Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1715/12.6TBEVR.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PROVA
OBJECTO
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: ANULADA
Sumário: I - Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável.
II - Assim, tal e qual acontecia no regime de pretérito - embora se admita que hoje, com a abolição do despacho saneador, a opção pelos temas de prova, e pela sentença unitária, tal pode constituir tarefa mais complexa -, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
III - Tais questões - a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC -, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções».
IV - O juiz não tem que responder aos «temas de prova» mas aos factos que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas. Porém, tem agora uma maior amplitude na conformação de facto da acção em face ao disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC.
V - O princípio do inquisitório tem actualmente um conteúdo que o desenha como um verdadeiro poder-dever do juiz, tendo este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
VI - Atenta a conformação legal da obrigação de alimentos, cuja medida - para além do mais que a lei impõe seja sopesado -, se alcança também pelo confronto entre a necessidade do alimentando e a possibilidade do obrigado, tendo quer pela autora quer pelo réu sido invocados factos relevantes para determinar a respectiva situação económica, em face das despesas que cada um deles alegou ter, e do património respectivo, e não constando os mesmos da sentença, nem nos factos provados nem nos não provados, conforme determina o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, impõe-se a anulação da decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto considerada essencial à decisão do litígio segundo todas as soluções plausíveis.
VII - Apesar de nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, o Tribunal da Relação poder ordenar a produção de novos meios de prova, para os efeitos referidos em V, havendo a necessidade de proceder à ampliação da prova produzida, a realizar necessariamente pela primeira instância, com a consequente apreciação jurídica global que dessa produção de prova venha a resultar, a produção de novos meios de prova terá que ser efectuada também em primeira instância, já que é unitária a decisão a proferir.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[3]:

I – RELATÓRIO
1.AA, propôs, ao abrigo do disposto nos artigos 2009, n.º 1, alínea a), e 2016.º do Código Civil, a presente acção de alimentos, sob a forma comum ordinária, contra BB, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe uma pensão de alimentos no montante mensal de € 1.500.
Em fundamento, alegou, em síntese, que:
- Autora e réu casaram entre si em 04.08.1984 e divorciaram-se em 15.12.2005;
- Nessa ocasião, a autora prescindiu de alimentos;
- Contudo, desde então, a saúde da autora degradou-se de tal maneira que os seus rendimentos são insuficientes para suportar a totalidade das suas despesas;
- Durante o tempo em que o casal esteve emigrado na Suíça, a autora trabalhava 16 horas por dia, o que lhe proporcionava um rendimento superior ao do réu, que apenas trabalhava 8 horas diárias;
- Quando regressaram a Portugal, três anos antes do divórcio, o réu deixou de trabalhar e desatou a gastar a totalidade das poupanças de ambos;
- O réu voltou a residir e trabalhar na Suíça, onde aufere um vencimento mensal não inferior a € 6.000, mantendo-se com saúde e um estilo de vida equivalente ao que tinha quando era casado com a autora.

2. Regularmente citado, o réu contestou, concluindo no sentido de que a acção deverá ser julgada improcedente, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
- À data do divórcio, a autora já estava reformada por invalidez, pelo que, quando prescindiu de alimentos, a sua situação médica já era conhecida;
- Desconhece a evolução posterior do estado de saúde da autora;
- Ainda que se encontre doente, a autora tem rendimentos que lhe permitem fazer face às despesas daí decorrentes;
- Durante o tempo em que o casal esteve emigrado na Suíça, o réu trabalhava 9 horas por dia e auferia um rendimento mensal bruto de cerca de 5.500 francos suíços, rendimento esse que era para a economia comum do casal;
- A autora recebe uma prestação vitalícia de um seguro de vida constituído e accionado na Suíça;
- É falso que, após o regresso da Suíça, o réu não trabalhasse e gastasse todo o dinheiro do casal;
- Foi a autora quem, sem conhecimento do réu, retirou todo o dinheiro que existia na conta conjunta do casal;
- Actualmente, o réu aufere mensalmente um vencimento bruto de 6.000 francos suíços, a que corresponde um vencimento líquido de 3.805 francos suíços (€ 3.157,88), não tem qualquer outro rendimento e tem encargos elevados, que elencou, decorrentes de o custo de vida na Suíça ser bastante superior ao de Portugal;
- A pretensão da autora consubstancia um abuso do direito.

3. Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido o despacho saneador e se procedeu ao enunciado dos temas de prova.

4. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, seguida da prolação de sentença que julgou improcedente a acção.

5. Inconformada, a autora apresentou o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões[4]:
«Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência:
a) Aditar-se o seguinte facto aos factos provados: O actual estado de saúde da autora é progressivo, irreversível e com agravamento previsível, que implicará um aumento substancial das despesas devido ao decurso da doença;
b) Ordenar, nos termos do disposto no artigo 662º n.º 2 b) do CPC, a produção de novos meios de prova, designadamente, a notificação dos organismos oficiais (Segurança Social Suíça) para informar os autos qual é o vencimento declarado pelo Réu, se necessário, com intervenção do Consulado Português, sendo posteriormente, decidida a fixação de alimentos.
c) Revogar a sentença proferida nos autos, substituindo a mesma por outra que decrete a procedência da acção, fixando-se a favor da recorrente uma pensão de alimentos conforme aos comandos do disposto no artigo 2016 A, n.º 1 do Código Civil».
6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Observados os vistos, cumpre decidir.
*****
II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[5], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, no caso em apreço, as únicas questões suscitadas para decidir são as de saber se deve ser aditada a matéria de facto nos termos referidos pela recorrente; ordenada a produção de novos meios de prova; e revogada a sentença proferida, substituindo a mesma por outra que fixe a favor da recorrente uma pensão de alimentos.
*****
III – Fundamentos
III.1. – De facto
Foram os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida:
1 – Autora e réu foram casados entre si entre 04.08.1984 e 15.12.2005, data em que foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre ambos.
2 – Aquando do divórcio, a autora declarou prescindir de alimentos.
3 – A autora é reformada por invalidez desde Maio de 2002, em consequência de sofrer de fibromialgia e de depressão, com uma incapacidade para o trabalho de 70%; aufere uma pensão mensal de € 809,48 da Suíça e uma pensão mensal de € 98,77 da segurança social de Portugal;
4 – Em Março de 2010, foi diagnosticada à autora uma artrite reumatóide, que consiste numa doença inflamatória articular crónica com potencial invalidante e que, na autora, já apresenta lesões estruturais a nível das articulações metatarso-falângicas.
5 – Em consequência da artrite reumatóide, a autora tem de tomar diária e permanentemente medicação, tem de se sujeitar a análises e exames médicos frequentes e já foi sujeita a sete intervenções cirúrgicas.
6 – Ainda em consequência da artrite reumatóide, a autora apresenta lesões degenerativas em ambos os pés, sofre dores permanentes na coluna vertebral e tem picos febris e lapsos de memória.
7 – Frequentemente, a autora fica totalmente incapacitada de fazer tarefas domésticas, pois, além das dores que sempre sofre, não consegue fechar as mãos.
8 – A autora vive sozinha, sendo que, em períodos em que se sente pior, vai passar algum tempo a casa de uma amiga.
9 – Em medicamentos, a autora gasta cerca de € 50 mensais.
10 – No mês de Fevereiro de 2014, a autora pagou € 43,52 de electricidade, respeitante ao seu consumo entre os dias 28.12.2013 e 28.01.2014.
11 – No mês de Fevereiro de 2014, a autora pagou € 5,70 por consumo de água.
12 – No mês de Junho de 2013, a autora pagou € 159,06 a título de prémio de um seguro de saúde, respeitante ao período de 01.07.2013 a 30.09.2013.
13 – No dia 20.11.2012, a autora pagou o preço de € 235 pela aquisição de lentes progressivas.
14 – Em Abril de 2013, a autora pagou € 54,76 a título de imposto de circulação relativo ao veículo automóvel com a matrícula 00-BN-00.
15 – Em Setembro de 2013, a autora pagou € 198,68 a título de prémio semestral do seguro relativo ao veículo referido em 14.
16 – A autora paga mensalmente, ao CC, uma quantia para amortização de um empréstimo para aquisição de habitação própria; essa quantia foi de € 443,09 no mês de Abril de 2012 e de € 408,38 no mês de Fevereiro de 2014.
17 – A autora paga mensalmente, ao CC, uma quantia para amortização de um “crédito individual”; essa quantia foi de € 281,21 no mês de Setembro de 2011 e de € 268,38 no mês de Dezembro de 2013.
18 – A autora pagou a quantia de € 78 por uma consulta de medicina dentária no dia 17.05.2011.
19 – A autora pagou a quantia de € 43,64 a título de mensalidade por serviços de telecomunicações móveis em Dezembro de 2013.
20 – A autora pagou a quantia de € 49,54 a título de mensalidade pelo fornecimento de sinal de televisão em Janeiro de 2014.
21 – A autora pagou, em Dezembro de 2013, a quantia de € 119,91 a título de prémio do seguro da sua casa.
22 – A autora nasceu no dia 21.12.1961.
23 – Durante cerca de vinte anos, enquanto estiveram casados um com o outro, a autora e o réu estiveram emigrados na Suíça.
24 – Enquanto esteve emigrada, a autora chegou a ter três empregos e a trabalhar dezasseis horas por dia, o que lhe proporcionava um rendimento de cerca de € 7.000 mensais.
25 – O réu sempre teve apenas um emprego, a tempo inteiro.
26 – Após o divórcio, o réu voltou a viver e a trabalhar na Suíça;
27 – O réu aufere um vencimento mensal bruto de cerca de € 6.000.
*****
E foram os seguintes os factos considerados não provados:
A) Enquanto viveu com o réu na Suíça, era a autora quem pagava a renda da casa, no valor de cerca de € 1.200, e ainda pagava a alimentação para duas semanas do mês, sempre com o seu salário.
B) O réu mantinha o seu rendimento quase intacto e ambos mantinham uma qualidade de vida que lhes permitia, por exemplo, mudar de carro quando queriam.
C) Foi com dinheiro da autora que o réu comprou um veículo Mercedes com a matrícula 00-00-XF, modelo C220CDI, no valor de € 27.500.
D) Todo o dinheiro que, ao longo dos anos, o casal foi poupando, o réu desatou a gastar assim que voltaram para Portugal e decidiram comprar casa em Évora.
E) Incluindo os depósitos no Banco DD e que correspondiam, além de poupanças enquanto emigrados, a retroactivos de subsídios atribuídos pelo governo suíço.
F) Desde que chegou a Portugal, durante os três anos anteriores ao divórcio, o réu não trabalhou, levantando todo o dinheiro do banco, que gastava em cafés e com amigos, sendo que a autora, da sua pensão de invalidez, pagava as despesas da casa.
G) Confrontado com tais factos pela autora, o réu negava os mesmos, dizia que não era ele quem levantava o dinheiro, quando a autora comprovava a realidade pelos talões do banco.
H) Em virtude destes factos, a autora decidiu que queria o divórcio.
I) A ruptura do casal deu-se porque a autora decidiu unilateralmente e sem conhecimento do réu levantar todo o dinheiro que tinham na conta conjunta do casal; em consequência, o réu ficou repentinamente impossibilitado de fazer face aos seus gastos e compromissos.
*****
III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Enquadramento jurídico
A autora pretende fazer valer por via desta acção o direito a obter do ex-cônjuge uma prestação mensal a título de alimentos.
A noção de «alimentos» é-nos dada, para o que ora importa, pelo artigo 2003.º, n.º 1, do Código Civil[6], de acordo com cuja previsão «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», sendo a sua medida determinada nos termos do disposto no artigo 2004.º do CC, ou seja, «os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los», atendendo-se ainda na respectiva fixação «à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência».
Tentando concretizar a noção legal de alimentos à luz de uma existência digna, a doutrina e a jurisprudência têm considerado exemplificativamente que:
- o sustento não é só a mera alimentação, mas tudo o mais em geral reputado indispensável à subsistência do indivíduo em sociedade, tal como a saúde, os transportes, as comunicações;
- a habitação deve conter o mínimo tendente a assegurar a sua habitabilidade, higiene e salubridade, onde se incluem a energia e o fornecimento de água;
- o vestuário compreende objectos de vestir e de calçar, os quais pela sua constante utilização carecem de ser renovados com maior ou menor frequência.
E tem ainda densificado o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 2004.º, através do binómio necessidade do alimentando/possibilidade do obrigado, e da avaliação da possibilidade de aquele prover à sua subsistência.
A estas regras gerais, acrescem no caso de alimentos entre ex-cônjuges as decorrentes das previsões constantes nos artigos 2016.º e 2016.º-A do CC.
Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 2016.º-A que rege quanto ao montante dos alimentos, na fixação destes devem ser consideradas todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do ex-cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades daquele que os presta, devendo designadamente o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade, o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto.
Resulta ainda no n.º 3 do mesmo preceito que o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir o padrão de vida de que beneficiou na constância do casamento, devendo, por força do disposto no n.º 1 do artigo 2016.º, cada um dos ex-cônjuges prover à sua subsistência.
Efectivamente, apesar de já antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 61/2008, de 31-10, em face do princípio da igualdade de sexos consagrado no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, se considerar que existia «a obrigação de cada um dos ex-cônjuges se auto-bastarem, tanto quanto possível, devendo nesse sentido o recurso ao direito de alimentos ser considerado excepcional»[7], actualmente, com a redacção do artigo 2016.º, n.º 1, do CC, introduzida pela supra citada lei, ficou claramente consagrado que «o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, é o do seu carácter excepcional, expressamente limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”»[8].
Assim, «neste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC, cingindo-se a obrigação de os prestar ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência condigna depois da ruptura do vínculo do casamento, sem ter, porém, por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal (arts. 2003.º, n.º 1, e 2016.º-A, n.º 3, do CC)»[9].
Não obstante, pondera-se ainda neste aresto, num juízo equitativo tendente a apurar o quantum da assistência a quem precisa por quem tem possibilidades, não pode deixar de ter-se em atenção o passado comum dos cônjuges, na sua globalidade.
Considerámos necessário efectuar previamente este enquadramento jurídico porquanto, quer nos termos previstos à data da acção no artigo 264.º, n.º 1, do CPC, quer nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do actual CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções invocadas, uma vez que nos termos do n.º 2 deste último preceito - que é o aplicável à audiência de julgamento atenta a data em que a mesma foi realizada e o disposto no artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho -, para além destes, apenas podem ser considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, e os factos que sejam complemento ou concretização daqueles que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, e quanto a estes, apenas desde que as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciar sobre eles. Ou seja, da correlação entre estes dois números do preceito, extrai-se que as partes estão oneradas com a invocação dos factos essenciais à procedência da acção ou da excepção, incumbindo-lhes alegar os factos concretos em que assentam a sua pretensão ou a sua defesa, com a efectiva identificação e concretização da causa de pedir a qual é constituída pelo conjunto de factos em que se consubstancia a relação material controvertida, pois só estes podem ser conhecidos pelo tribunal e são subsumíveis às regras de direito.
Por seu turno, o juiz deve - para além dos factos essenciais -, considerar ainda os factos instrumentais, os complementares, salvaguardada a possibilidade de pronúncia das partes, bem como evidentemente os notórios e aqueles de que tenha conhecimento pelo exercício de funções.
Nestes termos, cabe agora olhar a matéria de facto à luz do sobredito.
*****
III.2.2. - Quanto à matéria de facto
A Apelante AA pretende por via do presente recurso a modificação por este Tribunal da Relação da matéria de facto, invocando que o Tribunal apenas parcialmente respondeu a um dos temas de prova, não respondendo à questão da previsibilidade de gastos que o estado de doença da autora implicará no futuro, e propondo seja aditado o facto que indicou.
Com tal desiderato, a recorrente aduziu que «para além da documentação clínica abundante, existente nos autos, donde se depreende o aumento constante, crescente e irreversível das despesas relacionadas com a doença da autora, é fundamental todo o depoimento da irmã da autora, EE, cujo depoimento se encontra gravado, através do sistema de gravação integral “habilus media Studio”, tendo início 09:44 às 10:00, conforme acta de audiência de julgamento (documento com a referência citius 24482060), donde resulta que:
A nossa mãe também teve a mesma doença por volta dos 50 anos (…) fui eu que cuidei dela (…) a certa altura foi preciso arranjar uma empregada (…) ela nem vestir-se conseguia sozinha…ficou toda deformada…( …) numa cadeirinha de rodas….a minha irmã já tinha necessidade de contratar alguém para a ajudar…eu não posso…trabalho, a filha também trabalha (…) tem dois filhos….a doença é hereditária….eu já fui fazer os testes.
Este depoimento, conjugado com os documentos juntos à petição inicial, mormente, documento n.º 4, impõem, no cumprimento dos comandos ínsitos nos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, em resposta ao tema da prova:
Estado de saúde da autora e gastos que o mesmo implica actualmente e previsivelmente implicará no futuro
Se adite o seguinte facto:
1 - O actual estado de saúde da autora é progressivo, irreversível e com agravamento previsível, que implicará um aumento substancial de despesas devido ao decurso da doença».
Ora, a respeito dos pontos 4 a 7 da matéria de facto provada, referidos pela autora, expendeu-se na respectiva fundamentação «A minha convicção sobre os factos referidos em 3 a 7 formou-se com base nos depoimentos, coincidentes entre si, das testemunhas EE, FF e GG, nos documentos de fls. 32 a 46, 49 e 165 e, ainda, nas declarações da autora na medida em que esclareceu e precisou alguns detalhes dos seus problemas de saúde», nada constando a propósito na matéria de facto considerada não provada, ambas restringidas pelo Mm.º Juiz a quo respectivamente aos factos que reputou «com interesse para a decisão da causa» e aos que «poderiam ter interesse para a decisão da causa.
Pretende ainda a recorrente que o Mm.º Juiz não podia ter considerado provado, por acordo, que o réu aufere um vencimento mensal bruto de cerca de € 6.000, cfr. artigos 66.º da petição inicial e 31.º da contestação, devendo ser ordenada a produção de novos meios de prova, designadamente, a notificação dos organismos oficiais (Segurança Social Suíça) para informar os autos qual é o vencimento declarado pelo Réu, se necessário, com intervenção do Consulado Português, sendo posteriormente, decidida a fixação de alimentos.
Como é sabido, na fixação da matéria de facto provada e não provada o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável, devendo ter em consideração quando agora responde à matéria de facto na sentença, que o deve fazer por forma a possibilitar «a ulterior e ampla discussão da matéria de facto, de modo a que seja viável encontrar a solução de direito que decida com justiça, sem condicionar o debate a uma única perspectiva da questão de direito – que, afinal, pode nem ser a adequada –, mas a outras que se mostrem legalmente possíveis»[10].
Assim, tal e qual acontecia no regime de pretérito - embora se admita que hoje, com a abolição do despacho saneador, a opção pelos temas de prova, e pela sentença unitária, tal pode constituir tarefa mais complexa -, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, a não ser que a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Ora, tais questões - a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC -, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções»[11].
É certo que, em face do actual CPC, «a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, já não valendo argumentos de pendor formalista» sendo agora possível ao juiz «optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5.º, n.º 2, do NCPC».
Assim, «ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais - relativamente aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes -, quanto aos factos instrumentais, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova»[12], devendo nas decisões dos tribunais «ser tida em conta, não só a alegação factual explícita, como também a implícita»[13].
Consequentemente, com o novo Código de Processo Civil, «atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório, uma vez que continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa»[14].
Efectuamos este enquadramento para significar que o juiz, ao contrário do inicialmente referido pela recorrente, não tem que responder aos «temas de prova» mas aos factos que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas, sendo que quer na redacção do CPC vigente à data da entrada da acção, quer na actual, às partes sempre coube alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções (artigo 264.º, n.º 1, do CPC e artigo 5.º, n.º 1, do NCPC), ou seja, o fundamento do direito invocado ou os factos que impedem, modificam ou extinguem aquele direito, consoante a posição de autor ou réu em que se encontrem.
Porém, o juiz tem agora uma maior amplitude na conformação de facto da acção porquanto, face ao disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles aquelas tenham tido a possibilidade de se pronunciarem, bem como os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, que o juiz já podia considerar no regime anterior.
Para o efeito, atento o princípio do contraditório ínsito no artigo 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Finalmente, o artigo 607.º, n.º 4 impõe-lhe, para além do mais, que na fundamentação da sentença declare quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais elementos que foram decisivos para a sua convicção, tudo tendo em vista a prevalência do fundo sobre a forma.
Devidamente enquadrados quanto ao quadro em que nos movemos do ponto de vista da aquisição factual, e analisada a petição inicial verificamos que a autora para além de invocar a situação de doença de que padece, diagnosticada posteriormente ao divórcio, e que foi considerada provada, invocou no artigo 62.º da petição inicial que tal doença «requer muito mais despesas e muito mais assistência médica diária do que a sua situação anterior» - que já era conhecida aquando do divórcio, como a autora refere e o réu também invoca -, «e que levará muito possivelmente à sua total incapacidade até para se mover», referindo ainda, no artigo 67.º quando quantifica o montante que pede a título de alimentos, «a fim de poder, para além do mais, ter assistência no lar atenta a sua situação grave de saúde».
Que se trata de matéria relevante foi reconhecido aquando do elenco dos temas de prova, nos termos reproduzidos supra nas alegações de recurso apresentadas pela autora. Porém, quer o aumento das despesas com esta doença em face da situação anterior da autora quer a previsibilidade do seu aumento futuro designadamente pela invocada possibilidade da evolução da doença para uma situação de incapacidade total, não mereceram qualquer resposta quer na matéria de facto provada quer na não provada, sendo indispensável ampliar a matéria de facto, nos termos que infra melhor se explicitarão.
Quanto à prova, por acordo, dos rendimentos do Réu, verifica-se que efectivamente a autora alegou no artigo 66.º da petição inicial que «o réu actualmente vive na Suíça onde aufere um ordenado mensal não inferior a sete mil francos suíços, ou seja, cerca de 6.000,00€, mantendo-se com saúde e com um estilo de vida equivalente ao que tinha quando era casado com a autora», enquanto o Réu alegou no artigo 31.º da contestação que «aufere 6.000 francos suíços, valor bruto mensal, a que correspondem 3.805,00 francos suíços líquidos (3.157,88 euros)» juntando um documento em língua estrangeira que, apesar de notificado para o efeito, nunca apresentou - cfr. despacho de fls. 112, reiterado a fls. 168, com cominação de multa, tendo sido condenado em multa por violação do dever de cooperação processual (fls. 172).
É certo que a autora não alegou expressamente que o rendimento que invocou que o réu auferia era líquido. Porém, no artigo 40.º quando se refere ao rendimento que ela própria auferia na Suíça, invoca que o mesmo se traduzi num rendimento de cerca de 7000 euros por mês. Considerando que habitualmente aquilo que é tido como rendimento é o valor líquido de impostos e outras contribuições obrigatórias, porquanto é com este valor que os cidadãos suportam as despesas que têm a cargo, e, como tal, é o valor líquido dos rendimentos que é aferido para avaliar quer da necessidade quer da capacidade para prestar alimentos, não é desadequado entender que existe tal alegação implícita.
Como visto, atenta a discrepância existente desde logo entre o valor do rendimento alegado pela autora e pelo réu entre os 7000 francos suíços referidos por aquela e os 6000 referidos por este, não podia o Mm.º Juiz ter considerado aceite, por acordo, o valor declarado pelo Réu. Acresce que, também não pode considerar o referido documento não traduzido, atento o disposto nos artigos 133.º, n.º 1, e 134.º, n.º 1, do CPC, e seguramente não teve em atenção o preceituado no artigo 417.º, n.º 2, do CPC de acordo com o qual, se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
Acresce que, o já referido princípio do inquisitório tem actualmente um conteúdo que «obriga a repensar a natureza de alguns poderes instrutórios do juiz. Aceitando-se que este princípio se desenha hoje como um verdadeiro poder-dever do juiz, tem este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer»[15].
Assim, considerando o supra exposto e a essencialidade do apuramento do rendimento do réu, elemento imprescindível à determinação da sua eventual capacidade de prestar alimentos, sobre o juiz impendia o dever de determinar oficiosamente as diligências que tivesse por pertinentes para o apuramento do referido valor, o que não fez.
É certo que nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, se fosse apenas esta a questão relativa à matéria de facto, podia este Tribunal ordenar a produção de novos meios de prova. Porém, como explicaremos melhor infra, no caso concreto, tal não se afigura adequado.
Para além do já referido, e atenta a conformação legal da obrigação de alimentos supra descrita, essenciais à avaliação da capacidade de prestar para o caso de se chegar à conclusão de que existe a necessidade do alimentando, são ainda os factos relativos às despesas suportadas pelo réu, precisamente porque na determinação da medida dos alimentos se atende à possibilidade que o obrigado tem de o fazer.
Porém, apesar de o Réu ter invocado nos artigos 32.º a 42.º factos relevantes para determinar a respectiva situação económica, em face das despesas que alegou ter e do património respectivo, o certo é que os mesmos não constam da sentença nem nos factos provados nem nos não provados, conforme determina o artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
Por seu turno, para avaliar a necessidade, atenta a prova no ponto 6.º das limitações que já decorrem para a autora da doença que padece, e das despesas com um veículo automóvel, é ainda relevante ampliar a decisão de facto para apurar o facto alegado pela autora no artigo 22.º da petição inicial de que «para ir às compras tem que se deslocar quatro e cinco vezes ao supermercado porque não consegue carregar qualquer tipo de peso», sendo ainda e instrumentalmente útil apurar como se desloca.
Também o facto constante no artigo 32.º da petição inicial se revela indispensável à sobredita avaliação, uma vez que está provado que a autora sofre de artrite reumatóide, tendo de se sujeitar a análises e exames médicos frequentes, mas não consta como provado nem como não provado a alegação pela mesma efectuada de que a autora gasta «com as obrigatórias consultas de reumatologia a quantia de 63€, cada vez que tem que ser assistida, o que acontece, no mínimo, de três em três meses já que às vezes o dinheiro não lhe chega para ir todos os meses, como é devido».
O apuramento dos sobreditos factos alegados quer pelo Réu quer pela Autora tem tanto mais importância quando, feitas as contas aos rendimentos da autora e às despesas consideradas provadas, mesmo retirando destas as que não configuram despesa mensal, podemos já concluir que as mesmas consomem todo o rendimento da autora, sendo certo que não está computado qualquer valor para a respectiva alimentação propriamente dita. Assim, emergindo já dos autos a carência de alimentos por parte da autora, em face de todas as soluções possíveis de direito, e mormente para apreciação dos demais requisitos previstos nos artigos pertinentes inicialmente citados, urge que sejam fixados os factos que permitam a global avaliação do caso em apreço.
Ora, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em primeira instância, quando considere indispensável a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, e pode também determinar a produção de novos meios de prova para sua directa apreciação (alínea b). Acontece, porém, que havendo pelas sobreditas razões a necessidade de proceder à ampliação da prova produzida, a realizar necessariamente pela primeira instância, com a consequente apreciação jurídica global que dessa produção de prova venha a resultar, a produção de novos meios de prova terá que ser efectuada também em primeira instância, já que é unitária a decisão a proferir.
Nestes termos, deve a decisão proferida em primeira instância ser anulada, para ampliação da matéria de facto nos termos sobreditos, e para serem efectuadas as diligências que forem consideradas pertinentes para a resposta à matéria dos rendimentos do réu, não abrangendo a repetição do julgamento a parte da decisão de facto que não foi expressamente referida, sem prejuízo evidentemente da apreciação de outros pontos de facto que se possa tornar necessária para evitar contradições (n.º 3, alínea c) do artigo 662.º do CPC).
*****
III.2.3. - Síntese conclusiva:
I - Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável.
II - Assim, tal e qual acontecia no regime de pretérito - embora se admita que hoje, com a abolição do despacho saneador, a opção pelos temas de prova, e pela sentença unitária, tal pode constituir tarefa mais complexa -, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
III - Tais questões - a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC -, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções».
IV - O juiz não tem que responder aos «temas de prova» mas aos factos que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas. Porém, tem agora uma maior amplitude na conformação de facto da acção em face ao disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC.
V - O princípio do inquisitório tem actualmente um conteúdo que o desenha como um verdadeiro poder-dever do juiz, tendo este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
VI - Atenta a conformação legal da obrigação de alimentos, cuja medida - para além do mais que a lei impõe seja sopesado -, se alcança também pelo confronto entre a necessidade do alimentando e a possibilidade do obrigado, tendo quer pela autora quer pelo réu sido invocados factos relevantes para determinar a respectiva situação económica, em face das despesas que cada um deles alegou ter, e do património respectivo, e não constando os mesmos da sentença, nem nos factos provados nem nos não provados, conforme determina o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, impõe-se a anulação da decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto considerada essencial à decisão do litígio segundo todas as soluções plausíveis.
VII - Apesar de nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, o Tribunal da Relação poder ordenar a produção de novos meios de prova, para os efeitos referidos em V, havendo a necessidade de proceder à ampliação da prova produzida, a realizar necessariamente pela primeira instância, com a consequente apreciação jurídica global que dessa produção de prova venha a resultar, a produção de novos meios de prova terá que ser efectuada também em primeira instância, já que é unitária a decisão a proferir.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em anular a decisão proferida, para ampliação da matéria de facto e resposta à indicada questão de facto, nos termos sobreditos.
Sem custas.
*****
Évora, 30 de Junho de 2016


Albertina Pedroso [16]



Elisabete Valente


Bernardo Domingos





__________________________________________________
[1] Distribuído à ora relatora em 13-6-2016
[2] Instância Central, Secção Família e Menores, Juiz 1.
[3] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Elisabete Valente;
2.º Adjunto: Bernardo Domingos.
[4] Que restringimos à respectiva pretensão recursória, formulada no final isto porque de acordo com o preceituado no artigo 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
A jurisprudência, estribada nos ensinamentos doutrinários, tem vindo a entender quanto a este preceito legal, cuja redacção se mantém nos mesmos exactos termos da anteriormente prevista no artigo 685.º-A, n.º 1, do CPC, que as conclusões da alegação do recurso devem ser um resumo, uma síntese, explícita e clara, das razões que o recorrente expôs na fundamentação das alegações, havendo que delas se depreender claramente quais as questões postas ao Tribunal ad quem, quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e quais os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação.
Na verdade, sendo pelas conclusões que se limita o objecto do recurso, à luz dos princípios que enformam os preceitos legais aplicáveis, mormente o princípio da cooperação, o ónus de formular conclusões sintéticas visa facilitar a realização do contraditório, e evidentemente balizar o objecto do recurso, a fim de permitir ao Tribunal decidir sobre todas as questões que lhe sejam colocadas pelo recorrente.
De facto, o texto da lei é claro, impondo ao recorrente o ónus de, no final das suas alegações, expor de forma sintética os fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
No caso sub judice, apreciadas as extensas conclusões de recurso apresentadas pela Apelante, verifica-se que as mesmas não configuram um resumo, uma síntese do que aquela expôs nas respectivas alegações, antes repetindo a fundamentação anteriormente expressa no corpo das mesmas nas próprias conclusões, porque pura e simplesmente optou por quase reproduzir o corpo das alegações formuladas, em técnica jurídica claramente arredada do cumprimento do preceito legal em referência.
Não obstante, tem sido entendimento da ora Relatora que nos casos em que estamos perante processo onde é facilmente possível discernir aquilo com que não se conformam os recorrentes, por razões de economia processual se deve optar por não determinar o cumprimento integral de tal preceito, procedendo à imediata análise do recurso. É o caso dos autos, em que da conclusão final se retira, em efectiva síntese, o pretendido pela recorrente com a interposição do presente recurso, razão por que, não se determinou o aperfeiçoamento das conclusões respectivas.
[5] Doravante abreviadamente designado CPC, sendo aplicável aos termos do presente recurso o texto decorrente do Código de Processo Civil na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por estar em causa decisão recorrida posterior a 1 de Setembro de 2013 – cfr. artigos 5.º, 7.º, n.º 1 e 8.º deste diploma.
[6] Doravante abreviadamente designado CC.
[7] Cfr. Ac. STJ de 24-03-2015, Revista n.º 2419/07.7TMLSB-B.L1.S1 - 6.ª Secção.
[8] Cfr. Ac. STJ de 20-02-2014, Revista n.º 141/10.6TMSTB.E1.S1 - 7.ª Secção.
[9] Cfr. recente Acórdão do STJ de 13-03-2016, processo 2836/13.3TBCSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. STJ 22-04-2015, Revista n.º 568/12.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, de onde serão os demais que venham a ser citados sem outra menção de fonte.
[11] Cfr. Ac. STJ de 22-10-2015, Revista n.º 2844/09.9T2SNT.L2.S1 - 7.ª Secção.
[12] Cfr. Ac. STJ de 10-09-2015, Revista n.º 819/11.7TBPRD.P1.S1 - 2.ª Secção.
[13] Cfr. Ac. STJ de 04-06-2015, Revista n.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1 - 2.ª Secção.
[14] Cfr. Ac. STJ de 10-09-2015, Revista n.º 819/11.7TBPRD.P1.S1 - 2.ª Secção.
[15] Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, vol. I, Almedina 2014, 2.ª edição, págs. 473 a 475, citando sobre o tema dos poderes instrutórios do juiz, Lemos Jorge.

[16] Texto elaborado e revisto pela Relatora.