Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
382/13.4GCFAR.E1
Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TAXA DE ÁLCOOL NO SANGUE
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
LEI MAIS FAVORÁVEL
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – A redacção introduzida, no artigo 170.º n.º 1 alínea b), do Código da Estrada, pelo artigo 2.º da Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, entrada a vigorar na pendência do recurso, merece aplicação imediata e retroactiva, na medida em que traduz normação mais favorável ao arguido;

II - E assim, quer se entenda que se está em presença de lei nova, ou que tal segmento vale como norma interpretativa, ou ainda que se trata de preceito de natureza processual;

III - No contexto fáctico do caso e em face das ingentes necessidades de prevenção geral, mostra-se adequada a pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada, nos termos prevenidos no artigo 69.º n.º 1 alínea a), com remissão para o artigo 292.º n.º 1, ambos do Código Penal, a condutor que, precedendo desconto, apresenta uma taxa de alcoolémia de 2,01 g/l.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I

1 – Nos autos de processo sumário em referência, o arguido, A, foi condenado, por sentença de 26 de Abril de 2013, «pela prática, em 25.4.2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, do artigo 292/1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 5 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 6 meses».

2 – O arguido interpôs recurso daquela sentença.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«I) Foi o arguido condenado, nos presentes autos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 292º do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) o que perfaz o montante global de € 300,00 (trezentos euros).

II) Foi ainda o arguido condenado na sanção acessória de inibição de condução, nos termos do art.º 69º, n.º 1, alínea a) do C.P, por um período de seis meses.

III) É desta sentença condenatória que nos permitimos discordar, com o devido respeito pela opinião contrária, no que respeita: a) à sanção acessória de inibição de condução por um período de seis meses.

IV) Entendemos que, a sanção acessória de inibição de condução por um período de seis meses aplicada ao arguido é excessiva face à prova produzida.

SENÃO VEJAMOS:

V) O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vem acusado.

VI) Não foi interveniente em acidente de viação.

VII) O arguido mostrou arrependimento.

VIII) O arguido reside nos arredores de Faro, inexistindo transportes públicos com regularidade.

IX) O que torna muito complicado para o mesmo procurar trabalho, uma vez, que o arguido se encontra desempregado há cerca de 5 meses.

X) O arguido tem procurado trabalho não só na região onde reside (Algarve), mas também noutras partes do país, o que implica que se desloque na sua viatura.

XI) O período tão longo de inibição de conduzir a que o arguido foi condenado coloca em causa essa busca por uma situação económica mais favorável.

XII) Embora o crime cometido pelo arguido seja de elevada gravidade não podemos desprezar que o arguido não tem antecedentes criminais;

XIII) Não foi interveniente em acidente de viação.

XIV) Porquanto, torna-se indispensável fazer uma correcta e justa interpretação e aplicação da lei no caso em apreço.

XV) Conforme resulta, será suficiente e adequado para acautelar as necessidades de prevenção geral e especial da norma violada a imposição ao arguido de uma sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de quatro meses.

XVI) Salvo melhor opinião, entende-se sempre com o devido respeito, que a sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de seis meses aplicada ao arguido, deverá ser reduzida.

XVII) Pelo que, entendemos, deverá a decisão do Tribunal a quo ser alterada no que ao período de inibição de condução respeita, substituindo-se a mesma pela aplicação de um período de inibição mais reduzido.»

3 – O recurso foi admitido, por despacho de 24 de Setembro de 2013.

4 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, defendendo que a decisão recorrida não merece reparo.

Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1-A determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve fazer-se mediante os critérios utilizados na fixação da pena principal e definidos no art. 71 do Código Penal.

2-Assim, há que ter em conta, quanto a tal questão, as exigências de prevenção de futuros crimes, o grau de culpa do arguido o grau de álcool com que conduzia, a sua inserção social e familiar e a sua idade.

3-A duração da pena acessória pode ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal por via, desde logo, da diversidade dos objectivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas.

4-Esta pena acessória deve contribuir decisivamente para a emenda cívica do condutor infractor, prevenindo a perigosidade deste, mas essencialmente, e cada vez mais, deve ter um efeito de prevenção geral de intimidação, face ao aumento da sinistralidade rodoviária decorrente do consumo abusivo de álcool.

5-Face ao exposto e atendendo a que o arguido conduzia de noite com uma taxa de alcoolemia de 2,18 g/l., entendo que a pena acessória de proibição de conduzir nunca poderia ser inferior a 6 meses, pelo que não se nos afigura que a opção adoptada na sentença esteja desajustada das circunstâncias do caso, antes parecendo cabalmente justificada face às elevadas necessidades de prevenção geral.

6- Assim nenhum reparo nos merece a sentença recorrida pois nenhuma disposição legal foi violada.»

5 – Nesta instância, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público é de parecer que o recurso não merece provimento.

Pondera, designadamente, que «muito embora as exigências de prevenção especial não assumam particular relevância, já que o arguido não conta com antecedentes criminais e confessou os factos, importa tomar em consideração a taxa de álcool no sangue com que o arguido conduzia (2,18 g/l) e a sua importância no grau de ilicitude dos factos e nas necessidades de prevenção geral que se podem considerar, assim, elevadas».

6 – O objecto do recurso, tal como definido pelo recorrente, respeita a saber se o Mm.º Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, no ponto em que, por errada interpretação do disposto no artigo 69.º n.º 1 alínea a), do Código Penal (CP), fixou a pena acessória de proibição de conduzir em medida superior a 4 meses.

II

7 – A pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, prevista e punível, nos termos do disposto no artigo 69.º n.º 1 alínea a), do CP, com proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos, foi concretizada, na instância, em 6 meses de proibição.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias, trata-se de uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, tendo em vista prevenir a perigosidade deste - cfr. «Código Penal, Actas e Projecto da Comissão», Ministério da Justicça, 1993, pág. 75.

A aplicação desta pena acessória depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a prática de crime previsto e punido pelo artigo 291°, do Código Penal; ser necessário prevenir a perigosidade do arguido.

Na determinação da medida concreta da penas acessória em referência, há que levar em conta as circunstâncias que influíram na determinação da pena principal e sob ponderação de que se mostra comprovado no facto um particular conteúdo do ilícito que justifica materialmente a aplicação em espécie da pena acessória justificando o juízo de censura adicional que é dirigido ao condutor em função de razões de prevenção especial e geral e da culpa pela prática de um comportamento censurável na condução automóvel - cfr. artigos 65.º, 69.º n.º 1 e 71.º do CP.

As finalidades de prevenção geral e especial reportadas à pena acessória dirigem-se, especificamente, à recuperação do comportamento estradal do condutor por forma a influenciá-lo fortemente no sentido da conformação positiva do seu comportamento rodoviário.

Como assim, se as finalidades específicas da pena acessória puderem ser atingidas com uma duração concreta proporcionalmente superior ou inferior ao fixado para a pena principal, nada obstará que por aí se enverede, desde que a medida concreta aplicada seja suportada pela culpa do agente.

Importa atender a que são elevados os índices de sinistralidade nas estradas portuguesas, bem como a perigosidade para a segurança rodoviária que, em abstraco, sempre representa a conduta do arguido.

Termos em que, levando em conta as circunstâncias do caso, designadamente a TAS verificada, justifica-se a aplicação de pena acessória de proibição de conduzir, fixada no dobro do limite mínimo aplicável, vale dizer, em 6 meses de proibição, tal como decidido na instância, sob pena de se induzir impunidade em vez de rigor punitivo.

Por isso que se não vê que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo haja incorrido em qualquer erro de jure, por via de desajustado rigor punitivo, antes se figurando o decidido na instância conforme com o disposto, maxime, nos artigos 40.º n.os 1 e 2, 69.º n.º 1 alínea a), 70.º e 71.º, do CP.

8 – Sem embargo, com a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2014 (na pendência do presente recurso), das alterações ao Código da Estrada (CE), introduzidas pelo artigo 2.º da Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro (artigo 12.º n.º 1, da mesma Lei), veio estabelecer-se, no artigo 170.º n.º 1 alínea b), que o auto de notícia deve conter «o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição [Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, artigo 8.º do mapa anexo], quando exista, prevalecendo o valor apurado quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares».

Trata-se de segmento normativo de aplicação imediata e retroactiva (ademais na medida em que, relativamente à norma pré-vigente, favorece o arguido), quer se entenda que se está em presença de lei nova [artigos 29.º n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 2.º n.º 4, do CP], quer se entenda que vale como norma interpretativa (artigo 13.º, do Código Civil), quer ainda se entenda que se trata de preceito de natureza processual [artigos 29.º n.º 4, da CRP, e 5.º n.º 2 alíneas a) e b), do CPP].

Por que assim, haverá que deduzir à taxa de álcool registada (e sedimentada, como provada, em 1.ª instância, de 2,18 gramas/litro) a margem de erro máximo admissível, de 8%, do que resulta, para consideração em sede de matéria de facto a ponderar, a taxa de 2,01 g/l.

Importa pois [artigo 431.º alínea a), do CPP] modificar, nesta parcela, a matéria de facto julgada provada em primeira instância, passando a ter-se como provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas, o arguido conduzia o identificado veículo com uma taxa de alcoolémia de 2,01 gramas/litro.

9 – Afigura-se, porém, em vista de quanto acima se deixou exposto, que tal comutação não se traduz em uma diminuição da ilicitude do facto que abone e justifique a mitigação das penas, principal e acessória, estabelecidas no Tribunal a quo.

10 – Do exposto se conclui: (i) a redacção introduzida, no artigo 170.º n.º 1 alínea b), do Código da Estrada, pelo artigo 2.º da Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, entrada a vigorar na pendência do recurso, merece aplicação imediata e retroactiva, na medida em que traduz normação mais favorável ao arguido; (ii) e assim, quer se entenda que se está em presença de lei nova, ou que tal segmento vale como norma interpretativa, ou ainda que se trata de preceito de natureza processual; (iii) no contexto fáctico do caso e em face das ingentes necessidades de prevenção geral, mostra-se adequada a pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada, nos termos prevenidos no artigo 69.º n.º 1 alínea a), com remissão para o artigo 292.º n.º 1, ambos do Código Penal, a condutor que, precedendo desconto, apresenta uma taxa de alcoolémia de 2,01 g/l.

11 – O decaimento total no recurso impõe a condenação do arguido em custas, com a taxa de justiça fixada nos termos e com os critérios prevenidos nos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e no artigo 8.º n.º 5 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.

III

12 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) alterar a matéria de facto julgada provada na instância, no ponto em que se passa a considerar que, nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas, o arguido conduzia o identificado veículo com uma taxa de alcoolémia de 2,01 gramas/litro; (b) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, A; (c) condenar o arguido nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.

Évora, 11 de Março de 2014


António Manuel Clemente Lima (relator) – Alberto João Borges (adjunto)