Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4249/99.4JALRA-G.E1
Relator: ANTÓNIO LATAS
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DEVER DE INDEMNIZAR
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
Data do Acordão: 07/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O dever de pagar a indemnização devida ao lesado, como condição da suspensão da execução da pena de prisão, é instrumentalizado à prossecução das finalidades das penas, com as limitações (e mesmo os sacrifícios) que lhes são inerentes, pelo que o condenado não pode tomá-lo como se de uma mera obrigação civil se tratasse.
II - São, essencialmente, finalidades de prevenção geral positiva que, desde a reforma do Código Penal de 1995, constituem o fim específico da imposição de deveres ao condenado, os quais, nos termos do disposto no artigo 51º do Código Penal, se destinam a reparar o mal do crime
III - O núcleo indispensável à subsistência, com dignidade, da pessoa condenada e do seu agregado familiar, constitui um limite oponível ao cumprimento do dever imposto, mas a satisfação de outras necessidades pessoais e familiares, à custa dos rendimentos ou do património do arguido, deixa de pautar-se unicamente por critérios de racionalidade económica (ou de qualquer outra natureza), ficando incontornavelmente condicionada pelo dever de o arguido satisfazer a obrigação pecuniária imposta na condenação penal, enquanto condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Decisão Texto Integral:

Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


Relatório

1. – Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo com o número em epígrafe que correm na secção criminal da Instância central da Comarca de Santarém (J3), o arguido e ora recorrente, MMN, foi condenado por acórdão de 20 de Setembro de 2004, transitado em julgado em 21 de Dezembro de 2006, pela prática, em coautoria de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 26.°, 203.° n. 1, 204.° n. 2 al. c) e 202.° al. b) do Código Penal, na pena de dois anos e sete meses de prisão e pela prática de um crime de detenção ilícita de arma p. e p. pelos artigos 6.° da lei n. 22/97, de 27 de Junho e 275.° n. 3 do Código Penal (redação da Lei n. 65/98), na pena de doze meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, sob condição de proceder ao pagamento/reparação à demandante cível do montante indemnizatório global (no valor de 50.000,00 euros) e respetivos juros, a comprovar nos autos, no prazo de quatro anos, após trânsito, mas por forma a mostrar-se efetuado o pagamento da proporção de um quarto de tal montante no final de cada um dos primeiros três anos.

2. – Pelo despacho judicial de 06.06.2014, que constitui fls 93 a 106 presentes autos de recurso em separado, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, determinando-se o seu cumprimento, conforme texto integral que aqui se reproduz:

« MMN, foi condenado no âmbito dos presentes autos, por acórdão de 20 de Setembro de 2004, pela prática, em coautoria de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 26.°, 203.° n. 1, 204.° n. 2 al. c) e 202.° al. b) do Código Penal, na pena de dois anos e sete meses de prisão e pela prática de um crime de detenção ilícita de arma p. e p. pelos artigos 6.° da lei n. 22/97, de 27 de Junho e 275.° n. 3 do Código Penal (redação da Lei n. 65/98), na pena de doze meses de prisão. E em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, sob condição de proceder ao pagamento/reparação à demandante cível do montante indemnizatório global (no valor de 50.000,00 €) e respetivos juros, a comprovar nos autos, no prazo de quatro anos, após trânsito, mas por forma a mostrar-se efetuado o pagamento da proporção de um quarto de tal montante no final de cada um dos primeiros três anos.
Não obstante os sucessivos recursos interpostos pelo arguido, inclusive até ao Tribunal Constitucional, o aresto foi confirmado, considerando-se transitado em julgado em 21 de Dezembro de 2006.
Após notificação para o efeito, veio o arguido, por requerimento de 26 de Junho de 2013 alegar, em suma, que não cumpriu a condição de que dependia a suspensão da pena a que foi condenado porque a sua situação económica se a1terou, não tendo trabalho, a esposa encontrava-se desempregada, todos os bens que possuía encontravam-se penhorados e o seu estado de saúde afigurava-se muito débil. Tinha a seu cargo três filhos a frequentar o sistema de ensino, tendo ainda a seu cargo a sogra. Por tudo o exposto, não conseguiu reunir condições económicas para proceder ao pagamento da indemnização devida (fls. 1613 e seg.).
Na sequência de audição do arguido, foi proferida decisão em 8 de Novembro de 2011, pela qual se prorrogou por mais um ano o prazo de suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, "devendo nesse mesmo período de tempo o arguido comprovar nos autos o cumprimento da condição de suspensão, sob pena de, não o fazendo, cumprir a pena de prisão em que foi condenado (fls. 1652 1656)” .
Da aludida decisão interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por douto acórdão de 28 de Março de 2012, negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido (fls. 132 e segs do apenso F).
Decorrido o prazo da prorrogação, foi o arguido novamente notificado para comprovar nos autos o cumprimento da condição imposta.
Por requerimento de 26 de Junho de 2013 (fls.11749) veio o mesmo alegar, em suma, que não cumpriu a condição imposta por causa das condições económicas e familiares em que se encontra e que se têm vindo a degradar mais com o passar do tempo, pois não tem nenhuma fonte de rendimento que permita a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar e, em simultâneo, pagar o montante em que foi condenado. Todo o seu património encontra-se penhorado, vendo-se impossibilitado de vender/onerar qualquer uma das suas propriedades para assim realizar dinheiro para cumprir a injunção imposta. A empresa para a qual labora não tem trabalho, está parada e não aufere qualquer rendimento. A sua esposa encontra-se desempregada. Do seu agregado familiar - composto por esposa, filha de 12 anos e sogra _ as únicas pessoas que auferem rendimentos fixos e previsíveis são a mulher e a sogra, rendimentos esses que, porém, ficam reduzidos a nada [após se liquidarem as despesas correntes. Vive, aliás, com a ajuda dos dois filhos, que se viram forçados a emigrar para França. em virtude da falta de trabalho que existe no nosso país, bem como para contribuir para as despesas diárias dos seus pais/agregado familiar.
Mais requereu o arguido a modificação do dever imposto por outro que se mostre adequado e suficiente para a finalidade da punição, como por exemplo, trabalho a favor da comunidade, visto que, atendendo à situação em que encontra o arguido e seu agregado familiar, a obrigação imposta, por impossibilidade não imputável a si, não é razoável ser exigida. Mas mesmo que assim não se entenda, requereu a prorrogação do período de suspensão por mais quatro anos, nos termos do artigo 55.º al. d) do Código Penal, para que consiga estabilizar a sua situação económica e financeira e assim cumprir a condição que lhe foi imposta.
Arrolou prova testemunhal e juntou certidões do registo predial respeitantes aos prédios de que é dono. Em concreto, quatro prédios - descrições 11.0 144119880426; 11.0 1829/19990715, esta com registo de aquisição por compra a favor do arguido em 12 de Março de 2007 (fls. 1757); n.? 4388/20111109; e n.? 37/19850201-0, esta respeitante a um apartamento na Figueira da Foz, com registo de aquisição por compra a favor do arguido cm 17 de Novembro de 2006 (fls. 1763) - todos com penhora inscrita.
O Ministério Público teve vista dos autos, na qual promoveu a revogação da suspensão da pena em que o arguido foi condenado (fls. 176).
Foi solicitado Relatório Social, do qual resulta, além do mais, o seguinte respeitante ao arguido (fls. 1774):
(. .. )
Começou a trabalhar com treze anos de idade. desde muito novo que desenvolvia tarefas agrícolas. Com cerca de dezassete anos (adquiriu competências na área de instalações elétricas na construção civil. Também trabalhou como pedreiro. armador de ferro e por vezes executou trabalhos/de carpintaria.
Depois de cumprir o serviço militar trabalhou quase sempre na construção e obras públicas.
Para tentar colmatar algumas dificuldades económicas esteve emigrado em França durante alguns anos.
Criou uma empresa de construção civil com vários empregados. As situações de risco descritas no presente processo, decorreram durante as suas atividades na construção civil.
Casou com cerca de vinte nove anos. Desta relação tem três filhos com doze, vinte e vinte e quatro anos de idade.
Está integrado de forma estável na comunidade. Tem vários grupos de pares com quem convive, mas passa muito do seu tempo livre a exercitar tarefas agrícolas.
(. .. )
MMN reside numa casa com condições de habitabilidade. O agregado familiar é constituído pela mulher e os dois filhos mais novos, o filho mais velho casou e encontra-se emigrado em França. O relacionamento intrafamiliar é aparentemente estável.
O contexto familiar está condicionado negativamente pelo desemprego do arguido e pelas atuais dificuldades económicas.
Há poucos anos foi vítima de acidente de viação. Esteve vários meses com limitações físicas, não podia trabalhar. Este acidente coincidiu com a incapacidade económica da sua firma para pagar as dívidas. Neste período terão surgido várias situações de risco, nomeadamente ao nível do pagamento dessas dívidas.
Com as dificuldades económicas para gerir a sua empresa, começou a trabalhar por conta de outrem.
Está desempregado há um mês. Como ainda é gerente de uma empresa, não lerá direito a subsídio de desemprego.
Depois da audiência do presente processo, pretende emigrar novamente para tentar melhorar as condições económicas.
Tem passado os tempos livres a trabalhar num terreno agrícola, onde cultiva produtos para consumo próprio e cria animais domésticos.
Apesar de ainda conviver com alguns grupos de pares, MMN tem diminuído os seus convívios, devido às dificuldades económicas.
(. .. )
Os factos constantes dos autos, as dificuldades para gerir a empresa e o acidente de viação, terão condicionado a situação económica do agregado. A casa onde residem encontra-se em situação de penhora.
( ... ).
Foi ouvido o arguido, cujas declarações gravadas estão e, por isso, nos abstemos de aqui reproduzir integralmente. Aludiu, em suma, que após o trânsito do acórdão teve dois anos de baixa "por causa dum problema na vista", tendo falado com o representante do demandante que lhe disse que "não havia problema", que estivesse descansado. Depois disso "começou a correr tudo mal" e, entretanto, faleceu o próprio representante da demandante. Aludiu que não tem subsídio de desemprego (apenas recebe uma pequena pensão da "baixa") e que vive com a esposa, desempregada, dois filhos, um estudante e o outro desempregado, e a sogra, reformada. O terceiro filho encontra-se a trabalhar em França. Os bens imóveis encontram-se penhorados, incluindo um apartamento que tem na Figueira da Foz. Aludiu, igualmente, que a demandante se encontra em processo de insolvência. Pensa em ir para França para ver se consegue arranjar trabalho.
O Ministério Público teve vista dos autos, na qual continuou a promover a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada, aludindo, além do mais, que ao longo de sete anos o arguido não demonstrou qualquer vontade ou sequer esforço em cumprir a condição imposta, pese embora o facto de estar ciente idas consequências que daí lhe adviriam, o que é bem demonstrativo da indiferença face a uma decisão judicial (f1s. 1785).
O arguido juntou requerimento no qual aludiu, em suma, que da prova documental junta resulta que todo o património de que o mesmo é proprietário se encontra penhorado e com venda marcada. O mesmo tem feito um grande esforço para pagar a quantia em que foi condenado, não o tendo conseguido até o momento pelas razões já aduzidas. Como é sabido, de há seis anos a esta parte o país caiu no fundo, tendo sido descontados os ordenados, subsídios de férias e de natal aos funcionários públicos, o que era impensável naquela data. Os empregados de empresas particulares foram despedidos e muitas das empresas e particulares foram declarados insolventes. Não possui nenhuma fonte de rendimento que permita a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar e, em simultâneo, pagar o montante que foi condenado a pagar. Nem sequer veículo automóvel possui. Os imóveis estão em venda e não pode realizar dinheiro com a venda deles. Sucede, ainda, que a demandante foi declarada insolvente. não sendo essencial ao desenvolvimento da atividade da mesma o valor que foi condenado a pagar-lhe. Terminou, solicitando a inquirição das testemunhas arroladas c solicitou que lhe seja dada a possibilidade de, nos próximos dois anos, pagar a quantia em que foi condenado, comprometendo-se que a primeira quantia que receber e que não seja necessária para sobreviver a entregará à demandante ou aos seus representantes legais.
Foram inquiridas as testemunhas arroladas, cujos depoimentos gravados estão, e por isso, nos abstemos de aqui reproduzir integralmente.
AMRS, empresário da construção civil c amigo do arguido aludiu, em suma, à crise do sector, que impediu o arguido de ter trabalho, reportou as dificuldades da família e referiu que o arguido vem explorando um negócio de pneus c carros velhos (sucata) que um familiar lhe arranja em França (será inclusive por conta deste, mas "que não é nada de jeito". Referiu-se ao agregado familiar do arguido e ao facto de o mesmo lhe ter pedido dinheiro emprestado. Mencionou que o problema do arguido resultou de uma empresa de Caxarias para quem o mesmo trabalhava e que entrou em insolvência.
FPR referiu-se, igualmente, às dificuldades sentidas pelo arguido, à falta de trabalho, à situação de doença e ao agregado do mesmo, mencionando, igualmente, que lhe pediu dinheiro emprestado, tendo-lhe pago.
AB confirmou, no essencial, o depoimento das outras duas testemunhas.
O Ministério Público manteve a mesma posição. Cumpre apreciar.
*
São as seguintes as disposições legais aplicáveis:
Nos termos do artigo 50º n.º 1 do CP, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do fasto e a ameaça de prisão realizam de fôrma adequada e suficiente as finalidades da punição. E dispõe o n." 2 do mesmo normativo que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão (. .. ) ao cumprimento de deveres e regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada do regime de prova. E de entre os deveres figura a obrigação de pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea (art. 51." n. 1 al. a) Ido CP) .
À data da prolação do Acórdão Condenatório as disposições legais citadas tinham uma redação diferente da atuai (decorrente do DL 48/95. de 15 de Março). designadamente a seguinte:

Artigo 50º
Pressupostos e duração
I - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos lermos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova
3 - Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
Por seu turno, prevê-se no artigo 55º do CP que se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção social, pode o tribunal: a) fazer uma solene advertência; b) exigir garantias de curl1primento das obrigações que condicionam a suspensão; c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção: d) prorrogar o periodo de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n. 5 do artigo 50.º.
Por fim, prevê-se no artigo 56º n." 1 do CP que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Seguindo de perto o Acórdão da Relação do Porto de 26 de Maio de 2010 (Proe. 575/04.5PASJM-C.Pl), publicado em www.dgsi.pt, dizemos que é entendimento generalizado que a suspensão da execução da pena de prisão não representa um simples incidente, ou mesmo uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua aceção mais estrita e exigente, uma pena de substituição, com conteúdo politico-criminal e campo de aplicação próprios. Esta pena constitui uma das opções - vinculativa para o julgador, quando se verifiquem os necessários pressupostos!- que permite evitar a aplicação de uma pena de prisão efetiva, sendo certo que esta constitui no nosso ordenamento jurídico penal a última ratio, reservada para os casos extremos em que nenhuma das penas alternativas ou de substituição aplicáveis se reconheça aptidão para realizar as finalidades da punição. Finalidades estas que vêm indicadas no artigo 40.° n.? 1 do CP, em concreto a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e que são exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa.
Continuando, lê-se no referido aresto que a finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão é a ressocialização do agente, na vertente de prevenção de reincidência - e apenas nesta, já que a lei apenas pretende que ele não torne a delinquir, e não corrigir ou melhorar as suas conceções pessoais acerca da vida e do mundo -, cujas probabilidades de êxito são aferidas, no momento da decisão, cm função dos indicadores enumerados no n.1 do artigo 50.°. É, pois, sobre estes que há-de assentar o prognóstico relativo ao comportamento futuro do agente e que, sendo favorável, imporá o decretamento da suspensão, a menos que a ela se oponham irrenunciáveis exigências de defesa do ordenamento jurídico.
As causas determinativas da revogação desta pena de substituição, que admite quatro modalidades (simples. subordinada ao cumprimento de deveres, com imposição de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova) vêm estabelecidas no nº 1 do artigo 56º e reportam-se a anomalias graves, imputáveis ao condenado, que se venham a registar no decurso do período de suspensão: a infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou o cometimento de novo crime pelo qual venha a ser condenado.
A infração grosseira não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta ele uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade. A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições de suspensão constituí violação grosseira dessas condições. enquanto a. infração repetida é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo. isto é. que não se esgota num ato isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.
O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al. b) do n. 1 (“e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas") refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas.
Mais se salienta que as causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demostrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demostrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena e que a revogação só deverá ter lugar como última ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito contém. Impõe-se, por isso, uma especial exigência de indagação e apreciação de todos os factos e circunstancialismos suscetíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adotar.
Considerando o presente caso, verifica-se que o arguido não cumpriu a condição de suspensão traduzida no pagamento da indemnização à demandante, o que continuou a verificar-se, inclusive, depois de lhe ter sido prorrogado por mais um ano o prazo de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado.
Salienta-se que uma eventual declaração de insolvência da demandante ou renuncia desta ao direito de indemnização reconhecido não iliba o arguido do pagamento a que foi condenado, pois a quantia em causa constitui, ela própria, a imposição de um dever que reforça o sancionamento penal e, como tal. não está ~ na disponibilidade da própria ofendida renunciar ao seu recebimento (neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 23de Maio de 2012 (Proc. 679/08.5GBILH.C I), publicado em www.dgsi.pt).
Resulta da argumentação exposta pelo arguido que lhe faltaram as condições para dar cumprimento à condição imposta, quer por ter visto os seus rendimentos diminuídos em virtude de "azares" de que teve na vida (mormente um acidente de viação. um período de doença ou o decréscimo de encomendas na atividade de construção civil a que se dedicava), quer por ter os bens imóveis penhorados, o que o impossibilita de proceder à respetiva venda, para dessa forma realizar dinheiro e pagar a indemnização, factos estes a que as testemunhas inquiridas fizeram alusão.
Importa aludir que se mantém atual a última, decisão tomada neste âmbito. mormente o trecho que no douto acórdão da relação de Coimbra se transcreveu (fls. 1655 e 1656 e fls. 137 e 138 do apenso F), a saber:
«Ora, no caso em apreço, muito embora o arguido venha invocar razões económicas para nela proceder ao pagamento da quantia em dívida, alegando sucessivos problemas de saúde que o impediram de trabalhar, o certo é que o arguido juntou aos autos documentos que apenas atestam que no período (. . .) ocorrido entre Novembro de 2009 e Maio de 2011 (. . .) esteve incapacitado de trabalhar por doença. O arguido não juntou quaisquer outros meios de prova de onde decorra que tenha ficado impossibilitado de trabalhar entre a data do trânsito em julgado e a data do início da incapacidade para trabalhar.
Mais, sendo o arguido sócio gerente de uma sociedade, não decorre necessariamente que a impossibilidade para o trabalho o tenha privado de rendimentos durante tal período temporal.
Mas mesmo que assim não fosse, não se poderá deixar de concluir que o arguido desde o trânsito em julgado da decisão até Novembro de 2009 não procedeu ao pagamento da quantia a que estava obrigado a entregar, nem procedeu a qualquer pagamento por conta de tal valor, não obstante o arguido ter referido que em 2006 ou 2007 a sociedade de que era sócio tinha três trabalhadores. Ou seja, o arguido esteve mais de três anos totalmente alheado do dever de proceder ao pagamento da referida quantia, não demonstrando qualquer interesse em cumprir o dever que lhe foi imposto.
Mais. Verifica-se pelas declarações do arguido, que existem um conjunto de pessoas especialmente próximas do arguido (como é o caso dos filhos com apenas 18 ou 22 anos de idade) que, muito embora não tenham qualquer rendimento ou tenham parcos rendimentos, figuram como sócios e gerentes de uma sociedade que tem agora objeto idêntico ao objeto da sociedade de que o arguido já foi sócio-gerente e que, segundo o arguido, parou devido à crise (e, da qual., curiosamente, o arguido foi até à alteração do seu objeto social, também socio gerente), assumindo o arguido nessa empresa tão-somente a qualidade de simples trabalhador, a quem competirá apenas trabalhar com máquinas. Verifica-se também, pelas declarações do arguido, que no rés-do-chão da sua casa funciona um café que é, nas suas declarações, explorado pela sua sogra, que aufere apenas uma pensão de cerca de 200 euros.
Ora, tal como doutamente promovido, afigura-se que os motivos indicados pelo arguido para o não cumprimento da condição, não devem ser considerados totalmente relevantes, designadamente na parte em que refere a impossibilidade de cumprimento por estar de baixa desde 18.11.2009 já que, tendo o período de suspensão se iniciado em 21.12.2006, a baixa medica ocorreu passados 3 anos.
Relativamente às demais "dificuldades” alegadas, o arguido não as comprovou.
Acresce que não se poderá ficar indiferente à circunstância de o arguido vir alegar dificuldades económicas para cumprir e, de outro lado, verificar-se que os filhos do arguido - de apenas 18 e 22 anos de idade - serem os únicos sócios e gerente de uma sociedade de que o arguido será simples trabalhador».
Mas além do exposto, não pode deixar de atentar-se que na época em que o acórdão condenatório transitou em julgado - após, recorde-se, os sucessivos recursos interpostos pelo arguido, designadamente para o STJ e TC, os quais foram rejeitados por falta de pressupostos - o arguido resolveu adquirir um apartamento na Figueira da Foz, aquisição essa que foi registada em 17 de Novembro de 2006 (fls. 1763), assim como uma "terra de pinhal com oliveiras", cuja aquisição foi registada cm 12 de Março de 2007 (fls. 1757). Salienta-se que a decisão de primeira instância é datada de Setembro de 2004 e o acórdão da Relação de Coimbra que a confirmou foi proferido em 6 de Julho de 2005 (fls. 1022 e seg.), acórdão este que era irrecorrível (art. 400º ." 1 al, f) e 432.°, ambos do CPP), o que o arguido sabia (ou pelo menos não podia ignorar) visto estar assistido por advogado. Portanto, desde pelo menos Julho de 2005 que o arguido sabia que tinha de cumprir a condição imposta e, ainda assim, nada fez, antes optando por conduzir a vida "como se nada fosse", adquirindo um apartamento (que, considerando a localização, será certamente destinado a veraneio) e um terreno, ou constituindo uma sociedade com os filhos, instituindo um deles (o mais velho) como gerente (alegando, convenientemente, que as entradas de capital foram feitas com dinheiro do padrinho do filho mais velho, o que não comprovou) - cfr. declarações do arguido quando foi ouvido em 18 de Outubro de 2011 (fls. 1646).
Por tudo o exposto, entende-se que o arguido optou, claramente, por não cumprir a condição imposta, na qual se consubstanciava, aliás, o verdeiro sancionamento penal da infração cometida, até porque, no caso concreto do arguido, atenta a integração social de que beneficia, uma suspensão simples seria, na prática, - salvo o devido respeito - o equivalente a uma absolvição.
O arguido não revelou qualquer atitude proactiva em relação à condenação, designadamente abeirando-se da demandante, oferecendo-se para pagar ao menos uma pequena parte do montante indemnizatório, ou comunicando ao Tribunal, ainda durante o período de suspensão, eventuais dificuldades que estivesse a sentir no cumprimento, até porque estava obrigado a comprovar o pagamento de 1/4 do valor global no final de cada um dos primeiros três anos do período de suspensão. Antes optou por aguardar o decurso do período de suspensão para, após, exibindo uma alegada situação de penúria, o tribunal julgar extinta, sem mais, a pena aplicada.
Acresce, ainda, que pelo menos a avaliar pelo depoimento da testemunha ARS, o arguido desenvolverá um pequeno negócio de pneus e sucata, que lhe trará algum rendimento.
Entende-se, pois, que houve uma culpa grosseira da parte do arguido. Por um lado, não informou o tribunal, ainda durante o período da suspensão, da alegada impossibilidade de cumprimento da obrigação - sendo certo que o podia ter feito diretamente ou através do advogado que constituiu - mostrando uma atitude proactiva. E, por outro lado, logo na altura em sabia ser definitiva a condenação, não tratou de efetuar pagamentos, ao menos parciais da quantia em dívida, antes tendo optado por adquirir bens - chegou a adquirir dois imóveis - gerindo a sua vida como se não tivesse existindo condenação ou fosse simples a suspensão de execução da pena aplicada. Note-se que a sentença transitou em julgado em dezembro de 2006 e a doença que o arguido veio a sofrer apenas se verificou em Novembro de 2009, o que significa que em 2007, 2008 e grande parte do ano 2009 (ou mesmo antes, considerando que o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, que era irrecorrível. foi proferido em Julho de 2005). o arguido não se importou em cumprir, ao mesmo parcialmente, a condição imposta.
Acresce ainda referir que mesmo durante o período de um ano em que se consubstanciou a prorrogação do período de suspensão, o arguido nada fez para alterar a sua situação. Ficou, aliás, por esclarecer a razão porque, tendo em vista ir trabalhar para França e, dessa forma, conseguir algum dinheiro que lhe permitisse pagar a obrigação em que foi condenado, não o fez até ao momento.
Não há dúvida que o arguido adotou uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes do acórdão condenatório, sendo culposo o incumprimento verificado, culpa essa que, sem dúvida, é de qualificar como grosseira.
Aqui chegados, cremos que a revogação da suspensão é a única medida que se impõe, já que, tendo sido prorrogado o período de suspensão, nos termos do artigo 55.º al. d) (estando esgotada essa via) as demais medidas previstas em tal artigo, não se mostram compatíveis com as exigências de prevenção, mormente geral, que o caso requer. Aliás, a imposição de novos deveres ou regras de conduta (al. c) seria de ponderar caso o arguido, ainda durante o período de suspensão, tivesse tido o cuidado de comunicar ao tribunal a alegada situação de dificuldade em que se encontrava, e não tivesse antes feito "letra morta" da decisão do Tribunal
Por tudo o exposto, ao abrigo do disposto no artigo 56º n.º 1 al. a) e n.? 2 do Código Penal. revoga-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido MMN e, em consequência, determina-se o cumprimento da pena de três anos de prisão em que o arguido foi condenado.
Notifique, sendo o arguido pessoalmente através de OPC.
Após trânsito abra vista ao MP.»

3. – É deste despacho que vem interposto pelo arguido o presente recurso, de cuja motivação extrai as seguintes

« CONCLUSÕES:

1) Conforme resulta de fls., o Arguido/Recorrente foi condenado no âmbito dos presentes autos, pela prática, em coautoria de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 26º, 203º, nº 1, 204º, nº 2, alínea c) e 202º alínea b) do CP e pela prática de um crime de detenção ilícita de arma, p. e p. pelos artigos 6º da Lei nº 22/97, de 27 de junho e 275º, nº 3 do CP, sendo que, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos;

2) Por Despacho de fls., no dia 12/05/2014, decidiu o Tribunal “a quo” o seguinte: “…Por tudo o exposto, ao abrigo do disposto no artigo 56º nº 1 al. a) e nº 2 do Código Penal, revoga-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido MMN e, em consequência, determina-se o cumprimento da pena de três anos de prisão em que o arguido foi condenado…”;

3) Salvo devido respeito, que é muito, não podemos concordar com tal decisão;

4) A suspensão da execução da pena é uma pena de substituição, que tem um regime próprio, com pressupostos formais e materiais e duração legalmente definidos, assumindo modalidades diversas – a simples suspensão na execução, a suspensão sujeita a condições e a suspensão com regime de prova – podendo ser alterada (na duração ou nas condições) e revogada – artigos 50.º a 56.º do Código Penal;

5) Da conjugação dos dispositivos legais 55.º e 56º do Código Penal, resulta que, qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na Sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação e que a hipótese de revogação apenas pode colocar-se nos casos em que a culpa se revele grosseira, exigindo-se culpa no não cumprimento das condições a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessária a imputação ao agente de um juízo de censura ético-jurídica por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso, atentas as concretas circunstâncias que tenham ficado demonstradas – vide Eduardo Correia, Direito Criminal, Vol. I, pág.316, a propósito da culpa;

6) Para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar a quantia a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário que fique demonstrado que ele tinha condições económicas para efetuar o pagamento, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/5/2012, no Processo n.º 135/04.0IDAVR-B.C1.P1, relatado pela Desembargadora Maria Deolinda Dionísio, in www.dgsi.pt;

7) Revertendo ao caso sub judice, os elementos constantes dos autos não demonstram que o Arguido/Recorrente podia efetuar o pagamento da quantia fixada como condição para a suspensão da execução da pena, como entende o Tribunal “a quo” - bem pelo contrário;

8) Vários foram os Requerimentos que o Arguido/Recorrente, aqui Recorrente, juntou aos autos no sentido de demonstrar a sua efetiva e continuada incapacidade económica, nos quais ficou bem patente o seguinte:

a) O Arguido/Recorrente não tem nenhuma fonte de rendimento, que permita a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar, e, em simultâneo, pagar o montante que foi condenado a pagar à Demandante;

b) A empresa para a qual o Arguido/Recorrente trabalhou não tem trabalho, está parada;

c) A mulher do Arguido/Recorrente encontra-se desempregada;

d) Todos os bens que o Arguido/Recorrente possui encontram-se penhorados à ordem do processo 323/04.0TTTMR-A, que corre termos neste Tribunal;

e) O Arguido/Recorrente vive em casa própria, numa moradia composta por rés-do-chão. 1º andar e quintal, sendo que esta moradia está inacabada e encontra-se hipotecada a favor do banco e penhorada no âmbito do processo de execução mencionado;

f) O Arguido/Recorrente não possui sequer veículo automóvel;

g) O estado de saúde do Arguido/Recorrente encontrava-se muito débil, tendo-se encontrado inclusivamente de baixa médica, conforme certificados de incapacidade temporária para o trabalho, na altura juntos ao processo;

h) O Arguido/Recorrente tem 3 (três) filhos, com idades de 13, 21 e 24 anos;

i) Relativamente aos filhos do Arguido/Recorrente, uma frequenta o ensino escolar, outro encontra-se desempregado e outro emigrante em França;

j) Vive ainda a cargo do Arguido/Recorrente, a sua sogra;

k) O Arguido/Recorrente não ganha o suficiente para sobreviver, bem como dos que dependem de si (do seu agregado familiar);

l) O Arguido/Recorrente vive com a ajuda dos dois filhos, que se viram obrigados a emigrar para França, em virtude da falta de trabalho que existia (e continua a existir) no nosso país, para contribuir para as despesas diárias dos seus pais/agregado familiar;

9) Não foi, pois, por acaso que o Arguido/Recorrente chegou a requerer a prorrogação para o cumprimento da condição imposta (50.000,00 €), bem como requereu até a modificação do dever imposto por outro que se mostrasse adequado e suficiente para a finalidade da punição;

10) Bem alegou, ainda, o Arguido/Recorrente que:

a) O gerente da sociedade demandante CAR, S.A. (AC, S.A.) – o Sr. AA – acordou com o Arguido/Recorrente para que este ficasse descansado, pois “não haveria problema”, uma vez que fora encontrada a máquina retroescavadora em causa, sabendo tal gerente que o aqui Arguido/Recorrente não tinha tido culpa nenhuma, pelo que disse ao Arguido/Recorrente que não queria que este pagasse nada;

b) O gerente da sociedade demandante veio depois a falecer;

c) Como a sociedade demandante foi declarada insolvente, tal quantia (condição da suspensão) deixou de ser essencial ao desenvolvimento da sua atividade;

d) A sociedade demandante CAR, S.A. (AC, S.A.) foi declarada insolvente, no Processo nº 1088/11.4TBVNO, tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência no Tribunal Judicial de Ourém, 2.º Juízo de Ourém, no dia 27/07/2011, às 15.07 horas;

11) Motivos que justificaram o lapso de tempo decorrido entre 2006 e 2009 (período anterior ao da doença que o Arguido/Recorrente veio a contrair), em que o Arguido/Recorrente não realizou, para com a sociedade demandante, o pagamento da quantia de 50.000,00 €;

12) A posição da sociedade ofendida/demandante, trazida aos autos a fls., retirou o sentido à obrigação imposta na Sentença, porque o pagamento da indemnização em causa (50.000,00 €) tinha como objetivo acentuar a necessidade de o Arguido/Recorrente alterar definitivamente o seu comportamento para com a sociedade ofendida/demandante;

13) A sociedade ofendida/demandante veio dizer que não pretende ser indemnizada o que, na prática, constitui uma forma de perdão da dívida;

14) Se a dívida está perdoada afigura-se desnecessário reacender o conflito com a exigência de uma obrigação que deixou de se justificar;

15) Porque durante o já decorrido período de suspensão da pena, não há conhecimento de que o Arguido/Recorrente tenha praticado qualquer facto ilícito, nos termos do artigo 57° do CP, deverá ser julgada extinta a pena imposta, o que, desde já e aqui, se requer;

16) Vem o Despacho recorrido referir superficialmente que “o arguido resolveu adquirir um apartamento na Figueira da Foz (….) assim como uma terra de pinhal com oliveiras (…) adquirindo um apartamento (que, considerando a localização, será certamente destinado a veraneio) e um terreno”.

17) Sucede que não foi tido em conta o seguinte:

a) O apartamento referido foi, sim, comprado, contudo:

i. Apenas foi comprado, em virtude do facto de os filhos do Arguido/Recorrente lá se encontrarem a estudar no Instituto Tecnológico e Profissional da Figueira da Foz e na Escola Secundária C/ 3º Ciclo Do Ensino Básico De Cristina Torres, conforme Protocolo de Estágio que se junta como doc. nº 1;

ii. Tal compra só foi possível realizar através de empréstimo com o BPN - Banco Português de Negócios, S.A.;

iii. Tal compra foi seriamente ponderada pelo Arguido/Recorrente e só se realizou em virtude de, feitas as contas, o valor da prestação do empréstimo (220,00 €) ficar bem mais em conta que o valor das rendas (300,00 €), se tivesse sido apenas arrendado;

iv. O apartamento não foi, de todo, destino a veraneio, até porque se situa a 30 metros do Instituto Tecnológico e Profissional da Figueira da Foz, localizado na Rua do Matadouro;

v. O apartamento encontra-se penhorado à ordem do Processo acima já referenciado (Processo 323/04.0TTTMR-A), conforme Auto de Penhora que se junta como doc. nº 2;

b) A terra de pinhal com oliveiras, referida foi, sim, comprada, contudo:

i. A compra da terra de pinhal com oliveiras ocorreu no ano de 2004 (e não em 2006 como refere o Despacho recorrido), conforme escritura de compra e venda já junta aos autos, datada de 12/01/2004, do Cartório Notarial de Ourém, perante a Notária Licenciada MEC – a qual, para que não subsistam dúvidas, se junta novamente como doc. nº 3;

ii. A Terra de pinhal com oliveiras encontra-se penhorada à ordem do Processo acima já referenciado (Processo 323/04.0TTTMR-A), conforme Auto de Penhora que se junta como doc. nº 4;

18) Vem ainda o Despacho recorrido referir superficialmente que “o arguido desenvolverá um pequeno negócio de pneus e sucata, que lhe trará algum rendimento” e não obstante tal facto não ser verdadeiro, urge relevar que o Tribunal “a quo”, ao mesmo tempo que na página conclusiva do Despacho recorrido lê-se “o arguido desenvolverá” (eventualmente) para evidenciar a falsa capacidade económica do mesmo, esquece-se que a testemunha AS, no seu depoimento, referiu que tal “não é nada de jeito”;

19) Trata-se de uma conclusão temerária, que não se baseia em elementos concretos que a sustentem;

20) De forma nenhuma se poderá considerar que, a partir da alegada sucata, o Arguido/Recorrente auferirá qualquer tipo de rendimento;

21) Há que ter ainda em consideração o conteúdo constante no Relatório Social respeitante ao Arguido/Recorrente, o qual veio esclarecer que:

a) O Arguido/Recorrente desde cedo que foi trabalhador: “começou a trabalhar com treze anos de idade”;

b) O Arguido/Recorrente “está integrado de forma estável na comunidade. Tem vários grupos de pares com quem convive, mas passa muito do seu tempo livre a exercitar tarefas agrícolas”;

c) “O relacionamento intrafamiliar é aparentemente estável”;

d) “O contexto familiar está condicionado negativamente pelo desemprego do arguido e pelas atuais dificuldades económicas”;

e) “Há poucos anos foi vítima de acidente de viação”;

f) “Esteve vários meses com limitações físicas, não podia trabalhar. Este acidente coincidiu com a incapacidade económica da firma para pagar as dívidas. Neste período terão surgido várias situações de risco, nomeadamente do pagamento de dívidas”;

g) “Apesar de ainda conviver com alguns grupos de pares, MMN tem diminuído os seus convívios, devido às dificuldades económicas”;

h) “Os factos constantes dos autos, as dificuldades para gerir a empresa e o acidente de viação, terão condicionado a situação económica do agregado. A casa onde residem encontra-se em situação de penhora”;

22) Por tais motivos constantes no Relatório Social, ficou mais do que demonstrado que o Arguido/Recorrente não teve, e infortunadamente continua a não ter, condições económicas que lhe permitissem o pagamento da quantia fixada na Sentença;

23) Tal como o Tribunal “a quo” refere, e bem, no seu Despacho, aqui recorrido – mas infelizmente não teve em conta na sua decisão final – bem patente ficou o facto de o Arguido/Recorrente ter, ao longo do decurso do tempo, pedido vários empréstimos a vários dos seus amigos, nomeadamente a AMRS, FPR e AB, empréstimos pagos por ele posteriormente, segundo confirmados pelos mesmos no decurso dos depoimentos das testemunhas;

24) Não pode o Tribunal “a quo” considerar que ficou como provado que o Arguido/Recorrente poderia ter efetuado o pagamento da quantia fixada como condição para a suspensão da execução da pena;

25) E muito menos se poderá concluir que o fez com culpa grosseira para os efeitos do artigo 56º, nº 1, alínea a) do Código Penal, pelo que dúvidas não existem de que não poderá subsistir o Despacho aqui recorrido;

26) In casu, outra questão fundamental que importa também apreciar e decidir, consiste em saber se o Tribunal “a quo” averiguou as circunstâncias que levaram o Arguido/Recorrente a não cumprir a obrigação que lhe foi imposta como condição da suspensão da execução da pena;

27) De acordo com o manifestado pelo mandatário do Arguido/Recorrente nos seus vários Requerimento, desde a data em que foi condenado nos presentes autos, até ao dia de hoje, o Arguido/Recorrente não teve condições financeiras para pagar à demandante o montante de 50.000,00 €;

28) O Arguido/Recorrente não cumpriu as condições de suspensão da pena determinadas nos presentes autos, por manifesta impossibilidade e sem qualquer culpa sua;

29) Pela análise das declarações do Arguido/Recorrente prestadas aquando da sua audição e dos depoimentos das testemunhas acima referidas, não é possível inferir que o mesmo estava em condições de cumprir as condições impostas para a suspensão da pena de prisão;

30) Dessas declarações, assim como do comportamento processual do Arguido/Recorrente, não é possível concluir que o mesmo desrespeitou grosseira e diretamente as condições de suspensão da pena;

31) O Tribunal “a quo” deveria ter ajuizado a existência da violação grosseira através de todos os meios ao seu alcance, o que não sucedeu;

32) O facto de não ter pago o montante a que estava obrigado não constitui prova suficiente que o Arguido/Recorrente desrespeitou grosseiramente as condições que lhe foram impostas, mas antes, era necessário que tivesse ficado provado que o Arguido/Recorrente tinha condições económicas para efetuar o pagamento e que, voluntariamente se colocou na situação de não poder pagar, nomeadamente não usando a sua força de trabalho;

33) Todos os factos acima claramente expostos não foram apurados nos presentes autos, pelo que, nunca poderia ter sido revogada a suspensão da pena;

34) Entende o Arguido/Recorrente que deve ser revogado o douto Despacho ora recorrido, e mantida a suspensão da pena de prisão a que o Arguido/Recorrente foi condenado, pelo que se requer a V. Exas. que seja mantida a suspensão da execução da pena de prisão a que o Arguido/Recorrente foi condenado;

35) É sabido que revogação da suspensão da execução da pena de prisão por violação de deveres impostos só pode ser decretada se tiver havido infração grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social;

36) Há, pois, uma violação grosseira quando o Arguido tem uma atuação indesculpável, em que o cidadão comum não incorre, não merecendo ser tolerada - neste sentido vide, ainda, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/03/2013, no Processo nº 15/07.8GCGRD.C2, de 04/05/2009, no Processo nº 2625/05.9PBBRG-A.G1, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2004, proferido no Processo nº 0414646, tendo-se aqui decidido o seguinte: “Dos artigos 55 e 56, n.1 al. a) do Cód. Penal, ressalta clara a ideia de que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação, sendo que tal culpa deve ser grosseira, para justificar a revogação.”;

37) É, assim, clara e inequívoca esta exigência da culpa grosseira;

38) E tal culpa grosseira não ocorreu, decididamente, no caso concreto;

39) A culpa não se pode presumir, pois terá de resultar de factos ou elementos concretos, pelo que se afiguram de temerárias as afirmações constantes no Despacho recorrido;

40) Também no Acórdão supra citado do Tribunal da Relação de Porto, de 09/12/2004, se decide que “para se imputar, a título de culpa, a falta de pagamento das quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário, antes de mais, demonstrar que o arguido tinha condições económicas para efectuar o pagamento, ou, então, que voluntariamente se colocou na situação de não poder pagar, nomeadamente não usando a sua força de trabalho”;

41) Contrariamente ao decidido e concluído pelo julgador “a quo”, a situação em análise até poderá configurar alguma culpa no incumprimento – o que por hipótese meramente académica se coloca, e por dever de patrocínio se admite, sempre sem prescindir o que acima foi alegado – mas não um incumprimento grosseiro (ou culpa grosseira, segundo a designação legislativa) da condição imposta pela suspensão;

42) Face aos contornos exatos do incumprimento e face aos elementos do processo, haveria que ponderar se esta (a revogação), seria a única forma de lograr a prossecução das finalidades da punição, pois a decidida revogação só seria justificável se o Tribunal “a quo”, fundamentadamente, formulasse a convicção no sentido de que o juízo de prognose que estivera na base da suspensão da execução da prisão não seria já viável;

43) Como se decidiu no referenciado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/05/1996 (in C.J. ano XXI – 1996, tomo III, pág. 143), existindo incumprimento o Tribunal, nas medidas que tomar, “deverá optar pelas menos gravosas e só decidir por uma quando conclua pela inadequação da que imediatamente a antecede”;

44) Não se compreende, nem a situação o justifica, que o Tribunal a quo aplique exatamente a medida mais gravosa quando tem ao seu dispor outras medidas que melhor se ajustam e que podem revelar-se suficientes para atingir os efeitos pretendidos, como são as medidas previstas no artigo 55º, do código Penal;

45) Se porventura essas medidas se vierem a revelar ineficazes e o Arguido/Recorrente persistir no incumprimento da obrigação, quando a sua situação económica e pessoal permitir o pagamento da indemnização fixada (devendo o Tribunal “a quo” proceder à recolha para o processo desses exatos elementos), então sim, frustradas aquelas medidas e perante uma já culpa grosseira, deverá ser ponderada a aplicação da última e mais gravosa das medidas previstas, que é a revogação da suspensão com a implicação do cumprimento da pena de prisão aplicada;

46) Mas, de momento, o bom senso, perante o grau de culpa revelado no incumprimento da obrigação e a situação pessoal do Arguido/Recorrente (que de resto não é ainda plenamente conhecida pelo Tribunal “a quo”) aponta para que o julgador faça uma apreciação mais ponderada de tal incumprimento, aplicando tão só, de imediato e/ou gradualmente as medidas previstas no artigo 55º, do CP, reservando como última arma, se for caso disso ou necessária, a prevista revogação da suspensão da pena;

47) Entende o Arguido/Recorrente que deve ser revogado o douto Despacho ora recorrido, e mantida a suspensão da pena de prisão a que o Arguido/Recorrente foi condenado;

48) O Despacho recorrido não cumpre, em substância, o dever de fundamentação, sendo clara a “preterição da recolha da prova” e a insuficiência da fundamentação individualizada do Despacho, pois não cumpriu o disposto no artigo 495° n° 2 do C.P. Penal, coligindo elementos de facto, recorrendo a averiguações que lhe permitissem ajuizar melhor tendo em conta as condições pessoais do arguido, a fim de indagar sobre o incumprimento doloso do Arguido/Recorrente;

49) O Tribunal “a quo” decidiu sem ter todos os elementos possíveis e necessários para chegar ao desenlace que chegou, violando o disposto no artigo 56° n.º 1 a) do C.P., não concretizando a concorrência para além do elemento objetivo do elemento subjetivo da norma, a infração grosseira dos deveres de conduta;

50) O Despacho recorrido mais não faz do que presumir a culpa, pelo que falta no Despacho recorrido, o requisito da culpa do Arguido/Recorrente, referido a factos e demonstrado de modo consistente;

51) O Tribunal “a quo” não cuidou de esgotar todos os meios que lhe permitissem apurar as concretas circunstâncias que revelassem que o diagnóstico feito pelo Tribunal quando decidiu suspender a pena, falhou, optando pela medida mais gravosa;

52) O Tribunal “a quo”, ao proceder assim, mais não fez do que alicerçar-se na constatação de que o Arguido/Recorrente não cumpriu a obrigação no decurso da suspensão, concluindo de modo conclusivo e sem ponderação de outros elementos, no sentido da não realização das finalidades da punição e optou pelo formal automatismo da revogação da pena;

53) Só a inconciabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena deve conduzir à revogação - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1997, CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 167;

54) No caso em apreço nos autos, para além da conduta omissiva do Arguido/Recorrente, não resulta indiciado qualquer comportamento que possa ser classificado como grosseiro que tenha desencadeado o incumprimento da obrigação;

55) “O pressuposto material comum à verificação de qualquer destas consequências é o incumprimento das condições da suspensão tenha ocorrido com culpa” – vide Jorge Figueiredo Dias;

56) Não ficou demonstrado que o Arguido/Recorrente tivesse condições económicas que lhe permitissem o pagamento da quantia fixada na sentença ou que se tivesse colocado voluntariamente em posição de não cumprir;

57) Para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar a quantia a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário, antes de mais, demonstrar positivamente que ele tinha condições económicas para efetuar o pagamento;

58) Ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar;

59) De outro modo, não se pode formular o juízo de que o condenado «podia e devia» ter pago;

60) Qualquer que haja sido a natureza do incumprimento culposo das condições de suspensão, esta só deve ser revogada se com tal incumprimento revelar que as finalidades que estavam na base dela já não podem, por meio da mesma, ser alcançadas, isto é, a esperança, por meio da dita suspensão, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade, pois as causas da revogação da execução da pena não deverão, pois, ser entendidas formalmente, antes deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, de esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade;

61) O Tribunal “a quo” limitou-se a recolher as informações do Arguido/Recorrente e a contentar-se com elas, não indagando, diligenciando por averiguar mais acerca dos motivos que levaram o Arguido/Recorrente a não cumprir a obrigação imposta;

62) Dos elementos documentais juntos aos autos e das declarações do Arguido/Recorrente e testemunhas, extrai-se a manifesta insuficiência dos rendimentos do condenado para satisfazer a condição da referida pena de substituição, traduzida no pagamento ao Estado da quantia de 50.000,00 € e demais acréscimos legais;

63) Impõe-se a extinção da pena, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 56.º e 57.º, ambos do CP;

64) A proibição de “prisão por dívidas” é indiscutivelmente princípio decorrente da Constituição da República Portuguesa - vide Acórdão nº 440/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10º vol., p. 521 ss;

65) Uma eventual prisão por dívidas viola os princípios da necessidade das restrições dos direitos fundamentais, designadamente, da pena (artigo 18º, n.º 2, da CRP) e da culpa (decorrente da dignidade da pessoa humana);

66) Deve julgar-se inconstitucional a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada, mesmo quando não demonstrado que o condenado possui meios económicos para cumprir a condição imposta, por violação do artigo 1º do Protocolo nº 4 Adicional à CEDH e artigos 1.º; 18.º, n.º 2 e 27.º, n.º 1 e 2 da C.R.P, com as legais consequências;

67) Deve a pena ser declarada extinta, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 56º e 57º, ambos do CP;

68) Caso assim não se entenda, deve o Despacho recorrido ser revogado, por ser ilegal e inconstitucional, por ter sido violado o disposto nos artigos 55º, 56º, 57º, 13º, do CP, 97º, 5, 495º, nº 2 do CPP e 1º, 18º, 2º, 27º nº1 e 2 da CRP, fazendo-se a habitual JUSTIÇA;

69) Por remissão do artigo 379º do Código do Processo Penal, o n.º 2 do artigo 374º dispõe: “…Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal…”;

70) No Despacho recorrido, embora de faça essa referência, porém, pelas declarações de cada uma das testemunhas, não se poderia efetivamente condenar o Arguido/Recorrente, por todos os motivos acima já expostos;

71) Dizer-se como se diz no Despacho recorrido, é o mesmo que nada se dizer, pois fartamente se verifica que pelos depoimentos das referidas testemunhas e do Arguido/Recorrente não se pode aferir que este tenha tido capacidade económica para pagar o montante nada diminuto de 50.000,00 €;

72) Tem, forçosamente, o Despacho recorrido de ser Revogado, com todas as consequências legais para a acusação, por erro de apreciação das provas, bem como de todos os elementos juntos ao processo;

73) O Despacho recorrido viola, ainda, os artigos 359º, nº 1 e 2, C.P.P e artigos 40º, 70º e 71º do C.P;

74) O Despacho recorrido viola o disposto no artigo 410º do C.P.P., e que esse Venerando Tribunal pode apreciar as questões postas em crise, nos termos do n.º 2 desta disposição processual/legal;

75) No Despacho recorrido:

a) Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) Existe omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter sido objeto de apreciação;

c) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

d) Erro notório na apreciação da prova;

76) Deixando o Tribunal “a quo” de se pronunciar sobre estas questões que devesse apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça processual, ou apreciando-as superficialmente, e com bastantes lacunas;

77) Tanto mais que as partes precisam de ser bem elucidadas sobre os motivos da decisão, sobretudo a parte vencida tem direito, como escreveu o Prof. Alberto dos Reis: “de saber porque razão a sentença lhe é desfavorável; e tem mesmo necessidade de saber, quando a sentença admite recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior", Anot , V, pág. 139;

78) Não basta que o Tribunal “a quo” decida as questões postas em "crise", sendo indispensável que produzam as razões em que se apoia o seu veredicto, pois "uma decisão sem fundamento, equivale a uma conclusão sem premissas, é uma peça sem base" - da mesma obra citada;

79) No Despacho recorrido verifica-se que não se indica nela um único facto concreto e suficientemente fundamentado suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da revogação da suspensão da pena em que foi condenado o Arguido/Recorrente;

80) O Despacho recorrido viola o disposto no artigo 208º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na Lei”;

81) O Despacho recorrido viola do disposto no artigo 207º da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”;

82) Viola o Despacho recorrido o disposto no artigo 205º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e provados”, e, neste caso, essa circunstância não se verifica;

83) O Tribunal “a quo”, com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos do Arguido, e não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e sobretudo ao não apreciar criticamente todas as provas produzidas, bem como não se ter pronunciado sobre as situações pessoais e económicas do Arguido/Recorrente, a fim de aplicar a condição da substituição da prisão, ou fundamentar expressamente o razão da sua não apreciação, dado que FUNDAMENTAR-SE, não é só alegarem-se factos que depois pela análise do depoimento das testemunhas gravado, têm alguma relação direta com a decisão final – assim, não se pode dizer que existe fundamentação;

84) A condenação do Arguido/Recorrente é ilegal e inconstitucional, violando-se também o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, dado que esta norma constitucional dispõe: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”;

85) Tem forçosamente de ser alterada a matéria de facto dada como provada atendendo a todos os factos acima transcritos, e à falta de outros meios de prova que sustentem a prática dos factos, nos termos do artigo 412º do C.P.P.;

86) O Arguido/Recorrente não foi tratado de forma igual a outros cidadãos perante a lei;

87) O Despacho recorrido viola o disposto nos artigos 374º, 375º e 377º do C.P.P., interpretando e aplicando deficientemente a prova produzida;

88) O Despacho recorrido é nulo, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou;

89) V. Exas. certamente concederão provimento ao presente recurso, e, consequentemente, REVOGARÃO o Despacho recorrido, impondo-se a extinção da pena, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 56.º e 57.º, ambos do CP, ou, subsidiariamente, ser revogado o douto Despacho ora recorrido, e mantida a suspensão da pena de prisão a que o Arguido/Recorrente foi condenado, por ser ilegal e inconstitucional, por ter sido violado o disposto nos artigos 55º, 56º, 57º, 13º, do CP, 97º, 5, 495º, nº 2 do CPP e 1º, 18º, 2º, 27º nº 1 e 2 da CRP, por ser de LEI, DIRETO E JUSTIÇA, o que, desde já e aqui, se requer;

90) O Despacho recorrido viola:

a) Artigos 13º, 40º; 55º, 56º, 57º, 70º e 71º do Código Penal;

b) Artigos 97º, nº 5, 359º, nº 1 e 2, 374º, 375º, 377º; 379º, 410º, 412º e 495º, nº 2 do Código de Processo Penal;

c) Artigos 1º, 13º, 18º, nº 2, 27º, nº 1 e 2, 205º, 207º e 208º da C.R.P;

d) Artigo 1º do Protocolo nº 4, adicional à Declaração Universal dos Direitos do Homem;

e) Princípios da proibição de “prisão por dívidas”, da necessidade das restrições dos direitos fundamentais, e da dignidade da pessoa humana.

Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve o Despacho recorrido ser REVOGADO»

4. – Na sua resposta, o MP em 1ª Instância pronunciou-se pela total improcedência do recurso.

5. – Nesta Relação, o senhor magistrado do MP emitiu parecer no mesmo sentido.

6. Cumprido o disposto no art. 417º nº2 do CPP, o arguido veio refutar parte daquele parecer.

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso.
Não obstante as conclusões apresentadas reproduzirem quase integralmente o texto da motivação, é possível extrair das mesmas as indicações previstas no nº2 do art. 412º, pelo que se entende não proceder ao convite para apresentar conclusões a que se reporta o art. 417º nº3 do CPP.
1.1. O arguido alega verificarem-se os três vícios a que se reportam as alíneas a), b) e c), do nº2 do artigo 410º do CPP, ou seja, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova. Invoca ainda omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter sido objeto de apreciação. Pronunciar-nos-emos sobre estes mesmos vícios imputados à decisão recorrida.
1.2. O recorrente invoca n falta de fundamentação do despacho recorrido, questão que, igualmente, se apreciará.
1.3. O recorrente parece pretender ainda ver alterada a matéria de facto dada como provada atendendo a todos os factos acima transcritos, e à falta de outros meios de prova que sustentem a prática dos factos, nos termos do artigo 412º do C.P., mas a verdade é que mesmo a considerar-se ser o despacho recorrido impugnável naqueles termos, o arguido não faz nenhuma das especificações a que se reportam as alíneas a) e b) do nbº3 do artigo 412º e o seu nº4, pelo que, por esse motivo, sempre estaria este tribunal de recurso impedido de conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
1.4. Em matéria de constitucionalidade, o arguido entende dever “julgar-se inconstitucional a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada, mesmo quando não demonstrado que o condenado possui meios económicos para cumprir a condição imposta, por violação do artigo 1º do Protocolo nº 4 Adicional à CEDH e artigos 1.º; 18.º, n.º 2 e 27.º, n.º 1 e 2 da C.R.P, com as legais consequências”, questão de que se conhecerá caso venha a interpretar-se daquele modo o artigo 56º nº1 a) do C. Penal.
O recorrente alude ainda à inconstitucionalidade do despacho recorrido por violação dos artigos 1º, 13º, 18º, nº 2, 27º, nº 1 e 2, 205º, 207º e 208º da C.R.P, bem como dos princípios da proibição de “prisão por dívidas”, da necessidade das restrições dos direitos fundamentais, e da dignidade da pessoa humana, mas sem que suscite desse modo questão de inconstitucionalidade de que se impusesse conhecer, pois no nosso sistema jurídico o controlo da constitucionalidade, incluindo a fiscalização concreta, tem natureza estritamente normativa. Isto é, conforme é pacificamente entendido no domínio da CRP de 1982, a fiscalização da inconstitucionalidade incide necessariamente sobre normas, ainda que numa dada interpretação, mas nunca sobre decisões judiciais qua tale, contrariamente ao que se verifica noutros ordenamentos, como é o caso do sistema jurídico espanhol, que prevê o “recurso de amparo” para fiscalizar a direta violação dos direitos fundamentais através de decisões dos tribunais.
1.5. É no plano do mérito da decisão recorrida, que o recorrente suscita a questão que verdadeiramente se impõe decidir no caso presente. Saber se o despacho recorrido deve ser revogado por errada aplicação do disposto no artigo 56º do C. Penal, pois o arguido entende não ter ficado demonstrado que violou grosseiramente o dever, imposto pelo acórdão condenatório, de pagar a indemnização cível, no valor de 50 000 euros, que foi condenado a pagar à sociedade demandante.
2. Decidindo.
2.1. Quanto à invocação dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, previstos no artigo 410º nº 2 do CPP, sempre tal arguição improcede. Na verdade, independentemente da questão de saber se o previsto no artigo 410º nº 2 do CPP respeita apenas à decisão final, que ponha termo à causa, sempre se constata não resultar minimamente do texto do despacho recorrido, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer dos vícios que, aliás, o recorrente se limita a enunciar, sem concretizar minimamente em que se traduziriam tais vícios no caso concreto.
Do mesmo modo, improcede a invocada omissão de pronúncia, não só porque o artigo 379º prevê tal vício enquanto nulidade da sentença e não de toda e qualquer decisão judicial, mas, desde logo, porque o recorrente não concretiza igualmente qual a questão prático-jurídica que o despacho recorrido teria deixado de conhecer e decidir, sabido que não se confundem as questões a decidir com os meros argumentos que suportam as pretensões dos sujeitos processuais.
Quanto à alegada falta de fundamentação do despacho recorrido, relativamente à qual o recorrente volta a invocar normas reguladoras da sentença (artigos 379º, 374º, do CPP) sem o fundamentar minimamente, é igualmente manifesta a sua falta de razão, pois o despacho recorrido indica de forma clara quais os motivos de facto e de direito que o levam a concluir pela violação grosseira do dever imposto no acórdão condenatório e, consequentemente, pela revogação da suspensão da pena, nos termos do artigo 56º nº 1 a) do C. Penal.
Questão diversa, que respeita ao mérito da decisão e não a qualquer vício formal da mesma, é a de saber se em face dos elementos de facto e direito presentes, o tribunal fez correta aplicação daquela disposição legal. É dessa questão que passamos agora a conhecer.
2.2. Da alegada violação do disposto no artigo 56º nº1 al. a) do C. Penal.
2.2.1. São os seguintes, os dados relativos à condenação e às vicissitudes processuais relativas ao cumprimento ou incumprimento do dever imposto, que importa destacar:
- O acórdão condenatório foi proferido em 20.09.2004 e transitou em julgado em 21.12.2006, após recurso para o T. R. Coimbra, que o confirmou, e a interposição de novos recursos para o STJ e o TC, que não alteraram aquela decisão.
O arguido foi condenado pela autoria, em concurso efetivo, de um crime de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 26.°, 203.° n. 1, 204.° n. 2 al. c) e 202.° al. b) do Código Penal, na pena de dois anos e sete meses de prisão e pela prática de um crime de detenção ilícita de arma p. e p. pelos artigos 6.° da lei n. 22/97, de 27 de Junho e 275.° n. 3 do Código Penal (redação da Lei n. 65/98), na pena de doze meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, sob condição de proceder ao pagamento/reparação à demandante cível do montante indemnizatório global (no valor de 50.000,00 euros) e respetivos juros, nos termos supra mencionados,
Em face do não pagamento, total ou parcial, da quantia arbitrada, o tribunal a quo decidiu, por despacho de 8 de Novembro de 2011, prorrogar o período de suspensão da execução por mais um ano, devendo o arguido nesse período de tempo comprovar nos autos o cumprimento da condição imposta.
O arguido interpôs recurso desta decisão para o T. R. Coimbra que, por acórdão de 28.03.2012, negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.
Decorrido o prazo da prorrogação por mais um ano e depois de notificado para comprovar nos autos o cumprimento da condição imposta, o arguido, por requerimento de 26 de Junho de 2013 (fls.1749) veio alegar, em suma, que não cumpriu a condição imposta devido às condições económicas e familiares em que se encontra e que se têm vindo a degradar com o passar do tempo, pois não tem nenhuma fonte de rendimento que permita a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar e, em simultâneo, pagar o montante em que foi condenado.
Solicitado relatório social (junto a fls 1774 dos autos), foi ouvido presencialmente o arguido, após o que o MP promoveu a revogação da suspensão da execução da pena, tendo-lhe respondido o arguido através de requerimento escrito em que justifica o incumprimento por impossibilidade económica de proceder ao pagamento da quantia em causa, tendo arrolado três testemunhas que depuseram sobre a sua situação económica.
O MP manteve a posição anteriormente expressa e o tribunal a quo, pelo despacho de 6.6.2014, ora recorrido, decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo do disposto no art.º 56.º n.ºs 1 al. a) e 2 do Código Pena por considerar, em síntese, que o arguido não cumpriu, total ou parcialmente, com culpa grosseira, o dever de proceder ao pagamento/reparação à demandante cível, CAR, SA, do montante indemnizatório de 50 000,00 euros que foi condenado a pagar-lhe, por forma a mostrar-se efetuado o pagamento da proporção de um quarto de tal montante final no final de cada um dos primeiros três anos, a contar do trânsito em julgado do acórdão condenatório.
2.3. Na sua motivação de recurso, o arguido condenado alega, em síntese, não se mostrarem preenchidos os pressupostos de que o artigo 56º do C. Penal faz depender a revogação da suspensão da execução da pena, pois não procedeu ao pagamento da quantia arbitrada, por impossibilidade económica de o fazer, em atenção às seguintes circunstâncias:
- Não tem nenhuma fonte de rendimento que permita a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar e, em simultâneo, pagar o montante em que foi condenado;
- A empresa para a qual labora não tem trabalho, está parada e não aufere qualquer rendimento.
- A sua esposa encontra-se desempregada.
- O Arguido/Recorrente vive em casa própria, numa moradia composta por rés-do-chão, 1º andar e quintal, sendo que esta moradia está inacabada e encontra-se hipotecada a favor do banco e penhorada no âmbito do processo de execução mencionado;
- Todo o seu património encontra-se penhorado à ordem do processo 323/04.0TTTMR-A, que corre termos neste Tribunal, vendo-se impossibilitado de vender/onerar qualquer uma das suas propriedades para assim realizar dinheiro para cumprir a injunção imposta;
- Do seu agregado familiar - composto por esposa, filha de 12 anos e sogra - as únicas pessoas que auferem rendimentos fixos e previsíveis são a mulher e a sogra, rendimentos esses que, porém, ficam reduzidos a nada após se liquidarem as despesas correntes.
- O Arguido/Recorrente tem 3 (três) filhos, com idades de 13, 21 e 24 anos;
Vive com a ajuda dos dois filhos mais velhos, que se viram forçados a emigrar para França, em virtude da falta de trabalho que existe no nosso país, bem como para contribuir para as despesas diárias dos seus pais/agregado familiar. A filha frequenta o ensino escolar;
- O Arguido/Recorrente, ao longo do tempo, pediu vários empréstimos a vários dos seus amigos, nomeadamente a AMRS, FPR e AB, empréstimos pagos por ele posteriormente, segundo confirmaram nos seus depoimentos como testemunhas.
Alega ainda o arguido que:
- O gerente da sociedade demandante CAR, S.A. (AC, S.A.) – o Sr. AA – acordou com o Arguido/Recorrente para que este ficasse descansado, pois “não haveria problema”, uma vez que fora encontrada a máquina retroescavadora em causa, sabendo tal gerente que o aqui Arguido/Recorrente não tinha tido culpa nenhuma, pelo que disse ao Arguido/Recorrente que não queria que este pagasse nada, o que, na prática, constitui uma forma de perdão da dívida por parte da sociedade ofendida/demandante;
- Como a sociedade demandante CAR, S.A. (AC, S.A.) foi declarada insolvente, no Processo nº 1088/11.4TBVNO, tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência no Tribunal Judicial de Ourém, 2.º Juízo de Ourém, no dia 27/07/2011, deixou de ser essencial ao desenvolvimento da sua atividade;
- Motivos que justificaram o lapso de tempo decorrido entre 2006 e 2009 (período anterior ao da doença que o Arguido/Recorrente veio a contrair), em que o Arguido/Recorrente não realizou, para com a sociedade demandante, o pagamento da quantia de 50.000,00 €;
2.5. Relativamente às razões invocadas no presente recurso que, em boa parte, haviam já sido alegadas pelo arguido em primeira instância, quer antes da decisão que veio a prorrogar o período de suspensão por mais um ano, quer antes da decisão ora recorrida, o tribunal a quo e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.03.2012, que confirmou aquela mesma prorrogação, tecem as seguintes considerações, com interesse para a presente decisão:
- Desde o trânsito em julgado da decisão até Novembro de 2009, o arguido não procedeu ao pagamento da quantia que estava obrigado a entregar à sociedade ofendida, nem procedeu a qualquer pagamento por conta do valor respetivo, e embora o arguido alegue sucessivos problemas de saúde que o impediram de trabalhar, o certo é que apenas juntou aos autos documentos atestando que no período ocorrido entre Novembro de 2009 e Maio de 2011 esteve incapacitado de trabalhar por doença, o que o arguido confirma no presente recurso, atribuindo a falta de pagamento da indemnização entre 2006 e 2009 a outras razões;
- Em 2006 ou 2007 a sociedade de que era sócio tinha três trabalhadores;
Relativamente às demais "dificuldades” alegadas, o arguido não as comprovou, acrescendo e que não se poderá ficar indiferente à circunstância de o arguido vir alegar dificuldades económicas para cumprir e, de outro lado, verificar-se que os filhos do arguido - de apenas 18 e 22 anos de idade - serem os únicos sócios e gerente de uma sociedade de que o arguido será simples trabalhador»
Concluía o referido acórdão da Relação de Coimbra, proferido nestes autos, que o arguido esteve mais de três anos totalmente alheado do dever de proceder ao pagamento da referida quantia, não demonstrando qualquer interesse em cumprir o dever que lhe foi imposto.
No despacho ora recorrido, o tribunal a quo destaca as seguintes circunstâncias:
- O arguido resolveu adquirir um apartamento na Figueira da Foz, aquisição essa que foi registada em 17 de Novembro de 2006 (fls. 1763), assim como uma "terra de pinhal com oliveiras", cuja aquisição foi registada em 12 de Março de 2007 (fls. 1757).
- O arguido constituiu uma sociedade com os filhos, instituindo um deles (o mais velho) como gerente (alegando, convenientemente, que as entradas de capital foram feitas com dinheiro do padrinho do filho mais velho, o que não comprovou) - cfr. declarações do arguido quando foi ouvido em 18 de Outubro de 2011 (fls. 1646).
O arguido não revelou qualquer atitude proactiva em relação à condenação, designadamente abeirando-se da demandante, oferecendo-se para pagar ao menos uma pequena parte do montante indemnizatório, ou comunicando ao Tribunal, ainda durante o período de suspensão, eventuais dificuldades que estivesse a sentir no cumprimento, até porque estava obrigado a comprovar o pagamento de 1/4 do valor global no final de cada um dos primeiros três anos do período de suspensão.
2.6. Relativamente à situação pessoal e económica do arguido, pode dizer-se que o quadro fatual apurado permite distinguir essencialmente dois períodos.
O período, pouco inferior a 3 anos, que vai do trânsito em julgado do acórdão condenatório, ou seja, 21 de Dezembro de 2006, a 18.11.2009, data em que iniciou um período de baixa por doença, e todo o período subsequente, que decorreu até junho de 2014, data em que foi revogada a suspensão da execução da pena.
2.6.1 Relativamente a este último período da sua vida (finais de 2009 a junho de 2014), pode autonomizar-se ainda um ciclo inicial, compreendido entre Novembro de 2009 e Maio de 2011, em que o arguido esteve incapacitado de trabalhar por doença, na sequência de acidente que sofreu, pelo que pode considerar-se que não esteve em condições de obter rendimentos do trabalho de que pudesse dispor para cumprir, ainda que parcialmente, o dever que lhe foi imposto como condição da suspensão da pena.
No período subsequente, que vai desde a decisão de 8.11. 2011 que prorrogou o período da suspensão por mais um ano, confirmada pelo referido acórdão do TRC de 28.03.2012, até ao despacho recorrido que, em 6.06.2014, revogou a suspensão da execução da pena, apura-se dos autos, essencialmente, que:
- O Arguido/Recorrente vive em casa própria, numa moradia composta por rés-do-chão. 1º andar e quintal, sendo que esta moradia está inacabada e encontra-se hipotecada a favor do banco e penhorada no âmbito do processo de execução mencionado;
- Todo o seu património encontra-se penhorado à ordem do processo 323/04.0TTTMR-A, que corre termos neste Tribunal, vendo-se impossibilitado de vender/onerar qualquer uma das suas propriedades para assim realizar dinheiro para cumprir a injunção imposta;
- Do seu agregado familiar - composto por esposa, filha de 12 anos e sogra - as únicas pessoas que auferem rendimentos fixos e previsíveis são a mulher e a sogra, rendimentos esses que se destinam a satisfazer as despesas correntes, para além do rendimento incerto e pouco significativo, que o arguido retira da exploração de um negócio de pneus e carros usados;
- O Arguido/Recorrente, que tem 3 (três) filhos, com idades de 13, 21 e 24 anos, vive com a ajuda dos dois filhos mais velhos, que se viram forçados a emigrar para França, em virtude da falta de trabalho que existe no nosso país, bem como para contribuir para as despesas diárias dos seus pais/agregado familiar. A filha frequenta o ensino escolar;
- O Arguido/Recorrente, ao longo do tempo, pediu vários empréstimos a vários dos seus amigos, nomeadamente a AMRS, FPR e AB, empréstimos pagos por ele posteriormente.

Destes elementos de facto, resulta que a situação económica do arguido neste último segmento da sua vida assenta em contributos do seu agregado familiar nuclear (mulher e sogra) e dos dois filhos mais velhos, que vivem por sua conta, para além de rendimentos incertos e pouco significativos de um pequeno negócio que mantem e de alguma atividade que desenvolve na empresa onde trabalha.
Quanto a outras fontes de rendimento e à possibilidade de se financiar através de empréstimos, o arguido comprovou que o património que lhe é conhecido está hipotecado, pelo que não pode recorrer a ele para obter capital. Em todo o caso, contraiu empréstimos junto de amigos, que liquidou, o que, para além de indiciar que o arguido será de boas contas com os amigos, indicia igualmente que conseguir obter rendimentos para solver as dívidas contraídas.
2.6.2. No que concerne ao período compreendido entre o trânsito em julgado do acórdão condenatório, ou seja, 21.12.2006 e 18.11.2009, data em que o recorrente passou a estar de baixa médica, não resulta justificado nos autos o não pagamento de qualquer quantia por conta da indemnização arbitrada a favor da sociedade ofendida, apesar de o arguido procurar justificar tal omissão com o perdão de dívida por parte do gerente daquela sociedade, falecido AA, e com a insolvência daquela mesma sociedade.
Por um lado, o arguido não fez prova, pessoal ou documental, da declaração que atribui ao gerente da sociedade CAR, S.A., pelo que independentemente da relevância que tal declaração pretensamente extintiva pudesse assumir no incumprimento da condição imposta pelo tribunal de julgamento como condição da suspensão da execução da pena, não pode considerar-se relevante tal declaração desde logo por falta de prova da mesma.
No que concerne à insolvência da sociedade lesada, é igualmente manifesta a sua impertinência para “justificar” a total omissão de pagamento no período de 3 anos ora em causa, uma vez que este terá terminado em 18.11.2009 com a baixa do arguido e a declaração de insolvência, no Tribunal Judicial de Ourém, 2.º Juízo, teve lugar em 27/07/2011.Insolvência esta que, em todo o caso, não implica a extinção do dever de entregar a quantia correspondente à indemnização mesmo posteriormente, pois sempre aquela integraria a massa insolvente para vir a beneficiar os credores.
Por outro lado, relativamente a este período de cerca de 3 anos, em 2006 ou 2007 a sociedade de que o arguido era sócio tinha três trabalhadores e apurou-se nos autos que o arguido adquirira um apartamento na Figueira da Foz, aquisição essa que foi registada em 17 de Novembro de 2006 (fls. 1763), assim como uma "terra de pinhal com oliveiras", cuja aquisição foi registada em 12 de Março de 2007 (fls. 1757). Relativamente à compra do apartamento o arguido vem dizer que a mesma representou uma poupança para o seu agregado familiar, uma vez que os encargos mensais com o empréstimo que contraiu para a compra do apartamento eram inferiores ao “aluguer mensal” do alojamento de um dos filhos que na altura estudava. Quanto à “terra de pinhal” diz ter sido a mesma adquirida em 2004 e não em 2006, mas não fez prova documental ou pessoal de tal facto.
Ora, independentemente deste último terreno, a compra do apartamento não deixa de ser reveladora da situação económica do arguido nessa altura e da sua atitude face ao dever de cumprir a obrigação indemnizatória que lhe foi imposto como condição da suspensão da pena.
Aquela compra denota capacidade económica para fazer face aos custos do empréstimo contraído, ao mesmo tempo que revela que o arguido assumia com naturalidade novas despesas do agregado familiar, mesmo que as mesmas pudessem revelar-se incompatíveis com o cumprimento do dever imposto como condição de suspensão da pena de prisão.
Ora, se entendemos que o núcleo indispensável à subsistência, com dignidade, da pessoa condenada e do seu agregado, constituem um limite oponível ao cumprimento do dever imposto, entendemos igualmente que a satisfação de outras necessidades pessoais e familiares à custa dos rendimentos ou do património do arguido deixa de pautar-se unicamente por critérios de racionalidade económica, ou de outra natureza, ficando incontornavelmente condicionada pelo dever de o arguido satisfazer a obrigação pecuniária imposta na condenação penal, enquanto condição da suspensão da pena de prisão. Este dever integra uma das modalidades da suspensão da execução da pena, enquanto verdadeira pena de substituição, instrumentalizado à prossecução das finalidades das penas, com as limitações e mesmo sacrifícios que lhes são inerentes, pelo que o condenado não pode tomá-lo como se de mera obrigação civil se tratasse.
2.7. Vejamos agora se face ao quadro da situação pessoal e económica do arguido, apurado por referência aos dois “grandes” períodos temporais identificados, pode concluir-se, com o tribunal recorrido, pelo preenchimento dos pressupostos de que o artigo 56º do C. Penal faz depender a decidida revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pois encontra-se claramente assente nos autos que o arguido condenado nada entregou à sociedade lesada, CAR, Lda, para cumprimento do dever de proceder ao pagamento/reparação à demandante cível do montante indemnizatório global (no valor de 50.000,00 euros) e respetivos juros, a comprovar nos autos, no prazo de quatro anos, após trânsito, mas por forma a mostrar-se efetuado o pagamento da proporção de um quarto de tal montante no final de cada um dos primeiros três anos.
2.7.1. No que aqui importa, as alíneas a) e b) do nº1 do artigo 56º do C. Penal, dispõem que a suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, e revelar, desse modo, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Com a alteração sistemática introduzida pela revisão do C. Penal operada pelo Dec-lei 45/95 de 15 de março, ao regular exclusivamente no artigo 56º do C. Penal/95 os pressupostos e efeitos da revogação da suspensão da pena de prisão, ficou claro que a revogação só terá lugar – e terá sempre lugar - no caso de a violação dos deveres legalmente impostos assumir especial gravidade, que o legislador traduziu pelo caráter grosseiro ou repetido da infração, e de se verificar, cumulativamente, que as finalidades que estiveram na base da suspensão se encontram definitivamente frustradas.
No caso presente, verifica-se infração repetida do dever imposto, numa dupla perspetiva.
Por um lado, o dever imposto consistia, para além dos juros legais, no pagamento à sociedade lesada de quatro prestações anuais de 2500 euros, pelo que ao não ter pago nenhuma delas o arguido violou outras tantas vezes aquele mesmo dever. Por outro lado, não pagou qualquer quantia do montante global de 50 000 euros que devia ter pago no prazo de um ano, pelo que foi prorrogada a suspensão da execução da pena, em resultado do incumprimento anterior.
Quanto ao caráter culposo do incumprimento, tem-se entendido que nos casos de violação do dever de pagar quantia determinada, a conduta culposa do condenado traduz-se, essencialmente, numa de duas hipóteses. O arguido deixa de realizar o pagamento apesar de dispor de possibilidades económicas para o efeito ou, verificando-se impossibilidade de cumprir a condição, foi o condenado quem se colocou em posição de não poder fazer o pagamento imposto. Nesta última hipótese, cabem tanto os casos de colocação dolosa do condenado em situação que o impossibilite de fazer o pagamento, como a conduta negligente que leva ao mesmo resultado, pois o artigo 56º não limita, em caso algum, a revogação da suspensão à atuação dolosa do arguido.
Tudo depende das particularidades do caso concreto e, a jusante, da prognose sobre a possibilidade de vir a atingir-se ainda as finalidades que estavam na base da suspensão, tendo-se bem presente que após a revisão de 1995 a subordinação da suspensão da pena ao cumprimento de deveres se destina especificamente à reparação do mal do crime, ou seja, à prossecução de finalidades de prevenção geral positiva.
Ainda em sede de caraterização da conduta violadora do dever de pagar a indemnização devida ao lesado, resulta da conjugação dos artigos 51º nºs 1 e 2 e 56º, do C. Penal, que a impossibilidade de incumprimento deve ser aferida a partir da situação económica verificada ao tempo da condenação, pois em face do nº2 do artigo 51º do C. Penal, o tribunal apenas deve impor a obrigação de pagar, total ou parcialmente, a indemnização, se esta obrigação for, razoavelmente, de lhe exigir, o que pressupõe a capacidade económica de satisfazer a obrigação nos termos em que esta condiciona a suspensão da pena.
Conforme pode ver-se do acórdão condenatório, o arguido recorrente, MMN, que tinha 44 anos de idade à data da sua prolação, em 2004, era gerente comercial de profissão, e o seu património incluía diversos veículos automóveis, designadamente três máquinas escavadoras; ra casado com a arguida Elsa Nunes, que tinha 34 anos de idade e era comerciante de profissão. O casal tinha pelo menos um filho menor a seu favor.
Na fundamentação daquele acórdão considerou-se que o ora recorrente dispunha de património bastante para proceder ao pagamento/ reparação à demandante cível do montante indemnizatório global a arbitrar.
Ora, conforme vimos, não resulta dos autos que a situação pessoal e económica do recorrente, tal como considerada no acórdão condenatório, tenha sofrido qualquer alteração, que pudesse pôr em causa a sua capacidade económica para assegurar o pagamento das três “prestações” anuais que foi condenado a cumprir, durante os três primeiros anos da fase de execução do acórdão condenatório, iniciada em dezembro de 2006 com o respetivo trânsito em julgado. Daí que concluamos, com o despacho recorrido e com o acórdão da Relação de Coimbra de março de 2012, que, o arguido incumpriu, de forma repetida e culposa, o dever imposto no acórdão condenatório como condição da suspensão da execução da pena de prisão, pelo que se mostra verificado o primeiro dos pressupostos da revogação da suspensão da pena previsto no artigo 56º do C. Penal.
Perspetivando a conduta do arguido ora em causa como violação grosseira do dever imposto, não chegaríamos a conclusão diferente, pois a falta de pagamento de todas as frações da quantia global arbitrada, ou qualquer parte delas, constitui conduta particularmente censurável de desrespeito da decisão condenatória, na sua dimensão penal.
2.7.2. Vejamos agora, se está igualmente preenchido o segundo pressuposto, cumulativamente previsto no artigo 56º do C.Penal, ou seja, se o incumprimento verificado revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Finalidades de prevenção que, como aludido, são essencialmente finalidades de prevenção geral positiva que, desde a reforma do C. Penal de 1995, constituem o fim específico da imposição de deveres que, nos termos do artigo 51º do C. Penal, se destinam a reparar o mal do crime.
A este respeito, é significativo que durante os cerca de 11 anos decorridos sobre a condenação e 9 anos sobre o respetivo trânsito em julgado, o recorrente não tenha efetuado o pagamento de qualquer quantia por conta do total estabelecido, aqui incluindo o período de prorrogação da suspensão por mais um ano. Na verdade, constituindo a imposição do dever de pagar a indemnização arbitrada elemento integrante e particularmente relevante da reação penal contrafática ao cometimento do crime de furto qualificado pelo qual o arguido foi condenado, não pode deixar de considerar-se que a confiança da generalidade dos cidadãos na tutela penal representada pelo tipo de crime violado não se mostra de modo algum reposta, pois o arguido teve oportunidade de pagar a totalidade ou parte da quantia arbitrada durante os anos entretanto decorridos, particularmente nos três primeiros anos após o trânsito em julgado do condenatório e nada pagou, pelo que, como refere o despacho recorrido, pode dizer-se que o arguido não cumpriu ainda qualquer pena pelos ilícitos penais praticados.
Ora, parafraseando Anabela Rodrigues, em trecho relativo ao critério de escolha das penas de substituição, dizemos a propósito do caso presente que “… nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão” – cfr Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41.
Na nossa perspetiva, está, pois, fora de questão a extinção da pena aplicada sem que o arguido tenha pago qualquer quantia por conta da quantia arbitrada, como pretende o recorrente, assim como é inadmissível a substituição da suspensão da pena por PTFC, referida na motivação de recurso, visto que esta, enquanto pena de substituição em sentido próprio, apenas pode ser aplicada na sentença condenatória e não na fase de execução da sentença.
Assim e tendo ainda em conta que a alínea d) do artigo 55º do C. Penal não permite nova modificação dos deveres impostos, pois tal sempre redundaria na prorrogação do período de suspensão que aquela alínea já não consente, concluímos que o arguido violou culposa e repetidamente o dever de pagar a quantia arbitrada no acórdão condenatório, revelando desse modo que as finalidades preventivas que estiveram na base da suspensão não podem ser alcançadas a não ser com o cumprimento da prisão efetiva concretamente determinada, pelo que se confirma a decisão de revogar a suspensão da execução da pena e ordenar o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.
2.8. Uma vez que não interpretámos o artigo 56º nº1 a) do C.Penal no sentido indicado pelo recorrente ao arguir a inconstitucionalidade daquele preceito, ou seja, no sentido, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada, mesmo quando não demonstrado que o condenado possui meios económicos para cumprir a condição imposta, nada há a decidir em matéria de inconstitucionalidade.

III. - Dispositivo

Nesta conformidade e tendo especialmente em conta o preceituado nos artigos 51º, 55º e 56º, do C. Penal, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, MMN, mantendo o despacho recorrido, que revogou a suspensão da execução da pena e determinou o cumprimento da pena de prisão aplicada no acórdão condenatório.
Custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida.

Évora, 14 de julho de 2015

(Processado em computador. Revisto pelo relator).

António João Latas

Carlos Jorge Berguete