Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
893/16.0T9FAR.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: PIROTECNIA
EXPLOSIVOS
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – O regime contra-ordenacional previsto no Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril e, posteriormente, no Decreto-Lei nº135/2015, de 23 de Julho, na parte relativa ao sancionamento do comportamento do utilizador do artigo de pirotecnia, ou de explosivos civis, pressupõe a sua detenção lícita e pune a utilização com desrespeito pelas prescrições contidas nos rótulos ou em norma técnica, nomeadamente quanto ao local, utilização ou em incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis;
II – Por sua vez, o regime penal previsto Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, pune a detenção ou utilização ilícita do artigo de pirotecnia e de explosivos civis, efectuada sem autorização, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente (como ocorre no caso “sub judice”).
III – A detenção pelo arguido de 14 very light’s e 61 fachos de mão, sem autorização da PSP para a aquisição e detenção incluem-se, respectivamente, nas alíneas a) e d) do nº1 do art. 86° da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro.
IV – No circunstancialismo descrito, e agindo o arguido de forma livre, deliberada e consciente, querendo deter os artigos em causa sem previamente ter obtido autorização da PSP para o efeito, sabendo ser proibida a utilização e a posse dos mesmos, comete o crime de detenção de arma proibida.
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 893/16.0T9FAR E1
Reg. N.º 1034
Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório
1 - Nos Autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 893/16.0T9FAR, da Comarca de Faro - Portimão - Int. Local - Sec. Comp. Criminal – J3, foi realizada audiência de discussão e julgamento, sendo arguido:
BB (…),
tendo, sequencialmente, sido proferida sentença, do seguinte teor:
“Procedendo à alteração da qualificação jurídica dos factos, condenar o arguido (…) pela prática de único crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 4º do D.L. 48/95 de 15.03, 2º nºs 1 alíneas p), az), e aad), 3 alíneas e) e p) e 5 alíneas l) e af), 3º nºs 3, 4 alínea b), 5 alínea g), 5º nº 3 alínea b), 6º nº 2 alínea b), 12º/1 alíneas a) e b) e 86º/1 alíneas a), c) e d) da L. 5/2006 de 23.02, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
(...).”

1.1 - O arguido, inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso. Nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões:
“1º - As circunstâncias em que as armas e very lights chegaram à posse do Arguido atenuam, pelo menos, e de forma significativa, a sua culpa, o que sempre se deverá revelar na escolha da medida da pena concreta, a aplicar.
2º - O douto Tribunal “a quo” deveria ter considerado provada mais matéria, designadamente a relativa ao anterior possuidor, pai do Recorrente.
3º - A detenção dos very lights, nas circunstâncias dos autos não constitui crime
4º - Toda a matéria resultante da produção da prova justifica a atenuação especial da pena, que não deverá ser superior a Multa, na eventualidade de se não optar pela absolvição.
5º - Devia, pois, o douto Tribunal “a quo”, não entendo dever absolver o Arguido, ora Recorrente, para o que cremos existir fundamento, condená-lo em pena especialmente atenuada, e não superior a Multa, e não o tendo feito, condenando-o nos termos da douta Sentença de Fls. em pena que temos por excessiva, violou o disposto nos artigos 40º, nºs 1 e 2, 71º nºs 1 e 2, e 73º do Código Penal, pelo que, merecendo provimento o presente Recurso, se deverá revogar a douta Sentença de Fls., a substituir por outra que, a não absolver o Recorrente, o condene em pena não superior a Multa, por se verificar fundamento para tanto.
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de Vªs Exªs, a não ser o Julgamento anulado, e reenviado o Processo para repetição do Julgamento, deverá a douta Sentença ser revogada, e substituída por outra, que, a não absolver o Arguido, ora Recorrente, o condene em pena não superior a Multa, assim merecendo provimento o presente Recurso.
Porém Vªs Exªs decidirão como for de JUSTIÇA”.

2 - O recurso foi recebido, tendo o MºPº, junto do tribunal “ a quo”, apresentado a sua resposta, com as conclusões seguintes:
“1ª – O arguido BB interpôs recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 4º do D.L. 48/95 de 15.03, 2º nºs 1 alíneas p), az), e aad), 3 alíneas e) e p) e 5 alíneas l) e af), 3º nºs 3, 4 alínea b), 5 alínea g), 5º nº 3 alínea b), 6º nº 2 alínea b), 12º/1 alíneas a) e b) e 86º/1 alíneas a), c), e d) da L. 5/2006 de 23.02, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;
2ª – De acordo com o disposto no art.º 412º n.º 1 do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer;
3ª – Não foi produzida qualquer prova em audiência de discussão e julgamento quanto às circunstâncias em que as armas e os very lights chegaram à posse do arguido porquanto, desde logo, não só o arguido não esteve presente na audiência de discussão e julgamento, e consequentemente nenhuma explicação deu aos autos, como, por outro lado, as testemunhas inquiridas, Militares da GNR, limitaram-se a narrar a apreensão das armas e very ligths efectuada no local de trabalho do arguido na presença deste, sabendo contudo que de facto as armas eram propriedade ao pai do arguido que havia sido vitima de homicídio, não possuindo o arguido à data da apreensão qualquer autorização para a sua detenção;
4ª – O Tribunal a quo não poderia efectuar juízos de “adivinhação” de tais circunstâncias conforme alegado pelo recorrente;
5ª – O juízo técnico decorrente da prova pericial presume-se subtraído à livre convicção do julgador nos termos do disposto no artigo 163º n.º 1 do Código de Processo Penal, como sucedeu in casu;
6ª – Alegou ainda o recorrente violação do disposto no artigo 70º do Código Penal no que concerne à escolha e determinação da medida da pena;
7ª – Analisado o teor da douta sentença recorrida, verifica-se que na determinação concreta da pena foram considerados os factos dados como provados respeitantes à condenação aplicada ao arguido e aos antecedentes criminais do arguido;
8ª – O Tribunal a quo teve em consideração a ponderação global dos factos, quer quanto à ponderação das exigências de prevenção geral e especial que no caso vertente se afiguram relevantes, tanto como todas as circunstâncias agravantes como atenuantes, pelo que entendemos, salvo melhor opinião, que a pena em que o arguido foi condenado se mostra adequada;
9ª – Pelo exposto, entende-se não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao decidir pela condenação do recorrente nos termos e com os fundamentos ali expostos.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser confirmada a Douta sentença recorrida.
Vossas Ex.ªs, porém, decidirão como for de JUSTIÇA !

3 - Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, concluindo:
“Através da compulsa dos autos, manifestamos a nossa adesão aos fundamentos de facto e de direito, enunciados e constantes da douta sentença recorrida, sendo que não se vislumbra nada de relevante e de decisivo que a consinta colocar em crise.
Acompanhamos a resposta apresentada pelo Ministério Público na la instância, a cujos argumentos nada mais se nos oferece acrescentar, com relevo para a apreciação e decisão dos presentes recursos.
Termos em que e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, Se emite parecer no sentido da improcedência do recurso.”.

4 - Foi cumprido o preceituado não art. 417º n.º 2 do C.P.P.

5 - Foram colhidos os vistos legais.

6 - Cumpre decidir.


II - Fundamentação
2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que interessa, é o seguinte:
“ FACTOS PROVADOS
Da discussão da matéria de facto, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 09.12.2015, cerca das 08:20, o arguido BB detinha, no interior do escritório do estabelecimento comercial de armazém de sucata e desmantelamento de veículos em fim de vida denominado “CC, Lda.” por si explorado:
 um revolver Wembley, calibre 32, municiado com 6 munições calibre.22;
 um revolver Magnum 22, municiado com 5 munições calibre.22;
 uma pistola calibre 7,65, municiada com 9 munições calibre 7,65;
 dois cartuchos de calibre 12;
 uma munição.300 Magnum;
 duas munições de cablibre.22 Magnum;
 um saco contendo 14 very lights e 61 fachos de mão.
2. O arguido detinha os revólveres, pistola e munições identificadas em 1. sem que, para tanto, fosse titular das competentes licenças de uso e porte de arma e sem que as tivesse registado e manifestado em seu nome.
3. Adquiriu os very lights e os fachos de mão sem autorização das autoridades competentes.
4. O arguido tinha conhecimento das características das munições, armas que tinha em seu poder, querendo detê-los, mesmo sabendo que para a respectiva detenção é necessária a titularidade de licença de uso e porte, válida em território nacional.
5. Mais sabia que a obtenção e detenção de artigos pirotécnicos e engenhos explosivos carece de autorização da parte da PSP.
6. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

*
Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal do arguido, com relevo para a determinação da sanção:
7. Não regista antecedentes criminais.
8. No exercício fiscal de 2014 declarou rendimentos brutos no valor de € 10.135,59.
9. No exercício fiscal de 2015 declarou rendimentos brutos no valor de € 10.437,42.
*
III. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, sendo certo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria.
*
IV. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra devidamente registada em suporte magnético.
Na ausência do arguido, regularmente notificado, o Tribunal atendeu aos depoimentos prestados de forma isenta e credível pelas testemunhas …, militar da GNR no … e …, militar da GNR de … que, por terem participado na acção de fiscalização levada a cabo na sucateira explorada por BB, revelaram conhecimento directo e pessoal dos factos, relatando o local onde as armas foram sendo encontradas e descrevendo-as.
… adiantou, ainda, que aquando da detenção o arguido confirmou a propriedade de tais armas, que se destinariam à sua defesa, reconhecendo a respectiva ausência de licenciamento.
*
O Tribunal tomou, ainda, em consideração, o teor dos documentos de fls. 2 a 97, 107 a 114, 122 a 137, 173 a 174, 254, que constituem, respectivamente, a certidão extraída do Proc. 1467/15.8T9FAR, relatórios de exames periciais, parecer do Núcleo de Armas e Explosivos da PSP e o certificado do registo criminal do arguido. ”

2.2 - O registo magnetofónico da prova permite, ao tribunal de recurso além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente o pretenda e dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P, o que não ocorre no caso “sub judice”) apreciar as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º n.º 1, do mencionado compêndio adjectivo) e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas. E, dentro destes parâmetros, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão

2.3 - Feita esta introdução de âmbito geral e analisadas, apenas, as conclusões de recurso, facilmente se constatará que o recorrente alega o seguinte:
“1º - As circunstâncias em que as armas e very lights chegaram à posse do Arguido atenuam, pelo menos, e de forma significativa, a sua culpa, o que sempre se deverá revelar na escolha da medida da pena concreta, a aplicar.
2º - O douto Tribunal “a quo” deveria ter considerada provada mais matéria, designadamente a relativa ao anterior possuidor, pai do Recorrente.
3º - A detenção dos very lights, nas circunstâncias dos autos não constitui crime.
4º - Toda a matéria resultante da produção da prova justifica a atenuação especial da pena, que não deverá ser superior a Multa, na eventualidade de se não optar pela absolvição.
5º - Devia, pois, o douto Tribunal “a quo”, não entendo dever absolver o Arguido, ora Recorrente, para o que cremos existir fundamento, condená-lo em pena especialmente atenuada, e não superior a Multa, e não o tendo feito, condenando-o nos termos da douta Sentença de Fls., em pena que temos por excessiva, violou o disposto nos artigos 40º, nºs 1 e 2, 71º nºs 1 e 2, e 73º do Código Penal, pelo que, merecendo provimento o presente Recurso, se deverá revogar a douta Sentença de Fls., a substituir por outra que, a não absolver o Recorrente, o condene em pena não superior a Multa, por se verificar fundamento para tanto.”.

2.4 - Conhecimento do objecto do recurso
2.4.1 - Nos termos do disposto no artigo 428º, do C.P.P., o Tribunal da Relação, em fase de recurso, pode apreciar da matéria de facto e de direito, nos termos retro apontados.
No que respeita ao objecto de recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
O recorrente questiona a matéria de facto, apenas quanto à sua insuficiência, no que respeita as circunstâncias em que as armas e very lights chegaram à posse do Arguido, sem contudo a impugnar.
Portanto, apenas cumpre referir que se entende o não cumprimento do disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.
O n.º 3, deste preceito legal - 412º, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto - no caso em análise não o fez - deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas.
O n.º 4, refere que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do ar. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.”.
O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1ª instância.
Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430º, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410º n.º 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, v.g., insuficiência, contradição ou erro.
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..."
Analisando a sentença recorrida verifica-se que o tribunal “a quo” baseou-se numa apreciação crítica, explicita, esclarecedora e global de toda essa prova (testemunhal, documental e pericial) produzida no seu conjunto.
O tribunal recorrido apreciando criticamente os seus depoimentos e conjugando-os com, a demais prova produzida, como se fez constar da respectiva fundamentação. Todos estes elementos de prova confirmam a matéria apurada, constante, nomeadamente, dos seus pontos n.ºs.1 a 6.

2.4.2 - (…)
2.4.3 - No que concerne a alegação de que a detenção dos very lights, nas circunstâncias dos autos não constitui crime, torna-se necessário o enquadramento jurídico dessa detenção.
Dispõe o artigo 86° da Lei n° 5/2006, de 23/02, na redacção dada pela Lei na 17/2009, de 16/05 e Lei n.º 12/2011, o seguinte e sob a epígrafe "Detenção de arma proibida e crime cometido com arma":
1 – Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar; importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioativa ou suscetível de explosão nuclear, arma de fogo automática, arma longa semiautomática com a configuração de arma automática para uso militar ou das forças e serviços de segurança, explosivo civil, engenho explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) (…);
c) (…);
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício de categoria 1, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projétil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.
3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.
4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.
5 - Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão.
O art. 2º nº 5 alínea l), da citada L. 5/2006, exprime o conceito de:
“Explosivo civil” “todas as substâncias ou produtos explosivos cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente”;
A alínea af), desse mesmo n.º 5, contém a definição de :
"Artigo de pirotecnia 1: qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas auto-sustentadas”.
O artigo 3.° do Dec. Lei n.º 34/2010, de 15 de Abril, com as alterações resultantes do Dec.-lei n° 144/2013, de 21.10, permite apreender o conceito de:
a) «Artigo de pirotecnia», qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reacções químicas exotérmicas auto -sustentadas;
Essa alteração resultante do citado Dec.-Lei na 144/2013, delimitou, essencialmente, uma alteração terminológica ao referir no artigo 3º que a referência feita no Decreto-Lei n." 34/2010, de 15 de abril, a «categoria 4», é substituída, por «categoria F4», mantendo, no mais, a restante terminologia.
Todavia, ocorreu a publicação do Dec.-Lei n.º 135/2015, de 20/07, que instituiu um regime contraordenacional previsto no artigo 35º.
O seu o artigo 2.º preceitua que:
1 - O presente decreto-lei aplica-se aos artigos de pirotecnia, entendendo-se como tal para efeitos do presente decreto-lei, os artigos que contenham substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas
(...)
O art.º 6.º desse mesmo diploma legal, sobre a epigrafe “Classificação de artigos de pirotecnia”, preceitua:
1 - Os artigos de pirotecnia são classificados pelo fabricante de acordo com o tipo de utilização, a finalidade e o nível de risco, incluindo o sonoro.
2 - Esta classificação deve ser confirmada pelos organismos notificados autorizados nos termos previstos no artigo 21.º, decorrente dos procedimentos de avaliação da conformidade estabelecidos no artigo 17.º
O seu n.º 3, discrimina os diferentes. artigos de pirotecnia.
Assim, e tendo em conta a matéria de facto dada como provada – o arguido detinha 14 very light’s e 61 fachos de mão e não possuía autorização da PSP para a aquisição e detenção dos very light’s e fachos de mão, agindo de forma livre, deliberada e consciente, querendo detê-los sem previamente ter obtido autorização da PSP para o efeito, sabendo ser proibida a utilização e a posse, dos mesmos, proibidas por ausência de autorização para o efeito - os very light’s e os fachos de mão aprendidos e detidos incluem-se, respectivamente, na alíneas a) e d) do nº1 do art. 86° do RJAM.
Porquanto:
O regime contra-ordenacional previsto no Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril e, posteriormente, no Decreto-Lei nº135/2015, de 23 de Julho, na parte relativa ao sancionamento do comportamento do utilizador do artigo de pirotecnia, ou de explosivos civis, pressupõe a sua detenção lícita e pune a utilização com desrespeito pelas prescrições contidas nos rótulos ou em norma técnica, nomeadamente quanto ao local, utilização ou em incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis;
Por sua vez, o regime penal previsto Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, pune a detenção ou utilização ilícita do artigo de pirotecnia e de explosivos civis, efectuada sem autorização, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente (como ocorre no caso “sub judice”).
É acertado reafirmar que “os very lights que o arguido guardava se consideram explosivos civis e os fachos de mão constituem artigos de pirotecnia, entende-se estarem preenchidos os elementos objectivos do ilícito previsto nas alíneas a) e d) do art. 86º nº 1 da L. 5/2006.”
Face ao exposto e de acordo com elementos factuais dados como provados nos presentes autos, dúvidas não restam de que se encontram verificados todos os elementos do tipo legal (objectivos e subjectivo, no que concerne ao comportamento do arguido/recorrente), do art. 86°, n º l als. a) e d), do Regime Jurídico das Armas e Munições.
Neste mesmo sentido, entre outros, o Ac. do TRP, de 11.07.2018, proferido no Proc. n.º 146/15.0GAFLG.P2, disponível em www.dgsi.pt, sobre a penalização destes artigos de pirotecnia, entende: “(…) O artigo 86.°, n.° 1, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, que contém o regime jurídico das armas e munições (RJAM), diz-nos que comete o crime de detenção de arma proibida quem, sem autorização, fora das condições legais, ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo alguma das armas ou algum dos instrumentos, engenhos, equipamentos, produtos ou substâncias elencados nas suas quatro alíneas.
O regime contra-ordenacional previsto (no Decreto-Lei nº 34/2010, de 15 de Abril e, posteriormente, no Decreto-Lei nº135/2015, de 23 de Julho) na parte relativa ao sancionamento do comportamento do utilizador do artigo de pirotecnia, pressupõe a sua detenção lícita e pune a utilização com desrespeito pelas prescrições contidas nos rótulos ou em norma técnica, nomeadamente quanto ao local, utilização ou em incumprimento das distâncias mínimas de segurança exigíveis.
Pelo contrário, o regime penal previsto Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro, pune a detenção ou utilização ilícita do artigo de pirotecnia, aquela efectuada sem autorização, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente.
(…)
Nos termos dos artigos 22º, nº6, e 31º, nº6, do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comercialização e Emprego de Produtos Explosivos a venda só pode ser feita às pessoas que, tendo obtido das entidades competentes autorização para a sua aquisição e lançamento, exibam o respectivo documento comprovativo no momento da compra.
Concluindo, a detenção e utilização do engenho em causa carece de autorização e o recorrente não a havia solicitado (…).
A sentença recorrida, com este reparo argumentativo relativo à necessidade de autorização da sua aquisição, não será alterada.”
O MºPº, na sua resposta, adianta, ainda, “De referir ainda que a qualificação de tais objectos como armas de detenção proibida consta de relatório pericial efectuado nos autos cujo juízo técnico se presume subtraído à livre convicção do julgador nos termos do disposto no artigo 163º n.º 1 do Código de Processo Penal, como sucedeu in casu”
Não olvidamos que os exames foram realizados (e pode mesmo exigir que seja feito) por quem tem especiais conhecimentos técnicos, especificados e científicos, quanto a essa matéria das armas.
O entendimento, a análise e a convicção probatória foram apreciados pelo tribunal e são conformes com os autos de exame de fls. 79 a 82 e do de fls. 173 a 174, não havendo, por isso, necessidade de outra qualquer fundamentação.

2.4.4 - Escolha da espécie e graduação da pena
(…)

III - Decisão
Em face do exposto, acordam em declarar improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se em quatro unidades de conta a taxa de justiça e demais acréscimos legais.
(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora que rubrica as restantes folhas).

Évora, 06/11/2018
Maria Isabel Duarte (relator)
José Maria Simão