Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6824/05.5TBSTB-B.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: CITIUS
DISPONIBILIDADE
SUSPENSÃO DE PRAZO
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: RELATORA
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Apenas no caso da secretaria do tribunal judicial confirmar a impossibilidade de acesso ao processo ou a parte dele, quer em suporte electrónico, quer em suporte físico, é que a parte podia deixar de praticar o acto por suporte físico, com base em justo impedimento, nos termos do artº 3º, nº 2, do DL nº 150/2014, de 13/10;
2 - Não se verificando tal situação, estava a parte onerada a praticar o acto em suporte físico, quando estivesse impossibilitada de o fazer em suporte electrónico.
Decisão Texto Integral: Reclamação n.º 6824/05.5TBSTB-B.E1
(…), ré na ação com processo ordinário (nº 6824/05.5TBSTB), que lhe é movida por (…) e (…), não se conformando com a sentença proferida nos autos, veio dela interpor recurso, o qual não viria a ser admitido, devido ao facto de se ter considerado que a apresentação do requerimento foi extemporânea por terem decorrido mais de 40 dias, atento o disposto no artº 638º, nºs 1 e 7, do CPC.
Inconformada, veio a recorrente apresentar reclamação contra tal despacho, sustentando a tempestividade do recurso, requerendo, em consequência, a revogação do despacho alvo de reclamação e a consequente admissão do recurso.
Cumpre decidir

Para apreciar e decidir da reclamação apresentada há que ter em conta o seguinte circunstancialismo:
- A sentença objecto do recurso foi notificada ao ilustre mandatário da reclamante no dia 02/07/2014;
- A ré, ora reclamante, por requerimento que deu entrada no Tribunal Judicial de Setúbal, no dia 10/09/2014, requereu que lhe fosse fornecido CD, contendo a gravação quer da primeira audiência que teve lugar nos autos e que deu lugar à primeira sentença de 1ª instância proferida nos autos, quer da audiência agora proferida e da qual pretende interpor recurso;
- Mais requereu que, em caso de impossibilidade de acesso ao sistema informático que inviabilize aquela gravação, se digne conceder prorrogação de prazo para interposição de recurso tendo em atenção a data de entrada em juízo do presente requerimento e o período de tempo que ainda resta para a interposição do recurso, período este que só se iniciará quando a gravação puder ser viabilizada;
- O Julgador em face de tal requerimento, proferiu, em 12/09/2014, o seguinte despacho: “Uma vez que o sistema CITIUS/HABILUS se encontra indisponível, não é possível aceder à gravação da prova produzida em audiência, assim determino se aguarde tal acessibilidade e assim que a mesma seja possível se satisfaça o solicitado, iniciando-se o prazo do recurso a partir do momento em que ao requerente possa ser facultada a prova gravada, sendo o mesmo notificado em conformidade”;
- O ilustre mandatário da reclamante foi notificado do despacho supra referido em 17/09/2014 (cfr. fls. 23);
- Com a data de 18/09/2014, consta dos autos que foi enviado o CD com a gravação dos depoimentos das testemunhas prestados em julgamento;
- Em 19/12/2014, a reclamante/ré no processo interpôs o recurso;
- A reclamante insurge-se contra a decisão em questão que lhe rejeitou o recurso por extemporaneidade, defendendo que com a publicação do DL 150/2014, de 13/10, os prazos foram suspensos até à publicação da declaração do Conselho Directivo do IGFEJ que confirme a completa operacionalidade do CITIUS;
- Entendeu, em 19/12/2014, que já era possível a expedição da interposição do recurso via CITIUS, não esperou pela declaração do Conselho Directivo do IGFEJ, I.P.;
- Declaração essa que até à presente data não apareceu;
- Entendendo que a interposição do recurso na data de 19/12/2014, não é extemporâneo face à confusão existente quanto à suspensão dos prazos judiciais, entendimento que não sendo acolhido viola o princípio da tutela jurisdicional prevista no artº 20º, da Constituição, tendo o despacho ora reclamado violado o artº 9º, do C. Civil por referência aos artºs 2º, nº 2 e 6º, nº 2, do D.-Lei 150/2014.

Vejamos então!
Como regra, o prazo de interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão (artº 638º, nº 1, do CPC).
Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias (art.º. 638º, nº 7, do CPC).
No caso em apreciação, uma vez que a reclamante/ré no processo queria a reapreciação da prova gravada, tal prazo para recorrer era de 40 dias (30+10).
Foi do conhecimento geral que houve constrangimentos na plataforma HABILUS/CITIUS.
No dia 13/10/2014, foi publicado o DL. 150/2014, que entrou em vigor no dia útil seguinte ao da sua publicação (artº 6º), ou seja, em 14/10/2014, e que visa clarificar o regime aplicável à prática de atos processuais enquanto se mantiver a situação de exceção provocada pelos constrangimentos técnicos de acesso e utilização do CITIUS, estabelecendo um regime de justo impedimento e de suspensão de prazos processuais (artº 1º).
Dispõe o nº 1 do artº 2º que “para todos os efeitos legais, considera-se que, desde o dia 26/08/2014, inclusive, o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS) apresenta constrangimentos ao acesso e utilização, que muito dificultam ou impossibilitam a prática de qualquer ato no sistema informático, pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Publico”, esclarecendo o nº 2 que apenas se considera que cessaram tais constrangimentos com a publicitação da declaração do conselho diretivo do IGFEJ, IP que ateste a completa operacionalidade daquele sistema informático, a qual poderá ser publicitada de forma gradual, conforme prevê o nº 3.
Na sequência do disposto no nº 1 do artº 2º, dispõe o nº 1 do artº 3º que “os constrangimentos de acesso e utilização do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS) consideram-se, para todos os efeitos e independentemente de requerimento, alegação ou prova, justo impedimento à prática de atos processuais que devam ser praticados por via eletrónica neste sistema, pelos sujeitos e intervenientes processuais.
O artº 5º nº 1 prevê que “os prazos previstos para a prática de qualquer ato previsto no artº anterior pelos sujeitos e intervenientes processuais, que se tenham iniciado após o dia 26 de Agosto de 2014 inclusive ou, tendo-se iniciado anteriormente, terminem após essa data, consideram-se suspensos a partir do referido dia 26/08/2014, retomando-se a sua contagem a partir da entrada em vigor do presente diploma”, estatuindo o nº 2 que “o disposto no numero anterior não prejudica os atos praticados após o dia 26/08/2014”.
A análise conjugada destes artigos, a leitura do preâmbulo do diploma, a ponderação das regras processuais em matéria da prática dos actos pelas partes (artº 144º do CPC), levam-nos a retirar algumas conclusões:
O diploma não partiu do princípio de que em todos os tribunais existia impossibilidade da prática dos actos processuais via CITIUS, face aos constrangimentos nestes verificados, uma vez que admitiu no nº 2 do artº 2º, que tais constrangimentos apenas dificultassem a prática dos actos através daquele sistema.
Assim, podendo o acto ser praticado por via eletrónica, através do sistema CITIUS, assim devia ser praticado.
E sendo impossível praticar o ato via CITIUS, mas existindo a possibilidade de o praticar em suporte físico, devia ser desta forma praticado, como aliás, se consagra no artº 4º, nº 1 e resulta da conjugação do disposto no artº 3º, nº 1, com o disposto no artº 144º, nºs 7 e 8, do CPC.
Apenas no caso da secretaria do tribunal judicial confirmar a impossibilidade de acesso ao processo ou a parte dele, quer em suporte eletrónico quer em suporte físico, é que a parte podia deixar de praticar o ato por suporte físico, com base em justo impedimento nos termos do artº 3º, nº 2.
Não se verificando tal situação, estava a parte onerada a praticar o ato em suporte físico, quando estivesse impossibilitada de o fazer em suporte eletrónico.
Da análise do preambulo do DL150/2014, se chega à mesma conclusão, quando refere que “quanto ao modo estabelecido para a prática de atos enquanto se mantiverem os constrangimentos técnicos ao acesso e utilização do CITIUS, o presente D. Lei determina a sua realização em suporte físico, caso não possam ser praticados eletronicamente, sem que daí resulte qualquer ónus ou consequência adversa para o seu autor, seja a nível processual seja a nível de custas processuais”.
Seguindo de perto o Ac. do T.R.L., de 21/04/2015, proferido no proc. 655/07.5TCFUN.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, no qual a questão é tratada “o desiderato desta imposição legal é facilmente intuível: o legislador quis que, desde que o processo físico estivesse acessível, nele fossem praticados os actos pelo modo de entrega física dos papéis, pois que tal beneficia a celeridade da sua tramitação”.
Na sequência do que vem sendo dito, haverá que concluir que a suspensão dos prazos a que alude o nº 1 do artº 5º apenas terá aplicação nas situações em que exista impossibilidade total de praticar o ato, quer eletronicamente, quer através de suporte físico.
No caso sub judice não resulta alegada ou demonstrada a impossibilidade de interpor o recurso por via eletrónica, nem por via física, sendo certo que pelo menos inexistia impossibilidade de praticar o ato (de interposição de recurso) através de suporte em papel.
Não há, pois, lugar à suspensão do prazo prevista no artº 5º, nº 1 do D.L. 150/2014, de 13/10.
Deste modo, em face do disposto no mencionado artº 5º, o prazo para a interposição do recurso tem de contar-se a partir do dia 14/10/2014, terminando no dia 24/11/2014, podendo o mesmo ainda ser praticado mediante pagamento de multa até ao dia 29/11/2014 (artº 139º, nº 5 do CPC),e, sendo o mesmo interposto no dia 19/12/2014, é manifesto que o recurso se tem de considerar extemporâneo.
Assim, nenhuma censura merece a decisão alvo de reclamação, pelo que bem esteve o Julgador “a quo” em não admitir o recurso.
Pelo que há que indeferir a reclamação, não se mostrando violados os preceitos legais e constitucionais invocados.

DECISÃO
Pelo exposto decide-se indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante.
Évora, 11 de Junho de 2015
Maria da Conceição Ferreira