Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
287/08.0GCFAR.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
PRESCRIÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1 - O requerimento formulado pelo condenado ao abrigo do artigo 48.º do Código Penal solicitando a substituição da pena de multa por trabalho, suspende o prazo de prescrição da pena de multa, nos termos do artº 125º, nº 1, al. a), do mesmo diploma.

2 - Tal prazo de prescrição volta a correr após o trânsito em julgado da decisão que revogar a anterior substituição e determinar o cumprimento do remanescente da multa ainda não considerada paga pela prestação dos dias de trabalho entretanto ocorrida.

Sumariado pelo relator.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


RELATÓRIO

No âmbito do processo sumaríssimo acima referenciado, oriundo do tribunal judicial da comarca de Faro – juízo local criminal – Juiz 2 -, foi proferido o seguinte despacho:

“Da prescrição da pena.
O arguido LL foi condenado, por decisão proferida em 22.05.2009, na pena única de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), no montante global de €1.100,00 (mil e cem euros).

A referida sentença transitou em julgado em 06.07.2009.

Por requerimento de 23.02.2010, veio o arguido requerer a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que foi deferido por despacho de 01.10.2010.

Das 220 horas de trabalho a favor da comunidade que lhe foram determinadas em substituição da pena de multa, o arguido cumpriu um total de 111 horas, entre 03.05.2012 e 13.07.2017.

Com vista nos autos para se pronunciar quanto à eventual prescrição da pena, o Ministério Público disse "visto".

De acordo com o estatuído no artigo 122.°, n.º 1, alínea d), do Código Penal, a pena única de multa aplicada nos presentes autos prescreve no prazo de quatro anos após o trânsito em julgado da decisão condenatória, uma vez que estamos perante uma pena de multa.

Os artigos 125.° e 126.° do Código Penal indicam causas as de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, devendo as mesmas ser sempre tidas em consideração.

Dispõe o artigo 125.° do Código Penal que:
"1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;

b) Vigorar a declaração de contumácia;

c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou

d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão."

Por sua vez, o artigo 126.° do Código Penal estipula que:
"1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade."

Compulsados os autos verifica-se que inexistem causas de suspensão previstas naquele artigo 125.° do Código Penal.

Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 23.05.2012, no âmbito do processo n.º 1366/06.4PBAVR.C1, disponível em www.dgsi.pt: "O deferimento do requerimento da substituição do pagamento da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade não constitui causa de suspensão do decurso do prazo de prescrição da pena."

Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 18.04.2017, no âmbito do processo n.º 672/08. 8 PTFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt: "I - Quer o pagamento em prestações, quer ainda a prestação de trabalho, constituem formas de cumprimento da pena de multa, mas que apenas poderão considerar-se em execução quando se iniciarem efectivamente, isto é, quando ocorra o pagamento que havia sido diferido, ou o efectivo pagamento de alguma das prestações autorizadas ou ainda a prestação efectiva de, pelo menos, algumas horas do trabalho comunitário. II - E, assim sendo, o que está em causa são formas voluntárias de pagamento da multa, que deverão ser requeridas pelo condenado, não atribuindo a lei a tais pedidos - e só a lei o poderia fazer face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 125º. do C. Penal - capacidade para suspenderem a prescrição da pena de multa, por impedirem o início ou a continuação da execução da pena. Com efeito, a prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena de multa aplicada."

Com efeito, apenas a efectiva prestação de horas de trabalho a favor da comunidade tem o efeito de interromper o prazo de prescrição da pena, ao abrigo do disposto no artigo 126º., n.º 1, alínea a), do Código Penal.

"O cumprimento parcial da pena de multa, através da prestação de horas de trabalho, interrompe a prescrição da pena, ex vi do artigo 126.º nº 1, alínea a), do Código Penal" ¬ cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25.10.2016, proferido no âmbito do processo n." 39lü9.0GBPTM-A.E1, e disponível em www.dgsi.pt

E a interrupção do prazo de prescrição da pena de multa com a prestação de trabalho a favor da comunidade ocorre "em cada uma das datas em que o condenado prestou trabalho" - neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20.02.2018, proferido no âmbito do processo n.º 960/l0.3GBLLE.E1, disponível em www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso dos presentes autos, verificamos que o arguido prestou trabalho a favor da comunidade entre 03.05.2012 e 13.07.2017.

Sucede que, por força do estabelecido no n.º 3 do mesmo artigo 126º do Código Penal, a prescrição ocorre sempre quando, "desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade ".

No caso, tal prazo de prescrição acrescido de metade corresponde a um período de 6 anos.

E não tendo havido qualquer causa de suspensão do prazo de prescrição, não há qualquer tempo de suspensão a ressalvar, pelo que, iniciado o prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido LL com o trânsito em julgado da sentença condenatória - 06.07.2009 -, veio a prescrição a ocorrer em 06.07.2015.

Pelo exposto, decide-se declarar extinta, por efeito da prescrição, a pena única de multa aplicada ao arguido LL.”
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Inconformado com tal decisão, recorreu o Ministério Público, tendo terminado a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1ª) Por sentença transitada em julgado em 6.7.2009 foi o arguido condenado na pena de 220 dias de multa à razão diária de €5,00.

2ª) Em 23.02.2010 o arguido requereu a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade - fls. 315.

3ª) Em 1.10.2010 (fls. 326 e 327) tal pedido foi deferido.

Após várias vicissitudes o arguido iniciou a prestação de trabalho em 3.5.2012, tendo até 13.7.2017 prestado 111 horas de trabalho (fls. 348,353,356,364,366,368,376 e 453 a 458).

O arguido apresentou dificuldades em cumprir a prestação de trabalho a favor da comunidade.

4ª) Por despacho de 5-6-2018 (fls. 420 a 422) foi revogada a prestação de trabalho a favor da comunidade.

5ª) Sempre que estiver pendente um pedido de pagamento de uma pena de multa em prestações ou um pedido de prestação de trabalho a favor da comunidade o Ministério Público não pode executar essa pena de multa, pelo que o prazo de prescrição dessa pena encontra-se suspenso desde a data da apresentação desse pedido até que seja proferida uma decisão final acerca desse "incidente" (artigo 125 n° 1 alínea a) do Código Penal).

6ª) O requerimento do arguido a solicitar a prestação de trabalho a favor da comunidade constitui causa de suspensão da prescrição da pena.

7ª) É o caso dos autos, o prazo de prescrição da pena encontra-se suspenso desde 23/2/2010, por via da apresentação do requerimento do arguido a pedir a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, até 5/6/2018 data em que foi decidida a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade (fls. 420 a 422).

8ª) Ao declarar extinta por prescrição a pena de multa em que o arguido foi condenado, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 125°, nº 1, alínea a) do Código Penal.

Face ao exposto, atendendo a que o prazo de prescrição da pena (4 anos) esteve suspenso desde 23/2/2010 até 5/6/2018, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira a promoção de fls. 445, fazendo-se assim JUSTIÇA.”

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Já neste Tribunal da Relação o Exmº P.G.A. apôs visto nos termos do nº 1 do artº 416º do C.P.P..

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APRECIANDO

A única questão que importa apreciar nos presentes autos é de se saber se o pedido de substituição do pagamento da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade suspende, ou não, o decurso do prazo da prescrição da pena de multa nos termos do artº 125º, nº 1, al. a), do Cód. Penal.

No despacho recorrido entendeu-se que não suspendia e, por isso, se declarou prescrita a pena de multa; o recorrente entende que sim.

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Vejamos:

É indiscutível o seguinte:
- Por decisão com valor de sentença (cfr. artº 397º, nº 2, do C.P.P.), transitada em 6/7/2009, foi o arguido condenado na pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (fls. 283 e 284);

- Em 23/2/10 (fls. 315) o arguido requereu a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade;

- Em 1/10/2010 (fls. 326 e 327) tal pedido foi deferido, tendo sido substituídos os 220 dias de multa por 220 horas de trabalho a favor da comunidade;

- O arguido prestou 111 horas de trabalho, entre 3/5/12 e 13/7/17 (fls. 348, 353, 356, 364, 366, 368, 376 e 453 a 458);

- Por despacho de 5/6/2018 (fls. 420 a 422) foi revogada a prestação de trabalho a favor da comunidade, tendo sido determinada a notificação do arguido para proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado, embora por despacho proferido a fls. 432 se tenha determinado que o pagamento “em falta” (descontando os dias de trabalho entretanto prestados) era de 109 dias de multa.

Aguardava o processo que fosse proferido despacho a converter o remanescente da multa não paga em prisão subsidiária (promoção de fls. 445) quando foi proferido o despacho recorrido, declarando tal pena prescrita, conforme já acima se transcreveu.

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A questão colocada sob apreciação não é nova, tal como se pode constatar pela leitura dos acórdãos referidos quer na decisão recorrida, quer na motivação de recurso.

Temos para nós como mais acertado o entendimento expresso nos acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação de 13/7/17 (Relator - Desembargador Alberto Borges) e de 22/1/19 (Relator – Desembargador Martinho Cardoso), ambos consultáveis em www.dgsi.pt .

Com efeito, tal como se entendeu nos dois referidos acórdãos, entendemos que com o pedido formulado pelo arguido nos termos do artº 48º do cód. Penal, com vista à substituição da pena de multa por dias de trabalho, suspende-se o decurso do prazo da prescrição da pena de multa, resultando isso mesmo do artº 125º, nº 1, al. a), do Cód. Penal.

Com o devido respeito por opinião contrária, a partir do momento em que o condenado formula o requerimento previsto no artº 48º do Cód. Penal, não faz qualquer sentido que o Ministério Público diligencie pela execução da pena de multa, pois que o referido requerimento terá que ser judicialmente apreciado, iniciando-se a prestação do trabalho, se for caso disso.

É certo que a lei, designadamente o artº 125º do Cód. Penal, não refere expressamente que tal requerimento suspende o prazo da prescrição da pena, mas não pode deixar de se entender que é à mesma por força da lei (expressão empregue no início da al. a) do referido preceito legal) que a execução da pena não pode ter lugar. Pois se é a própria lei que concede ao condenado a possibilidade de não cumprir a pena de multa mas sim substitui-la por trabalho.

A suspensão do prazo de prescrição só terminará quando transitar em julgado a decisão que indeferir a requerida substituição ou, como é no caso dos autos, quando transitar em julgado a decisão que revogar a anterior substituição.

Só num desses momentos “renasce” a possibilidade de executar a pena de multa. Trata-se de uma situação em tudo semelhante à dilação do pagamento da multa, tal como se prevê na al. d) do nº 1 do artº 125º do Cód. Penal: se for deferida a dilação do pagamento da multa nos termos do artº 47º, nº 3, do Cód. Penal, não há qualquer dúvida que por força da referida alínea d) fica suspenso o prazo da prescrição da pena de multa, inexistindo fundamento legal para que, entretanto, o Ministério Público promova diligências executórias. Aqui ocorre o mesmo: formulado o requerimento solicitando a substituição da pena de multa por trabalho, não pode a respectiva execução iniciar-se.

A jurisprudência referida no despacho recorrido tem que ser lida com cautela e sem esquecer os casos concretos que aí estavam em apreciação.

Com efeito, quer no acórdão do tribunal da relação de Coimbra de 23/5/2012, quer no da relação de Évora de 18/4/17, não tinha ocorrido qualquer prestação de trabalho ao contrário do que acontece no caso em apreço.

Por outro lado, quer o acórdão da relação de Évora de 25/10/16, quer o de 20/2/18 têm que ver com a interrupção da prescrição e não com a suspensão, analisando-se situações diversas. Tanto assim é que o Desembargador relator do referido acórdão de 25/10/16 é precisamente o mesmo do acórdão de 13/7/17, no qual, como acima já se referiu, se defendeu tese idêntica à aqui defendida: o requerimento de substituição suspende o decurso do prazo da prescrição da pena. Não houve qualquer mudança de posição do referido Exmº Desembargador; o que acontece é que se trata de situações diferentes.

Resta referir que o Ac. de Fixação de Jurisprudência 2/2012 (D.R. de 12/4/2012) não tem que ver com a situação dos autos, nem tem especial contributo para o que aqui se discute: o que estava ali em causa era uma situação interrupção da prescrição da pena nos termos do artº 126º, nº 1, al. a), do Cód. Penal.

Temos, portanto, que o prazo de prescrição da pena de multa, que é de 4 anos nos termos do artº 122º, nº 1, al. d), do Cód. Penal, se iniciou em 6/7/09 (trânsito em julgado da decisão condenatória), se suspendeu em 23/2/10 (data do requerimento a solicitar a substituição da pena de multa por trabalho) e, nos termos do nº 2 do artº 125º do Cód. Penal, voltou a correr em 21/9/18 (data do trânsito em julgado do despacho proferido em 5/6/18 – cfr. notificação feita a fls. 429 vº).

Assim sendo, o referido prazo de 4 anos ainda não decorreu, devendo, em consequência, a decisão recorrida ser substituída por outra em que se determine o que se entender por conveniente quanto ao remanescente da multa ainda não cumprida por virtude dos dias de trabalho já prestados.

De tudo o referido resulta que:

1 - O requerimento formulado pelo condenado ao abrigo do artº 48º do Cód. Penal solicitando a substituição da pena de multa por trabalho, suspende o prazo de prescrição da pena de multa, nos termos do artº 125º, nº 1, al. a), do Cód. Penal.

2 - Tal prazo de prescrição volta a correr após o trânsito em julgado da decisão que revogar a anterior substituição e determinar o cumprimento do remanescente da multa ainda não considerada paga pela prestação dos dias de trabalho entretanto ocorrida.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar procedente o recurso, revogando, assim, a decisão recorrida.

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Sem tributação

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Évora, 4 de Fevereiro de 2020

Nuno Maria Garcia

António Manuel Charneca Condesso