Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7951/15.6T8STB.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: SEGURO DE VIDA
FALSAS DECLARAÇÕES
ANULABILIDADE
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Desconhecendo o Tribunal o que esteve na origem do hematoma do cerebelo que causou a morte do segurado, nem tampouco se à data da celebração do contrato, o mesmo já padecia de insuficiência mitral, terá que ser a questão agora resolvida contra a seguradora, por consubstanciar uma excepção peremptória.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 7951/15.6T8STB.E1 - 2.ª secção.

Acordam os Juízes da Secção Cível do tribunal da Relação de Évora

(…), com domicílio na Rua (…), Lote (…), 3.º Esq., em Pinhal Novo, intentou acção declarativa comum, contra (…) Europe Limited – Sucursal em Portugal, com sede na Av. da (…), n.º (…), 4º, em Lisboa, peticionando a condenação da Ré no (i) pagamento da indemnização referente ao seguro de vida, do segurado (…), a favor do Banco (…), SA., provando que a cláusula da apólice que consideram não estar preenchida efectivamente esteja e (ii) no pagamento de todas as custas processuais/ taxas de justiça e despesas de honorários com Agente de Execução que a Autora foi sujeita no âmbito de todas as acções interpostas pelo Banco (…), SA.

Mais peticionou a exclusão das cláusulas do contrato, referentes ao estado de saúde de (…) por falta de comunicação.

Alegou, em síntese, ter celebrado com o seu cônjuge, (…), no dia 11/09/2009, um contrato com o Banco (…), SA., destinado à aquisição do veículo de marca BMW, modelo 320D, de matrícula 26-(…)-75.

E na mesma data celebraram com a Ré um contrato de seguro de vida, com a apólice n.º (…), que se destinava a cobrir o pagamento do capital em dívida no mútuo para com o Banco (…), SA à data do falecimento de algum dos mutuários, sendo o beneficiário do contrato de seguro de vida seria o Banco (…), SA.

O cônjuge da Autora faleceu no dia 16/10/2012.

Com o falecimento do cônjuge da Autora, (…), foi accionado o contrato de seguro de vida junto da Ré a fim de cobrir o capital em dívida no contrato de mútuo celebrado entre a Autora e o seu falecido cônjuge e o Banco (…), SA.

Todavia a Ré declinou a responsabilidade pelo sinistro, por entender que o segurado, (…), na data da celebração do seguro terá prestado declarações que não corresponderiam à verdade.

Nem à Autora nem a (…) havia sido comunicado quaisquer condições do seguro de vida.

Com toda esta situação a Autora não conseguiu liquidar as prestações do crédito que havia contraído com o seu falecido cônjuge junto do Banco (…), SA. o que levou a que a entidade bancária interpusesse acção de injunção, n.º 141311/13.2YIPRT, para cobrança do crédito Assim, tal injunção procedeu e deu origem a processo de execução com o n.º 3143/15.2T8STB, que corre termos na Comarca de Setúbal, Instância Central, Secção de Execução, J2.

A Ré apresentou contestação, invocando que:

- (…) e a Autora declararam expressamente conhecer as condições contratuais do seguro, entre as quais se encontram as condições de elegibilidade.

- (…) e a Autora não podiam deixar de saber que o estado de saúde de (…) – desconhecido da Ré – era um facto essencial para a formação da vontade da Ré em celebrar o contrato de seguro.

- (…) proferiu falsas declarações aquando da adesão ao seguro com influência determinante na vontade de contratar da Ré, o que conduz à anulabilidade do seguro.

- O que causou a morte de (…) era pré-existente à adesão ao contrato de seguro, pelo que o sinistro está excluído da cobertura da apólice.

Invoca a anulabilidade do contrato de seguro, devido às falsas declarações prestadas por (…) bem como a verificação da exclusão prevista no artigo 4, al. k) das condições gerais do contrato [doença pré-existente].

Por despacho de fls. 72 foi a Autora convidada a fazer intervir nos autos os demais herdeiros que consigo concorrem à herança aberta por óbito de (…).

E vieram a fls. 79, os herdeiros (…), (…) e (…) intervir espontaneamente nos autos, ratificando todo o processado.

Foi realizada audiência final, com observância do legal formalismo.

Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenada a Ré no pagamento ao Banco (…), S.A., do valor em dívida referente ao mútuo para financiamento da aquisição do veículo da marca BMW, modelo 320 d Navigator II, com a matrícula 26-(…)-75, existente em 16/10/2012 e até ao limite de € 50.000,00 [cinquenta mil euros], referente à apólice nº (…).

b) Absolvida a Ré do demais peticionado.

Inconformada, recorreu a R. tendo concluído nos seguintes termos:

A. Atendendo aos factos provados, o Tribunal a quo decidiu erradamente ao não decidir pela procedecência da anulabilidade do contrato de seguro celebrado entre as partes ou pela exclusão do risco coberto pelo contrato de seguro por doença préexistência.

B. Da prova produzida nos autos resulta que (…) sofria de hipertensão arterial, estando, em virtude dessa condição, sob vigilância médica e a tomar medicação sujeita a prescrição médica.

C. (…) não se encontrava de boa saúde, algo que não podia ignorar, já que, como ficou provado nos autos, poucos dias após a celebração do contrato de seguro deu entrada de urgência no Hospital, tendo também ficado provado que dias antes já apresentava sintomas relevantes – os mesmos que posteriormente o fizeram dirigir-se às urgências.

D. (…) não podia deixar de conhecer da essencialidade de declarar com exactidão e de não omitir todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador para a celebração do contrato de seguro, dado o tipo de seguro de vida que estava em causa.

E. Ainda que não tivesse consciência da mencionada relevância e essencialidade, a mesma era-lhe exigida, cuja capacidade de compreensão e nível de diligência deve ser aferida de acordo com o parâmetro do homem médio.

F. Caso a Recorrente tivesse conhecimento das circunstâncias relativas à vigilância médica, medicação prescrita e ao estado de saúde de (…), não teria celebrado o contrato de seguro, pois aquele não reunia as condições de elegibilidade.

G. (…) já padecia de insuficiência mitral aquando da adesão ao contrato de seguro.

H. A causa de morte de (…) resultou, directa ou indirectamente, da sua hipertensão arterial e da sua insuficiência mitral, pelo que tal constitui uma exclusão do risco nos termos do contrato de seguro celebrado.

I. Ao dar como não provados os factos alíneas b), c), d) e e) o Tribunal a quo cometeu um verdadeiro erro na apreciação da prova produzida, que, como tal, merece ser reapreciada, nos termos do artigo 640.º do CPC.

J. Em conclusão, e caso não se entenda que existiu um erro de julgamento de direito, os factos al. b), c), d), e e) dados como não provados devem, à luz da prova testemunhal e documental prestada nos presentes autos, passar para a lista dos factos dados como provados, assim se fazendo uma correcta apreciação da prova produzida.

K. O Tribunal a quo, ao abrigo dos artigos 24.º, 25.º e 26.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16-04), deveria ter decidido no sentido da anulabilidade do contrato de seguro celebrado ou, caso assim não se entendesse, condenar a Recorrida no pagamento do prémio.

L. E, ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, (…) deveria cumprir a obrigação prevista no artigo 24.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, declarando com exactidão todas as circunstâncias que conhecia e razoavelmente devia ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, ainda que as mesmas não tenham sido solicitadas em questionário fornecido pelo segurador.

M. O risco do falecimento de (…), por ter sido provada a existência de um nexo – directo ou indirecto – entre as patologias existentes aquando da adesão ao contrato de seguro e a sua morte, deve entender-se excluído da cobertura da apólice, não estando a Recorrida obrigada a liquidar qualquer valor ao abrigo do contrato de seguro.

N. Nestes termos, sempre teria a presente acção de ser julgada totalmente improcedente e a Recorrente absolvida dos pedidos que contra si foram formulados.

Deverá, portanto, conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, julgando-se a presente acção totalmente improcedente.

Não se mostram juntas contra-alegções.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

O tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

Em 11/09/2009, foi celebrado entre a Autora e (…) e o Banco (…), S.A., na qualidade de entidade financiadora, um contrato de financiamento automóvel, para aquisição do veículo da marca BMW, modelo 320 d Navigator II, com a matrícula 26-(…)-75, no montante de € 21.906,44.

2. Como contrapartida do empréstimo, (…) comprometeu-se a efectuar o pagamento do valor mutuado em 120 prestações mensais, no valor de € 315,31, vencendo-se a primeira prestação em 15/10/2009.

3. Para garantia do cumprimento do contrato de financiamento automóvel, foi aceite a adesão de (…) ao contrato de seguro de grupo, celebrado entre a Ré, na qualidade de seguradora, e o Banco (…), na qualidade de tomador de seguro e beneficiário, titulado pela apólice nº (…).

4. A apólice nº (…) compreende as condições gerais e as condições particulares de fls. 35 e ss. dos autos aqui dadas por reproduzidas.

5. Com a adesão ao contrato de seguro, (…) passou a figurar como pessoa segura.

6. Nas condições gerais do contrato de seguro em causa nos autos, consta na sua cláusula 3.ª o seguinte teor: Ao abrigo das presentes Condições Gerais, a Seguradora garante como cobertura principal o risco de morte da Pessoa Segura, a qual se pode complementar com outras de acordo com as respectivas Condições Especiais, desde que mencionadas nas Condições Particulares [3.1]; Em cumprimento das garantias enunciadas no número anterior, a Seguradora obriga-se ao pagamento do capital seguro nos termos e limites fixados nas presentes Condições Gerais e nas Condições Especiais e Particulares [3.2].

7. Nas condições particulares do contrato de seguro em causa nos autos, consta na sua cláusula 3.1 o seguinte teor: o capital garantido em caso de [M] ou [IAD], será o montante em dívida, existente à data da ocorrência do sinistro, deduzidos eventuais taxas ou juros, caso estes existam, até ao limite do capital máximo garantido.

8. Nas condições gerais do contrato de seguro em causa nos autos, consta na sua cláusula 10.ª o seguinte teor: Podem solicitar a adesão ao Contrato todos os candidatos que compõem o grupo segurável definido nas Condições particulares, desde que preencham as Condições de Elegibilidade previstas nas presentes Condições Gerais, Condições Especiais e Particulares relativamente a cada uma das coberturas [10.1]; A Seguradora define os elementos constantes da Declaração de Adesão, o qual poderá incluir um Questionário Especial [10.3].

9. Nas condições particulares do contrato de seguro em causa nos autos, consta na sua cláusula 2.1 o seguinte teor: Para aderir ao seguro, deverá o candidato cumprir, à data de início do contrato de financiamento, os seguintes requisitos: - ter mais de 18 anos e menos de 65 anos de idade menos a duração em anos do contrato; - residir em Portugal; - ter uma actividade profissional, assalariada ou não; - não ter estado, nos últimos 12 meses, parcial ou totalmente incapaz para o trabalho devido a doença ou acidente, por mais de 30 dias consecutivos ou não, ou hospitalizado, por mais de 7 dias consecutivos ou não; - não estar sujeito actualmente a controlo ou acompanhamento médico regular; - desconhecer uma possível situação de desemprego, suspensão com ou sem perda de retribuição, licença ou situação de reforma, antecipação de reforma ou pré-reforma; - caso seja trabalhador por conta própria: exercer uma actividade profissional remunerada; - declarar que está de boa saúde à data de adesão à protecção ao crédito não se encontrado sob vigilância médica de qualquer natureza.

10. Nas condições gerais do contrato de seguro em causa nos autos, consta na sua cláusula 4.ª, al. k) exclusão de risco do seguinte teor: Não está igualmente coberto o risco que resulte, directa ou indirectamente, de qualquer doença existente ou acidente ocorrido antes da data de adesão ao seguro por parte de cada Pessoa Segura.

11. Na adesão ao contrato de seguro, consta acima da assinatura da Autora e de (…), a declaração pré-elaborada com o seguinte teor:

Declaro ter tomado conhecimento e aceitar plenamente as condições contratuais da Apólice Nº (…) da AIG Life, que me foram entregues em anexo ao presente contrato nesta data, assim como as informações comunicadas pelo Banco (…) na sua qualidade de Mediador do presente contrato de seguro.

12. (…) pelo menos desde 28/08/2008 sofria de hipertensão arterial para a qual tomava medicação, tendo tido desde então até à celebração do contrato de seguro três consultas [em 10/10/2008; 22/10/2008; 19/11/2008] no Centro de Saúde do Pinhal Novo.

13. (…) deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de São Bernardo no dia 16/09/2009, com queixa de cansaço fácil há 8 dias, não tendo diagnóstico final, além da menção «em investigação», com alta no mesmo dia para consulta externa em medicina interna.

14. (…) deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de São Bernardo no dia 18/09/2009, com queixa de dor abdominal com irradiação torácica, apresentando cansaço fácil, com diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva, tendo ficado internado.

15. (…) teve alta no dia 29/09/2009, com diagnóstico de insuficiência mitral grave e proposta para cirurgia cardíaca.

16. (…) deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de São Bernardo no dia 22/10/2009, com queixa de dor no peito e dispneia, tendo alta no mesmo dia para consulta externa de cardiologia.

17. (…) foi operado no dia 10/11/2009, com o diagnóstico de insuficiência mitral, tendo sido submetido a plastia mitral.

18. (…) foi operado no dia 18/11/2009, por falência de plastia mitral, tendo sido submetido a implantação de prótese mitral.

19. Após as referidas operações, (…) tomava medicação anticoagulante Varfine.

20. (…) deu entrada nos serviços de urgência do Hospital de São Bernardo no dia 14/10/2012 com queixa de vómito alimentar e crise hipertensiva e diagnóstico de hemorragia intracerebral, tendo sido transferido para o Hospital de São José.

21. (…) faleceu no dia 16/10/2012.

22. A causa da morte de (…)foi um hematoma no cerebelo.

2.2 Factos não provados

a) Que não tenham sido comunicadas à Autora ou a (…) o teor do contrato de seguro que iria subscrever, designadamente as cláusulas contratuais gerais e específicas.

b) Que (…) tenha deliberadamente omitido que padecia de hipertensão arterial aquando da adesão ao contrato de seguro.

c) Que (…) sofresse de insuficiência mitral à data da adesão ao contrato de seguro [11/09/2009].

d) Que tenha sido a hipertensão arterial ou a insuficiência mitral de que padecia (…) a causar o hematoma do cerebelo que levou ao seu decesso.

e) Que se a Seguradora tivesse tido conhecimento das patologias de que (…) sofria, previamente à celebração do contrato de seguro, não teria aceite celebrá-lo ou, pelo menos, não o teria aceite nos mesmos termos.

f) Que o Banco (…), S.A. tenha interposto injunção n.º 141311/13.2YIPRT para cobrança de prestações não pagas após o falecimento de (…) ou processo de execução n.º 3143/15.2T8STB que corre termos na Comarca de Setúbal, Instância Central, Secção de Execução, J2.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º, CPC.)

Invoca a recorrente erro na apreciação da prova que determina alteração das alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados que em seu entender devem ser julgados provados.

Discute-se ainda a anulabilidade do contrato de seguro em causa nos autos e a exclusão da cobertura por doença pré-existente.

O Tribunal recorrido jugou não provado

b) Que (…) tenha deliberadamente omitido que padecia de hipertensão arterial aquando da adesão ao contrato de seguro.

c) Que (…) sofresse de insuficiência mitral à data da adesão ao contrato de seguro [11/09/2009].

d) Que tenha sido a hipertensão arterial ou a insuficiência mitral de que padecia (…) a causar o hematoma do cerebelo que levou ao seu decesso.

e) Que se a Seguradora tivesse tido conhecimento das patologias de que (…) sofria, previamente à celebração do contrato de seguro, não teria aceite celebrá-lo ou, pelo menos, não o teria aceite nos mesmos termos.

Na data da celebração do contrato de seguro em causa (…) padecia de hipertensão arterial. Quanto à questão de saber se omitiu deliberadamente essa informação ou se apenas não a transmitiu por a desconsiderar, nenhuma prova foi produzida sendo certo que aquando da formalização do contrato não lhe foi posta concretamente esta questão.

Salienta-se ainda o depoimento da testemunha (…), médico de profissão que expressamente admitiu que não obstante ser médico, ele próprio podia estar numa situação de hipertensão e pensar que estava bem, porque estava controlado.

No que respeita às alíneas c) e d) e tal como refere a decisão recorrida sem descurar a diversa documentação clínica constante dos autos, mas muito complexa para um leigo como o é o Tribunal, tivemos acesso a duas opiniões provindas de dois médicos. E as duas em franca contradição.

Assim, foi ouvido (…), médico com avença na Ré, que (i) associou o hematoma cerebral que vitimou (…) à sua hipertensão, socorrendo-se da circunstância de ser a hipertensão o primeiro factor dos acidentes cerebrais hemorrágicos e de a entrada no serviço de urgência no dia 14 de Outubro de 2012 se ter dado num contexto de crise hipertensiva [fls. 121], (ii) e apresentou uma tese na qual a hipertensão causou a ruptura do vaso e a medicação que (…) tomava para o seu problema valvular [o varfine] propiciou a dimensão da hemorragia.

Por último, e com relevância para a factualidade de alínea b), (iii) identificou a ida às urgências do Hospital de São Bernardo no dia 16 de Setembro de 2009 e 18 de Setembro de 2009 com a insuficiência mitral que veio a ser diagnosticada a (…) e como no dia 16 de Setembro de 2009 se fez referência no relatório de urgência de queixas de cansaço nos últimos 8 dias, conclui que desde essa data já sofria (…) de insuficiência mitral.

Por sua vez, (…), médica que atendeu (…) no Centro de Saúde do Pinhal Novo [mas que não se recorda do mesmo], apresentou uma opinião diferente em todos os pontos acabados de referir.

Em primeiro lugar, não associou a hipertensão de (…) ao hematoma do cerebelo, afirmando não existirem elementos que possam corroborar tal tese. Que pode ou não ter sido a causa. Não deixou de notar que no certificado de óbito apenas se indicou a causa directa da morte [o hematoma no cerebelo] não tendo o médico subscritor indicado outros factores, estando esse espaço, disponível para o efeito, em branco.

Quando à tese de ter sido o hematoma do cerebelo causado pela crise hipertensiva conjugada com a medicação Varfine, apenas disse ser uma hipótese entre outras.

Foi mais longe ao afirmar que a crise hipertensiva referida no relatório de admissão nos serviços de urgência do hospital [fls. 121], pode ser causa do hematoma como pode ser já uma sua consequência.

Enfim, conclui não poder identificar qual a etiologia por detrás da causa directa da morte de (…).

No que concerne à factualidade da alínea b), disse que não é possível encontrar nenhuma causa para o mesmo por não ser específica o suficiente [chegando a afirmar que podemos lá encaixar o que quisermos] e que a insuficiência mitral pode ou não ter ocorrido no momento. Assim, que a insuficiência cardíaca de Setembro pode ser ou não relacionada com a insuficiência mitral de Novembro.

Ora, de tal contradição frontal entre as razões de ciência dos dois depoimentos, nada pode o Tribunal ter por certo. Sendo naturalmente matéria fora do campo de aplicação de presunções judiciais pela sua tecnicidade e cientificidade.

O que aliás acabou por resultar perfeitamente claro nos presentes autos, em que ouvidos dois médicos, duas foram as opiniões vertidas com base em iguais elementos documentais.

Não sabe pois o Tribunal o que esteve na origem do hematoma do cerebelo nem tampouco se à data da celebração do contrato, (…) já padecia de insuficiência mitral.

Matéria que, por consubstanciar excepção peremptória, foi resolvida contra a Ré.

Subscrevemos na íntegra a fundamentação constante de decisão recorrida.

Acresce que quanto à factualidade constante da alínea c) sempre se dirá que relevante seria o conhecimento por parte de (…) de que sofria de insuficiência mitral.

Ora resulta do depoimento da testemunha (…) que (…) não teria, antes da realização de exames médico que só ocorreram após a celebração do contrato de seguro em causa, conhecimento de que padecia de insuficiência mitral.

Improcede também a pretendida alteração para «provado» do facto constante da alínea e) dos factos não provados.

Não foi feita nenhuma pergunta concreta sobre a questão de saber se (…) padecia ou não de hipertensão. Não houve sequer qualquer contacto entre a ora recorrente e o segurado. Esta circunstância não se coaduna com uma grande preocupação relativamente a este aspecto da saúde do segurado tendo-lhe sido pedido apenas a simples declaração de que estava de boa saúde e sem acompanhamento médico.

Discute ainda a recorrente a anulabilidade do contrato de seguro com fundamento nas falsas declarações de (…) quando a ele aderiu.

O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, sendo tal disposição aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito (art.º 24.º, n.ºs 1 e 2, da LCS).

O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se de resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos (n.º 3, al. b).

Quanto às consequências da omissão ou inexactidão da declaração das circunstâncias referidas no citado art.º 24, n.º 1, distingue a lei entre o dolo ou a negligência do segurado.

Se a omissão ou inexactidão for dolosa, dispõe o art.º 25, n.º 1 e 3 da mesma lei que em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro; o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.

Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no n.º 1 do artigo 24.º, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento:

a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;

b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente.

Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:

a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;

b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.

O conceito clínico de «boa saúde» e a expressão sujeição a «vigilância médica» são conceitos indeterminados por encerram palavras ou expressões vagas, imprecisas. Tratando-se de conceitos indeterminados o seu preenchimento não deve ser realizado do modo abstracto, apriorístico, mas sim caso a caso.

Sabe-se que (…) padecia de hipertensão e que consultara por quatro vezes (entre 28-8-2008 e 19-11-2008) o médico, no centro de saúde. Toda a restante factualidade relacionada como seu estado de saúde é posterior à celebração do contrato de seguro.

Sufragamos o entendimento expresso na decisão recorrida segundo o qual atenta a imprecisão do conceito não se pode concluir pela inexactidão da declaração «posto que inexacta já era a declaração pré-elaborada dada a assinar.

Mesmo que assim se não entendesse tal inexactidão na declaração não poderia ser imputada ao segurado a título de dolo, por não se ter provado que (…) tivesse deliberadamente omitido que padecia de hipertensão aquando da adesão ao contrato de seguro.

E mesmo que se entendesse que tal inexactidão pudesse ser imputada a título de negligência sempre teríamos de ter em conta o disposto no art.º 26.º da LCS, sendo certo que a R. não logrou provar qual a diferença entre o prémio pago e aquele outro que cobraria se soubesse da inexactidão em causa ou se não teria celebrado o contrato.

Resta apreciar a invocada exclusão do seguro por doença pré-existente.

De acordo com a cláusula 4.ª, al. k) das condições gerais do contrato de seguro não está coberto o risco que resulte, directa ou indirectamente, de qualquer doença existente ou acidente ocorrido antes da data de adesão ao seguro por parte de cada pessoa segura.

Também quanto a este ponto a R. não logrou provar (como lhe competia- art.º 342.º, n.º 2, CC) que o segurado sofresse de insuficiência mitral aquando da adesão ao contrato de seguro, bem como que tivesse sido a hipertensão arterial ou a insuficiência mitral a causar o hematoma do cerebelo, causa da morte do segurado.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Évora, 21-12-2017

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Francisco Matos