas crime, mas que obtêm uma cominação mais grave em resultado da qualidade especial do autor, ou do dever que sobre ele impende, ou seja o crime de violência doméstica - acaba condenado por um crime que o integrava (neste caso o crime de ameaça agravada);

9) Neste tipo de situações, se a prova produzida não permite a condenação pelo crime composto, a defesa do arguido em nada é prejudicada ou surpreendida com a condenação pelos tipos de crime integrantes, não havendo lugar (por tal ser desnecessário) à comunicação do artigo 358º C P Penal;

10) Na verdade cumpre diferenciar, em função de casos concretos, aquelas situações em que a omissão da comunicação impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido, daquelas (como a do presente caso) em que tal ausência de comunicação (por desnecessária) não tem qualquer impacto negativo na estratégia de defesa do arguido;

11) A referida comunicação, não deve então, ser compreendida como sendo uma obrigação formal, de funcionamento automático, mas apenas, como um instrumento/ mecanismo que deve ser observado por forma a assegurar os direitos de defesa do arguido, evitando que ele seja surpreendido com uma condenação por factos que não constavam da acusação (ou pronúncia) ou suportada por uma qualificação jurídica distinta da que nela constava, o que pelos motivos e razões supra expostas não se verifica no presente caso.

12) A questão suscitada pelo recorrente, é a de saber se os autos evidenciam, ou não, a nulidade da sentença prevista no artigo 379° alínea b) C P Penal - condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358" e 359".

13) Insurge-se contra o decidido, pretextando que esta alteração da qualificação jurídica não lhe foi comunicada como impõe o artigo 358°/3 C P Penal, o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379° alínea b) C P Penal.

14) Importará distinguir, em função dos casos concretos, aquelas situações em que a omissão da comunicação impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido, daquelas outras em que tal omissão não tem qualquer impacto negativo na estratégia de defesa do arguido;

15) A própria Lei ressalva que a comunicação só tem lugar se a alteração tiver "relevo para a decisão da causa" e se não tiver "derivado de factos alegados pela defesa" [n.º 1 e 2 do citado art.].
16) Ora, nos termos do disposto no art. 400.°, n.º 2 do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

17) Segundo o art. 31.º da L. 52/2008 a alçada do tribunal de 1ª instância é de € 5000,00 (cinco mil euros).

18) Deste modo, atento montante indemnizatório peticionado de € 6000,00, nos presentes autos e o montante indemnizatório em que o arguido foi condenado € 1500,00, verifica-se que não se encontram reunidos os requisitos legais, motivo pelo qual, nos termos do disposto no art. 414.° n.º 2 do CPP deverá considerar-se inadmissível, nesta parte o recurso, por a decisão do pedido civil de que se recorre ser irrecorrível.

19) in casu , o Recorrente, não observa este rigoroso formalismo: não especifica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, remetendo-se, apenas, para uma decisão firmada na pura convicção, numa convicção alheada da prova produzida em julgamento.

20) Em ponto algum concretiza uma prova que imponha decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.

21) Tanto bastará para que se deva entender verificado fundamento bastante para a rejeição do recurso, seja pela inobservância dos apontados requisitos formais, seja por apelo a uma manifesta improcedência (Artigo 420" CPP).

22) Ainda assim, sob o desígnio da prevalência da decisão de mérito sobre a decisão formal, entende-se - posto que com esforçada exegese - ­que tomando-se por certa a impugnação dos factos atinentes ao crime de ameaça agravada, sem necessidade de outra argumentação, sempre valeria o que se deixa referido a propósito do apontado erro notório na apreciação da prova.

21) Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida, com o que se respeitará a lei e será feita a costumada JUSTIÇA!».

Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se na resposta oferecida pela sua colega na 1ª instância. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve resposta.

II. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.

Sabido que são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam o âmbito do recurso - artºs 403º e 412º, nº 1 do CPP [2] - cumpre dizer que em discussão nos presentes autos está o saber se

a) Enferma a sentença recorrida da nulidade a que alude o artº 379º, nº 1, al. b) do CPP?

b) Enferma a sentença recorrida de erro notório na apreciação da prova?

c) A matéria de facto apurada não preenche o tipo legal do crime de ameaça?

O tribunal recorrido considerou provada a seguinte factualidade:

1. B contraiu matrimónio com MC em 12.06.1999 e divorciaram-se em 2010;

2. Do casamento referido em 1) nasceram dois filhos R e N, nascidos, respectivamente em 16.11.1999 e 11.11.2002;

3. No dia 16 de Janeiro de 2009, B comunicou a MC, na presença dos filhos que se ia separar daquela e que passaria a viver no Monte do pai;

4. Em data não concretamente apurada de Janeiro e Fevereiro de 2009, B contactou diversas vezes A, irmão de MC, afirmando-lhe que estava maluca, que tomava muitos comprimidos e que precisava de ir ao médico;

5. MC, continuava a fazer a sua vida normal, por cautela e com receio de ficar sozinha em casa, pediu à sua avó, com 87 anos de idade, que passasse a dormir na casa de morada da família;

6. No dia 19.02.2009, deslocou-se ao local de trabalho de MC e, exaltado, discutiu com a mesma dizendo a determinado momento: ‘eu ainda te mato’;

7. No dia de Carnaval (24.02.2009), pelas 20h30m, dirigiu-se a uma zona de residência de familiares de MC, junto ao ‘Rotundos Bar’, exigindo, em voz alta e com nervosismo, levar o N (com pouco mais de seis anos de idade) e dizendo que ‘ela é má’, ‘ela engana-vos a todos’, ‘é uma cobra venenosa’. Deixou ainda o N a chorar, fragilizado, a pedir o colo da mãe;

8. No dia seguinte, pelas 18h30m, MC dirigiu-se à casa de morada da família e encontrou a fechadura mudada, tendo de ir passar a noite em casa do irmão e ficado privada do acesso a bens essenciais de uso pessoal;

9. MC, sentindo-se insegura, passou a andar rodeada de familiares ou pessoas amigas e a tomar outros cuidados para evitar contacto com o arguido;

10. Em 05.03.2009, pelas 12h30m, MC foi assistida no Centro de Saúde do Redondo devido a ‘depressão, ansiedade’;

11. No dia 05.03.2009, pelas 20h00m, B deslocou-se à casa de morada da família e perante MC, sua avó e filhos, manteve uma altercação em voz alta com o filho R e a ofendida, deixando-os nervosos e a chorar. A partir desta data MC e os filhos sentiram a necessidade de passarem a viver em casa dos pai/avós maternos;

12. No dia 03.04.2009, pelas 18h30m B deslocou-se a casa dos seus sogros, para levar os filhos. Tinham acabado de chegar das actividades desportivas e mal lhes deu tempo de tomar duche e mudar de roupa. Mesmo, assim, pelas 18h45m, foi com eles ao local de trabalho de MC e em voz alta e agressiva chamou-lhe ‘nojenta’ e ‘porca’;

13. Em data não concretamente apurada do mês de Abril de 2009, MC deparou-se com a casa de morada da família com as janelas trancadas e aparafusadas, impedindo a entrada de luz natural, os roupeiros apresentavam as fechaduras danificadas/fechadas;

14. Foi notada a perturbação causada nos filhos, nomeadamente com quebras de atenção e rendimento escolar do R;

15. B chegou a dizer a MC que ia fazer tudo para que esta perdesse o emprego, para que, assim, não tivesse dinheiro para ficar com os filhos;

16. B ao proferir a expressão descrita em 6), quis incutir-lhe um sentimento de medo, atentando contra a liberdade de movimentos, sabendo que a aterrorizava e com as expressões descritas em 7) e 12) quis atentar contra a sua dignidade, consideração, conforme sucedeu, causando-lhe efectivo temor e vergonha;

17. Sabia ainda que a sua proibida e punida por lei penal.

Resultou ainda provado que:

18. No dia referido em 11), pelas 20h17m, R, filho do casal, recebeu tratamento hospitalar no Centro de Saúde de Redondo tendo-se observado ‘ligeira equimose no local referido, transição do 1/3 superior para o 1/3 médio do braço esquerdo […] criança com faces tristes’,

19. MC faz medicação crónica para ansiedade desde 2009 e tomava, em 23.09.2011, ‘Alprazolam’ 0,5 mg, 3 vezes por dia;

20. Em 19.03.2009, o casal, a requerimento do arguido, regulou, por acordo, no âmbito do processo n.º ---/09.9TBRDD, que correu termos neste Tribunal, o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos menores que têm em comum, acordo que foi homologado por sentença da mesma data com, além do mais, os seguintes dizeres: “[…]1.- Os menores N e R ficam a residir com a mãe, sendo as respectivas responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores. 2.- O pai dos menores poderá passar com estes um fim-de-semana de quinze em quinze dias, devendo para tanto ir buscá-los a casa da mãe às sextas-feiras às 18:00 horas e entregá-los aos Domingos pelas 18:00 horas, com início neste fim-de-semana. 3.- O pai poderá ir buscar os menores às terças-feiras à escola frequentada pelos menores, após as aulas, levando-os à escola na quarta-feira. […]” ;

21. No período compreendido entre o dia 26.02.2009 e 27.03.2009, os menores R e N ausentaram-se, por várias vezes, do recinto escolar, com a autorização da mãe, antes de términos das actividades escolares e sem o conhecimento ou autorização do pai;

22. Em 31.07.2009, o arguido intentou contra a ofendida, um procedimento cautelar de arrolamento que correu termos neste Tribunal sob o n.º ---/09.2TBRDD, no qual foi decidido em 07.09.2009 que: “Pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar de arrolamento procedente e, em consequência, determino que se proceda ao arrolamento: A) dos saldos das seguintes contas bancárias de que o requerente e requerida são titulares: […] B) da renda mensal no valor de €400,00, paga por ‘Centro Óptico ..., Lda’ […] sito na Rua --- C) da renda mensal do valor de €125,71, paga por MV […] proveniente do arrendamento da fracção autónoma identificada na pela letra ‘B’, composta por uma garagem do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Rua -----D) da renda mensal do valor de €130,00, paga por CM […] proveniente do arrendamento da fracção autónoma identificada na pela letra ‘E’, composta por uma garagem do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Rua....] E) da renda mensal do valor de €350,00, paga por MF […] proveniente do arrendamento de casa para habitação, sita na Rua ....em Redondo[…] F) da renda mensal do valor de €275,00 paga por MI[…] proveniente do arrendamento da casa de habitação da casa de habitação, com entrada pela..., em Redondo […] Depositário: a) dos saldos das contas bancárias: o requerente e a requerida, cada um na proporção de metade do respectivo valor; b) das rendas indicadas sob as alíneas D) e F): o requerente; c) das rendas indicadas sob as alíneas B), C) e E): a Requerida”;

23. Em 31.08.2009, o arguido intentou contra a ofendida acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge que correu termos neste Tribunal sob o n.º --/09.3TBRDD, no âmbito do qual foi obtida homologação do divórcio que se convolou em mútuo consentimento, em 18.05.2010;

24. Em 07.02.2002 foi aceite uma proposta de seguro de vida ‘crédito à habitação Ocidental com o n.º 87618435’, subscrita pelo casal, da qual resulta, nas condições de aceitação: ‘MC […] aceite com exclusão de cobertura de invalidez correlacionada com doença psíquica. A exclusão referida deve-se ao seguinte quadro clínico-depressão’;

25. MC foi atendida no Centro de Saúde de Redondo, nas modalidades de saúde adultos, saúde materna, planeamento familiar, e no serviço de atendimento permanente em 123 contactos, 65 consultas de SAP e 56 de outras;

26. MC foi consultada no Centro de Saúde referido em 25), de entre o mais, por ansiedade desde 2007, com tratamento mais regular ou constante desde 2010, sendo a medicação efectuada com mais regularidade ‘Maizar 50/250’, ‘Telfast 120’, ‘Avamys’, ‘Prazan 0,5’ e desde Novembro de 2011 ‘Sertralina 50’;

27. MC foi encaminhada em 04.05.2009 pelo Núcleo de Apoio à Vítima para consulta de psicologia assegurada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital do Espírito Santo de Évora, o que mantém até à presente data;

28. Os menores N e R, filhos do casal foram sinalizados para entidades com valências de apoio a crianças e jovens em 05.03.2012 por denotarem a perturbação referida em 14);

29. MC frequentou a Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico de Portalegre, tendo sido bolseira por aqueles serviços nos anos lectivos de 2006/2007 e 2007/2008 com bolsa anual de €600,00 e €700,00 respectivamente;

30. MC esteve colocada no IEFP – Centro de Emprego de Évora no ISS, IP – Centro Distrital da Segurança Social de Évora no período de 21.06.2004 a 10.08.2006;

31. Em 29.09.2009, foi proferido pelos Serviços do Ministério Público deste Tribunal despacho final de arquivamento do inquérito que correu termos sob o n.º ---/09.0GBRDD, por falta de indícios sobre a identidade dos seus autores no qual o arguido denunciou, na qualidade de ofendido, que no dia 27.02.2009, no período compreendido entre as 12h30m e as 14h00m, desconhecidos introduziram-se por meio de arrombamento da porta de entrada, na residência comum do casal, de onde foi retirada a quantia de €10.000,00;

32. Actualmente e desde há, pelo menos, um ano, não têm havido quaisquer conflitos entre o casal, quer por assuntos pessoais, quer no âmbito do exercício das responsabilidades parentais dos menores;

33. O arguido é reputado como pessoa estimada e respeitada no seio da comunidade em que se insere, sendo reconhecido como pessoa trabalhadora e honesta e bom pais de família;

34. O arguido não regista antecedentes criminais.

Mais resultou apurado para efeito de pedido de indemnização cível que:

35. A ofendida, passou a residir, com os seus filhos, em 05.03.2009, num quarto da casa habitada pelos seus pais na Rua..., Redondo;

36. A divisão da habitação referida em 35) foi alvo de remodelações tendo sido dividida em duas assoalhadas por forma a acomodar a ofendida e os menores em dois quartos separados;

37. O imóvel referido em 35) é propriedade da ofendida;

38. A ofendida e os seus filhos recebem apoio familiar por parte da família materna;

39. A ofendida tem perturbações de sono em face do receio sentido de que o arguido concretize as suas ameaças e sente-se envergonhada na comunidade onde se encontra inserida pelas discussões que tiveram na presença de terceiros;

40. A ofendida sente preocupação pelo futuro dos filhos, a sua educação e a sua formação.

O tribunal recorrido considerou, por outro lado, não provada a seguinte factualidade:

a) Que a casa de morada de família tenha sido sempre, até à separação do casal, aquela onde B resida actualmente;

b) Que, no decurso do casamento, B tivesse pretendido impedir que MC completasse o seu curso de ‘técnica superior de Serviço Social’ e manifestando desagrado pela forma como esta se vestia lhe tivesse chegado a afirmar, em diferentes momentos ‘assim pareces uma puta’, ou ‘estás a mostrar o cú para todos apreciarem’, ‘tu queres é provocar os outros’, em alusão a roupas mais justas ou curtas;

c) Que o arguido tivesse manifestado, ao longo da vida em comum ocasionais atitudes de controlo, ridicularização ou humilhação da sua companheira;

d) Que, após saber que MC havia pedido aconselhamento jurídico (porque têm activos e passivos comuns), B lhe tivesse dito, em meados de Fevereiro de 2009, ‘se te vir com alguém mato-te’, ‘és uma ladra, andaste a viver à minha custa nove anos’;

e) Que pouco tempo depois do referido em e), o arguido tivesse proferido ameaças de morte a MC, tendo esta, por isso tomado a atitude descrita em 5);

f) Que o facto descrito em 6) tivesse tido lugar por conta da pretensão de B de levar R, com 10 anos de idade, na véspera a um show de ‘striptease’ que ocorreria no bar que explora;

g) Que os vizinhos, frequentemente se tivessem apercebido de situações semelhantes à descrita em 7);

h) Que, no dia 02.03.2009, quando B e MC se encontravam junto da Escola ‘EB1 do Redondo’, frequentada pelos filhos do casal, aquele, entre dentes e com ar sério, lhe tivesse voltado a dizer-lhe ‘se te apanho mato-te’, ‘eu mato-te’;

i) Que B tivesse continuado a criar constantes incidentes, ora não cumprido o acordado com MC quanto aos horários para ir buscar os filhos, ora aparecendo em locais inesperados, causando-lhe ‘stress’, medo, perturbando a sua normalidade, obrigando-a a recorrer ao auxílio e protecção/vigilância de familiares;

j) Que no dia e hora referidos em 11), o arguido tivesse dado empurrões na porta de um quarto onde a ofendida e os filhos se refugiaram, tombado e pontapeado cadeiras;

k) Que no decurso incidente referido em 11), a determinado momento, B tivesse agarrado o filho R, por um braço, fazendo uso da força, causando-lhe ‘ligeira equimose’;

l) Que na situação descrita em 12), B tivesse afirmado que ‘não tens vergonha de entregar os miúdos, assim, todos sujos?’;

m) Que os factos descritos em 13) tivessem ocorrido nos dias 06.04.2012 e 09.04.2012, respectivamente;

n) Que tivesse sido notada a perturbação dos filhos menores de cada vez que regressavam de casa da família de B, com a marca dos conflitos por ele provocados;

o) Que B tivesse sido o autor dos factos descritos em 15) e que o tivesse feito com o objectivo de impedir a ofendida e os seus filhos de retirar a própria roupa e demais objectos pessoais do interior da residência comum do casal;

p) Que B tivesse retirado, sem consentimento, da casa de morada da família objectos em ouro, documentos, fotos e prendas, cuja titularidade é da ofendida, ou dos filhos, ou, no mínimo, comum;

q) Que B se mostrasse mais descontrolado quando ingere bebidas alcoólicas e, após a separação tivesse passado a controlar as chamadas e contactos, via ‘tm’, de MC;

r) Que, com o seu comportamento, o arguido tivesse como objectivo expulsar a ofendida e os filhos comuns da casa comum do casal;

s) Que o arguido tivesse agredido fisicamente a ofendida;

t) Que com reiterada importunação de MC, quer directa e pessoalmente, quer através dos filhos ou de outros familiares ou próximo, B, tivesse actuado de forma deliberada, livre e conscientemente, humilhando-a, afectando a sua auto-estima, retirando-lhe autonomia enquanto membro do casal, bem sabendo que se tratava do seu cônjuge, que tinha para com ela especiais deveres decorrentes do casamento e que praticava tais actos na presença dos filhos.

Desta forma fundamentou a Mª juíza a quo a sua convicção:

«Cumpre, em obediência ao disposto no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, indicar as provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal e proceder ao seu exame crítico.

Assim, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo a “explicitação do processo de formação da convicção do tribunal” – Acórdão da Relação de Coimbra n.º 680/98 de 02 de Dezembro, por forma a permitir uma compreensão “do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 406/99 3AS de 12 de Maio, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

Esse processo de convicção do Tribunal formar-se-á, não só com os “[…] dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, […] "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos […]” – Acórdão da Relação de Coimbra de 10.01.2005, disponível in www.dgsi.pt.

Tendo em conta as considerações que se acaba de tecer, consigna-se que, na formação da sua convicção, o Tribunal fundou-a com base na apreciação crítica da prova feita em audiência de julgamento, designadamente, as declarações prestadas por:

(i) demandante cível MC,
(ii) AC,
(iii) MT,
(iv) TC,
(v) JC,
(vi) AC,
(vii) MF,
(viii) AF,
(ix) AM,
(x) CF,
(xi) VP,
(xii) MB,
(xiii) ME,
(xiv) SC,
(xv) MP,
(xvi) AJ,
(xvii) VP,
(xviii) MAC,
(xix) AG,
(xx) CM.

O Tribunal conjugou ainda a prova testemunhal com a documental junta aos autos, designadamente:
a) documentação clínica de fls. 26 a 28, 250, 369;
b) registo fotográfico de fls. 93 a 97;
c) documentos de fls. 205, 348 a 351, 455 a 458, 462 e 463;
d) cópia de decisão judicial proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais com o n.º --/09.9TBRDD, deste Tribunal, em 19.03.2009 de fls. 315 a 317;
e) declarações emitidas pelos professores, docentes da Escola frequentada pelos menores de fls. 318 a 324;
f) cópia de decisão judicial proferida nos autos de procedimento cautelar com o n.º ---/09.2TBRDD, deste Tribunal, em 07.09.2009 de fls. 325 a 338;
g) cópia de petição inicial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge de fls. 339 a 347;
h) relatório de atendimento de fls. 436 e 437;
i) cópia de declaração emitida pelo Instituto Politécnico de Portalegre em 27.12.2011 de fls. 444;
j) cópia de despacho de arquivamento proferido no inquérito com o n.º --/09.0GBRDD, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de fls. 459 a 461;
l) informação do Núcleo de Atendimento às Vítimas de fls. 506 a 509;
m) certificado de registo criminal de fls. 535.

O arguido B declarou não pretender prestar declarações, ao abrigo de um direito que lhe assiste, por força do disposto no artigo 343º, n.º1 do Código de Processo Penal, sem que o silêncio o pudesse, de algum modo, desfavorecer.

A demandante cível e ofendida MC ex-mulher do arguido, prestou declarações relatando os factos descritos na acusação. Na verdade, confirmou que foi casada com o arguido e que dessa união nasceram dois filhos R e N, em 16.11.1999 e 11.11.2002, respectivamente; que a situação de ruptura definitiva entre o casal ocorreu em 16.01.2009, data em que o arguido lhe disse, na presença dos filhos menores, que se queria separar da depoente e que ia sair de casa, o que fez, não tendo sequer esclarecido para onde ia viver.

Referiu também que o casal manteve conflitos desde o início do matrimónio, designadamente, recordou um episódio em que teve uma altercação com o seu sogro e a cunhada, que ocorreu em 2000, no interior do bar que o casal explorava porque esta terá atirado uma garrafa na direcção de um cliente, tendo a depoente chamado a sua atenção e no âmbito do qual, o seu sogro que não gostou, apelidou-a de ‘puta’ sem que o marido a tivesse defendido ou intercedido em seu favor, o que no seu entender teve uma influência negativa no seu casamento; que em 2005, quando se inscreveu para frequentar o curso universitário de técnico superior de serviço social, não disse ao marido a sua intenção, pois sabia que ele não aprovava a sua vontade, tendo-lhe apenas referido que obtivera classificação após terem saído os resultados; que não obteve o seu apoio para a frequência do referido curso, pois o arguido criticava o facto de frequentar as aulas, de querer frequentar os jantares de curso (referiu que nunca foi a nenhum porque acabam sempre a discutir, pois o arguido dizia-lhe que ia lá arranjar outro), a forma como se vestia, a circunstância de deixar os menores ao seu cuidado quando ia para as aulas, dizendo-lhe ‘em vez de ires passear os livros, devias era ficar para tomar conta dos miúdos’, que ‘as miúdas iam para a universidade para arranjar outras pessoas’; que toda a situação se agravou quando terminou o curso, pois nessa altura começou à procura de trabalho fora do Redondo, o que gerou também celeuma.

Esclareceu também que em 2003 ou 2004, data que não conseguiu precisar, solicitou terapia para o menor R, pois o mesmo tinha distúrbios de sono, e outros indícios de hiperactividade e que a psicóloga que o acompanhava sugeriu que fizessem terapia de casal, tendo a depoente e o seu marido frequentado apenas uma sessão, já que o mesmo recusou prosseguir com o tratamento; que não podia vestir-se ou maquilhar-se a seu gosto, pois o arguido dizia-lhe ora dizia que ‘parecia uma puta’ por causa da maquilhagem, ora porque as saias eram muito curtas, perguntando-lhe se ‘não havia mais dinheiro em casa para comprar mais tecido’, ‘mulher minha não é para andar nestas coisas’.

Disse também que nunca podia sair com os seus próprios amigos, pois o arguido proibia-a de sair, mas que o próprio sempre saiu as vezes que quis e com entendeu, tendo chegado a entrar em casa às 7h00m da manhã, sem dar justificação para o facto.

Relativamente à situação pós separação de facto do casal, disse que: em Fevereiro de 2009, no dia da inauguração do local onde trabalha actualmente (dia 14) o arguido telefonou-lhe e ameaçou-a de morte, dizendo que tinha que sair da casa de morada de família, que tinha a chave de casa e que estava à sua espera e que ‘se a visse acompanhada de alguém a matava, se metesse alguém lá em casa que matava, só não lhe tirava os filhos se não pudesse’.

Relatou ainda outros episódios que ocorreram na mesma altura, no período de Carnaval de 2009, 5 ou 6 dias após o referido (dia 19), em que o arguido foi buscar o filho R dizendo-lhe que ia levá-lo a um espectáculo de striptease, o que a fez telefonar-lhe para lhe dizer expressamente que não autorizava tal situação, tendo o arguido em jeito de retaliação se dirigido ao seu local de trabalho onde a ameaçou de morte ‘não me ameaces que eu mato-te’, expressão que proferiu na presença de TV, sua colega de trabalho; que por altura das comemorações de Carnaval e, após constatar a existência de um fato de disfarce de bruxa, em cima da sua cama, composto por uma mini saia, dirigiu-se, durante a noite a casa comum do casal e disse-lhe ‘acho bem que não saias daqui e que fiques em casa’; que no fim-de-semana imediatamente anterior ao Carnaval lhe disse que queria levar os filhos para estarem com o pai, mas que quando lhe tentou ligar para lhe pedir os trouxesse na 2ª feira, o mesmo não atendia o telefone; que o filho N que tinha vindo a casa para tomar duche começou a entrar em pânico porque não queria ir com o pai quando este tentou, sem sucesso, entrar em casa do casal com a sua chave; que nesse dia o arguido visivelmente aborrecido entrou no café que o irmão da ofendida explora a dizer ‘ela está louca, não pode ter os miúdos está mal da cabeça’ o que fez a depoente acorrer à varanda da sua habitação com o menor enquanto o arguido lhe dizia ‘eu já sabia que tinhas a cabeça feita’, ‘ela é uma bruxa’, ‘ela é má e é venenosa, vocês não a conhecem’, ao mesmo tempo que dizia ao seu irmão AC‘paga-lhe um tratamento’, conversa que foi presenciada pelos seus filhos, pelos seus pais e pelo seu irmão, o que a fez sentir-se humilhada e envergonhada, pois tais palavras foram proferidas em tom de voz elevado, na presença de terceiros.

Esclareceu ainda que nesse dia recebeu uma mensagem ‘sms’ do arguido solicitando-lhe que levasse, no dia seguinte para a escola, uma mochila para o filho R que tinha ficado consigo durante uma semana, o que fez, tendo notado que o menor evitava a mãe, sem razão aparente, quando na semana anterior parecia estar bem.

Mais referiu que, no dia 26.02.2009, viu-se na contingência de ficar sem conseguir entrar em sua casa, pois ao chegar ao local deparou-se com a fechadura da porta da entrada mudada, tendo pernoitado em casa dos seus pais com ambos os filhos menores, privada dos seus pertences pessoais (tendo pedido roupa emprestada à cunhada), pois ao enviar uma mensagem ao arguido para o confrontar com a situação, este disse-lhe que não lhe dava a chave e que só podia aparecer passado uma hora para lhe abrir a porta (neste dia ficou em casa da sua mãe com o filho mais novo). A respeito desta situação acrescentou que no dia seguinte foi à Guarda Nacional Republicana e veio ao Tribunal comunicar o sucedido tendo-lhe sido aconselhado que arranjasse um carpinteiro e fosse à respectiva habitação para que conseguisse entrar na referida casa, o que fez; que no dia seguinte e porque os seus filhos estavam muito agitados com toda a situação (R apresentava-se muito agressivo e alterado), pediu a uns amigos que residem em Lisboa para passar o fim de semana em sua casa, ao que estes assentiram, tendo a depoente, após mudar a fechadura entrado em casa para reunir os objectos de que iriam necessitar.

Esclareceu que quando regressou a casa, antes dos filhos chegarem da escola encontrou a Guarda Nacional Republicana à porta de sua casa, a qual lhe solicitou uma revista pessoal, ao veículo e seu conteúdo, pois o arguido havia participado um furto na habitação do valor de €10.000,00, o que desconhecia até aquele momento; que após o sucedido avisou o arguido de que os menores iriam consigo para Lisboa e seguiu para casa dos seus amigos; que o arguido ao aperceber-se de que a depoente levara os filhos para Lisboa, ligou aos seus amigos várias vezes para saber se os mesmos estavam em sua casa, o que negaram, embora o arguido se tenha deslocado à residência daqueles em Lisboa a fim de averiguar se os filhos e a mulher lá se encontravam (referiu que os filhos estavam manifestamente stressados por causa dos telefonemas constantes e sucessivos do marido que tentava saber o seu paradeiro).

Disse ainda que no Domingo quando regressou a casa deparou-se novamente com a fechadura mudada o que a levou a pernoitar novamente em casa dos seus pais (no entanto, referiu que o arguido entregou-lhe uma chave nova (através do irmão) e comunicou-lhe que passaria a residir naquela casa com o resto do agregado familiar); que no dia seguinte quando foi deixar os menores na escola o arguido dirigiu-se-lhe aos gritos e na presença da turma do filho na sala, com ‘ar de quem não tinha dormido’, dizendo-lhe ‘qualquer dia ainda te mato’, tendo a depoente descido da sala de aula e pedido a uma funcionária para subir e acalmar as crianças.

A depoente disse também que trouxe a sua avó de 87 anos para residir na casa de morada da família, pois receava as atitudes do arguido e as ameaças de morte, pensando que o mesmo teria algum respeito pela presença da anciã de quem sempre gostou; que o arguido passeava-se pela casa nu, deixava a iluminação ligada e as torneiras abertas, sem qualquer razão aparente e que só vinha pernoitar a casa, pois não fazia refeições no interior da mesma.

Relativamente ao episódio ocorrido em 05.03.2009, disse que o arguido saiu de casa e depois regressou dizendo à sua avó que a depoente era ‘ladra, má’ e que enquanto estava a vestir o seu filho N no quarto começou a ouvir R a gritar tendo ido ver o que se passava e para evitar a discussão entre pai e filho colocou-se entre os dois e afastou o menor para perto de si, ao mesmo tempo que encostou a porta do quarto, ficando entre os menores e a porta; que o arguido, porque estava muito exaltado empurrou a porta e avançou uns passos para a frente ao mesmo tempo que gritava atirando cadeiras ao ar e dizendo que lhe estava a bater.

A depoente referiu que em face do sucedido telefonou à Guarda Nacional Republicana que acorreu ao local e, bem assim, ao irmão para ir buscar a sua avó e o filho N que estava muito exaltado, tendo sido conduzida com o filho R para o Hospital, em Évora.

Esclareceu que ainda regressou a sua casa no dia seguinte na companhia do irmão para recolher os bens pessoais de que necessitava e foi para casa deste, tendo entretanto ficado instalada com os filhos na casa dos seus pais onde permanece até à presente data (pois o N não queria regressar para a sua casa e R andava muito nervoso com toda a situação); que na altercação que pai e filho tiveram, o arguido agarrou R pelo braço, sem que tenha percebido a razão, pois estavam ambos aos gritos e que o mesmo sofreu uma equimose em consequência daquele acto.

Quanto ao episódio descrito como tendo ocorrido no dia 19.03.2009, dia do pai, esclareceu que o regime de visitas já tinha sido fixado pelo Tribunal e que os menores iriam jantar com o pai nesse dia, não obstante, apenas o N aceitou ir com o pai enquanto R fugiu da mesma tendo sido encontrado na rua por uma amiga da mãe que o trouxe para casa, vindo a acalmar-se após a chegada da mãe e do tio, com quem conversou, tendo aceite ir ter com o pai para jantar.

Reportou-se igualmente a um episódio ocorrido na Páscoa de 2009, em data que não conseguiu concretizar, em que o arguido foi buscar os menores que tinham acabado de chegar das actividades desportivas e mal lhes deu tempo de tomar duche e mudar de roupa e que, com os mesmos no interior do veículo passou no local de trabalho de MC e em voz alta e agressiva chamou-lhe ‘nojenta’ e ‘porca’ afirmando: ‘não tens vergonha de entregar os miúdos, assim, todos sujos?’.

Também referiu que, por diversas vezes, quando se dirigiu a sua casa, em Abril de 2009, na companhia da mãe e já após ter deixado de lá residir, encontrou a roupa que estendia (as suas peças pessoais) no chão, enquanto a dos filhos encontrava-se na corda, as portas dos armários trancadas, as janelas aparafusadas, por forma a não permitir a entrada da luz, as portas dos roupeiros, que deixou trancados antes de sair de casa porque tinham os seus objectos pessoais, partidas, o conteúdo das malas de roupa remexidas. Esclareceu que numa dessas visitas o arguido apareceu e disse-lhe ‘até te comia toda’ tendo abandonado o local após aperceber-se da presença da sua mãe.

Instada sobre a razão de se deslocar com a sua mãe, referiu que sentia medo do arguido e das suas ameaças, que por isso anda sempre acompanhada, não sai à noite, mantém o seu carro estacionado em locais de pouca visibilidade ou pede ao pai que a vá deixar ao emprego, mantém o número da Guarda Nacional Republicana sempre pronto a ligar (é o primeiro no telefone). Relatou que, por diversas vezes, se apercebeu que o arguido passava em frente ao seu local de trabalho, de carro, embora nunca tivesse imobilizado o veículo, embora tal não aconteça há, pelo menos, um ano (da mesma forma que não têm havido problemas relativamente ao exercício do direito de visita); que lhe dizia que ‘ia fazer de tudo para que perdesse o seu emprego e para que não tivesse dinheiro para sustentar os miúdos’; que receia as atitudes do arguido porque ele tem licença de porte e uso de arma e que mantém desde sempre uma arma em sua casa; que até ao ano passado partilhava o quarto com os dois filhos, situação que está actualmente resolvida, pois fez obras para dividir a assoalhada em dois; que recebe muito apoio dos seus pais.

Quanto aos menores relatou que ambos são acompanhados pelo Núcleo de Apoio à Vítima, sendo o filho R acompanhado em pedopsiquiatria e ambos em grupos de psicologia; que o acompanhamento é feito no Hospital com sessões e medicamentos; que a própria depoente é acompanhada em sessões de psicologia há três anos e é, paralelamente, medicada pelo médico de família com ansiolíticos pois sofre de ansiedade; que sofreu de depressão pós parto após o nascimento do primeiro filho; que é asmática; que ainda não tem até à presente data todos os seus objectos pessoais, bem como os objectos dos menores – brinquedos, roupas, jóias – na sua posse pois o arguido partiu a chave da porta de casa na fechadura na presença da polícia impedindo o seu acesso; que inicialmente tiveram um divórcio litigioso, pois o arguido dizia que não queria divorciar-se, tendo inclusivamente intentado um procedimento cautelar por causa dos bens a partilhar; que tentou arrendar um dos imóveis de que eram comproprietários, mas o arguido cortou a luz no espaço na mesma data em que destruiu a referida chave; que não sabe se estão em falta bens seus no interior da habitação, pois há mais de um ano que não entra na mesma, no entanto, referiu que à data desapareceram as presentes que recebeu (objectos em ouro), não só oferecidas pelo arguido como por terceiros, fotografias suas e dos menores, documentos bancários, receitas médicas, inclusivamente de medicação que era prescrita para a sua avó, facturas de telefone, inclusivamente a facturação detalhada.

Instada sobre o que a determinou a manter-se numa relação que apresentava sintomas de fracasso desde o início, declarou que achava que o marido ia mudar e que sabia que ‘no dia em que fizesse alguma coisa iria comprar uma guerra’; e quando questionada sobre a medicação que tomava (cfr. fls. 369), declarou que parte dessa medicação tem a ver com o seu problema de ansiedade (Prazan e Cetralina) e o demais estava relacionado com a asma de que padece (Maizan – bomba, directamente vocacionado para as alergias) e com tratamentos de celulite e queda de cabelo, sendo a demais medicação da sua avó (designadamente a constante dos recibos juntos a fls. 349 que derivam de receitas médicas que foram por si aviadas para a avó).

Por outro lado, referiu igualmente que durante a frequência universitária foi bolseira, auferindo as quantias constantes da declaração de fls.444, e que o seu curso foi quase integralmente financiado pela sua avó e pela referida bolsa.

A depoente, quando confrontada com o facto de terem sido juntas várias declarações escolares aos autos de onde resulta que os menores faltaram, no período em referência na acusação, a actividades escolares e extra-escolares (fls. 318 a 324), esclareceu que os filhos saíram várias vezes do recinto escolar antes do términos das actividades com a sua autorização porque os próprios pediam-lhe para vir para casa pois não se sentiam bem; que receia a atitude do arguido quando este ingere bebidas alcoólicas pois torna-se uma pessoa agressiva; que nota os seus filhos tristes porque estão privados dos seus brinquedos e demais bens pessoais que ficaram no interior da casa comum do casal, à qual não tem acesso pois a chave permanece partida na fechadura e não quis lá voltar para trocá-la em virtude de todo o desgaste que tal situação lhe causa; que também a própria depoente se viu privada dos livros, roupas, electrodomésticos, enxoval, móveis, etc., que se encontram no seu interior; que se sente triste, angustiada e revoltada com a situação em apreço, que não queria que os seus filhos estivessem a passar por esta situação que lhe causa muita instabilidade; que ainda hoje não conseguiu ultrapassar a situação, pois receia as consequências do desfecho do processo, tem dificuldade em dormir, padece de limitações financeiras, já que ficou dependente da vontade e ajuda dos pais; que evita, em consequência, estar nos mesmos espaços que o arguido frequenta; que perdeu o contacto e a amizade de algumas pessoas que se afastaram após a separação.

Durante a contra-inquirição realizada esclareceu que em 2007/2008 trabalhou no café do irmão e, em 2004/2006, como administrativa no Gabinete do Serviço Social, auferindo cerca de €600,00; que o casal tinha vários bens imóveis pelos quais pagavam empréstimos bancários, mas também recebiam rendas, embora fosse o arguido o seu administrador; que ia às compras quando queria, designadamente, a Lisboa, embora o arguido não ficasse satisfeito com tal facto; que a depressão pós-parto de que padeceu teve lugar em 2002 (data em que foi subscrito o pedido de seguro constante de fls. 348); que os contactos hospitalares (123) referidos na informação de fls. 369 devem-se a situações de doença pontual, de diversa natureza ao longo de vários anos; que a casa onde actualmente reside é, na verdade sua, embora a tenha cedido aos pais para lá viverem, pois tem outra em Lisboa e a que era a casa comum do casal; que os seus filhos começaram a recear o pai apenas após o episódio que teve lugar por altura do Carnaval, situação que actualmente não se verifica; que chegou a trabalhar nas férias de funcionários do bar que é explorado pelo arguido para o ajudar, durante dias inteiros.

A testemunha AC, irmão da ofendida e cunhado do arguido, prestou declarações no sentido de confirmar que, no início de 2009, ouviu, por diversas vezes, o arguido dizer que ‘a sua irmã não estava bem, estava maluca, não toma conta das coisas’, ‘não era boa da cabeça, não era boa dona de casa’, ‘não era boa mãe’ (sic); que a sua irmã não consegue aceder à casa comum do casal; que chegou a estar lá em casa e apercebeu-se das janelas estarem trancadas; que teve conhecimento de que a irmã trocou uma vez a fechadura, mas que ocorreram vários episódios na referida casa até que esta saiu da mesma. Referiu que num desses episódios (pensa que foi por altura do Carnaval de 2009) a mãe foi chamá-lo ao bar onde trabalha a dizer que havia uma confusão na casa da irmã e que quando chegou ao local encontrou a Guarda Nacional Republicana no mesmo, tendo trazido consigo a avó e o sobrinho N, que o arguido estava muito alterado, que esbracejava, tendo-se apercebido de que havia uma cadeira virada e que a mesa estava fora do sítio, que os menores e a irmã choravam pois também eles estavam alterados, que o R dizia que o pai o tinha magoado, que a irmã e este sobrinho foram para o hospital.

Quanto ao mais, esclareceu que sabe que a avó viveu com a sua irmã em sua casa durante algum tempo porque a ofendida tinha receio das ameaças efectuadas pelo arguido embora nunca tenha assistido a nenhum desses factos; que tinha conhecimento de que o casal tinha problemas, mas que não se metia no assunto; que a sua irmã frequentou um curso e que o cunhado não a apoiou, pois ele dizia que ela ia passear e que não fazia nada (pensa que o arguido não gostava da ideia da ofendida se tornar mais independente); que a irmã sempre escondeu os seus problemas e que o arguido, por vezes, dizia-lhe que ‘não gosto que ela vá ao curso, não vai lá fazer nada, só vai gastar dinheiro’, mas que a conversa era sempre muito superficial.

Instado esclareceu que a sua irmã saía para onde queria e que nunca assistiu o arguido chamar a sua atenção pela forma como estava vestida ou tecer qualquer comentário a esse respeito; que sabe que a irmã saiu de casa por receio, após o episódio relatado e sem trazer todos os seus bens (disse que não viu, mas a irmã contou-lhe que teve que se resguardar dentro do quarto com os filhos porque o arguido agrediu o menor e tentou agredi-la); que no dia de Carnaval desse ano houve um outro episódio de altercação entre o casal, pois quando o arguido foi buscar os menores, apercebeu-se de que um deles não queria ir consigo, o que o fez entrar no seu bar enervado, enquanto dizia que eles tinham que ir e reclamava com a situação em moldes que não consegue precisar dado o tempo entretanto decorrido, o que sucedeu quando a irmã veio à varanda da residência com o filho ver o que se passava; que os seus sobrinhos diminuíram o seu rendimento escolar e sofreram com a situação (pois o ritmo escolar, a rotina familiar mudaram) o que determinou o seu acompanhamento em psicólogo o que persiste até à presente data; que notou uma alteração comportamental nos sobrinhos; que a irmã e os sobrinhos passaram a viver em casa dos pais, no quarto de solteira da irmã que agora foi alvo de obras; que a ofendida e os filhos têm muito apoio familiar; que houve situações que foram de conhecimento público pois trata-se de uma vila de pequena dimensão em que todos se conhecem.

Quando instado sobre o seu conhecimento da vida do casal anterior a 2009, disse não ter conhecimento de qualquer episódio digno de relevo, pois nunca foi muito conhecedor da vida da sua irmã; que não recorda a existência de desacatos ou discussões, pois ‘sempre correu tudo muito bem’; que relativamente ao discurso do arguido, sempre lhe pareceu que o mesmo tentava desculpabilizar o seu comportamento e que até lhe chegou a dizer ‘a gente um dia vai deixar de se falar, eu sei disso’; que chegou a ver o arguido embriagado, mas isso nunca foi um hábito; que não tem conhecimento dos pormenores que envolveram a chamada da polícia aquando foi participado um roubo na habitação do casal, embora tenha ouvido dizer sobre tal situação; que tem conhecimento de que a irmã trabalhou no bar do marido, embora não saiba se a mesma chegou a auferir ordenado; que tem conhecimento de que a casa onde vivem os pais foi construída pela irmã e pertence-lhe e que o casal tinha vários imóveis, para além da casa comum do casal.

Relativamente aos dias de hoje, esclareceu que a irmã sai pouco de casa, porque tem pouca disponibilidade por causa dos menores, que trabalha e que a situação referente ao exercício das responsabilidades parentais está normalizada e funciona sem quaisquer atritos; que, com excepção da situação decorrente do divórcio e de uma depressão pós-parto, desconhece a existência de problemas de saúde de que a sua irmã padeça.

A testemunha MT, cunhada da ofendida e do arguido declarou que reside próximo da casa onde a ofendida e os filhos vivem actualmente e que recordava, no essencial, que em data que não consegue concretizar o arguido dirigiu-se à residência, entrando com chave própria para vir buscar os filhos, tendo o mais novo dito que não queria ir, ao que o mesmo começou a reclamar dizendo ‘estão muito enganados em relação à ela, porque ela não é aquilo que pensam, está maluca, não está bem’; que o filho mais novo, ficou muito enervado e começou a chorar; que no Carnaval de 2009 teve conhecimento do sucedido na casa comum do casal, através do marido que foi ao local e trouxe para sua casa a avó e o sobrinho; que recorda que o casal teve várias discussões durante o período em que a ofendida frequentou a universidade, pois o arguido era contra tal situação; que também não gostava que a ofendida usasse minissaias e blusas decotadas ou que saísse para ir às compras para Badajoz (sabe destes factos porque a própria ofendida relatava-lhe que tinham discussões após o regresso); que tem conhecimento de que os menores são acompanhados por psicólogos; que no período anterior a 2009 mantinha contacto com o casal, mas nunca se apercebeu de nada de anormal; que viu os menores a andarem de mota no largo, sozinhos; que há cerca de um ano nota as relações entre o casal mais serenas e pacíficas.

A testemunha TV, colega de trabalho da ofendida declarou ter apenas conhecimento de duas situações que ocorreram na sua presença, em data que não conseguiu precisar. Assim, esclareceu que uma delas, a primeira teve lugar em Fevereiro de 2009, na presença de outra colega, MF, à porta do local de trabalho de todas elas (museu), em plena via pública, quando se encontravam a conversar e que ao aperceber-se que o arguido se aproximou de carro com um dos filhos no seu interior e chamou-a ‘nojenta e porca’, afastou-se do local e entrou no museu, não sabendo explicar o que se passou então, embora tenha a ideia de que fora uma conversa que mais ninguém ouviu, pois não foi em moldes audíveis por terceiros, sendo certo que não estava mais ninguém no local.

Quanto à segunda situação, referiu que a mesma se passou no interior do museu onde trabalham e que viu o arguido já no interior daquele recinto e que este lhe disse ‘que a matava’, embora não tenha sabido concretizar o contexto desta expressão, a conversa que tiveram, embora tenha memória de que o arguido estava calmo e que MC começou a chorar após o sucedido, o que a determinou a passar estacionar o seu veículo em locais mais afastados e escondidos e a pedir ao pais que a fosse levar ao emprego, pois receava a atitude do arguido. Instada referiu que aquela expressão foi proferida em contexto de discussão, pois na sua opinião o arguido não tinha qualquer intenção de lhe fazer mal.

Relativamente ao estado de espírito da ofendida, referiu que a mesma é uma pessoa mais nervosa e mais triste, sem ânimo, em face de tudo o que se passou, que lamenta não ter os seus objectos pessoais e não poder ir à sua casa, que em data que não conseguiu precisar recordava-se de a ofendida lhe ter relatado que teve que solicitar a presença da Guarda Nacional Republicana para lhe arrombarem a porta de casa para conseguir entrar na mesma, pois não tinha chaves; que a conhece há cerca de quatro anos e que acha que MC veste-se da mesma forma que sempre vestiu.

A testemunha JC, pai da ofendida e sogro do arguido, declarou que sempre privou com o casal e que se apercebeu no final de 2008, início de 2009 que filha andava perturbada e que saiu de casa; quanto aos factos em concreto declarou nunca ter assistido a nada de concreto, embora tivesse chegado ir levar e buscar a filha ao local de trabalho pois o arguido já a havia ameaçado de morte, o que ela temia (embora a mesma nunca lho tivesse pedido); que levou um carpinteiro para mudar a fechadura da casa do casal na presença da Guarda Nacional Republicana a pedido da filha, porque esta não tinha as chaves de casa para entrar, já que a fechadura tinha sido mudada; que nunca teve razões de queixa do genro; que desde 2009 que a sua filha não entra na casa do casal porque a chave está partida na fechadura, o que impede o acesso; que a filha e os netos residem com o depoente e a sua mulher numa casa da própria ofendida, que se encontra cedida aos pais.

A testemunha AC, mãe da ofendida e sogra do arguido, disse que notou desde o início que a filha passava longos períodos sozinha, designadamente, durante a noite, pois chegava a ligar à mãe a dizê-lo, aflita sem saber onde estava o marido; que nos almoços familiares de Domingo, por várias vezes se apercebeu que o arguido chamava a atenção da sua filha dizendo-lhe ‘está calada, não sabes nada, não tem educação nenhuma’, mas foi dizendo à filha que aguentasse pois ele ia melhorar; que a filha não podia vestir uma saia mais curta que ele reclamava e dizia-lhe que fosse retirar a saia; que na véspera de Carnaval de 2009, ano em que se separaram, o arguido quando foi buscar os filhos disse-lhe que ‘a filha estava maluca, que lhe pagava um tratamento, que ia fazer tudo para que perdesse a casa, que lhe havia de retirar os filhos’; que tais factos ocorreram na presença dos filhos que ao aperceberem-se da situação começaram a chorar, facto aliás que até hoje não é aceite pelo filho mais novo ‘que marca tudo e chora pelas suas coisas’; que tem conhecimento da sua própria mãe ter ido viver para casa da filha e do genro porque esta tinha medo dos actos deste; que a filha saiu de sua casa até ao dia em que houve necessidade de chamar a polícia lá a casa, embora não tenha assistido aos factos recordou que nesse dia (16.01.2009) recebeu a sua mãe e o N que vieram com o filho e que o neto lhe disse ‘não quero voltar, não quero ir para aquela casa’; que a filha e os netos ficaram a viver na casa onde habita com o marido, que é propriedade da mesma, no seu antigo quarto de solteira; que o pai e o irmão da ofendida foram diversas vezes buscá-la e deixá-la ao seu local de trabalho porque esta receava o arguido a pedido da própria; que nunca viu o arguido elogiar a mulher, pois para ele tudo estava mal feito, e fazia questão de lhe dizer isso na presença de quem estivesse com eles; que chegou a ir a casa do casal após a mesma ter deixado de lá morar para ir buscar as suas coisas, tendo constatado que as janelas estavam encerradas com parafusos, que não havia luz nem circulava ar pela casa, que a chave fora partida no interior da fechadura; que os seus netos tinham medo que o pai fizesse mal à mãe e receavam até passar à sua porta; que a filha é saudável, embora tenha tido uma depressão pós-parto e que o seu neto R é hiperactivo, mas que é acompanhado em psicoterapia; que os netos gostam de estar e de conviver com o pai.

A testemunha MF, colega de trabalho da ofendida relatou, no essencial, um episódio que ocorreu à porta do museu onde trabalhava com a ofendida, que sucedeu na sua presença, da ofendida e da colega T; que o arguido surgiu de carro, abrandou a marcha e dirigiu-se a MC dizendo-lhe ‘porca nojenta’ e que após tal situação foi-se embora, tendo MC ficado imobilizada sem reacção, após o que retomaram a conversa. No mais, tal como T confirmou que a ofendida estacionava o veículo em locais mais reservados para não ser vista pelo arguido ou vinha com o pai, pois receava a concretização das ameaças.

A testemunha AF, médico de família da ofendida, confirmou o teor do atestado de fls. 250, explicando a natureza e benefícios da medicação ali prescrita, designadamente, que o Alprazolan é uma medicamento adequado ao tratamento de ansiedade; que tem conhecimento de que os menores são acompanhados pela equipa de saúde mental do Hospital em Évora porque houve um desajustamento a nível escolar; que a informação constante de fls. 369 e referente às consultas médicas da ofendida prendem-se com atendimentos de diversa ordem e que a medicação Maizar, Telfast e Avamys são prescritos para problemas respiratórios, que o Prazan é um ansiolítico adequado para tratamento de ansiedade, que pode ter uma toma mais irregular, e que o Sertralina é um anti-depressivo que necessita de algum tempo para actuar (para funcionar tem que ser tomado regularmente) e que é prescrito para estabilizar o humor, afastar pensamentos negativos, adequado a tratar estados de espírito depressivos; que a ofendida faz tratamento regular desde 2010, embora sofra de ansiedade pelo menos desde 2007; que a ansiedade e depressão não são situações crónicas e portanto não são medicadas em permanência.

A testemunha AM, psicólogo clínico da ofendida, declarou que a mesma foi encaminhada pelo Núcleo de Apoio à Vítima em Maio de 2009, por se encontrar em estado de ansiedade, e de stress motivado pelo divórcio ‘eu presumo que tenha sido uma situação motivada pela separação, pelo divórcio pelo conflito’; que a ofendida demonstra muita preocupação com a educação e formação dos filhos (referiu, em especial, que o pai ofereceu moto-quatros aos filhos, o que parece desadequado para a idade, que quis levar o filho mais velho a um bar nocturno até às duas da madrugada), receio do arguido e da sua família; que lhe relatou que já era insultada na pendência do casamento e que o arguido a ameaçou de morte após a ruptura da relação; que acredita naquilo que lhe foi transmitido pela ofendida por lhe parecer uma história coerente, sem contradições; que é uma pessoa que tem reacções de quem vive com medo ‘chora, emociona-se’, embora apenas saiba o que ouviu dizer da ofendida; que ainda não teve alta hospitalar porque a fonte de stress mantém-se (pendência dos autos); que os menores deviam ser protegidos quer pela mãe quer pelo pai pois trata-se de uma situação de ruptura em que as crianças sofrem; que a situação relatada pela sua utente é aparentemente mais do que um divórcio litigioso (pois não é normal relatarem-lhe situações de ameaças e perseguições); que sabe que a relação nos últimos meses tem estado mais pacíficas.

A testemunha CF, psicólogo, esclareceu que em 2004 fez três sessões de terapia conjugal ao arguido e à ofendida, embora não saiba precisar quem a solicitou (recorda que havia tensões porque o casal não se dava bem); que não voltou a fazer tal trabalho porque o casal deixou de frequentar aquelas consultas, que o filho mais novo do casal está inserido num programa de acompanhamento que é por si coordenado; que o menor iniciou o acompanhamento na sequência do divórcio dos pais, o qual é considerado normal atento o contexto de conflito em que o mesmo ocorreu, embora nada saiba dizer sobre a existência de violência doméstica.

A testemunha VP psicóloga, declarou acompanhar o menor Ricardo e nesse contexto esclareceu que se trata de um menor que no passado, em 2004, era irrequieto, dormia pouco, era uma criança intranquila e muito agitada tendo sido sinalizado pelo jardim de infância para acompanhamento, o que sucedeu com sucesso (foram trabalhados individualmente o menor e seus pais); que na presente data acompanha o menor por indicação do colega, AM que o remeteu em 2009, na sequência do divórcio dos pais; que o menor não sabia gerir a contrariedade (ora reagia com tristeza, ora reagia com agressividade), factos que lhe foram relatados pela mãe do menor e pela própria escola que frequenta, que vivenciava um mau estar por ser uma criança muito fechada que nunca expõe os actos dos pais ou as situações negativas por si vividas; que o menor regressava dos fins-de-semana mais enervado, agitado e ansioso, revelando dificuldade em dormir (facto que lhe era reportado pela mãe do menor), mas depois também referiu que noutros fins-de-semana vinha contente, bem disposto e animado.

A testemunha MB, pai do arguido e sogro da ofendida, prestou declarações de sentido totalmente diverso das anteriores testemunhas indicadas. Na verdade, disse que o seu filho foi ‘vítima de maus tratos’, pois a ofendida tentou, designadamente, através dos filhos, criar mau estar, pois tentou afastar os netos dos avós ‘colocá-los contra nós’; aproveitou-se da boa vontade do marido, pois ‘tirou o curso à nossa conta, pois não foi capaz de o tirar em momento anterior’; que manteve outros relacionamentos antes do casamento com o seu filho, os quais resultaram gorados pela sua forma de estar nos mesmos (instado acabou por esclarecer que apenas sabe desse facto de ouvir dizer); que nunca aprovou o casamento do filho, embora depois se tenha acabado por aceitar, no entanto, a nora ‘sempre quis mandar, ser patroa, queria mandar em toda a gente, proibia os netos de falarem com a gente’; que sempre achou o filho muito ‘mole mas que entretanto acabou por explodir, como qualquer um faria’ (instado para esclarecer disse que o filho nunca dizia nada sobre os problemas que tinham, mas acabou por pedir o divórcio); que acha o filho ‘conservador, não gosta de palhaçadas’, mas entretanto manteve o relacionamento muito tempo sem levantar problemas, enquanto aguentou; que sempre se apercebeu da existência de problemas entre o casal, pois a ofendida desaparecia com os netos sem dar explicações, deixando o filho muito aflito, à procura dos mesmos, sem saber o que tinha acontecido, proibiu os contactos com os avós, designadamente nos dias de aniversários destes; que tem conhecimento de que, por várias vezes, foi buscar os menores à escola mais cedo que o habitual, designadamente, logo após a separação, para impedir que os mesmos estivessem com o pai e com os avós; que ameaçava as crianças com esse facto e que não queria contactos entre pai/filhos; que no dia 27 de Fevereiro de 2009, data do aniversário da sua mulher, a ofendida desapareceu para impedir que os menores estivessem com os avós.

Quando instado esclareceu que o show de striptease que tem lugar numa data em que se comemora o ‘dia das comadres’, festa típica da comarca, numa divisão a que só acedem adultos, devidamente vigiada por um segurança e separada do bar e esplanada que o filho explora e que é frequentado por várias famílias e crianças; que os seus netos frequentavam tal bar e esplanada inclusivamente na companhia da mãe sem que tal facto alguma vez tivesse sido um problema; que nunca viu a ofendida limitada no seu vestuário (facto a que fez alusão sem que lhe tivesse sido directamente perguntado), que a ofendida tomava medicação (pensa que anti-depressivos), embora não saiba a razão, em concreto; que soube, embora não tenha presenciado, de um episódio que ocorreu após a separação, por altura do Carnaval, em que o filho tentou ir buscar os netos e a ofendida impediu, tendo esta entalado os dedos daquele numa porta que fechou (disse que o filho foi receber tratamento médico); que se recorda de ver a ofendida no café explorado pelo seu filho, a tomar café, a retirar dinheiro da caixa registadora, quando precisava, mas não tem presente que a mesma alguma vez lá tenha trabalhado ou sequer substituído algum funcionário em período de férias; que soube que a casa do casal foi alvo de roubo e que aconselhou o filho a chamar a Guarda Nacional Republicana; que apenas esteve em casa do filho duas ou três vezes pois sentia que não era bem vindo; que teve conhecimento de que o filho saiu de casa e que o mesmo trazia apenas a roupa com que vinha vestido, não sabendo esclarecer o que fizeram aos demais bens móveis; que nada sabe sobre o fecho de janelas ou portas na residência do casal; que teve conhecimento de que a ofendida mudou a fechadura da porta de casa e deixou uma cópia da chave no cunhado para o seu filho; que o filho foi entretanto buscar as suas roupas e decidiu ir viver para o Monte, casa do depoente, tendo entretanto mudado de residência após ter sido aconselhado pelo pai, para o centro do Redondo.

Relativamente aos seus netos, referiu que os mesmos são sempre entregues com a roupa suja, mal cuidada, apresentando nódoas, o que os obriga a comprar vestuário novo; que ofereceu moto-quatros aos menores, que têm a categoria de ‘brinquedo’ adequado a menores de 6 aos 12 anos e que serve exclusivamente para brincarem no seu Monte; que nunca se apercebeu que o seu filho controlasse a mulher, pois era ela quem lhe estava sempre a ligar para ele e que, não tem conhecimento de qualquer situação de perseguição, seguimento ou ameaça após o fim da relação do casal.

A testemunha ME, mãe do arguido e sogra da ofendida, prestou declarações no sentido de corroborar as declarações do seu marido. Assim, referiu que o filho é a vítima da relação, pois não tinha roupa lavada, comida feita, embora nunca reclamasse ‘era um banana’; que nunca se apercebeu do filho repreender a mulher pela roupa que vestia ou pelo uso de maquilhagem, embora na sua opinião pessoal, por vezes, não fosse a mais adequada, facto que nunca referiu pois não queria interferir; que soube da separação porque a própria ofendida lhe ligou a comunicar que o filho ‘tinha pedido o divórcio’ ao que lhe respondeu ‘tenham juízo que têm dois filhos pequenos para criar’; que esteve na casa do casal cerca de cinco vezes pois sempre que lá ia tinha que ligar para se anunciar, o que a aborrecia; que durante o período em que a ofendida frequentou a universidade, o filho organizou-se com os sogros e ficou com as crianças; que a ofendida nunca trabalhou no café do filho, embora o frequentasse para tomar café, pois quem substituía a funcionária nas folgas e férias era a sua filha; que em Janeiro de 2009, a ofendida impossibilitou os contactos do arguido com os filhos; que no dia do seu aniversário estava combinado que os mesmos vinham jantar a sua casa e quando o filho foi buscá-los à escola, eles já não se encontravam lá, ficando o arguido sem saber do seu paradeiro; que efectivamente o bar que o filho explora faz um show de striptease anual, por altura da comemoração do ‘dia das comadres’, o qual tem lugar no primeiro andar do referido café, tem a entrada vigiada por um porteiro e não é acessível por menores idade, logo os seus netos nunca lá estiveram, embora ficassem na esplanada do café, a brincar; que o filho quando saiu de casa não trouxe nenhum objecto consigo, nem sequer a sua roupa, a qual veio mais tarde a recolher da casa comum do casal tendo constatado que a mesma estava escondida.

Quanto aos seus netos referiu que os mesmos vinham tristes e afectados durante os períodos de visita ao pai e que isso aconteceu com maior frequência durante o período da separação; que vinham com a roupa suja, o que os determinou a comprar várias peças de vestuário; que recorda as últimas férias que passaram na companhia dos netos no Algarve, numa casa de família, em que a mãe não os queria deixar vir de férias, o que acabou por acontecer por vontade dos próprios menores e do seu pai, tendo a ofendida durante esse período realizado inúmeras chamadas telefónicas ao menor R exercendo pressão para o regresso do menor (instada disse que ele chorou durante a viagem tendo comentado que a mãe lhe disse que se não chegasse em tempo não iria de férias com a mesma, o que lhe causou uma enorme tensão); que a moto-quatro que ofereceram aos netos é um brinquedo adequado a crianças daquela idade (7 a 12 anos), como aliás já havia sido utilizado pelos seus próprios filhos.

Finalmente, referiu que a pessoa controlada na relação era o seu filho que constantemente recebia chamadas da mulher e tinha que dizer onde estava e o que estava a fazer e que nada sabe sobre perseguições após a fim da relação, nem acredita no receio da ofendida pois recorda-se de a ter visto no interior do referido bar, na zona afecta a adultos, onde se realizam os espectáculos, mascarada, entre amigos, tendo a mesma encetado um provocação à própria depoente a que não deu importância.

A testemunha SF, irmã do arguido e cunhada da ofendida, prestou igualmente declarações de sentido muito semelhante às das testemunhas anteriores, ou seja, os seus próprios pais. Assim, disse que já conhecia a ofendida antes da mesma se tornar sua cunhada e que nunca aprovou o casamento do irmão, pois conhecia o passado da mesma, o qual não aprovava; que após o irmão lhe ter dito que a namorada estava grávida disse-lhe para casar e assumir a sua responsabilidade, o que este fez; que na sua opinião a cunhada sempre se vestiu de forma desadequada para a sua idade (era alvo de comentários jocosos no café do irmão) embora nunca lhe tenham dito nada, desde logo, porque o próprio irmão também não o fazia; que sempre teve a sensação de que, quem controlava as contas e a vida familiar do casal era a sua cunhada; que esta tirou um curso superior em Portalegre e que durante esse período o seu irmão ajudou-a (tomava conta dos filhos) e andava orgulhoso; que soube, em 2009, através da sua mãe que o casal tinha cessado a coabitação por iniciativa do seu irmão e que na altura comentou com a irmã comum que ‘se isto acabasse vinham aí anos de terror, que se preparassem’, pois na sua opinião ‘o primeiro filho foi para arranjar marido’ e o segundo ‘para manter o casamento’; que o seu irmão sempre se deu bem com a família da cunhada ‘achavam que ele era a galinha dos ovos de ouro’; que a cunhada usou as crianças como arma de arremesso, pois desaparecia com os miúdos sem que o irmão soubesse dos mesmos; que tal sucedeu no dia de aniversário da sua mãe, em 27.02.2009; que os menores ora não falavam à família do pai ora eram literalmente empurrados pela cunhada para falarem quando o pai estava presente; que recorda que quando conheceu a ofendida esta tomava medicação relacionada com uma depressão que teve quando terminou o anterior relacionamento; que os sobrinhos não foram às festas ou assistiram aos shows de striptease que tiveram lugar no bar do irmão, pois os mesmos tiveram lugar no 1º andar, na zona afecta aos adultos, a qual é vigiada por porteiro, embora os menores frequentem a esplanada e o bar, como o fazem muitas outras crianças; que recorda um episódio em que os sobrinhos chegaram na companhia do pai todos sujos e soube que o irmão enervado foi ao local de trabalho da ofendida questioná-la sobre esse facto; que a ofendida ainda, na presente data, entrega os filhos aos fins-de-semana de visita do pai sem roupa, sendo que, no passado, chegou a enviá-los com a roupa suja; que o irmão contou-lhe que ficou com a mão ferida na sequência da discussão que tiveram logo a seguir ao Carnaval, em Março de 2009, quando se deslocou à casa para ir buscar os menores e a ofendida começou aos gritos a dizer que ele a queria matar, tendo fechado uma porta entalando a mão do irmão (esclareceu que viu o irmão com os dedos inchados e sabe que o mesmo recebeu inclusivamente tratamento hospitalar; que recorda-se de ver o seu irmão mal trajado, aliás era comentário da família; que a ofendida o controlava em tudo o que fazia (ligava-lhe a perguntar onde estava, o que estava a fazer); que nada sabe sobre a mudança das fechaduras.

Relativamente aos sobrinhos, acha que eles sofreram muito por estarem nesta situação e que a mãe não os poupou aos conflitos, não obstante o irmão é bom pai e os filhos gostam de estar com ele, mantêm bom relacionamento com a sua actual companheira e estão contentes com o nascimento do novo irmão; que o seu irmão mantém os seus amigos até à presente data.

Directamente instada para responder se tinha algum litígio por resolver com a sua cunhada respondeu afirmativamente, esclarecendo que deixou de falar com ela por causa da forma como tratou os seus filhos, mas que tal facto em momento algum a impediu de dizer a verdade.

A testemunha MP, funcionária do arguido, disse ser funcionária do arguido há, pelo menos, dezasseis anos, que pessoalmente o seu patrão é uma pessoa correcta e trabalhadora, que nunca o viu envolvido em desacatos, embriagado ou em conflitos com terceiros; que nunca viu a ofendida a trabalhar naquele bar, embora fosse frequentadora assídua, pois era o bar do marido; que nunca se apercebeu de nenhuma discussão entre o casal, pois aparentemente pareciam viver felizes; que a ofendida sempre se vestiu da mesma forma e que desconhece se a mesma alguma vez tomou medicação; que as crianças sempre foram bem tratadas pelo pais, por quem ‘têm uma adoração’.

A testemunha AJ, padrinho de casamento do casal, declarou conhecer o arguido há cerca de trinta anos, pessoa que no seu entender é pacata, não se envolve em brigas ou desacatos. Disse que foi padrinho de casamento do casal e que nunca se apercebeu de que tivessem desavenças, não presenciou discussões ou repreensões, comentários ao vestuário (embora recorde que a mesma por vezes vestisse minissaias ousadas); que se apercebeu que a ofendida ajudou o marido no bar, pontualmente, (em festas, promoções de bebidas, etc.), embora na sua opinião não trabalhasse no local; que recorda que no período de Janeiro a Março de 2009, o arguido andou muito preocupado pois dizia-lhe que não conseguia ver os filhos, porque a mulher não deixava; que nada soube sobre ameaças ou discussões entre o casal, mesmo após a separação e que a ofendida depois de se separar deixou de lhe falar sem que nunca tenha explicado a razão (embora já o conheça há cerca de quinze anos); que também frequenta o bar do irmão da ofendida e que chegou a vê-la nas comemorações de Carnaval, em 2009, entre amigos e muito animada.

A testemunha VP, amigo do arguido, disse que o arguido é pacato, educado, uma pessoa correcta e honesta; que não tem hábitos de alcoolismo.

A testemunha MA, amiga do arguido há quinze anos, confirmou o teor das declarações prestadas por VP e referiu, em especial, que ele é um bom pai, que os seus filhos gostam muito do tempo que passam com ele e quanto aos factos disse nada saber de concreto, com excepção de que o arguido cuidou dos menores (chegando a cozinhar para os filhos), durante o período em que a ofendida frequentou o seu curso universitário, ao mesmo tempo que trabalhava; que se apercebeu de que a ofendida pressionava o filho mais velho, R, (instada para esclarecer disse ter presenciado, há cerca de dois anos atrás, o filho mais novo do arguido dizer ao irmão ‘agora a mãe bate-me é a mim’ apenas porque queria subir as escadas para ir a casa dos avós, enquanto o R lhe dizia ‘não vás senão eu vou dizer à mãe’); que nunca viu os miúdos na zona das festas nocturnas, até porque não podiam lá entrar.

Esclareceu que a sua razão de ciência resulta, actualmente, do facto de frequentar o bar do arguido, há vários anos, com maior ou menor frequência, de acordo com as estadas que faz alternadamente entre Lisboa e o Redondo, e no passado por ter explorado uma loja que aquele lhe arrendou sita na mesma rua do seu bar (situação que ocorreu há doze anos e durou um ano) e que sempre que viu o casal em festas, a ofendida dançava e conversava livremente com os amigos, que sempre se vestiu normalmente e que nunca se apercebeu de nenhuma discussão pelo vestuário; que a ofendida chegou a ajudar o marido no bar durante a hora de almoço ou parte dela enquanto a funcionária não regressava. Caracterizou a relação como sendo mais controlada pela ofendida (disse que ouviu vários telefonemas da mesma questionando o arguido sobre o local onde estava e o que estava a fazer), e que achava que ela tinha uma atitude um pouco arrogante.

As testemunhas AG e CM, ambos amigos do arguido prestaram declarações exclusivamente abonatórias no sentido de que se trata de uma pessoa trabalhadora, honesta, pacata, ordeira e amiga (tem muitos amigos), e é bom pai de família.

Conforme ressalta da prova produzida, resultam duas versões totalmente antagónicas dos factos. Na verdade, como é apanágio neste tipo de crime, poucas testemunhas ou quase nenhumas têm conhecimento directo dos factos, pois e, em especial, quando em causa estamos perante situações de mau trato psicológico, a tendência é a de não deixar marcas visíveis (como no caso das agressões físicas – hematomas, escoriações equimoses, etc.), sendo que tendem a decorrer no recato do lar, entre quatro paredes, na presença dos ali residentes, na maior das vezes, os filhos, de tenra idade, os quais por regra não permitem apurar o que de facto aconteceu, desde logo porque se recusam a testemunhar.

Neste caso, não estamos perante uma excepção. As testemunhas ouvidas em audiência prestaram declarações, no seu essencial, declarando não ter conhecimento directo dos factos, pois, cada uma delas limitou-se a relatar o conhecimento que tinha dos sujeitos processuais, enquanto casal, sendo certo que, na sua presença terão ocorrido situações pontuais, as quais, à data e isoladamente não associaram à existência de um conflito conjugal grave. Contudo, os testemunhos prestados tanto de parte da prova apresentada pela acusação, como pela defesa, porque, na sua maioria, foi produzida através de familiares do casal, padecem de pouca objectividade, são marcadamente parciais e tendencialmente mais benéficos para a parte que os indicou.

Comecemos por analisar o depoimento da ofendida e demandante cível, que, naturalmente tem um interesse directo na causa e, portanto, nesta medida, assume a qualidade de parte (cível). MC prestou declarações em duas sessões distintas da audiência de julgamento tendo denotado um comportamento completamente diverso numa e noutra sessão. Na verdade, o Tribunal optou por afastar o arguido da sala de audiência para colocar a depoente mais confortável, o que efectivamente sucedeu, no entanto, foi possível constatar que a depoente prestou esclarecimentos ao Tribunal, à sua Mandatária e ao Ministério Público de forma muito emocionada, chorosa e visivelmente nervosa, fazendo crer na existência de uma grande fragilidade, de uma tensão e sentimento de mágoa muito intenso. Por outro lado, no dia seguinte, ao ser instada pela Defesa do arguido, manifestou-se muito segura nas suas respostas (ora interpelando directamente o Causídico, ora respondendo até com algum sarcasmo), apresentou-se calma e serena (indiciando uma tranquilidade espontânea, não provocada por fármacos), foi capaz de responder e contra-argumentar quando assim entendeu, revelando-se uma depoente totalmente diferente da ouvida na sessão anterior.

Quanto ao conteúdo daquilo que declarou, sendo certo que as suas declarações não podem valer como testemunho, uma vez que é parte cível nestes autos e, portanto nessa medida, dever-se-ão aplicar, subsidiariamente, as regras previstas no Processo Civil para a valoração do depoimento de parte (na medida em que apenas pode recair sobre factos pessoais ou de que deva ter conhecimento – cfr. artigo 554º do Código de Processo Civil), constatou-se a presença de um conflito, que na óptica da depoente terá tido início ainda por altura da vigência do casamento e da vida em comum.

MC referiu episódios de alterações verbais entre o casal, ainda durante o casamento, de discussões com a família do marido, nas quais este não terá tomado o seu partido, o que para si foi, ab initio indício de fracasso daquele relacionamento.

Acontece que, salvo o devido respeito por opinião diversa, o facto de determinado companheiro não apoiar todas as decisões do seu parceiro, não intervir em sua defesa, contra a sua própria família, não elogiar ou incentivar determinada conduta, etc., não consubstancia comportamento susceptível de integrar um mau trato, ainda que psicológico, embora possa denotar a presença de um relacionamento afectivo vetado ao total fracasso.

E, de acordo com o relatado pela ofendida, os episódios que terão ocorrido durante o casamento (não incentivá-la a frequentar a universidade, não apoiar a procura de emprego, não aprovar as saídas com amigos, não dar satisfações quando saía sozinho, não dar apoio na educação e formação dos menores, não interceder em seu favor em discussões familiares, etc.), não são mais do que indiciadores de que os membros do casal tinham pontos de vista diversos relativamente a questões fundamentais e lapidares daquele relacionamento a dois que, uma vez em conflito, gerariam, como geraram, problemas conjugais.

Por outro lado, diga-se, em abono da verdade, que se mostrou pouco credível o seu depoimento quando referiu de forma peremptória que não se podia vestir ou maquilhar-se de acordo com a sua vontade, sair com quem e para onde quisesse, trabalhar, etc., pois como foi possível constatar pelo teor das declarações de várias testemunhas (do seu pai, do seu irmão, das suas colegas de trabalho, da família do arguido, dos amigos comuns do casal), a ofendida sempre saiu para onde quis (ia às compras inclusivamente com a cunhada para Espanha e Lisboa, tinha viatura própria que conduzia), vestiu-se da forma que entendeu e trabalhou (tanto assim foi que frequentou o curso superior que quis e após iniciou actividade laboral em conformidade). O facto dessas circunstâncias terem gerado várias discussões entre o casal (facto que se admite como possível e, eventualmente motivado por ciúme do arguido) não se reveste de gravidade suficiente para limitar a sua vontade de actuação, de tal forma, que nunca se coibiu de tais comportamentos. E, nem se diga, que por ter evitado, v.g., participar em jantares de faculdade, viu-se coarctada na sua liberdade de actuação, pois fê-lo, por opção sua, para manter a sua relação matrimonial livre de um foco que sabia ser de discórdia.

Por outro lado, o Tribunal também não pode deixar de atender ao facto de que a ofendida, ao ser instada para esclarecer o porquê de ter mantido durante tanto tempo uma relação que, desde cedo, se pautou por divergências relativamente a assuntos importantes para a vida do casal, respondeu que quis fazer um esforço porque achava que tudo ia mudar (manifestando um sentimento que parecia superar tais dificuldades), mas por outro lado, porque pretendia tornar-se independentes, isto é, estudar e formar-se (o que, segundo disse, fê-la manter o casamento), ou seja, verifica-se a presença de objectivos muito determinados por parte de quem diz ter sido vítima de maus tratos.

Ademais, como se verificou, MC tinha opção pois nunca se viu limitada nos seus movimentos (podia ter saído de casa voluntariamente), por termo à relação marital (anote-se que o divórcio foi pedido pelo arguido), em momento anterior ao descrito.

Vejamos agora em concreto cada uma das situações relatadas na acusação. As situações que se reportam aos factos dados como não provados em b), d), e), h), g) e i), que consubstanciam no essencial situações em que a ofendida diz ter sido insultada e ameaçada pelo arguido, não foram presenciadas por terceiros, ou seja, nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência declarou ter conhecimento directo daquela factualidade, o que não permite dar como assente tais factos, uma vez que os mesmos, quando confrontados com os testemunhos prestados pela prova indicada quer pela defesa, quer pela acusação, não se mostram credíveis (já que nenhuma das testemunhas referiu ter alguma vez assistido, com excepção de uma situação isolada que foi presenciada por colegas de trabalho da ofendida, aos episódios descritos ou a outros em que situações semelhantes tenham tido lugar – a família da ofendida, declarou não recordar o que foi dito em vários episódios, embora o seu irmão tenha relatado algumas expressões de conteúdo ofensivo que terão sido ditas no período imediatamente a seguir à ruptura do casal, em jeito de desabafo, directamente ao próprio, tal como de resto veio a ser confirmado pela sua mãe, o que aliás é coincidente com o período em que ocorreu a situação presenciada pelas suas colegas; a família do arguido negou ter presenciado qualquer desses factos, tal como aliás os seus amigos).

O mesmo se diga relativamente ao episódio descrito em f), pois ninguém assistiu à conversa do casal, à presença do menor no referido bar onde o show se realizou (antes pelo contrário, tanto os pais como a irmã do arguido negaram tal facto, como também o fez a empregada do mesmo – a qual justificou a sua razão de ciência no facto de ter trabalhado na data em que tal espectáculo se realizou).

Por outro lado, o receio sentido por MC é, actualmente, pouco justificado, uma vez que como a própria referiu a situação está tranquila e apaziguada há cerca de um ano, sendo certo que o exercício das responsabilidades parentais ocorre sem incidentes, o arguido não voltou a contactá-la a não ser para combinarem pormenores referentes à vida dos filhos, existindo, neste momento, tranquilidade nas relações entre o casal. Não obstante, tal sentimento teve razão de ser aquando foi ameaçada pelo arguido (facto 6)), pois a mesma sentiu necessidade de andar acompanhada durante uns tempos (embora não tenha sido possível dar como assente que tais ameaças se repetiram). Este facto foi presenciado por uma colega de trabalho (Tânia) e, nessa medida, nenhuma dúvida se suscitou ao Tribunal de que o arguido naquela data e de cabeça perdida terá ameaçado de morte a ofendida.

Não obstante, o contexto em que estas expressões foram proferidas, ou seja, após a ruptura da vida em comum, numa altura em que o casal não mantinha entendimento quanto à forma de exercício de visita do progenitor não guardião aos menores (veja-se, a este respeito, que foi o arguido quem requereu ao Tribunal a regulação das responsabilidades parentais e o teor das informações escritas veiculadas pelos professores dos menores que demonstram que os mesmos, durante esse período, ausentavam-se da escola com autorização exclusiva da mãe, sem que o pai fosse consultado ou disso tivesse conhecimento prévio), quanto ao destino da casa de morada de família (inicialmente o arguido abandonou o lar, para depois regressar, numa altura em que a ofendida decidiu e comunicou que passaria a residir na companhia da avó naquela casa que também era a do seu marido, sem que tal tivesse sido uma decisão comum), não consubstanciam, na óptica do Tribunal, a presença de um mau trato psicológico, mas antes, de episódios de injúria e difamação, naturalmente susceptíveis de ofender e melindrar, mas sem a gravidade inerente a uma situação de vitimização.

Relativamente ao episódio que determinou a saída de casa da ofendida importa ressalvar que ninguém assistiu a forma como aquela discussão teve lugar. Assim, fica por saber o que aconteceu entre pai e filho, quem produziu a equimose que o menor sofreu (veja-se que foi agarrado pelo pai e pela mãe sucessivamente), a razão da discussão (pois se na versão da ofendida o arguido terá começado a gritar de forma efusiva e a atirar com cadeiras e a empurrar outros objectos, o que a fez resguardar-se no interior de uma divisão da qual encostou a porta, por outro lado, tanto a irmã do arguido, como o pai referiram que viram o arguido ferido numa mão, após tal contenda, tendo igualmente recebido tratamento hospitalar. Ora, inexiste qualquer dúvida de que existiu uma altercação verbal, que os menores ficaram nervosos e que a polícia foi chamada pela própria ofendida, no entanto, as pessoas com conhecimento dos factos e sem interesse na causa (a avó e os menores) não prestaram declarações.

Veja-se que, MC chamou a Guarda Nacional Republicana e o seu irmão, o que permite, desde logo, esclarecer que ainda que tenham discutido, a situação não estava descontrolada, não houve agressões, nem a mesma foi impedida de fazer o que entendeu, suscitando-se a dúvida sobre o que demais aconteceu.

No que se reporta aos episódios de troca de fechaduras da casa comum do casal, importa esclarecer que nenhuma prova se fez quanto às razões e/ou motivações para a troca das referidas fechaduras. Se, da primeira vez tal facto esteve associado a um furto que foi inclusivamente reportado à polícia (poderá questionar-se a intervenção policial no sentido de revistar a co-proprietária do imóvel), contudo, num contexto de furto é compreensível a mudança efectuada. Ademais, segundo a própria ofendida, o arguido comprometeu-se a facultar-lhe a chave, não obstante a mesma ter decidido mudar a fechadura, em momento anterior.

Por outro lado, embora não se tenha apurado em concreto o que motivou o arguido a partir a chave na fechadura, conforme referiu a ofendida (se inadvertidamente, se de forma intencional) – episódio que terá ocorrido na presença da polícia – também não se apurou a razão de a ofendida não ter tentado resolver essa questão (como já o tinha feito anteriormente). Assim, também não foi possível constatar que o arguido pretendeu impedir o seu acesso à habitação ou aos seus pertences (anote-se aliás que o arrolamento foi igualmente intentado pelo próprio arguido, com vista a garantir a administração e acesso aos bens comuns de forma partilhada, o que também afasta aquilo que foi relatado quanto a uma total dependência financeira do agregado familiar do arguido).

Igualmente, o registo fotográfico referente ao interior da habitação não permite estabelecer qualquer nexo de causalidade entre os danos causados e uma eventual acção do arguido (ninguém tem conhecimento directo ou indirecto do que terá ocorrido no interior da dita habitação).

Da mesma forma, também não resultou apurado em que circunstâncias os objectos dados como desaparecidos foram retirados do interior da dita habitação, pois nenhum elemento existe apurado que permita associar o arguido a tal facto.

Quanto ao relatado sobre o estado emocional tanto da ofendida como dos próprios filhos e à agitação criada em redor da ruptura da vida em comum, sempre se dirá que tal é, de acordo com as regras de experiência comum, uma normal decorrência de um divórcio conflituoso. Na verdade, é difícil não sofrer com o fim de uma vida em comum, contudo tal não significa que exista uma vítima dessa situação, existe antes uma normal fragilidade associada a um projecto que fracassa, à necessidade de adaptação a uma nova forma de vida, uma perturbação natural da rotina familiar que se quebra (pois mudam os hábitos, muitas vezes, o local de residência, as condições económicas e financeiras que se tinha, etc.).

Diga-se ainda que a capacidade de ultrapassar e vivenciar tais situações não é igual em todas as pessoas e, portanto, umas sentem tais factos com maior intensidade. Por outro lado, os filhos de casais separados tendem a vivenciar toda a perturbação inerente, a qual é ainda mais visível, quando os pais mantêm atritos quanto à forma de exercer as responsabilidades parentais, como o foi no caso dos autos. Tal não significa, porém, que tenham sido alvo de mau trato intencional ou sequer negligente.

Por último, embora a ofendida tenha relatado, inclusivamente ao psicólogo que a acompanha e aos que acompanham os menores, a existência de situações de injúrias e ameaças sofridas (o que resulta igualmente dos relatórios elaborados), em face do que ficou dito e da circunstância de tal informação resultar de depoimento indirecto de ouvir dizer à própria demandante cível, terá naturalmente que ser valorado nos termos já referidos, ou seja, com as devidas cautelas, (colocando-se aqui a possibilidade de existir uma confissão indirecta através de um mero emissário da parte, que relata a versão daquela em violação do disposto nos artigos 352º, 355º, n.º2, 356º, 2 e 358º, todos do Código Civil, pois não é realizada contra o confitente, mas antes com vista a corroborar a sua versão) – cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 30.05.2006, disponível in www.dgsi.pt), o que não poderia obviamente ser valorado.

Dito isto, importa referir que nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência conseguiu de forma cabal demonstrar ter presenciado uma situação de mau trato vivenciada pela ofendida.

Desde logo, ambas as famílias prestaram declarações parciais, profundamente marcadas pela presença de litígios e mágoas recíprocas. Refere-se, em especial, o depoimento da mãe da ofendida, dos pais do arguido e, bem assim, da sua irmã, que, embora tenham declarado não estar desavindos com os visados, demonstraram uma hiperbolização na forma como descreveram os factos (na ânsia de convencer o Tribunal da sua versão, tornaram-se exagerados, pouco concisos e muito emocionados na forma como depuseram, pondo em crise alguma da sua credibilidade). Por outro lado, o pai da ofendida nada disse de relevante que tenha permitido esclarecer a factualidade descrita na acusação, e o seu irmão, embora tenha prestado declarações de forma mais serena, declarou não recordar alguns dos factos descritos, embora tivesse bem presente a fase de ruptura da vida do casal, tendo tentado criar uma imagem de casal perfeito até à ruptura que depois se tornou inimigo.

Anote-se, contudo, que a pouco assistiu, pois não estava presente durante a ocorrência dos factos. A sua mulher que, se por um lado, quis dar a entender que o casal sempre manteve dificuldades de relacionamento, com sucessivos constrangimentos da ofendida na sua liberdade de circulação, de se vestir e maquilhar-se, por outro, acabou por confirmar que a mesma nunca deixou de sair quando queria, de vestir-se da maneira que entendia, não obstante depois tal facto dar azo a discussões com o marido, que podia não gostar do sucedido.

Relativamente às demais testemunhas, não familiares, ressaltam os testemunhos das colegas de trabalho da ofendida, designadamente, de T, que assistiu à ameaça proferida e que, nesta medida, permitiu ao Tribunal apurar o sucedido. É certo que, esta testemunha não foi capaz de contextualizar a prolação daquela expressão, pois não recordava o teor da conversa mantida entre o casal, não obstante confirmou a aflição sentida pela ofendida após tal facto, o receio que esta tinha de circular sozinha, os cuidados que passou a ter para evitar o arguido ou situações semelhantes.

Os psicólogos ouvidos em audiência, embora tenham confirmado o estado de exaltação, ansiedade e perturbação sentidos pela ofendida e menores não fizeram, nem podiam ter feito, qualquer ligação entre determinado facto praticado pelo arguido e o estado dos seus utentes, pois o que apenas foi notório para estes no âmbito das suas consultas, foi a presença de um divórcio conflituoso que causou perturbação.

Por outro lado, relataram de forma conclusiva o conhecimento que tinham de ouvir dizer da própria ofendida, já que os menores tão pouco relataram factos concretos sobre a relação com os pais ou entre eles, razão pela qual não foi possível estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a factualidade descrita e as debilidades efectivamente constatadas. Por outro lado, não podemos deixar de dizer que o juízo efectuado pela psicólogo da ofendida, na medida em que se aceitou como credível a sua versão, porque a mesma se mostrou coerente, chorosa, sofrida e emocionada ao longo das consultas, além de ser subjectivo, permite por em causa as declarações em audiência, já que numa das sessões foi consentânea com tal comportamento, mas na seguinte revelou-se fria, distante e até hostil quando questionada (afastando qualquer fragilidade eventualmente sentida).

Ora, em face do que fica dito, parece resultar de forma clara que da prova produzida em audiência, não resultou evidente a presença de maus-tratos, quer físicos, quer psicológicos. Antes pelo contrário, o Tribunal convenceu-se de que o arguido e a ofendida cessaram a vida conjugal de forma conflituosa e marcada, durante um curto espaço de tempo (Janeiro a Abril de 2009), por muitas altercações verbais, presença de insultos por parte do arguido e de, pelo menos uma situação de ameaça de morte. Não obstante, não nos parece que tais factos isoladamente considerados tenham a virtualidade de preencher o ilícito de violência doméstica, pois não se revestem da gravidade ou reiteração exigidas para amesquinhar, vexar e humilhar, de modo directo e expresso, atemorizar e condicionar a visada reduzindo-a praticamente a um mero objecto da dominação exercida pelo primeiro, por não se verificar uma situação de vulnerabilidade ou um sentimento generalizado de constrangimento, temor e destabilização que tenha afectado a sua dignidade psicológica.

Finalmente, refere-se também que não se descura o facto de estarmos perante duas pessoas adultas, já que a ofendida era maior de idade à data em que iniciou o seu relacionamento marital e até de namoro com o arguido, revelou ser pessoa consciente das consequências dessa união, com formação cultural e profissional, mas não obstante entendeu permanecer na relação marital porque queria acabar a sua formação universitária e por que achava que tudo poderia melhorar, o que, nas suas palavras, não aconteceu, no entanto, não se constata, em momento algum, que, em face de tal actuação, MC tenha ficado subjugada à vontade do arguido, se tenha visto vitimizada sem alternativas ou numa situação de dependência do mesmo.

A ausência de antecedentes criminais resultou assente com base no teor do certificado de registo criminal junto aos autos.

Em conclusão, da prova testemunhal e documental feita em audiência de discussão e julgamento, resultou provado que o arguido perpetrou contra a ofendida uma ameaça de morte e, pelos menos, em três situações distintas, atentou contra a sua consideração, uma das vezes dirigindo-se-lhe directamente e noutras duas, através dos seus familiares».

III. Decidindo:

Uma questão prévia:

Sustenta a Digna Magistrada do MºPº na 1ª instância que o recurso interposto, na parte relativa ao pedido cível, não é admissível, porquanto se não verificam os requisitos cumulativos enunciados no artº 400º, nº 2 do CPP.

Tem razão.

Estatui-se no artº 400º, nº 2 do CPP que “o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

A alçada do tribunal de 1ª instância é de € 5.000,00 – artº 24º, nº 1 da L. 3/99, de 13/1, na versão que lhe foi dada pelo DL 303/2007, de 24/8.

Assim, embora o valor do pedido cível (€ 6.000,00) exceda o valor de tal alçada, certo é que o valor da sucumbência (€ 1.500,00) é inferior a metade da mesma.

Consequentemente, não se tomará conhecimento do recurso nessa parte, sem prejuízo, naturalmente, do disposto no nº 3 do artº 403º do CPP.

Posto isto:

a) Enferma a sentença recorrida da nulidade a que alude o artº 379º, nº 1, al. b) do CPP?

Entende o recorrente que vindo acusado pela prática de um crime de violência doméstica e acabando condenado pela prática de um crime de ameaça sem que, previamente, o tribunal haja dado cumprimento ao estatuído no artº 358º, nºs 1 e 3 do CPP, verifica-se a nulidade da sentença a que alude o artº 379º, nº 1, al. b) do CPP.

Nos termos do artº 32º, nº 1 da CRP, “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”; e, nos termos do nº 5 do mesmo artigo, “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.

A consagração constitucional da estrutura acusatória do nosso processo penal implica, como refere Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, I, 62, que pela acusação se define e fixa o objecto do processo. Dito de outra forma: é pelos factos constantes da acusação (ou da pronúncia, quando a houver) que o arguido irá ser julgado, garantia que lhe permite organizar a sua defesa, de forma atempada e eficaz.

Esta vinculação temática do julgador aos factos descritos na pronúncia é imposta sob pena de nulidade da própria sentença. Com efeito, dispõe-se no artº 379º, nº 1, al. b) do CPP que é nula a sentença que condenar por factos diversos da pronúncia, “fora dos casos e das condições previstos nos artºs 358º e 359º”.

Como sustenta Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1974, p. 145, “objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (…) e a extensão do caso julgado”.

Porém, como é sabido, a vinculação do tribunal quer aos factos descritos na acusação quer à respectiva qualificação jurídica não é absoluta. A alteração (substancial ou não substancial) dos factos ou da respectiva qualificação jurídica é possível desde que cumprido o formalismo enunciado nos artºs 358º e 359º do CPP.

Entende o recorrente que, no caso, nos encontramos perante uma alteração da qualificação jurídica dos factos, razão pela qual devia ter sido dado cumprimento – e não foi – ao estatuído no nº 1 do artº 358º do CPP, em obediência ao que se prescreve no nº 3 do mesmo preceito.

Diverso foi o entendimento da Mª juíza a quo que, a esse propósito, escreveu: “uma vez que essa alteração da qualificação jurídica ocorre por via da prova produzida em audiência de julgamento, a qual não permitiu concluir pela prática dos factos constantes da acusação e de que o arguido vinha acusado e não propriamente de uma alteração da qualificação jurídica efectuada no despacho acusatório, não se dá cumprimento ao disposto no artigo 358º, n.º3 do Código de Processo Penal”.

Como acertadamente refere a Mª juíza a quo, não estamos exactamente perante uma simples alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, situação para a qual tem resposta o CPP, no nº 3 do seu artº 358º do CPP.

Quer dizer: os factos descritos na acusação não são os mesmos que, em sede de sentença, mereceram outra qualificação jurídica.

São diversos. Mas tal diversidade deriva apenas da circunstância de nem toda a factualidade constante da acusação ter sido dada como provada. Dessa circunstância e de nenhuma outra. Ou – e dito de outro modo: na sentença recorrida não consta um único facto que não tivesse já assento no factualismo constante da acusação.

Ora, a assim ser (como é) então teremos que igualmente concluir que não estamos perante qualquer alteração substancial dos factos, a exigir o cumprimento do disposto no artº 359º do CPP.

No acórdão desta Relação de 29/5/2012 (Proc. 157/11.5GDFAR.E1), com os mesmos relator e adjunto, citado pelo recorrente, entendemos que “acusado o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, se em julgamento o juiz alterar os factos descritos na acusação (nomeadamente quanto ao elemento subjectivo da infracção) e, em função dessa alteração, concluir que os factos apurados integram a prática de um crime de injúrias, inexistindo constituição de assistente e dedução de acusação particular, deve o julgador proceder à comunicação prevista no artº 359º do CPP” (negrito do original).

Contudo, no caso em apreço não se verifica, como já referimos e ora repetimos, qualquer alteração de factos relativamente aos constantes da acusação. Mesmo os relativos ao elemento subjectivo do tipo já constavam da acusação: dizia-se nesta peça (fls. 1921, in fine) que “(…) o arguido, agindo de forma deliberada, livre e conscientemente, quis incutir-lhe um sentimento de medo, atentando contra a liberdade de movimentos, contra a sua dignidade (…), sabendo que a molestava e aterrorizava, conforme sucede, causando-lhe efectiva vergonha e temor”. E na sentença final, deu-se como provado (ponto 16): “Bento ao proferir a expressão descrita em 6) [3], quis incutir-lhe um sentimento de medo, atentando contra a liberdade de movimentos, sabendo que a aterrorizava e com as expressões descritas em 7) e 12) quis atentar contra a sua dignidade, consideração, conforme sucedeu, causando-lhe efectivo temor e vergonha”.

A situação dos autos não tem, pois, paralelo com a verificada no processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão desta RE de 29/5/2012.

E assim nos quedamos, pois, perante uma situação em que a factualidade apurada constava da descrita na acusação, sendo certo que muitos dos factos constantes desta peça acabaram por ser dados como não provados.

A imputação de um crime de ameaças ao arguido decorre, precisamente, do facto de se não terem dado como provados alguns desses factos (mas não do aditamento de quaisquer outros).

De outro lado, o crime de ameaça é, manifestamente, um minus relativamente ao crime de violência doméstica.

Como ensina Taipa de Carvalho, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, I, 332, o bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é a saúde – “bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que (…) afectem a dignidade pessoal do cônjuge”, sendo certo que a ratio do preceito incriminador “vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade, etc.)” (subl. nosso).
E aqui chegados, já se adivinha que, em nossa opinião, não se justificava, in casu, a comunicação da alteração da qualificação jurídica.

Como bem se refere no Ac. Unif. Jur. do STJ nº 7/2008, DR I série de 30/7/2008, “para além da ressalva contida no n.º 2 do artigo 358.º, segundo a qual a alteração não carece de ser comunicada ao arguido, o que bem se percebe, visto que a mesma é resultado de alegação por si produzida, vem -se entendendo que outros casos ocorrem em que é inútil prevenir o arguido da alteração da qualificação jurídica, razão pela qual se considera não dever ter lugar a comunicação. (…).

O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.

Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido — n.º 1 do artigo 32.º —, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado.

Assim e atenta a ratio do instituto, vem -se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido — artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República — o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder -lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender -se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou «menos agravado», ou seja, defendeu--se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado.

O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave que o da acusação ou da pronúncia em consequência de redução da matéria de facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação” (subl. nosso).

É isso que sucede no caso dos autos: na sentença recorrida imputa-se ao arguido, com base em factos que já constavam da acusação, um crime menos grave, que tutela bem jurídico já compreendido no bem tutelado no crime imputado na acusação. E assim sendo, desnecessária se mostrava qualquer comunicação ao arguido, porquanto a alteração da qualificação jurídico-penal consistiu na imputação de uma infracção que representa um minus relativamente ao crime de violência doméstica por que o arguido vinha acusado, sendo certo que este teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar, dado que todos os factos constavam da acusação, não se verificando assim qualquer violação do princípio do contraditório, previsto no nº 5 do artº 32º da CRP [4].

Não se verifica, pois, a pretendida nulidade da sentença.

b) Enferma a sentença recorrida de erro notório na apreciação da prova?

O erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt
.
Para que o mesmo releve como fundamento do recurso, impõe o nº 2 do artº 410º do CPP que tal vício “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”.

Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos. É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339 (no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 [5] (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).

De forma particularmente clara se expressou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”.

Em suma: no âmbito desta revista alargada, a impugnação da factualidade apurada à sombra do erro notório na apreciação da prova implicaria, sempre, que o tribunal recorrido houvesse cometido um erro flagrante, ostensivo, gritante, evidente, na apreciação da prova produzida e, bem assim, que o texto da decisão recorrida evidenciasse, de per si, esse erro grosseiro.

Assim delimitado este vício, não vemos como encontrá-lo na sentença recorrida.

Verdadeiramente, aquilo que o recorrente aparentemente pretende é, bem distintamente, sindicar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto, com base em erro de julgamento.

É que, como é sabido, a matéria de facto pode ser impugnada por duas formas distintas:

a) com invocação dos vícios elencados no artº 410º, nº 2 do CPP, naquilo que se vem denominando como “revista alargada”; ou

b) através da impugnação ampla, nos termos prescritos nos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP.

No primeiro caso, o vício há-de resultar – como supra se salientou e expressamente se exige no artº 410º, nº 2 do CPP – do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, por isso, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos: o vício é da decisão, não do julgamento.

No segundo, a apreciação alarga-se à análise da prova produzida em audiência. Naturalmente, sempre com os limites impostos pelos nºs 3 e 4 do citado artº 412º do CPP.

Posto isto:

Nos termos do disposto no artº 431º do mesmo diploma, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do artigo 412º (al. b)).

E conforme disposto neste último dispositivo legal, “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas”.

Como é evidente e dispensa muitos comentários, o recorrente não deu cumprimento ao estatuído no artº 412º, nºs 3 e 4 do CPP. Desde logo, não indicou, sequer, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

Porém, lida e relida a motivação de recurso, a ideia que fica é que o recorrente aceitando o essencial da matéria de facto provada, entende que a expressão por si proferida não é apta a provocar medo ou inquietação na ofendida.

A ser assim, o concreto ponto que o recorrente considera incorrectamente julgado é o constante do ponto 16 da matéria de facto: “Bento ao proferir a expressão descrita em 6), quis incutir-lhe um sentimento de medo, atentando contra a liberdade de movimentos, sabendo que a aterrorizava (…) conforme sucedeu, causando-lhe efectivo temor (…)”.

E quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida?

Aparentemente, o depoimento da testemunha TV que referiu o estado de calma em que o arguido se encontrava quando proferiu a expressão “eu ainda te mato”, no âmbito de uma discussão entre o casal constituído pelo arguido e pela ofendida, sendo seu entendimento (dela, testemunha) que o arguido não teria intenção de a concretizar. E conclui o recorrente que, produzida naquele circunstancialismo, a expressão em causa não era apta a produzir medo e inquietação.

Em boa verdade, não conseguimos entender porque é que uma ameaça de morte, proferida em tom calmo, é menos apta a produzir medo do que idêntica afirmação, produzida em estado de exaltação.

Depois, a Mª juíza fundamentou a sua convicção de forma detalhada (porventura excessivamente detalhada, porquanto a fundamentação não é – não tem que ser – um relato ou, mesmo, um sumário das declarações produzidas em audiência), explicando que a razão de ter dado como provada a matéria contida no ponto 16 da matéria de facto se prende com o próprio depoimento da ofendida, que sentiu necessidade de, após o facto descrito em 6. da mesma matéria, andar acompanhada durante uns tempos, sendo certo que “receia as atitudes do arguido porque ele tem licença de porte e uso de arma e que mantém desde sempre uma arma em sua casa”. Mas, também, no depoimento da já referida testemunha TV que terá dito não só aquilo que o recorrente afirma ter sido por ela relatado mas, também, de que se recordava que “a MC começou a chorar após o sucedido, o que determinou passar a estacionar o seu veículo em locais mais afastados e escondidos e a pedir aos pais que a fossem levar ao emprego, pois receava a atitude do arguido”. Também, aliás, no depoimento da testemunha JC, pai da ofendida, que relatou ter chegado a “ir levar e buscar a filha ao local de trabalho, pois o arguido já a havia ameaçado de morte, o que ela temia”; ou no depoimento da testemunha AC, mãe da ofendida, que referiu “que tem conhecimento da sua própria mãe ter ido viver para casa da filha e do genro porque esta tinha medo dos actos deste; (…) que o pai e o irmão da ofendida foram diversas vezes buscá-la e deixá-la no seu local de trabalho porque esta receava o arguido (…)”; ou, ainda, no depoimento da testemunha MF, colega de trabalho da ofendida, que afirmou que esta “estacionava o veículo em locais mais reservados para não ser vista pelo arguido ou vinha com o pai, pois receava a concretização das ameaças”.

E perante tal fundamentação, como pode o recorrente pretender que os extractos do depoimento da testemunha TV, que transcreve, impõem decisão da matéria de facto, diversa da recorrida?

Em matéria de apreciação da prova, manda o artº 127º do CPP que, salvas as excepções previstas na lei, aquela seja apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Este sistema de livre apreciação da prova aí consagrado (por contraposição ao sistema de prova legal) manifesta-se sob dois prismas:

- de um lado, o juiz há-de decidir de acordo com a sua íntima convicção, formada do dinâmico confronto das provas arroladas pela acusação e pela defesa e daquelas que, ele próprio e oficiosamente, entender por bem produzir e conhecer;

- de outro, tal convicção há-de ser formada com base em regras técnicas e de experiência (e bom senso) comum sem, contudo, qualquer sujeição a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados.

Como esclarecidamente se afirma no Ac. Trib. Const. nº 464/97, de 1/7/97, www.tribunalconstitucional.pt. , “este princípio da prova livre ou da livre convicção do julgador não é contrário às garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Em oposição a um sistema segundo o qual o valor da prova é dado por critérios legais-abstractos que o predeterminam, dotados de um carácter de generalidade [que é o sistema da prova legal], o princípio da prova livre evidencia a dimensão concreta da justiça e reconhece que a procura da verdade material não pode prescindir da consideração das circunstâncias concretas do caso em que essa verdade se recorta”.

E porque assim é, não custa aceitar que os mesmos elementos de prova, exibidos em audiência, mereçam apreciações diversas por banda dos julgadores, por um lado, e do arguido (ou do Ministério Público ou do assistente) por outro.

Isso, porém, não acarreta qualquer vício para a sentença assim proferida nem, necessariamente, se traduz em erro de julgamento (na apreciação da prova).

A livre convicção do julgador, posto que justificada, ponderada e, por isso, não arbitrária, aliada às regras da experiência, é o modo como, no nosso sistema processual penal, deve ser apreciada a prova.

É na conjugação destes dois factores (livre apreciação do julgador e regras da experiência) que a prova há-de ser apreciada (a não ser, naturalmente, que se trate de prova tarifada ou vinculada).

Naturalmente, liberdade (de apreciação) não se confunde com arbitrariedade.

O juiz não pode ignorar os depoimentos produzidos em audiência ou a prova documental existente e decidir como lhe aprouver, de forma imotivada.

Porém, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, ed. 1974, 204, a decisão do juiz há-de ser sempre e necessariamente uma “convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais”.

Perante uma determinada situação em concreto, produzidos em audiência depoimentos de sentido contrário, é natural que sejam lícitas e possíveis várias soluções, na decisão da matéria de facto.

Se aquela que é assumida pelo juiz é uma das soluções admissíveis, à luz das regras da experiência comum (e se, para além disso, tal solução se mostrar suficientemente motivada e esclarecida), então estamos perante decisão inatacável no plano fáctico, pois que produzida em estrita obediência ao estatuído no artº 127º do Cod. Proc. Penal [6].

Sobre esta matéria, assim se decidiu no Ac. STJ de 9/7/2003, www.dgsi.pt:

“Outra questão (...) reside em saber se as Relações, por sua própria iniciativa, e apoiando-se na extensibilidade do princípio da livre apreciação da prova aos tribunais de recurso, podem com base no mesmo princípio, alterar a matéria de facto dada como provada pelos tribunais de 1ª instância.

(...) Tem-se por certo que sem outros instrumentos que não sejam as transcrições das gravações da prova produzida em audiência, não se configura como seja possível formar uma convicção diferente e mais alicerçada do que aquela que é fornecida pela imediação de um julgamento oral, onde, para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam.

Sobrepor um juízo distanciado desta proximidade a um juízo colhido directamente e ao vivo seria um risco sério que poderia comprometer a pureza do princípio e abalar as regras de um julgamento sereno e fundamentado”.

Idêntica orientação tem seguido esta Relação de Évora, como é visível, por exemplo, no Ac. de 8/4/2010 (rel. Martinho Cardoso), www.dgsi-pt: “a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente”.

No mesmo sentido vai, aliás, a lição de Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1º vol., 1974, p. 233/234: “Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao princípio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”.

Lembremo-nos: nos termos do artº 412º, nº 3, als. a) e b) do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida. Que impõem, não que permitem.

Em suma: se perante determinada situação de facto em concreto, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis e o juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável. O recorrente (tenha ele, nos autos, a posição processual que tiver), ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efectuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que por ela opte, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova.

Só assim não será quando as provas produzidas imponham decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido. E isto sucederá quando o tribunal decide ao arrepio e contra a prova produzida (v.g., se dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e, ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição se constata que a dita testemunha se não pronunciou sobre tal facto ou, pronunciando-se, disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida) ou quando o tribunal valora a prova produzida contra as regras da experiência, as tais que, no dizer de Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, II, 30, se traduzem em “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade”.

Fora destes casos, “quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador, assente na imediação e na oralidade, intrínsecas ao julgamento, o tribunal de recurso só estará devidamente habilitado a exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum” – Ac RE de 25/3/2010 (Berguete Coelho), www.dgsi.pt [7].

De tudo quanto exposto fica, parece-nos claro que o “caminho de convicção” seguido pela Mª juíza a quo, no que ao ponto dado como provado sob o nº 16 diz respeito, não só não ofende, como respeita e se mostra conforme às regras da experiência comum.

E porque assim é, inexiste fundamento para a pretendida modificação da matéria de facto.

c) A matéria de facto apurada não preenche o tipo legal do crime de ameaça?
Na conclusão 15ª da sua motivação, o recorrente afirma que «a matéria de facto dada como provada não constitui um crime de ameaça, e muito menos agravada, porquanto, a admitir-se que o recorrente tenha dito “eu ainda te mato”, tal expressão mais não significa do que o anúncio de algo iminente e nunca concretizável, e nunca um mal futuro, como requer este tipo de crime».

Não podemos concordar.

Como afirma Taipa de Carvalho [8], “são três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente”.

Sendo indiscutível que dizer a outrem “eu ainda te mato” é anunciar-lhe um mal, dependente da vontade do agente, a dúvida – ao menos no espírito do recorrente – é de que se trate de mal futuro.

Mas – e socorrendo-nos, ainda, da lição de Taipa de Carvalho – dizer-se que o mal há-de ser futuro “significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal”. Ora, como nos parece claro, iminente é algo “que está prestes a acontecer; próximo” (Dicionário da Língua Portuguesa, 7ª ed., Porto Editora), “que está quase a acontecer” (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). E não vemos, salvo o devido respeito, que tal tivesse sucedido no caso em apreço. Ou, dito de outro modo: não vemos – nem sequer percebemos por que razão o recorrente o deixa implícito – que, no caso, a expressão “eu ainda te mato” haja de ser já entendida como começo de execução do crime anunciado.

De outro lado, é totalmente incompreensível a afirmação do recorrente, no que concerne à insusceptibilidade de concretização do mal futuro: a concretização da ameaça de morte era, no caso, impossível, exactamente porquê? Não o diz o recorrente e não o vislumbra este tribunal.

Por fim, e quanto à adequação da ameaça, «o ponto de partida para o juízo sobre a dependência, ou não, do mal é feito segundo a perspectiva do homem comum, isto é, da pessoa adulta e normal. Todavia, sendo este o critério-base, não pode deixar de se ter em conta – como factor correctivo do “homem médio” – as características individuais da pessoa ameaçada. (…) Em conclusão: o critério é o do homem comum, tendo em conta as características individuais do ameaçado (…)» [9].

Quer perante o critério do homem comum, quer perante as características individuais da ofendida (mulher que era seguida no Centro de Saúde do Redondo desde 2007, por ansiedade - – ponto 25 da matéria de facto - e que fazia, então, medicação crónica – ponto 19, idem), parece-nos manifesto que a expressão proferida pelo arguido era adequada a produzir o medo e inquietação que efectivamente produziu.

Daí que bem tenha andado a Mª juíza a quo ao concluir que a matéria de facto apurada integrava a prática, pelo arguido, do crime de ameaça por cuja autoria foi condenado.
Improcede, portanto, esta terceira (e última) pretensão do recorrente.

IV. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando inteiramente a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (artºs 513º, nº 1 e 514º do CPP). Taxa de justiça: 4 (quatro) UC’s.

Évora, 5 de Março de 2013 (processado e revisto pelo relator)

Sénio Manuel dos Reis Alves

Gilberto da Cunha
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[1] - Sumariado pelo relator.

[2] Obviamente, sem prejuízo das questões que oficiosamente importa conhecer, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, DR 1ª Série, de 28/12/1995).

[3] “Eu ainda te mato”.

[4] Cfr., neste exacto sentido, os Acs. RP de 15/6/2011 (rel. Joaquim Gomes), de 28/9/2011 (rel. Artur Oliveira) e de 9/1/2013 (rel. Maria Manuela Paupério).

[5] Do sumário deste último: “O erro notório na apreciação da prova, da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, como tem sido repetido à saciedade na jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. Tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida”.

[6] Cfr., com interesse nesta matéria, o Ac. RC de 15/9/2010 (rel. Brízida Martins), www.dgsi.pt, assim sumariado: “Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção”.

[7] No mesmo sentido, cfr. Acs. RE de 18/3/2010 e de 8/4/2010 (rel. Maria da Graça Santos Silva e Martinho Cardoso, respectivamente), www.dgsi.pt.

[8] Op. cit., 343.

[9] Taipa de Carvalho, op. cit., 344.