Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
48/15.0GBTVR.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DEFICIÊNCIAS DA GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADES
BUSCA
RELATÓRIOS DE DILIGÊNCIAS EXTERNAS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário:
I – Tendo as buscas sido determinadas por despacho do juiz, e não obstante o visado ser cidadão estrangeiro, quer a assistência por intérprete, quer por defensor, não constituem imposições legais, dado que nem mesmo a sua presença era necessária.

II – Os relatórios de diligência externa elaborados pelos OPC sobre o que, em determinados local e momento, se presenciou não constituem prova proibida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, que correu termos no Juízo Central Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, realizado o julgamento e proferido acórdão, decidiu-se:

a) absolver os arguidos CP, LIC e DFR da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21.º e 25.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01;

b) absolver o arguido SC de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 25.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, mas procedendo a convolação jurídica, condená-lo pela prática de um crime de consumo, previsto no art. 40.º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 15/93, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €6, o que perfaz a quantia de €420;

c) condenar o arguido JMA pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 25.º, alínea a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;

d condenar o arguido JPC pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão;

e) condenar o arguido SMP pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 6 anos de prisão;

f) condenar o arguido JMA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

g) condenar o arguido AVE pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 7 anos de prisão;

h) suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos JMA e JPC pelo período, respectivamente de 1 ano e 3 meses e 4 anos e 10 meses, sujeitando essa suspensão a regime de prova assente em plano de reinserção social que venha a ser definido em concreto pela D.G.R.S., para o que ficam obrigados a:

I) manter actividade profissional ou inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional;

II) manter acompanhamento na ETET ou instituição de cariz semelhante;

III) frequentar as consultas de acompanhamento à toxicodependência, com a frequência que for determinada pelos técnicos responsáveis bem como à obrigatoriedade de se sujeitarem a exames de despistagem de produtos estupefacientes sempre que tal lhes for solicitado;

IV) receber visitas ou comparecer perante o técnico de reinserção social competente sempre que este o entenda por necessário;

V) comunicar ou colocar à disposição da D.G.R.S. todas as informações e documentos solicitados por este organismo (tudo nos termos do disposto nos artigos 53º, n.º1 e 3 e 54º n.º3 do Código Penal).

i) absolver o demandado AVE do pedido de indemnização contra ele deduzido nos autos;

Notificados do acórdão, os arguidos JMA e AVE (em requerimento conjunto) e SMP vieram invocar a nulidade da deficiente gravação da audiência nos termos do disposto nos arts. 363.º e 364.º do Código de Processo Penal (CPP).

Sobre tal requerimento, proferiu-se despacho, do seguinte teor:

Fls. 6077 e SS. e fls. 6083 e ss: Por requerimentos datados de 28 de Fevereiro de 2018, vieram os arguidos JMA, AVE e SMP invocar a nulidade de deficiente gravação da audiência, nos termos previstos no art.º 363º do Código de Processo Penal, nulidade que, como se constata das alegações de recurso que foram também interpostos, foi igualmente suscitada perante o Tribunal superior.

Ora, tendo procedido à audição de todas as gravações dos depoimentos invocados em ambos os requerimentos, constata-se que são audíveis e perceptíveis todos os depoimentos das testemunhas, embora nalguns exista um som baixo que, não obstante, não impede a sua audição, sendo que, no depoimento da testemunha E.Spaanjart, as declarações da mesma são perfeitamente perceptíveis embora pouco perceptíveis as questões que lhe foram colocadas, o que não impede ou impossibilita a captação do sentido das palavras da declarante.

Ou seja, perante as gravações que constam do sistema informático Citius, é manifesto que não se verifica a nulidade prevista no art.º 363º do Código de Processo Penal, nada havendo a determinar, nomeadamente quanto à sua sanação, nos termos do art.º 122º do Código de Processo Penal.

Mas, não obstante o entendimento sufragado supra, não se poderá olvidar que estamos efectivamente perante uma nulidade sanável, como foi também decidido no Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 419/11.1TAFAF.GI-A.Sl, datado de 3 de Julho de 2014.

O vício da falta de documentação das declarações prestadas oralmente na audiência tem, pois, de ser arguido perante o tribunal da l.ª instância, em requerimento autónomo, dirigido ao juiz do processo, no prazo geral de 10 dias, a partir do momento em que dele se toma conhecimento.

E, sempre que for realizada gravação magnetofónica ou audiovisual, dispõe o n.º 3 do art.º 101º do Código de Processo Penal que" o funcionário entrega no prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário".

No caso de uma audiência que se prolonga por várias sessões, as cópias podem e devem ser pedidas pelos sujeitos processuais interessados logo após cada uma das sessões, devendo as cópias ser facultadas dentro do prazo de quarenta e oito horas contado da apresentação do requerimento acompanhado do suporte técnico.

Como o refere o acórdão de fixação de jurisprudência supra aludido, "o propósito da lei não pode ter sido outro que não o de permitir o controlo tempestivo da perceptibilidade da gravação pelos sujeitos processuais interessados e, desse modo, criar as condições de um regime eficaz e célere de suprimento de vícios da documentação de declarações orais. Como se observou no acórdão deste Tribunal de 24/02/2010 (Processo n.º 628/07.8S5LSB.L I.S I):

«É evidente a intenção do legislador, com a nova redacção do artigo 101.º, e nomeadamente do seu n.º 3, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de permitir às partes o acesso atempado à documentação da audiência para que elas possam exercer um controlo tempestivo e permanente (sobretudo no caso de audiências repartidas em várias sessões) sobre os vícios que essa documentação possa conter, em ordem à sua pronta reparação.

«Porém, dando-lhes acesso imediato à documentação atribui-lhes concomitantemente a responsabilidade de um controlo em tempo oportuno dos vícios. O interessado deverá, pois, solicitar atempadamente cópia das gravações e proceder de imediato à audição das mesmas.

Caso o não faça, adopta um procedimento negligente que não recebe protecção legal.

«E esta interpretação não é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, dado que não lhe é negado, nem restringido o acesso à documentação da audiência; pelo contrário, esse acesso com o novo regime processual é mais extenso e rápido. É certo que simultaneamente o arguido fica obrigado a um dever de diligência no controlo da documentação, mas tal não é incompatível com os direitos de defesa, que se exercem necessariamente dentro de um quadro legal de regras e deveres processuais.»"

Sendo certo que da conjugação das normas dos artigos 101.º, n.º 3 e 364.º, n.º 1 do Código de Processo Penal resulta que, sempre que for realizada gravação, o sujeito processual interessado pode requerer a entrega de uma cópia (facultando ao tribunal o suporte técnico necessário) devendo o funcionário entregar uma cópia, no prazo de quarenta e oito horas, compulsados os presentes autos não se verifica que tenha sido requerida a entrega das gravações ou que esta tenha sido satisfeita pelo funcionário, inexistindo qualquer requerimento dos arguidos nesse sentido ou existindo sequer alguma cota a informar em tal sentido. Mas também resulta dos dois requerimentos que os arguidos tiveram acesso às gravações, e não invocam que tenha sido violado o prazo de entrega das gravações.

Assim, temos que os depoimentos que se invocam como não audíveis, foram prestados nos dias 13 de Dezembro de 2017, 15 de Dezembro de 2017, 10 de Janeiro de 2018, 17 de Janeiro de 2017 e 7 de Fevereiro de 2018.

Se no final de cada sessão tivesse sido requerida a gravação da prova produzida, os suportes informáticos teriam sido concedidos em 48 horas e acresceria o prazo de 10 dias para invocar a nulidade. Ora, verificando-se que a mesma só foi suscitada em 28 de Março de 2018, é por demais manifesto que a sua invocação seria extemporânea e ter-se-ia a mesma por sanada, sendo que, como defende Oliveira Mendes (in Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar et alii, 2014, Almedina, p. 1140), no caso de não ter sido requerida a entrega do suporte técnico aquele prazo conta-se a partir da data do termo ou encerramento da audiência em que foi efectuada a deficiente documentação, pelo que, também neste caso seria manifestamente extemporânea a arguição da nulidade, tendo-se a mesma por sanada.

Nestes termos, decide-se:

- declarar não verificada a nulidade prevista no art.º 363º do Código de Processo Penal, porquanto as gravações da audiência de julgamento permitem a audição e compreensão do sentido das palavras das testemunhas;

- que ainda que a nulidade se verificasse, a mesma seria considerada nulidade sanável, pelo que tendo sido arguida extemporaneamente, se teria a mesma por sanada.

Inconformados com o acórdão, os mesmos arguidos - JMA e AVE (em requerimento conjunto) e SMP - interpuseram recursos, respectivamente extraindo as conclusões:

- JMA e AVE:

1. Por acórdão datado de 28-02-2018 foi o arguido JMA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão e condenou o arguido AVE pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 7 anos de prisão.

2. Os arguidos ora recorrentes não se conformam com o acórdão recorrido apresentando recurso ordinário da decisão da matéria de facto e da decisão da matéria de direito.

3. Invocando-se desde logo a nulidade de deficiente gravação de audiência de discussão e julgamento nos termos do disposto no artigo 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.

4. A gravação da audiência de discussão e julgamento apresenta deficiências e é inaudível, devendo ser declarada nula nos termos do disposto no artigo 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.

5. Nomeadamente nos depoimentos prestados pela testemunha Daniel S. (Ficheiro 20171213103435_3885308_2870819) e pela testemunha E. Spanjaart (Ficheiro 20180207095658_3885308_2870819).

6. E bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas:
JP (Ficheiro 20171213100127_38885308_2870819);
PMF (Ficheiro 20171213111122_3885308_2870819);
JFC (Ficheiro 20180110100631_3885308_2870819);
RMG (Ficheiro 20180117105316_3885308_2870819);
JTA (Ficheiro20180117163047_3885308_2870819);
RR (Ficheiro20171215142555_3885308_2870819);
HAA (Ficheiro 201801171165610_3885308_2870819);
M.A. Sweettland (Ficheiro20180117170617_3885308_2870819) e
VMB (Ficheiro 20180110155502_3885308_2870819) que apresentam deficiências na audição, sendo tais depoimentos essenciais à prova.

7. Veja-se também neste sentido o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1277/12.4TBFLG.P1, datado de 10-03-2015, cujo sumário ora se transcreve:

“I - A deficiente gravação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento constitui nulidade que pode ser arguida nas alegações de recurso quando a gravação não foi disponibilizada nos termos do art.º 155.º, n.º 3, do CPC e não se prove que o reclamante teve conhecimento da deficiência dez dias antes do termo das alegações.

II - A mesma nulidade deve ser conhecida pelo tribunal onde foi cometida, mantendo-se no âmbito do recurso no caso de ser indeferida.”.

8. E no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 9/05.8TAAND.C1, datado de 02-06-2009, cujo sumário ora se transcreve:
“ 1. A acareação é um meio de prova admissível que depende de duas condições:
haver contradição entre as declarações e a diligência afigurar-se útil à descoberta da verdade.
2. Este meio de prova é subsidiário dos meios de prova declaratórios e o seu valor probatório é de apreciação livre pelo tribunal.
3. A existência de contradição entre depoimentos não determina, obrigatória e necessariamente, a realização de acareação, impondo-se a necessidade da mediação de um juízo sobre a utilidade dessa diligência probatória.
4. No caso de o tribunal não proceder, pura e simplesmente, à documentação da prova a nulidade respectiva deve ser arguida pelo interessado no próprio acto, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º1 e 3, alínea a), do C.P.P., por se tratar de omissão que é pública e patente.
5. Diferentemente, quando se trate de documentação deficiente, por inaudibilidade dos depoimentos gravados, só quando se procede, posteriormente, à análise das gravações é que a deficiência poderá ser detectada, já que enquanto decorre a gravação é ao funcionário do tribunal que incumbe averiguar se o aparelho de gravação está a funcionar correctamente.

6. Neste caso prazo de arguição, na falta de disposição legal em contrário, terá de ser o prazo legal de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1, do C.P.P.).

7. O termo inicial do prazo de 10 dias ocorre no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.”.

9. Termos em que deverá ser declarada procedente a nulidade invocada, que em nosso entender constitui nulidade insanável porquanto é violadora do regime dos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 17.º e 18.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

10. Salvo o devido respeito, foram incorretamente julgados e apreciados pelo Tribunal “a quo” o vertido nos factos provados n.ºs 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 36, 37 e 38.

11. O facto provado n.º 22 “22. Desde Maio de 2016 o arguido JPC adquiria os produtos que transaccionava ao arguido SMP.” encontra-se mal julgado e mal apreciado porquanto o tribunal “a quo” se baseou na análise critica das escutas telefónicas, olvidando-se que tais escutas telefónicas foram impugnadas e que como tal necessitam de ser confirmadas. Por outro lado, as escutas telefónicas por si só não podem valer como prova, pois como se sabe estas são um meio de obtenção de prova e não um meio de prova.

12. Andou mal o tribunal “a quo” ao basear-se em meras presunções, sem a certeza exigida em direito penal.

13. Baseia-se ainda o tribunal “a quo” para dar como provado o facto n.º 22 no RDE 26 de fls. 1436, datado de 27/06/2016 porém olvida-se que nenhuma das testemunhas elementos do NAO sabia precisar o que estava dentro do saco, vejamos a este propósito o depoimento da testemunha LF, conforme resulta da sessão 13-12-2017, ficheiro n.º 20171213120050_3885308_2870819, minutos 17:25 a 25:35 e da testemunha JI, sessão 15-12-2017, ficheiro n.º 20171215162505_3885308_2870819, minutos 4:43 a 8:22.

14. Andou mal o tribunal “a quo” ao motivar de facto afirmando que não existe qualquer dúvida que o arguido João foi buscar estupefaciente a casa do arguido SMP, pois dos depoimentos supra referidos e transcritos em sede de alegações de recurso, resulta que nenhuma testemunha conhece o que o arguido JPC fazia transportar dentro do saco, não podendo o tribunal “ a quo” concluir que era o arguido SMP quem fornecia o produto estupefaciente ao arguido JPC.

15. Da mesma forma que não se pode fazer uma interpretação extensível da matéria de facto e afirmar que eram os arguidos ora recorrentes quem forneciam ao arguido SMP os produtos estupefacientes que o arguido JPC transacionava.

16. Olvidando-se também o tribunal “ a quo” que as testemunhas apenas referiram adquirir haxixe-polén e não erva ao arguido JPC, daí que não se possa presumir que o arguido João adquirisse o produto estupefaciente ao arguido SMP, dado que a acusação o pretende ligar a uma plantação de cannabis – erva e não a haxixe (pólen).

17. O facto provado n.º 22 encontra-se assim mal julgado e mal apreciado devendo constar dos factos não provados, pois a prova supra mencionada impõe decisão diversa.

18. Da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provado n.ºs 22 ser dado como não provados, tendo em conta os depoimentos das testemunhas que foram transcritos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração do acórdão, devendo resultar na absolvição dos arguidos.

19. Pelo que se pode concluir que os factos dados como provados se encontram em contradição a prova feita com a decisão proferida.

20. Os factos provados 23 a 25 “23. Os arguidos JMA (conhecido por Mike), AVE (conhecido por Roy) e PH, por seu turno, dedicavam-se, pelo menos desde 5 de Fevereiro de 2016, ao cultivo e secagem de plantas de canábis, para posterior comercialização.

24. O arguido SMP tinha como função cuidar da plantação que aqueles mantinham.

25. O arguido AVE assumia uma posição de liderança perante os arguidos SMP, JMA e PH, sendo que, era ele que transmitia orientações aos restantes, relativas à actividade ilícita que desenvolviam, geria as verbas provenientes das vendas e determinava o pagamento das despesas.” encontram-se mal julgados e mal apreciados porquanto o tribunal “a quo” valorizou o depoimento da testemunha CRA, testemunha que se encontra de mal com o arguido AVE, e das testemunhas HA, HC, RS, VB, AH, JA e JC.

21. Os depoimentos supra referidos encontram-se assim mal julgados e mal apreciados porquanto arrendamentos de casas e subarrendamentos ainda não são crime em Portugal, nem tão pouco podem consubstanciar a prática de um crime de estupefacientes, nem revelar que determinada pessoa se dedicava ao cultivo e secagem de plantas de canábis, para posterior comercialização.

22. Assim como também não resulta provado que o arguido AVE tivesse uma posição de liderança perante os outros arguidos, não podendo ser valorizada nenhuma das intercepções telefónicas, dado que não temos um telefone apreendido nos autos que pertença ao arguido AVE, nem nenhuma das testemunha confirmou o número de telefone do arguido, daí que as intercepções telefónicas não possam ser valoradas, nem servir como meio de prova.

23. Da mesma forma que o RDE datado de 15 Julho não pode ser valorado pelo tribunal “ a quo”, pois seria necessário a realização de uma perícia, para sabermos em termos práticos se nessa data, em que o arguido AVE foi ao armazém, se lá já existia e se já se encontravam plantadas algumas plantas de canábis. Como se sabe há diferentes tipos de plantas de canábis, nomeadamente há plantas que demoram mais tempo a germinar do que outras, deveria ter sido realizada uma perícia de forma a se averiguar se na data de 15 de Julho quando o arguido foi deixar umas mobílias no armazém, já lá estavam plantas as plantas de canábis ou não.

24. Sem prescindir, sempre se dirá que a busca realizada ao armazém é nula e bem assim as intercepções telefónicas motivos pelos quais não poderão os factos 23 a 25, como resulta dos depoimentos supra transcritos, impondo-se assim decisão diversa da ora recorrida.

25. Da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provados n.ºs 23, 24, 25 serem dados como não provados, tendo em conta os depoimentos das testemunhas que foram transcritos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração do acórdão, devendo resultar na absolvição dos arguidos.

26. O facto provado n.º 26 ”26. Para além do arguido JC, os arguidos AVE, JMA, PH e SMP, tinham outros clientes, alguns dos quais no estrangeiro, para onde encaminhavam parte da sua produção.” encontra-se mal julgado e mal apreciado pois o tribunal “ a quo” mais uma vez o tribunal “a quo” presumiu que o arguido SMP procedia à venda de canábis ao arguido JC, e que tal produto era proveniente da produção que ajudava a manter, olvidando-se assim que todas as testemunhas inquiridas (VP, CS, AL, HS, C. Avanesean, RP, TG, BD, CG, HC, Kush L., LM, AC, RC, DF, Aurea S., RM, PBC, CM, AB, JD, JM, RP, FC, EM, JA) referiram ter adquirido haxixe-pólen em placa ao arguido João Conrado e não erva, daí que não se possa afirmar que o arguido SC vendesse o que quer que seja ao arguido JC, desde logo porque resulta das regras da experiencia comum que de uma plantação de canábis não se retira haxixe em placas.

27. Da mesma forma que se encontra mal apreciado e mal julgado o facto de os arguidos encaminharem parte da sua produção para o estrangeiro, pois não sabemos o que a carrinha de marca Iveco, com a matricula VLX-- continha no seu interior, sendo certo que das interseções telefónicas resulta que o arguido Johannes faz alusão ao transporte de mobiliário, nomeadamente mesas e cadeiras, o que erroneamente não foi valorado pelo tribunal, que se bastou com meras presunções e meras conjecturas.

28. Ao que acresce que não pode valer como prova o depoimento do cabo HS ficheiro n.º 20171018144842_3885308_2870819, transcrito em sede de alegações de recurso, de que foram obtidas informações junto da guarda civil espanhola e de que alegadamente a já referida carrinha foi apreendida em Espanha com vários quilos de canábis, dado que como é sabido para que tais informações fossem válidas e pudessem valer como prova seria necessário um despacho judicial a solicitar as mesmas e bem assim a solicitar o auxilio e a cooperação internacional entre policias, o que não sucedeu no presente caso concreto e como tal não poderá assim ser valorado pelo tribunal tais factos, nem servirem como prova.

29. Face ao supra exposto e ao depoimento supra transcrito impõe-se decisão diversa da ora recorrida, devendo assim o facto provado nº26 ser dado como não provado, da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provados n.ºs 26 ser dado como não provado, tendo em conta os depoimentos das testemunhas que foram transcritos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração do acórdão, devendo resultar na absolvição dos arguidos.

30. Os factos provados 27 a 31 “27. Assim, no dia 30 de Agosto de 2016, pelas 14:45 horas, no interior de num armazém sito na zona industrial de Olhão, com os n.ºs 152, 153, 154 e 155, os citados arguidos tinham em pleno funcionamento, uma estufa destinada ao cultivo de plantas de cannabis.

28. A referida estufa estava dotada de sistemas de rega, de ventilação, de controlo da humidade, temperatura e luminosidade com vista a proporcionar condições ideais ao crescimento das referidas plantas.

29. Na dita estufa encontravam-se 332 plantas de cannabis, em diversas fases de crescimento e maturação, designadamente:
a. 10 plantas com 1,5 m;
b. 152 plantas com 0,40 m;
c. 170 plantas com 0,60 m;

30. No interior do mencionado armazém, os suspeitos procediam ainda à secagem, trituração, pesagem e embalagem das folhas e flores das referidas plantas, tendo ainda sido encontrado:

a. Um saco de plástico contendo no seu interior 310 gramas de pólen de canábis;
b. Um saco de plástico contendo no seu interior 230 gramas de cabeças de cannabis;
c. Um saco de plástico contendo no seu interior 263gramas de pólen de cannabis;
d. Um saco de plástico contendo no seu interior 64,4gramas de pólen de cannabis;
e. Dois sacos de plástico de cor preta contendo no seu interior 1520 gramas de cannabis;
f. Cinco embalagens contendo no seu interior 287.25gr. de Liamba/Cannabis;
g. Um saco de plástico de cor preta contendo no seu interior 1320gr. plantas de canábis;
h. Vinte e duas plantas de canábis com aproximadamente 0,90cm;
i. Treze plantas de canábis com aproximadamente 0,80m cada,

31. No interior da citada armazém encontravam-se ainda diversos utensílios e produtos, utilizados no cultivo das referidas plantas de cannabis, designadamente fertilizantes, aparelhos de ar condicionado, termómetros, ventoinhas, tubos de ventilação, medidores de ph.”, encontram-se mal julgados porquanto o auto de busca e apreensão constante de folhas 1966 a 1969 está ferido de nulidade, pois pese embora conforme foi o entendimento do tribunal “a quo” este tenha sido emitido por ordem judicial, o certo é que o mandato de busca se encontrava em nome de PH Huisman e o arguido JMA teve que assinar uma alegada autorização sem que tivesse assistido de tradutor e de defensor, conforme legalmente previsto, tendo sido preteridos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos.

31. Resultando ainda do depoimento prestado pelo militar DS, que por inaudibilidade da gravação não se transcreveu, que o cabo Afonso é que traduzia, e que os mesmos exibiram o mandato ao arguido JMA e lhe explicaram o conteúdo, sendo certo que o arguido JMA é de nacionalidade holandesa e não compreende nem domina a lingua portuguesa e expressa-se muito mal e compreende muito mal o inglês.

32. Do depoimento prestado pela testemunha militar VA, sessão 10-01-2018, ficheiro n.º 20171018144842_3885308_2870819, resulta que este apenas tem conhecimentos básicos de inglês e desconhecer termos técnicos, o que obviamente não lhe permitia a comunicação com o arguido JMA e nem tão pouco recordar-se da hora a que a intérprete de holandês chegou ao armazém.

33. Do depoimento da tradutora resulta sem sombra de dúvida que quando chegou ao armazém a busca já tinha sido efetuada e que não acompanhou os militares na busca à residência sita na Corte AM, conforme depoimento prestado pela testemunha E. Sponjaart, sessão ficheiro n.º 20171018144842_3885308_2870819.

34. Face ao supra exposto e pese embora a busca tenha sido ordenada judicialmente, o mandado de busca ao armazém sito em Olhão encontrava-se em nome do arrendatário PH Huisman, tendo sido necessária o consentimento do arguido JMA, que autorizou uma busca desconhecendo e não compreendendo o teor da mesma e bem assim do despacho judicial que a ordenava.

35. Resultando inequivocamente que a tradutora de holandês só chegou após a realização da busca, não se encontrando também presente defensor conforme legalmente é exigido.

36. Andou mal o tribunal ao quo ao considerar como provado o facto numero 27 a 31, pois a busca e apreensão encontra-se ferida de nulidade nos termos do disposto do artigo 119º alinea c) do C.P.P.

37. Termos em que deverão os factos provados n.º 27 a 31 serem dados como não provados, da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provados n.ºs 27, 28, 29, 30, 31 serem dados como não provados, tendo em conta os depoimentos das testemunhas que foram transcritos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração do acórdão, devendo resultar na absolvição dos arguidos.

38. O facto provado nº 36

36. Por sua vez, no interior da residência do arguido JMA, situada na Corte AM s/n, 8950-076 Vila Real de Santo António, no dia 30 de Agosto de 2016, foi encontrado:

a. Uma balança decimal;
b. Vários sacos para acondicionamento de estupefacientes, entre os quais 1 saco cinzento recortado, de material idêntico ao apreendido no interior do veículo do suspeito no qual estava acondicionada cannabis;
c. 6 vasos pretos, vazios, tubos para extracção de odores, com vários metros de comprimento, 1 filtro, 2 frascos com soluções PH4, utilizados para calibrar o PH da água, 1 frasco com líquido para corrigir a acidez e soluções nutritivas para cultivo de plantas, 1 tesoura de podar. encontra-se mal julgado e mal apreciado pois na esteira do já anteriormente explanado entendemos que os autos de apreensão de fls. 1902, 1905, 1911, 1943 a 1945 (e reportagem fotográfica constante de fls. 1946 a 1951) e de fls 1996 a 1998 (bem como reportagem fotográfica constante de fls. 1999 a 2004), também se encontram feridos de nulidade pois mais uma vez não foi respeitado a exigência legal da presença de interprete e de defensor, conforme estabelece o artigo 92º e o artigo 64º n.º 1 d) do Código de Processo Penal, o que é claramente corroborado pelo depoimento da testemunha E. Sponjaart, ficheiro n.º 20171018144842_3885308_2870819, e pelo depoimento do militar Pedro Fernandes, ficheiro n.º 20171213111122_3885308_2870819.

39. Por outro lado, temos que o tribunal a quo não pode afirmar que não restou qualquer dúvida de que a residência da Corte AM onde foi realizada a busca era realmente a residência onde residia o arguido JMA, pois não há nos autos qualquer elemento de prova, nem foi referido em sede de acórdão, ora recorrido, qualquer elemento de prova em concreto que nos permita afirmar com o grau de certeza exigido em direito penal que o arguido JMA residia na residência sita na Corte AM onde foi realizada a busca.

40. Termos em que e face ao supra exposto andou o tribunal “a quo” ao dar como provado o facto n.º 36 pois dos elementos de prova que ora se indicam impõe-se decisão diversa da ora recorrida, devendo o tribunal ad quem julgar não provado o facto n.º 36.

41. Da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provados n.ºs 36 ser dado como não provado, tendo em conta os depoimentos das testemunhas que foram transcritos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração do acórdão, devendo resultar na absolvição dos arguidos.

42. O facto provado n.º 37 e 38

37. Os arguidos tinham perfeito conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias acima identificadas, bem sabendo que o seu cultivo, cedência, venda, transporte ou detenção não autorizada, lhes estava vedada e era criminalmente censurável.

38. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária a consciente bem sabendo que a as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei. ” encontram-se incorretamente julgados porquanto o tribunal “a quo” alicerçou-se nas regras da experiência comum e motivou de facto tais factos atendendo a que é consabido e interiorizado pela comunidade em geral que a posse de drogas com vista à sua venda, cedência, entrega e por vezes até consumo é proibida e constitui atividade ilícita. Olvidando-se assim que no nosso ordenamento jurídico se encontra a ser discutido a hipótese de legalização da canábis para fins medicinais, encontrando-se em discussão na especialidade o projeto-lei n.º 726/XIII/3º que irá regular a utilização da planta, substancias e preparações de canábis para fins medicinais.

43. Pelo que se infere que estamos perante uma alteração da consciência jurídica geral e bem assim do bem jurídico protegido, que in casu é saúde publica pois não podemos afirmar que exista qualquer violação do bem jurídico protegido quando temos a Organização Mundial de Saúde a recomendar e a aconselhar o uso de canábis para fins medicinais e terapêuticos e bem assim o nosso legislador que se encontra neste momento a repensar o poder autárquico da norma em virtude da alteração da consciência jurídica geral. Não deixa de ser hipócrita que o julgador seja de todo alheio aos ventos de mudança que se fazem sentir no nosso país e na Europa e se baseie apenas no mero direto positivista.

44. Na verdade o julgador deve ter na base do seu labor o ius naturalismo e a consciência jurídica geral e bem assim o poder autárquico da norma jurídica, ora o que esteve na base da criminalização já não existe, encontra-se afastado ou inexistente o bem jurídico, não existindo na norma tal elemento, o mesmo é vazio e tem força somente ao implodir o estatuído.

45. O juiz administra a justiça em nome do povo, que é de onde emerge a consciência jurídica geral, existindo hoje em dia uma alteração dessa mesma consciência jurídica não faz sentido que os nossos tribunais continuem a punir e a punir situações de tráfico de droga, nomeadamente de droga leves, e aconselhadas para fins medicinais em nome do povo. Não existindo assim qualquer bem jurídico a proteger, nomeadamente a saúde pública.

46. Andou mal o tribunal “a quo” ao não ponderar tal alteração e bem assim a evolução legislativa devendo serem dados como não provados os factos n.º 37 e 38.

47. Da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provados n.ºs 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 36, 37 e 38 serem dados como não provados, tendo em conta os depoimentos das testemunhas que foram transcritos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração do acórdão, devendo resultar na absolvição dos arguidos.

48. Pelo que se pode concluir que os factos dados como provados se encontram em contradição a prova feita com a decisão proferida.

49. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado e em consequência deverão os arguidos serem absolvidos.

50. Sem prescindir, o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, porquanto no texto da decisão recorrida se dá por provado, factos que a prova testemunhal e documental existente nos autos contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

51. In casu, estamos perante um erro notório na apreciação da prova porquanto o tribunal “a quo” deu como provado os factos dado como provados baseando-se em prova indirecta, meras presunções ou conjeturas e em meros meios de obtenção de prova.

52. Tais factos à luz das regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não poderiam ter sido dados como provados, pois mostram-se desde logo não verificados.

53. Termos em que e ao abrigo do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código Processo Penal estamos perante um erro notório na apreciação da prova, devendo o acórdão recorrido ser revogado e em consequência deverão os arguidos serem absolvidos.

54. O tribunal “ a quo” fundamentou e baseou de facto a condenação dos arguidos, ora Recorrentes nas escutas telefónicas e nas transcrições dessas intercepções telefónicas. Olvidando-se que as escutas telefónicas não correspondem à identificação das pessoas, nomeadamente no produto 195, em que o sujeito identificado como Roy refere: que se trata de um dialogo identificando Roy como interlocutor e em que este refere: “Então tens de lhe dizer, ouve, se estou a combinar uma coisa contigo, não tens que ligar ao Roy.”.

55. Andou mal o tribunal “ a quo” ao presumir que mediante a utilização das escutas telefónicas, meio de obtenção de prova e não meio de prova, tudo aquilo que se encontra transcrito das escutas telefónicas realizadas de facto ocorreu daquela forma, tempo e lugar. Vem o douto Tribunal “a quo” a fundamentar a condenação do arguido AVE apenas nas transcrições das intercepções telefónicas e mal, pois como já supra se referiu não há qualquer identificação do interlocutor.

56. O entendimento do douto Tribunal “ a quo” é o de que a transcrição das escutas telefónicas é um documento de prova pré-constituída, tal como os RDE’s e que serão os arguidos que terão o labor de provar o inverso.

57. Invertendo desta forma o princípio de que o arguido é inocente até prova do contrário.

58. Quase que se diria que o julgador já nem sequer é um espetador de um juízo mas antes o julgamento se trata de um mero acontecimento necessário estabelecido pela lei, ou seja, a partir do momento em que se aceita a prova pré constituída torna-se desnecessário para todos os efeitos os julgamentos. Pelo que, o ritual de julgar é uma ocorrência em desuso e que a continuar nesta perspetiva nos próximos anos talvez se tenha a coragem suficiente para efetivamente terminar com os julgamentos.

59. Ora se o Tribunal tivesse feito uma mera tabela em que colocasse de um lado as transcrições com a data e hora e do outro lado os RDE’s e os confrontasse, verificaria que em todos os casos sem excepção temos que o que se encontra transcrito é diferente, não se tratando de meras discrepâncias, daquilo que se encontra visualizado pelos OPC’s e transcrito nos RDE’s. Assim, temos os RDE’s :

60. No RDE nº. 11 de 07-06-2016 que tem início pelas 11h00 e termina pelas 12h00, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JI e Cabo RR. Este RDE surpreendentemente não se encontra com qualquer transcrição, sendo certo que as mesmas se haviam iniciado a 26-05-2016.

61. No RDE nº. 19 de 14-15/06/2016 que tem início pelas 22h30 e termina pelas 01h30, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo RG, Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG. Nesta confrontação verifica-se que pela transcrição da escuta telefónica às 22h56 o alvo 9201--- já havia sido mandar parar que quem ia a conduzir a viatura seria o SC pois pode-se ler “Mike- sim, eu disse ao SMP para conduzir. Risos … quando fizemos a curva… opah.. risos”. Também daí resulta que os papéis ou os documentos apresentados às autoridades foram os do Will: Mike – Não, não… só os papéis do Wim.

62. Desta forma pelo RDE temos que o horário em terá sido imobilizada a viatura seria após as 23h21 conforme resulta deste RDE e que foram apresentados documentos falsos e não os documentos de quem efetivamente estaria na viatura isto a ter em conta o resultado das interceções telefónicas. Como resultado um dos dois documentos apresenta anotações e resultados falsos. A primeira questão será a do horário que é intransponível.

63. A transcrição telefónica tendencialmente é precisa e diz-nos que ocorre às 22h56 a intercepção, o RDE assinados pelos 6 OPC’s tendo os mesmos corroborado em julgamento o teor do mesmo referem o horário das 23h21. Em segundo lugar, temos que terá sido nesse dia e a essa hora que foi identificado o arguido JMA, ora resulta da transcrição que o alvo se terá feito identificar com documentos do Will.

64. Ora, esta contradição entre dois documentos que se encontram nos autos e que se tratam da tal prova pré-constituída não são ultrapassáveis, pelo que, tal como se de uma forma matemática se tratasse o mais um com menos um tem que produz o resultado de zero.

65. No RDE nº. 20 de 15-06-2016 que tem início pelas 09h47 e termina pelas 19h15, tendo sido executado pelo Cabo HS.

66. Existem as transcrições e com o nº. 299 pelas 9h10m relativa ao Alvo 83593040 entre nº. 920163747 e 920188006 Mike e Roy e o produto 302 entre o Mike e o Roy e ainda o 298 entre o Mike e o SMP e ainda o 297.

67. Ora resulta destas transcrições que as pessoas identificadas como Mike e SMP combinaram se deslocar a uma garagem às 10h porque alguém iria abrir a porta, (produto 298) e que a pessoa identificada como SC iria diretamente para a garagem onde aliás se iria encontrar com o Roy.

68. Às 11h47m na intercepção com o produto 302 verifica-se que o identificado como Mike está a se deslocar para Olhão Mike: Sim, já temos impercetível, para Olhão, agora. Ora a essa hora e nesse dia ainda o OPC não tinha visto o identificado como Mike e que corresponderia ao arguido JMA aliás resulta do seu RDE e das suas declarações em Tribunal que o mesmo só vê o arguido JMA ao 12h28 momento no qual terão carregado objetos de uma garagem para dentro de uma carrinha e em ato contínuo se deslocaram para a Corte AM.

69. Ora como é bom de ver, estas contradições ou as declarações e o RDE não são verdadeiros ou que o resultado da transcrição não é verdade, que efetivamente os intercetados não digam a verdade quando falam uns com os outros.

70. Podendo ainda resultar que os alvos das interceções não são os identificados nas mesmas.

71. Pelo que e na mesma senda o teor das transcrições e dos RDE’s terão de ser considerados duvidosos e contraditórios.

72. No RDE nº. 23 de 20-06-2016 que tem início pelas 05h50 e termina pelas 17h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo JI, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG.

73. No produto 367 pelas 8:14:58 o Mike pergunta se estão no armazém e o Roy diz que já estiveram. Ora em tal escuta telefónica é verificado que a pessoa identificada por Roy já haveria estado num armazém (em um qualquer armazém) e que até já tinha dado água a todos os potes. Ora resulta que das vigilâncias que iniciaram 5H50 não foi visionado ninguém a entrar naquele armazém antes das 8:14:58 mas sim após esse horário nomeadamente de acordo com o RDE nº. 23 às 8:30.

74. Resulta ainda que da vigilância é verificado o arguido AVE a fazer uso de dois telemóveis as 09h44 e 09:46 porém resultam dos autos de interceção telefónica que nesse dia e nessa hora não há nenhuma interceção telefónica ao Roy que é identificado como AVE.

75. Assim podemos concluir que as transcrições e os RDE’s são relativos a pessoas diferentes e a ocorrências diferentes

76. No RDE nº. 24 de 22-06-2016 que tem início pelas 07h30 e termina pelas 13h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo JI, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, podemos verificar no produto 412 uma intercepção pelas 9:42 entre os identificados como Mike e Roy em que o Mike refere: Mike - Sim, eu sei eu tinha-lhe prometido, mas agora estou com o SMP tenho eu… amanhã temos de vir para aqui. Ora resulta da vigilância que o arguido JMA se encontrava só na estrada nacional 125 e não estava com ninguém pelas 09:41 segundo o RDE nº. 24.

77. Assim podemos também concluir que não há nem se estabelece a correspondência entre os arguidos JMA e o AVE e os alvos das intercepções telefónicas, aliás estabelece-se o oposto.

78. No RDE nº. 25 de 24-06-2016 que tem início pelas 09h30 e termina pelas 17h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resulta das intercepções telefónicas produto 434 que no dia 24-6-2016 pelas 10:59 que o identificado como Mike teria ido buscar roupa de cama para um PH e que estava em cabanas. Ora no RDE nº. 25 estabelece-se que a essa hora o arguido JMA e bem assim o arguido SMP são vistos em Olhão.

79. Ora resulta deste RDE que as 9:48 é localizada a viatura Citroen Xsara verde -LL em Olhão e que cerca das 11h o arguido JMA e SMP entram na mesma. Assim as pessoas visionadas nos RDE’s e o resultado das intercepções telefónicas não é o mesmo.

80. Aliás nem se percebe como poderia ser atestado o RDE uma vez que no início do mesmo que está a ser acompanhado em tempo real por um OPC não tenha este verificado que uma coisa e outra não eram a mesma coisa, isto é dizer que o observado não correspondia com aquilo que era escutado e mais uma vez entramos na situação de contradição entre os meios de prova.

81. No RDE nº. 29 de 30-06-2016 que tem início pelas 10h00 e termina pelas 17h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo JI, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resultado do produto 542 que as 8:01 perguntado pelo identificado Roy: Roy - estás no armazém? Mike - sim, a fazer umas coisinhas.

82. Ora resulta da vigilância que o arguido JMA não é visto no armazém 152 a essa hora no armazém 152.

83. Pelo que mais uma vez verificamos que o constante nas intercepções telefónicas e o verificado pelos OPC’s e reproduzido nos RDE’s não corresponde.

84. No RDE nº. 30 de 11-07-2016 que tem início pelas 10h00 e termina pelas 16h30, tendo sido executado pelos OPC’s 1º Sargento JJ, Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resulta do produto 645 pelas 14:21 que o identificado Mike se encontraria em Tavira e que questionava o identificado SMP se o mesmo estava em Cabanas ou não tendo aquele referido que sim. Ora das vigilâncias estabelece-se que o arguido JMA estaria em Cabanas de Tavira desde as 11:58 hora que terá saído de Olhão e dirigido para Cabanas de Tavira onde estacionou o veículo num parque de estacionamento de terra batida tendo regressado pelas 16:00 para o veículo acompanhado do SMP. Desta forma e mais uma vez se verifica que as escutas telefónicas se encontram em oposição referindo-se a pessoas diferentes. E mais uma vez não se percebe porque o OPC não verificou, não sanou nem procurou saber ou informar das discrepâncias entre os dois meios de prova uma vez que é referido que se encontravam em tempo real.

85. No RDE nº. 40 de 30-08-2016 que tem início pelas 9h45 e termina pelas 16h30, tendo sido executado pelos OPC’s 1º Sargento JJ, Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resulta da intercepção 1163 pelas 11:02 o identificado como Mike refere ao identificado como SMP que estava a conduzir de Sevilha e que o Roy estaria na sua casa antiga . Ora dos RDE’s verifica-se que o arguido JMA estaria em Olhão ou nos s eus arredores porquanto é ali visionado. Mais uma vez se verifica que os RDE’s e as transcrições se encontram em clara e plena oposição.

86. Da confrontação supra realizada resulta que o acórdão recorrido não produziu um estudo nem elaborou uma confrontação entre as provas que considerou serem pré-formadas.

87. E esse é o grande perigo que temos se considerarmos que é dispensável porque já existe no processo uma determinada prova, aliás mesmo que seja nula, como é o caso nos autos relativamente ao prazo de transcrição das escutas telefónicas, desde que ali estejam ainda que fora de prazo, ainda que nulo, desde que a defesa não veja e não impugne, tudo é susceptivel de passar a ser válido.

88. O mesmo é dizer que o Estado pode praticar qualquer aberração jurídica contra um qualquer seu cidadão que nada acontece.

89. Quando há muitos anos se fez a Constituição da República Portuguesa, quando há muitos anos homens e mulheres morreram na ambição de ter um estado de direito democrático onde instituíram a separação de poderes uma constituição derivada da consciência jurídica geral onde emergiam direitos, liberdades e garantias inabaláveis para todos, olvidou o bondoso do legislador que um dia mais tarde iriamos ser dominados pela tecnocracia e que ao invés de termos uma sociedade e um sistema jurídico regulado a obter uma justiça material temos uma justiça tecnocrata virada no protecionismo de um sistema. Sistema este que preconiza a sua sobrevivência à custa dos direitos, liberdades e garantias dos seus cidadãos.

90. Hoje, olvidados que estamos do princípio da presunção da inocência, hoje estamos olvidados que é preferível ter um criminoso na rua do que um inocente na cadeia.

91. Hoje como num passado do qual nos devíamos envergonhar em que o que os OPC’s escreviam não era suscetível de ser posto em causa, continuamos na mesma, não aprendemos nada, criámos agora este sistema da prova pré-constituída como se fosse um grande achado, a verdade é que achámos a Idade Média do Direito, aliás pior do que aquela.

92. Pois é certo que na Idade Média os julgamentos até eram públicos e a prova era produzida na praça pública à vista de todos com excepção das torturas que eram feitas em privado.

93. Hoje temos que a prova é produzida às escondidas, é guardada em grandes resmas de papel para os quais é necessário fazer requerimentos para os ver, em que o arguido é obrigado às suas custas a suportar os custos de tirar cópias, para poder ver a final o que é que há contra ele.

94. A interpretação dada pelo Acórdão relativamente às transcrições telefónicas em que os considera meio de prova documental e prova pré-constituída e que não tem de ser lida ou analisada em sede de audiência é inconstitucional porquanto viola o princípio da presunção de inocência estabelecido no artigo 32º nº. 2 da Constituição da República Portuguesa em que se estabelece: todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa e ainda nº. 5 do mesmo artigo: o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

95. Ora neste caso temos dois documentos (de prova pré-constituída) em contradição, a questão seria em primeiro verificar se o tribunal tinha-se dado conta da contradição, e pela leitura do acórdão vemos que não, em especial para os dois arguidos por nós representados é que nem nunca foram vistos na verdade a tratar de plantas ou a realizar qualquer actividade ilegal.

96. Impõe-se a questão de saber se pode o douto tribunal “a quo” eleger uma das provas (pré-constituídas) de acordo com a livre apreciação da prova nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

97. Temos assim a violação do critério existente que o legislador exige ao julgador para que este aceda ou motive a sua decisão na livre apreciação da prova.

98. O douto tribunal “a quo” ao aceitar as provas pré-constituídas em contradição violou ainda o princípio da descoberta da verdade material e da investigação estabelecida no artigo 340.º do Código de Processo Penal, ou seja cabia ao tribunal “a quo” socorrer-se de todos os meios de formação da sua convicção que entende necessários para a descoberta da verdade material para além dos meios proporcionados pela acusação e pela defesa.

99. Como já vimos no caso concreto temos que a acusação tem ou pode ter prova nula mas que no entendimento do douto tribunal “a quo” se encontra sanada a nulidade e portanto o trabalho da defesa é um trabalho escusado e inglório, aliás mal feito seguramente pois a defesa não sabe contar prazos, a acusação também não, mas não faz mal, pois os seus prazos são meramente indicativos.

100. Competia, assim, ao douto tribunal “a quo” que em face das duas provas que já conhecia (que aliás dispensaria a realização de julgamento), o que aliás se verificou no interrogatório dos arguidos em que relativamente às transcrições das escutas telefónicas nada é referido, não o tendo feito violou o tribunal “a quo” o dever processual de investigação autónomo da verdade.

101. Ficou também pela violação deste princípio e do princípio da livre apreciação da prova, pois consideramos que o julgador não auscultou, não verificou tudo, bastou-se com o que vinha indicado na acusação, fez uma mera aplicação da norma aos elementos provas e meios de provas da acusação. Aliás aquando da realização de perguntas aos OPC’s relativamente ao que ia sendo ouvido nas intercepções a resposta é dada maioritariamente pelo tribunal “a quo”: “Não sabe! Não foi ele/ela que fez!”.

102. A interpretação dada pelo tribunal “a quo” às provas pré-constituídas nos autos ferem também o princípio da imediação da prova, no caso o que temos foram ouvidos os OPC’s estando os mesmos de forma a corroborar o que foi escrito nos RDE’s ora resulta que os mesmos estão em contradição com as intercepções telefónicas, relativamente aos locais, horas e acontecimentos, grande parte dos RDE’s refere que existiram escutas telefónicas em tempo real, então teria que constar dos autos a percepção do motivo pelo qual não batiam certo os meios de prova que iam sendo recolhidos, o que não foi.

103. Neste confronto entre duas provas (pré-constituídas) em contradição impõem-se ao julgador que se determine com o princípio de que cumpre ao Ministério Público provar a culpa dos arguidos e beneficiar os arguidos de “in dubio pro reo”, o que aqui deve operar, pois cumpria ao Ministério Público provar sem dúvidas a culpa dos arguidos.

104. Como é bom de ver em face da contradição das transcrições telefónicas com os RDE’s resulta ainda de que ao arguido AVE não foi apreendido qualquer telemóvel, devendo o mesmo ser absolvido em virtude da prova pré-constituída se encontrar em contradição, tal contradição não foi explicada, o que competia à acusação.

105. Deve ainda ser considerado inconstitucional a interpretação de que a prova pré constituída não precisa de ser apreciada, debatida e analisada em juízo quando se encontre em oposição com outro meio de prova ou prova pré-constituída por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2 e 5 da CRP.

106. Considerando-se que a opção do julgador sem ser submetido a juízo as provas violam ainda o princípio da imediação da prova e o dever de investigação estabelecido no artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal

107. Desta forma, deve e sem mais considerações ser o arguido AVE ser absolvido do crime de que vem pronunciado.

108. Sem prescindir, o tribunal “a quo” não admitiu a junção aos autos do referido requerimento uma vez que o mesmo foi junto após a produção de prova e encerramento da audiência, sendo que, ademais, do despacho de arquivamento junto com o requerimento nada refere relativamente a quaisquer factos susceptíveis de serem subsumidos ao objecto deste processo.

109. Os arguidos ora recorrentes não se conformam com o despacho que não admitiu a junção aos autos de despacho de arquivamento dos autos que corriam termos na Comarca de Olhão no âmbito do processo n.º ---/15.0GDFAR, de onde resulta que “Realizadas as diligências de inquérito, não foi possível apurar a autoria dos factos, coma certeza exigível nessa fase, nem quem detinha a posse/utilização do armazém em causa no mesmo período.”.

110. Afigurando-se assim necessário para a descoberta da verdade material e da boa decisão da causa tal arquivamento e porquanto pese embora se entenda que o armazém sito em Bias do Sul “Alfandanga” não constitua o objecto propriamente dito, a verdade é que foi falado por inúmeras vezes e foi referido por diversas testemunhas, tendo-se inclusive ouvido o depoimento do seu proprietário.

111. Assim, o acórdão recorrido viola o princípio “non bis in idem”, vertido no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que consagra que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

112. Face ao caso sub judice temos os presentes autos e o processo ---/15.0GDFAR, que versam sobre os mesmos factos relativamente ao armazém sito em Bias do Sul “Alfandanga”, sendo certo que esse inquérito foi arquivado por não ter sido possível apurar a autoria dos factos, arquivamento esse que não foi ponderado nem tido em conta pelo tribunal “a quo”.

113. Ao ter indeferido o requerido o tribunal “a quo” violou de forma gritante o princípio “non bis in idem”, consagrado no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado e em consequência deverão ser absolvidos os arguidos.

114. O Tribunal “a quo” ao considerar os factos provados que considerou e através da motivação explanada no acórdão recorrido, através do qual formou a sua livre convicção violou, entre outros o princípio da livre apreciação da prova, princípio esse que está consagrado no artigo 127.º do CPP.

115. O que não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade de forma arbitrária e tendenciosa, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender e sem fundamentação, ou motivando como no caso concreto numa ideia preconcebida de que os arguidos praticaram os factos de que vinham pronunciados e mesmo não havendo prova directa, presume-se da sua existência e condena-se os arguidos.

116. Quer isto dizer que, e salvo melhor opinião que o Juiz tem de orientar a produção de prova para a busca da verdade material e, ao decidir, há-de fundamentar as suas decisões: a apreciação da prova que faz reconduz-se a critérios objetivos, controláveis através da motivação.

117. A sua motivação é o que o levará a decidir de certa maneira e não de outra, embora pessoal e assente na livre apreciação do julgador não é discricionária, arbitrária, mas sim objetivável, o que não sucedeu no presente caso concreto.

118. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que nada obsta à valoração das transcrições das conversações telefónicas, que estas são prova documental e prova pré-constituída, podendo e devendo ser valorada ainda que não lida ou examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, dado que os arguidos, ora recorrentes impugnaram todo o teor das transcrições das intercepções telefónicas.

119. Da mesma forma que não se considera que o resultado da intercepção telefónica constitua um facto, pois dúvidas não existem que as intercepções telefónicas constituem um meio de obtenção de prova, não podendo isoladamente comprovar o que quer que seja.

120. Contrariamente ao entendimento do tribunal “a quo” ficaram muitas dúvidas e muitas questões por decidir, não existindo prova directa de que os arguidos, ora recorrentes tenham cometido os factos de que vinham acusados, não sendo possível concluir sem qualquer dúvida razoável de que estas pessoas tenham praticado o crime de tráfico de estupefacientes, como já se referiu e mais uma vez se reforça a apreciação de prova é feita de forma objectiva e orientada em função da busca e da descoberta da verdade material, o que não sucedeu in casu.

121. Os factos dados como provados de 22 a 31, 36, 37 e 38 violam o princípio da livre apreciação da prova e o grau de certeza exigido no nosso direito penal.

122. Resultando da motivação da matéria de facto que o próprio tribunal “a quo” se quedou com muitas dúvidas, e com muito poucas certezas. E por mais ténue que seja essa dúvida, o facto de existir obvia a que se possa condenar quem quer que seja.

123. O que nos leva a concluir que o Julgador ficou com dúvidas, dúvidas essas que são susceptíveis de serem consideradas dúvidas razoáveis de que não foram os arguidos quem praticaram os factos em apreço.

124. E na dúvida não poderia o tribunal “a quo” ter condenado os arguidos, pois não resulta do acórdão recorrido qualquer prova directa de que tenham sido os arguidos a praticar os factos em apreço.

125. Ao arrepio do preconizado na nossa lei processual penal e na nossa Constituição a condenação dos arguidos baseia-se em meras convicções, prova indirecta e circunstancial e bem assim em meios de obtenção de prova.

126. Assim, no que concerne aos factos provados 27 a 31, 36, 37 e 38 violou o tribunal “a quo” o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, determinando tal vício a nulidade do acórdão, por força do artigo 379.º, n.º1, c) do Código de Processo Penal, devendo ser o acórdão recorrido considerado nulo e determinar-se a absolvição dos arguidos, ora recorrentes.

127. Além da violação do princípio da livre apreciação da prova e do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, os factos provados n.ºs 27 a 31, 36, 37 e 38 violam o vertido no artigo 355.º do Código de Processo Penal.

128. Com efeito, e de acordo com esta norma, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do douto Tribunal “a quo”, e não poderiam ter sido tomadas em consideração quaisquer provas que não tiverem sido produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, o que sucedeu in casu com a prova documental, nomeadamente com os RDE’s e com as transcrições das intercepções telefónicas.

129. Pois o tribunal “a quo” deveria ter aplicado a regra contida no artigo 355.º, n.º 1 do Código de Processo Penal aos documentos e aos meios de prova já existentes aquando da prolação da acusação, sob pena de violação do princípio do contraditório e bem assim do direito a um processo justo e equitativo.

130. Assim como se entende que o tribunal “a quo” não pode valorar a prova documental da forma como o fez violando o artigo 125.º e o artigo 355.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

131. Termos em que não se pode valorar toda a prova documental existente que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência.

132. Ao admiti-los e ao valorar as provas pré-constituídas em geral o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 125.º e 355.º do Código de Processo Penal, bem como o princípio do contraditório e o princípio da imediação da prova.

133. Termos em que deverá ser declarado o acórdão nulo por violação dos supra elencados preceitos legais e bem assim do disposto no artigo 125.º e 355.º do Código de Processo Penal, bem como o princípio do contraditório e da imediação da prova e serem os arguidos absolvidos.

134. Os arguidos, ora Recorrentes invocaram a nulidade do auto de busca de fls. 1966 e ss e da busca efectuada ao armazém, sito em Olhão e à residência sita na Corte AM, em virtude de o mesmo estar assinado por arguido que não entende, nem compreende a língua portuguesa, tendo assim sido preteridos os direitos, liberdades e garantias consagrados legal e constitucionalmente.

135. Tendo o tribunal “a quo” entendido que quando estamos perante a realização de buscas ordenadas judicialmente, não se verifica a exigência de estar presente um intérprete ou mesmo um defensor, pois que a diligência deverá ser realizada independentemente da prévia autorização ou consentimento do visado.

136. E que mesmo que se considerasse que era necessária a presença de intérprete em todas as buscas onde o arguido JMA foi visado ou esteve presente, não se poderia extrair qualquer consequência da nulidade, entendendo o tribunal “a quo” que as nulidades relativas têm que ser invocadas no inquérito ou na instrução.

137. Salvo o devido respeito, andou mal o tribunal “a quo” ao não declarar a nulidade dos autos de busca e apreensão invocada, violando o vertido no artigo 92.º do Código de Processo Penal e o artigo 64.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal que dispõe que é obrigatória a assistência de defensor em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for desconhecedor da língua portuguesa.

138. Ora, in casu temos que para além de a intérprete só ter chegado quando já se encontrava a decorrer a busca ao armazém e de não ter estado presente na busca domiciliária, certo é que o arguido, desconhecedor na língua portuguesa não foi assistido por nenhum defensor, o que consubstancia uma nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal.

139. Sem prescindir, sempre se dirá que caso assim não se entenda estamos perante uma nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, pois constitui nulidade dependente de arguição a falta de nomeação de intérprete nos casos em que a lei considerar obrigatória, nulidade essa que o ora recorrente só tomou conhecimento em sede de audiência de discussão e julgamento e aquando da inquirição dos OPC’s e da intérprete, tendo de imediato arguido a nulidade, logo quando teve conhecimento da mesma, considerando-se assim que se estava em tempo para arguir a nulidade, devendo a mesma ser declarada procedente.

140. Veja-se a este propósito aquele que tem sido o entendimento dominante da nossa jurisprudência, nomeadamente o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 256/16.7PAPVZ-B.P1, datado de 29-03-2017, cujo sumário ora se transcreve:
“É nula a busca domiciliária, realizada em casa habitada por estrangeiro que não conhece nem domina a língua portuguesa, não lhe tendo sido nomeado intérprete, nem a autorização assinada se mostra traduzida para a sua língua natal.”.

141. Assim o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 92.º n.º 2 do Código de Processo Penal, uma vez que, apesar de resultar dos autos que os recorridos não conhecem, e muito menos dominam a língua portuguesa, não lhe foi nomeado intérprete aquando da realização de busca, quer a domiciliária, quer a do armazém.

142. A inobservância da regra de nomeação de interprete, consubstancia uma nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal.

143. Não sendo exigível que os recorridos invocassem a referida nulidade até ao termo do ato em que a mesma foi cometida, uma vez que, por um lado, não estavam representados por defensor, e por outro lado, porque a reação a tal violação da lei pressupõe conhecimentos técnicos-jurídicos que os mesmos não detêm por não serem advogados.

144. O defensor só conseguiu arguir a referida nulidade em sede de audiência de discussão e julgamento e aquando da inquirição das testemunhas OPC’s e interprete.

145. A nulidade por falta de nomeação de intérprete e defensor foi arguida logo que os recorrentes tiveram conhecimento da mesma, pelo que, é manifesto que acarreta a nulidade da busca e das apreensões.

146. Apesar de constar dos autos que os arguidos são cidadãos de nacionalidade Holandesa, e não são conhecedores, e muito menos dominam a língua portuguesa foi também violado o disposto no artigo 64.º alínea d) do Código de Processo Penal, aquando da autorização e da realização da busca domiciliária, os recorrentes não estavam representados por defensor.

147. Tal situação, constitui uma nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal.

148. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal, as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem, pelo que, é manifesto que as buscas, quer domiciliárias, quer não domiciliárias, e as apreensões efetuadas são inválidas.

149. Devendo o tribunal “ad quem” declarar a nulidade da busca domiciliária e da busca ao armazém e em consequência deverão os arguidos serem absolvidos.

150. Os arguidos, ora recorrentes, invocaram a nulidade prevista no artigo 99.º e 123.º do Código de Processo Penal, porquanto a fls. 1968 encontra-se rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária, pois que tal incorrecção na hora poderia infirmar o auto de busca subsequente, o qual se encontra infirmado pela cota realizada a fls. 2005 porquanto aí foi feita constar a hora 20:40.

151. Entendeu o tribunal “a quo” que ao abrigo do disposto no artigo 94.º do Código de Processo Penal haverá desde logo que atentar que não é obrigatória a menção da hora da diligência, adiantando que apenas quando estamos perante um acto que afecte liberdades fundamentais é que é imperativo a referência à hora da ocorrência, com referência ao seu início e ao seu fim.

152. Andou mal o tribunal “a quo” ao interpretar que por estar judicialmente autorizada, a busca poderia ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite, sendo certo que nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 1 do Código de Processo Civil a busca só pode ser ordenada ou autorizada pelo Juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.

153. Daí que não se considere que estejamos perante uma mera irregularidade, mas sim uma nulidade pois o facto de se encontrar rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária determina que o arguido não possa aferir da sua nulidade ou não, desconhecendo-se se esta foi realizada dentro do horário legalmente permitido entre as 7 e as 21 horas.

154. Resultando de fls. 1968 que se encontra rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária, o que determina a nulidade do auto e consequentemente a nulidade da busca domiciliária.

155. Ao indeferir a nulidade invocada o tribunal “ a quo” violou o disposto nos artigos 94.º, 99.º e 177.º do Código de Processo Penal.

156. Os arguidos, ora recorrentes requereram a declaração de nulidade de todo o processado, desde a fase de inquérito, e ao abrigo do disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal, porquanto do depoimento de duas testemunhas resultou que as mesmas, quando inquiridas pelo OPC naquela fase processual, foram confrontadas com intercepções telefónicas existentes nos autos.

157. O tribunal “a quo” acordou que não entende a invocação porquanto tal não consta do regime das proibições da prova previsto no artigo 126.º do Código de Processo Penal, não vislumbrando minimamente qualquer fundamento legal para a invocação da proibição de prova.

158. Sucede que não podemos compactuar com ilegalidades e nomeadamente com “conduções” de investigação elaboradas pelo OPC, resultando claramente que é nula toda a prova obtida em sede de inquérito pelo OPC em que foram exibidas escutas telefónicas de forma a “pressionar” as testemunhas a declararem o que o OPC lhe convinha.

159. Sem prescindir, sempre se dirá que a GNR juntou três processos num único processo, iniciando-se o presente inquérito nos seus primeiros volumes a alegadas situações de tráfico de menor gravidade e consumo de estupefacientes, situações que não admitem escutas telefónicas.

160. As escutas telefónicas são um meio de prova e não um indício ou um facto demonstrativo da ocorrência de um crime.

161. Para que a escuta telefónica possa servir para indiciar fortemente o escutado da prática de qualquer crime, é necessário ainda que esteja a mesma escuta relacionada com outro facto, com ela conexo, ou seja, não basta uma escuta telefónica sem a verificação de um evento, um acontecimento, um facto, que sustente o indício, por forma se poder afirmar, que aquilo que consta na transcrição aconteceu.

162. Nesta mesma senda que nunca deveriam ter sido admitidos os relatórios de vigilância indicados na acusação como prova documental, porquanto mais não são do que um texto escrito pelos OPC’s onde estes relatam aquilo que viram, são pois testemunhos por escrito.

163. Não podendo ser utilizados na prova de factos em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme é entendimento da nossa jurisprudência, citamos a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 42/08.PJAMD.L1-5, datado de 25-05-2010, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário infra se transcreve:

“I - Autos de vigilância (isto é, textos escritos pelos agentes policiais onde estes relatam aquilo que viram) não são documentos que possam ser utilizados na prova de factos num julgamento.

II - Autos de visualização com registos de imagens, prova resultante dos meios previstos no art. 6/1 do Lei 5/2002, de 10/11, não são admissíveis como prova para os crimes do art. 25 do Dec. Lei 15/93. Tendo sido autorizado o registo de imagem e voz para investigação de um crime de tráfico de droga do art. 21, a prova obtida por esse meio não pode ser utilizada para prova de crimes do art. 25.

III - Isto é, “logo que a conclusão pela insubsistência (v.g., por falta de prova) do crime do catálogo faz cair a conexão, fica insuprivelmente perdido o suporte e o fundamento da valoração para prova dos crimes não pertinentes ao catálogo”.

IV – Quatro vendas de 0,131 g cada, dispersas por dois dias de dois meses diferentes, e a posse, num terceiro mês, de 41 embalagens de cocaína e heroína, com aquele mesmo peso líquido, sem prova, no essencial, de mais nada, não ultrapassam aquele tráfico do art. 25.

V – Duas vendas de 0,16 g de droga por cada um de 4 dias, dispersos por 3 meses diferentes, e mais 3 vendas num dia de um 4º mês, junto com a posse, neste último dia, de 27,5 g de cocaína e heroína (que dariam para 171 embalagens de 0,16 g cada) podem ser consideradas como tráfico do art. 21, embora no limite do tráfico do art. 25.”

164. Igualmente tem sido entendimento unânime da nossa jurisprudência de que os relatórios de vigilância com registo de imagens não são admissíveis para a investigação do crime de tráfico de droga de menor gravidade, previsto e punido no artigo 25.º do Decreto-lei 15/93 de 22/01, pois conforme resulta do artigo 51.º n.º 1 do Dec. lei 15/93, de 22/01 estes apenas deverão ser valorados em casos equiparados a terrorismo, criminalidade violente ou altamente organizada.

165. Termos em não deveriam ter sido admitidas as escutas telefónicas, os relatórios de vigilância e bem assim os registos e recolha de imagens, devendo o tribunal “ad quem” determinar a nulidade das escutas telefónicas, relatórios de vigilância e bem assim registos e recolhas de imagens e em consequência deverá ser determina a nulidade de todo o inquérito.

166. O arguido AVE requereu a nulidade da junção das cartas remetidas por instituições financeiras e que foram juntos aos autos e com as quais a testemunha RG foi confrontada em sede de audiência de discussão e julgamento, porquanto a sua junção viola o disposto no artigo 2.º, n.º 2 e 5 da Lei n.º 5/2002, de 12/01, sendo que inexiste despacho da autoridade judiciária a determinar essa junção, pelo que não podem ser consideradas como meio de prova.

167. O tribunal “ a quo” considerou que a missiva em apreço é referente a uma anulação de contrato de seguro e a uma carta verde relativa ao seguro automóvel da viatura Opel Astra com matrícula -BU, e que não se aplica o disposto no artigo 2.º, n.º 2 e 5 da Lei n.º 5/2002, de 12/01.

168. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que não está em causa qualquer violação do sigilo bancário e que a junção dos documentos não dependeria de um despacho prévio do magistrado titular da investigação, não descortinando a violação de qualquer norma ou em que normativo a defesa integra a suscitada nulidade.

169. Mais uma vez e salvo o devido respeito andou mal o tribunal “a quo” porquanto o dever de sigilo bancário constitui um dever de segredo profissional, que impede perante os documentos juntos aos autos.

170. O sigilo bancário é a obrigação de descrição imposta aos bancos e aos seus funcionários, em todos os negócios dos seus clientes, abrangendo o presente e o passado, os credores, a abertura e o fechamento das contas e a sua movimentação.

171. Tal segredo visa proteger a actividade bancária, salvaguardar a integridade dos dados pessoais daqueles que se relacionam com o sistema bancário e preservar o interesse público num sistema bancário robusto, idóneo e confiável.

172. Os documentos impugnados juntos aos autos violam assim a obrigação de sigilo bancário.

173. Termos em que deverão ser declarados nulos e consideradas provas inválidas e não admissíveis por violarem o segredo bancário as cartas remetidas pela Caixa de Crédito Agrícola juntas aos autos.

174. Os arguidos ora recorrentes impugnaram a transcrição das escutas telefónicas efetuadas nos autos, nas sessões, alvos e datas abaixo discriminadas por não estarem corretamente transcritas e invocar a nulidade das intercepções por decurso do prazo legalmente estabelecido de apresentação ao Juiz de Instrução, nomeadamente o produto 497 de 27/6, mas apresentada em 18/07 a fls. 1576 a 1577; o produto 534 de 29/6; o produto 542 de 30/06; o produto 545 de 30/06 e o produto 549 de 30/06. E bem assim todos do alvo 8389 e do alvo 3040 – CD8 datados de 28/07 e só apresentados ao Juiz de Instrução em 23/08 e CD 9, sessões 801 e seguintes.

175. Bem como as sessões 745 realizadas em 23/07 e apresentada ao Juiz em 08/08, 754, 760, 761, 768, 769, 770, 771 e 772.

176. E requereram a nulidade das transcrições dos produtos 77 realizada a intercepção em 06/06/2016 e presente a Juiz em 27/06/2016, conf. fls. 1319 a 1327 e bem assim dos produtos 80, 81, 83, 103, 104, 109, 111, 112, 113, 117, 119, 131, 136, 142, 143, 162, 164, 168, 195 e 210.

177. E das intercepções telefónicas com o produto n.º 323 que foi realizada no dia 16/06/2016 porém só foi validada em 04/07/2016, fls. 1407 a 1408, tendo decorrido mais do que o prazo legalmente previsto de 15 dias.

178. Termos em que não deverão ser valoradas as escutas telefónicas e em consequência deverão as mesmas serem declaradas nulas por violação do disposto nos artigos 188.º, n.º 3 e 4 e 190.º do Código de Processo Penal.

179. O arguido JMA requereu prestar declarações ao abrigo do disposto no artigo 31.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, visando beneficiar do regime aí previsto de atenuação ou dispensa de pena, visto que auxiliou na recolha de provas decisivas para a identificação e capturas de outros responsáveis.

180. Resulta da fundamentação da matéria de facto que o tribunal “a quo” atendeu às declarações prestadas pelo arguido JMA, nomeadamente quando este refere No entanto, em Junho de 2016, e a pedido do PH e de um amigo deste de nome Alex, começou a tratar da plantação de canábis que existia no Armazém de Olhão, competindo-lhe, quatro manhãs por semana, regar as plantas, mudar a terra, criar novas plantas. Afirmando que não recebeu qualquer pagamento por tal serviço, o arguido declarou que o pagamento seria feito conforme o que fosse produzido, perspectivando um pagamento de €500, confirmou também que o arguido SMP o chegou a acompanhar ao armazém, mais do que uma vez, mas que nada sabia das plantas porque havia uma parede de pladour a dividir o armazém, parede que impedia que se visualizasse o interior do armazém onde se encontravam as plantas. Segundo o que resultou do declarado pelo arguido, o SMP só o acompanhava porque depois de irem ao armazém iam os dois trabalhar, nomeadamente em pinturas, deslocando-se num automóvel VW Golf branco, que era pertença de ambos e que foi adquirido pelo Alex. Embora se recusasse a responder a questões directas que lhe foram colocadas, nomeadamente quanto ao local onde residia ou sobre os bens apreendidos na busca realizada a uma residência sita na Corte AM e na sua posse, o arguido declarou que o estupefaciente que foi apreendido pela GNR no interior do veículo VW Golf de matrícula -EL17, tinha-lhe sido dado pelo Alex, no armazém de Olhão e no dia em que foi apreendido, sendo que tal sucedeu porque ele próprio o pediu para dar ao SMP, o arguido foi também peremptório no sentido de negar a participação do arguido AVE nos factos, mas referindo que escutou conversas da CFA, em que esta discutia com o Alex a divisão do dinheiro da plantação e sobre a intenção de fazerem uma outra plantação num armazém em Silves”, mas não ponderou acerca do regime de atenuação ou dispensa de pena.

181. Porém o tribunal “a quo” não se pronunciou sobre o regime previsto no artigo 31.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, nem o arguido beneficiou de qualquer atenuação ou dispensa de pena.

182. Estamos assim perante uma causa de nulidade do acórdão recorrido, pois ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, é nulo o acórdão quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

183. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser declarado nulo por “omissão” de pronúncia nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

184. O tribunal “a quo” compactuou com a falta de inquérito e de instrução e dessa forma veio a violar pela não realização das perícias e das buscas os direitos dos arguidos, o que produz não só a violação do artigo 119, alínea d) do CPP como do artigo 32.º, n.º 1 e 5 da CRP.

185. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado por violação do disposto no artigo 119.º, alínea d) do CPP, com referência ao artigo 412.º, n.º3, alínea c) do CPP, devendo ser mandado repetir o julgamento.

186. Resultando ainda que no acórdão recorrido não consta se os arguidos foram condenados em autoria, ou co-autoria ou em cumplicidade, o que faz com que estejamos perante uma omissão de pronúncia e perante um erro de interpretação do artigo 26.º e 27.º do Código Penal.

187. O acórdão recorrido viola também o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da igualdade e da proporcionalidade, nomeadamente na escolha da medida da pena porquanto os arguidos são primários e estão socialmente inseridos, sendo as necessidades de prevenção especial diminutas.

188. Pois mesmo que se admita por mera cautela de patrocínio que o arguido praticou os factos de que vinha acusado, sempre se dirá que atendendo à personalidade do arguido, ao facto de ser primário, uma pena de prisão inferior a cinco anos e suspensa na sua execução cumpre de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial positivas.

189. O tribunal “ a quo” limitou-se a referir que as necessidades de prevenção geral sejam elevadas e que o arguido tenha um total sentimento de impunidade, sem que para tal tenha fundamentado e justificado tais conclusões e em que é que se baseia para afirmar que o arguido tem um sentimento de impunidade, pois não há nenhum elemento nos autos que o demonstre.

190. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado por violação do disposto no artigo 13.º da Constituição e bem assim dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

191. Andou mal o tribunal “a quo” ao valorar que a hipótese de legalizar a canábis para fins medicinais encontra-se a ser discutida pelo comissão parlamentar de saúde, no Projeto de Lei N.º 726/XIII/3.ª que REGULA A UTILIZAÇÃO DA PLANTA, SUBSTÂNCIAS E PREPARAÇÕES DE CANÁBIS PARA FINS MEDICINAIS.

192. E que a pena deverá ser valorada em função do bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito, que in casu é a saúde pública.

193. Sem prescindir, do que supra se referiu e defendeu temos in casu que o arguido JMA foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão e o arguido AVE foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 7 anos de prisão, tais penas violam desde logo os princípios orientadores da teoria dos fins das penas.

194. As penas têm de ser absolutamente justas em função da culpa, como dispõe o artigo 40.º do Código Penal.

195. Sendo certo que um dos princípios basilares do nosso código penal reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.

196. Pelo que, consideramos que o tribunal “a quo” não teve em consideração o supra mencionado artigo do nosso Código Penal, relativamente à determinação da medida da pena de prisão aplicada.

197. Salvo o devido respeito, o tribunal “a quo” violou esses mesmos princípios orientadores da teoria dos fins das penas, é que a pena tem como primeira referência a culpa depois e num segundo momento, mas ao mesmo nível, a prevenção geral e especial.

198. No caso dos autos, as medidas da pena aplicadas são manifestamente elevadas.

199. Como supra se referiu deveria ter sido equacionado o artigo 40.º do Código Penal sobre os fins das penas, a não aplicação daquele dispositivo legal provoca um erro de determinação da pena aplicável in casu.

200. Termos em que e sem prescindir deve ser revogado o douto acórdão devendo ser proferido novo acórdão que tenha como base a aplicação da teoria dos fins das penas existente no nosso sistema penal, e optar-se pela absolvição dos arguidos, ora recorrentes, ou caso assim não se entenda sempre se dirá que devemos optar por uma pena de prisão inferior a cinco anos, sempre suspensa na sua execução.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o acórdão recorrido e em consequência deverão os arguidos JMA e AVE, ora recorrentes, serem absolvidos, assim se fazendo JUSTIÇA.

- SMP:
1. Por acórdão datado de 28-02-2018 foi o arguido SC Pinho condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 6 anos de prisão.

2. O ora recorrente não se conforma com o acórdão recorrido, tendo apresentado recurso ordinário sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito.

3. Invocando desde logo a nulidade de deficiente gravação de audiência de discussão e julgamento nos termos do disposto no artigo 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.

4. A gravação da audiência de discussão e julgamento apresenta deficiências e é inaudível, devendo ser declarada nula nos termos do disposto no artigo 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.

5. Nomeadamente nos depoimentos prestados pela testemunha DS (Ficheiro 20171213103435_3885308_2870819) e pela testemunha E. Spanjaart (Ficheiro 20180207095658_3885308_2870819).

6. E bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas:

JP (Ficheiro 20171213100127_38885308_2870819);
PMF (Ficheiro 20171213111122_3885308_2870819);
JAC (Ficheiro 20180110100631_3885308_2870819);
RMG (Ficheiro 20180117105316_3885308_2870819);
JTA (Ficheiro20180117163047_3885308_2870819);
RR (Ficheiro20171215142555_3885308_2870819);
HAA (Ficheiro 201801171165610_3885308_2870819);
MAS (Ficheiro20180117170617_3885308_2870819) e
VMB (Ficheiro 20180110155502_3885308_2870819) que apresentam deficiências na audição, sendo tais depoimentos essenciais à prova.

7. Veja-se também neste sentido o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1277/12.4TBFLG.P1, datado de 10-03-2015, cujo sumário ora se transcreve:

“I - A deficiente gravação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento constitui nulidade que pode ser arguida nas alegações de recurso quando a gravação não foi disponibilizada nos termos do art.º 155.º, n.º 3, do CPC e não se prove que o reclamante teve conhecimento da deficiência dez dias antes do termo das alegações.

II - A mesma nulidade deve ser conhecida pelo tribunal onde foi cometida, mantendo-se no âmbito do recurso no caso de ser indeferida.”.

8. E no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 9/05.8TAAND.C1, datado de 02-06-2009, cujo sumário ora se transcreve:

“1. A acareação é um meio de prova admissível que depende de duas condições:

haver contradição entre as declarações e a diligência afigurar-se útil à descoberta da verdade.

2.Este meio de prova é subsidiário dos meios de prova declaratórios e o seu valor probatório é de apreciação livre pelo tribunal.

3.A existência de contradição entre depoimentos não determina, obrigatória e necessariamente, a realização de acareação, impondo-se a necessidade da mediação de um juízo sobre a utilidade dessa diligência probatória.

4.No caso de o tribunal não proceder, pura e simplesmente, à documentação da prova a nulidade respectiva deve ser arguida pelo interessado no próprio acto, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º1 e 3, alínea a), do C.P.P., por se tratar de omissão que é pública e patente.

5.Diferentemente, quando se trate de documentação deficiente, por inaudibilidade dos depoimentos gravados, só quando se procede, posteriormente, à análise das gravações é que a deficiência poderá ser detectada, já que enquanto decorre a gravação é ao funcionário do tribunal que incumbe averiguar se o aparelho de gravação está a funcionar correctamente.

6.Neste caso prazo de arguição, na falta de disposição legal em contrário, terá de ser o prazo legal de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1, do C.P.P.).

7.O termo inicial do prazo de 10 dias ocorre no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.”.

9. Termos em que deverá ser declarada procedente a nulidade invocada, que em nosso entender constitui nulidade insanável porquanto é violadora do regime dos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 17.º e 18.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

10. Salvo o devido respeito, foram incorretamente julgados e apreciados pelo Tribunal “a quo” o vertido nos factos provados n.ºs 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 37, 38 e 222 e 223.

11. O facto provado n.º 22 “22. Desde Maio de 2016 o arguido JPC adquiria os produtos que transaccionava ao arguido SMP.” encontra-se mal julgado e mal apreciado porquanto o tribunal “a quo” se baseou na análise critica das escutas telefónicas, olvidando-se que tais escutas telefónicas foram impugnadas e que como tal necessitam de ser confirmadas.

12. Por outro lado, as escutas telefónicas por si só não podem valer como prova, pois como se sabe estas são um meio de obtenção de prova e não um meio de prova.

13. Andou mal o tribunal “a quo” ao basear-se em meras presunções, sem a certeza exigida em direito penal.

14. Baseia-se ainda o tribunal “a quo” para dar como provado o facto n.º 22 no RDE 26 de fls. 1436, datado de 27/06/2016 porém olvida-se que nenhuma das testemunhas elementos do NAO sabia precisar o que estava dentro do saco, vejamos a este propósito o depoimento da testemunha LF, conforme resulta da sessão 13-12-2017, ficheiro n.º 20171213120050_3885308_2870819, minutos 17:25 a 25:35 e no depoimento da testemunha JI, conforme resulta da sessão 15-12-2017, ficheiro n.º 20171215162505_3885308_2870819, minutos 4:43 a 8:22.

15. Tais depoimentos encontram-se em contradição com o descrito no RDE de fls. 1436 e com as fotografias anexas, pois resulta que o arguido JPC transportava o alegado saco na mão direita e não na mão esquerda.

16. Andou mal o tribunal “a quo” ao motivar de facto afirmando que não existe qualquer dúvida que o arguido JPC foi buscar estupefaciente a casa do arguido SC, pois dos depoimentos supra transcritos resulta que nenhuma testemunha conhece o que o arguido JPC fazia transportar dentro do saco, não podendo o tribunal “ a quo” concluir que era o arguido SC quem fornecia o produto estupefaciente ao arguido JPC.

17. Da mesma forma que não se pode fazer uma interpretação extensível da matéria de facto e afirmar que eram os arguidos JMA e AVE quem forneciam ao arguido SMP os produtos estupefacientes que o arguido JPC transacionava.

18. Olvidando-se também o tribunal “ a quo” que as testemunhas apenas referiram adquirir haxixe-polén e não erva ao arguido JPC, daí que não se possa presumir que o arguido João adquirisse o produto estupefaciente ao arguido SMP, dado que a acusação o pretende ligar a uma plantação de cannabis – erva e não a haxixe (pólen).

19. O facto provado n.º 22 encontra-se assim mal julgado e mal apreciado devendo constar dos factos não provados, pois a prova supra mencionada impõe decisão diversa.

20. Os factos provados 23 a 25 “23. Os arguidos JMA (conhecido por Mike), AVE (conhecido por Roy) e PH, por seu turno, dedicavam-se, pelo menos desde 5 de Fevereiro de 2016, ao cultivo e secagem de plantas de canábis, para posterior comercialização.

24. O arguido STP tinha como função cuidar da plantação que aqueles mantinham.

25. O arguido AVE assumia uma posição de liderança perante os arguidos STP, JMA e PH, sendo que, era ele que transmitia orientações aos restantes, relativas à actividade ilícita que desenvolviam, geria as verbas provenientes das vendas e determinava o pagamento das despesas.” encontram-se mal julgados e mal apreciados porquanto o tribunal “a quo” para motivar de facto tais factos valorizou o depoimento da testemunha CRA, conforme resulta da sessão 10-01-2017, ficheiro n.º20180110110943_3885308_2870819, minutos 00:00 a 1h11m, e das testemunhas HA, HC, RS, VB, AH, JA e JC.

21. Os depoimentos supra referidos encontram-se assim mal julgados e mal apreciados porquanto arrendamentos de casas e subarrendamentos ainda não são crime em Portugal, nem tão pouco podem consubstanciar a prática de um crime de estupefacientes, nem revelar que determinada pessoa se dedicava ao cultivo e secagem de plantas de canábis, para posterior comercialização.

22. Os depoimentos supra transcritos encontram-se assim mal julgados e mal apreciados porquanto não resulta de nenhum deles que o arguido SC se dedicasse a cuidar da plantação.

23. De tais depoimentos só podemos inferir a existência de arrendamentos de casas e subarrendamentos, o que ainda não é crime em Portugal, nem tão pouco podem consubstanciar a prática de um crime de estupefacientes, nem revelar que determinada pessoa se dedicava ao cultivo e secagem de plantas de canábis, para posterior comercialização.

24. Da mesma forma que não resulta provado que o arguido SMP, ora Recorrente tinha como função cuidar da plantação, pois nenhuma testemunha referiu ver o arguido dentro do armazém, ou que lhe tenham sido atribuídas essas funções.

25. Aliás por vários elementos do NAO foi referido que à entrada do armazém existia um biombo, biombo esse que impedia de ver o que estava dentro do armazém, e nenhuma testemunha referiu que tivesse visionado o arguido SMP a transpor o biombo.

26. Sem prescindir, sempre se dirá que a busca realizada ao armazém é nula e bem assim as intercepções telefónicas motivos pelos quais não poderão os factos 23 a 25, como resulta dos depoimentos supra transcritos, impondo-se assim decisão diversa da ora recorrida.

27. O facto provado n.º 26 ”26. Para além do arguido JPC, os arguidos AVE, JMA, PH e SMP, tinham outros clientes, alguns dos quais no estrangeiro, para onde encaminhavam parte da sua produção.” encontra-se mal julgado e mal apreciado pois o tribunal “ a quo” mais uma vez o tribunal “a quo” presumiu que o arguido SMP procedia à venda de canábis ao arguido JPC, e que tal produto era proveniente da produção que ajudava a manter, olvidando-se assim que todas as testemunhas inquiridas (VP, CS, AL, HS, CAL, RP, TG, BD, CG, HC, Kush, LM, AC, RC, DF, Aurea, RM, Paula C., Cristiana, Andreia, João Dias, Jéssica, Rute, Flávio, Eduardo, João A.) referiram ter adquirido haxixe-pólen em placa ao arguido JPC e não erva, daí que não se possa afirmar que o arguido SMP vendesse o que quer que seja ao arguido JPC, desde logo porque resulta das regras da experiência comum que de uma plantação de canábis não se retira haxixe em placas.

28. Da mesma forma que se encontra mal apreciado e mal julgado o facto de os arguidos encaminharem parte da sua produção para o estrangeiro, pois não sabemos o que a carrinha de marca Iveco, com a matricula VLX-- continha no seu interior, sendo certo que das interceções telefónicas resulta que o arguido JMA faz alusão ao transporte de mobiliário, nomeadamente mesas e cadeiras, o que erroneamente não foi valorado pelo tribunal, que se bastou com meras presunções e meras conjecturas.

29. Ao que acresce que não pode valer como prova o depoimento do cabo HS ficheiro n.º 20171018144842_3885308_2870819 de que foram obtidas informações junto da guarda civil espanhola e de que alegadamente a já referida carrinha foi apreendida em Espanha com vários quilos de canábis, dado que como é sabido para que tais informações fossem válidas e pudessem valer como prova seria necessário um despacho judicial a solicitar as mesmas e bem assim a solicitar o auxilio e a cooperação internacional entre policias, o que não sucedeu no presente caso concreto e como tal não poderá assim ser valorado pelo tribunal tais factos, nem servirem como prova, ao que acresce que não qualquer ligação dos arguidos, nem do ora recorrente com clientes estrangeiros.

30. Face ao supra exposto e ao depoimento supra transcrito impõe-se decisão diversa da ora recorrida, devendo assim o facto provado nª26 ser dado como não provado.

31. Os factos provados 27 a 31 “27. Assim, no dia 30 de Agosto de 2016, pelas 14:45 horas, no interior de num armazém sito na zona industrial de Olhão, com os n.ºs 152, 153, 154 e 155, os citados arguidos tinham em pleno funcionamento, uma estufa destinada ao cultivo de plantas de cannabis.

28. A referida estufa estava dotada de sistemas de rega, de ventilação, de controlo da humidade, temperatura e luminosidade com vista a proporcionar condições ideais ao crescimento das referidas plantas.

29. Na dita estufa encontravam-se 332 plantas de cannabis, em diversas fases de crescimento e maturação, designadamente:

a. 10 plantas com 1,5 m;
b. 152 plantas com 0,40 m;
c. 170 plantas com 0,60 m;
30. No interior do mencionado armazém, os suspeitos procediam ainda à secagem, trituração, pesagem e embalagem das folhas e flores das referidas plantas, tendo ainda sido encontrado:
a. Um saco de plástico contendo no seu interior 310 gramas de pólen de canábis;
b. Um saco de plástico contendo no seu interior 230 gramas de cabeças de cannabis;
c. Um saco de plástico contendo no seu interior 263gramas de pólen de cannabis;
d. Um saco de plástico contendo no seu interior 64,4gramas de pólen de cannabis;
e. Dois sacos de plástico de cor preta contendo no seu interior 1520 gramas de cannabis;
f. Cinco embalagens contendo no seu interior 287.25gr. de Liamba/Cannabis;
g. Um saco de plástico de cor preta contendo no seu interior 1320gr. plantas de canábis;
h. Vinte e duas plantas de canábis com aproximadamente 0,90cm;
i. Treze plantas de canábis com aproximadamente 0,80m cada,

31. No interior da citada armazém encontravam-se ainda diversos utensílios e produtos, utilizados no cultivo das referidas plantas de cannabis, designadamente fertilizantes, aparelhos de ar condicionado, termómetros, ventoinhas, tubos de ventilação, medidores de ph.”, encontram-se mal julgados porquanto o auto de busca e apreensão constante de folhas 1966 a 1969 está ferido de nulidade, pois pese embora conforme foi o entendimento do tribunal “a quo” este tenha sido emitido por ordem judicial, o certo é que o mandato de busca se encontrava em nome de PH e o arguido JMA teve que assinar uma alegada autorização sem que tivesse assistido de tradutor e de defensor, conforme legalmente previsto, tendo sido preteridos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos.

32. Resultando ainda do depoimento prestado pelo militar DS, que por inaudibilidade da gravação aqui não se transcreve, que o cabo Afonso é que traduzia, e que os mesmos exibiram o mandato ao arguido JMA e lhe explicaram o conteúdo, sendo certo que o arguido JMA é de nacionalidade holandesa e não compreende nem domina a língua portuguesa e expressa-se muito mal e compreende muito mal o inglês.

33. Tal depoimento impõe assim decisão diversa pois a testemunha revelou ter apenas conhecimentos básicos de inglês, não saber termos técnicos, o que obviamente não lhe permitia a comunicação com o arguido JMA e nem tão pouco recordar-se da hora a que a intérprete de holandês chegou ao armazém.

34. Pese embora o arguido SMP, ora recorrente seja português a verdade é que a nulidade da busca também o terá que abranger, pois imputam-lhe responsabilidade sobre o produto estupefaciente aí apreendido e este nem sequer era visado, nem esteve presente na busca.

35. Face ao supra exposto e pese embora a busca tenha sido ordenada judicialmente, o mandado de busca ao armazém sito em Olhão encontrava-se em nome do arrendatário PH , tendo sido necessária o consentimento do arguido JMA, que autorizou uma busca desconhecendo e não compreendendo o teor da mesma e bem assim do despacho judicial que a ordenava. Resultando inequivocamente que a tradutora de holandês só chegou após a realização da busca, não se encontrando também presente defensor conforme legalmente é exigido.

36. Andou mal o tribunal ao quo ao considerar como provado o facto numero 27 a 31, pois a busca e apreensão encontra-se ferida de nulidade nos termos do disposto do artigo 119º alinea c) do C.P.P.

37. Termos em que deverão os factos provados n.º 27 a 31 serem dados como não provados.

38. O facto provado n.º 37 e 38

37. Os arguidos tinham perfeito conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias acima identificadas, bem sabendo que o seu cultivo, cedência, venda, transporte ou detenção não autorizada, lhes estava vedada e era criminalmente censurável.

38. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária a consciente bem sabendo que a as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei. ” encontram-se incorretamente julgados porquanto o tribunal “a quo” alicerçou-se nas chamadas regras da experiência comum e motivou de facto tais factos atendendo a que é consabido e interiorizado pela comunidade em geral que a posse de drogas com vista à sua venda, cedência, entrega e por vezes até consumo é proibida e constitui atividade ilícita.

39. Olvidando-se assim que no nosso ordenamento jurídico se encontra a ser discutido a hipótese de legalização da canábis para fins medicinais, encontrando-se em discussão na especialidade o projeto-lei n.º 726/XIII/3º que irá regular a utilização da planta, substancias e preparações de canábis para fins medicinais.

40. Pelo que se infere que estamos perante uma alteração da consciência jurídica geral e bem assim do bem jurídico protegido, que in casu é saúde pública, pois não podemos afirmar que exista qualquer violação do bem jurídico protegido quando temos a Organização Mundial de Saúde a recomendar e a aconselhar o uso de canábis para fins medicinais e terapêuticos e bem assim o nosso legislador que se encontra neste momento a repensar o poder autárquico da norma em virtude da alteração da consciência jurídica geral.

41. Não deixa de ser hipócrita que o julgador seja de todo alheio aos ventos de mudança que se fazem sentir no nosso país e na Europa e se baseie apenas no mero direito positivista.

42. O juiz administra a justiça em nome do povo, que é de onde emerge a consciência jurídica geral, existindo hoje em dia uma alteração dessa mesma consciência jurídica não faz sentido que os nossos tribunais continuem a punir e a punir situações de tráfico de droga, nomeadamente de droga leves, e aconselhadas para fins medicinais em nome do povo. Não existindo assim qualquer bem jurídico a proteger, nomeadamente a saúde pública.

43. Andou mal o tribunal “a quo” ao não ponderar tal alteração e bem assim a evolução legislativa devendo serem dados como não provados os factos n.º 37 e 38.

44. Os factos dados como provados n.º 222 e 223 encontram-se incorrectamente julgados, pois o tribunal “a quo” deu como provado que o arguido SMP foi condenado pelo crime de roubo na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo e pelo crime de consumo de estupefaciente na pena de 40 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento, porém resulta do certificado de registo criminal constante de fls. 5078 a 5080 que o arguido SMP apenas foi condenado pelo crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução na pena de 150 dias de multa já extinta pelo cumprimento e nunca foi condenado por qualquer outro crime nomeadamente roubo ou consumo de estupefaciente.

45. Termos em que e face à prova documental existente nos autos de fls. 5078 a 5080 – certificado de registo criminal – deverão os factos dados como provados n.º 222 e 223 serem dados como não provados.

46. Da análise crítica da prova não se pode concluir como concluiu o douto tribunal “a quo”, devendo os factos provados n.ºs 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 37, 38, 222 e 223 serem dados como não provados, tendo em conta os depoimentos das testemunhas que foram transcritos e que impõem decisão diversa da ora recorrida e que deverão ser renovadas, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que determina a final a alteração do acórdão, devendo resultar na absolvição do arguido.

47. Pelo que se pode concluir que os factos dados como provados se encontram em contradição a prova feita com a decisão proferida.

48. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado e em consequência deverá o arguido ser absolvido.

49. O acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, porquanto no texto da decisão recorrida se dá por provado, factos que a prova testemunhal e documental existente nos autos contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

50. In casu, estamos perante um erro notório na apreciação da prova porquanto o tribunal “a quo” deu como provado os factos dados como provados baseando-se em prova indirecta, meras presunções ou conjeturas e em meros meios de obtenção de prova.

51. Tais factos à luz das regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não poderiam ter sido dados como provados, pois mostram-se desde logo não verificados.

52. Termos em que e ao abrigo do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código Processo Penal estamos perante um erro notório na apreciação da prova, devendo o acórdão recorrido ser revogado e em consequência deverá o arguido ser absolvido.

53. O tribunal “a quo” fundamentou e baseou de facto a condenação do arguido, ora Recorrente nas escutas telefónicas e nas transcrições dessas intercepções telefónicas.

54. Olvidando-se que as escutas telefónicas não correspondem à identificação das pessoas e que as mesmas se encontram em contradição com os RDE’s.

55. Andou mal o tribunal “a quo” ao presumir que mediante a utilização das escutas telefónicas, meio de obtenção de prova e não meio de prova, tudo aquilo que se encontra transcrito das escutas telefónicas realizadas de facto ocorreu daquela forma, tempo e lugar.

56. Vem o douto Tribunal “a quo” a fundamentar a condenação dos arguidos apenas nas transcrições das intercepções telefónicas e mal, pois como já supra se referiu não há qualquer identificação precisa dos interlocutores.

57. O entendimento do douto Tribunal “a quo” é o de que a transcrição das escutas telefónicas é um documento de prova pré-constituída, tal como os RDE’s e que serão os arguidos que terão o labor de provar o inverso.

58. Invertendo desta forma o princípio de que o arguido é inocente até prova do contrário.

59. Quase que se diria que o julgador já nem sequer é um espetador de um juízo mas antes o julgamento se trata de um mero acontecimento necessário estabelecido pela lei, ou seja, a partir do momento em que se aceita a prova pré constituída torna-se desnecessário para todos os efeitos os julgamentos.

60. Pelo que, o ritual de julgar é uma ocorrência em desuso e que a continuar nesta perspetiva nos próximos anos talvez se tenha a coragem suficiente para efetivamente terminar com os julgamentos.

61. Cumpre-nos então tentar humildemente e com a consciência que a generalidade dos arguidos são defendidos por defensores oficiosos ou pequenos escritórios de advogados, como é o nosso caso, tentar demover a senda a que hoje se chegou e quanto a nós se trata de um desidrato de consideramos que existe em processo penal a prova pré-constituída nomeadamente a das escutas telefónicas e os RDE’s.

62. Os arguidos na sua generalidade não têm conhecimento do que se encontra nos autos, e é por esse motivo e porque a administração da justiça se faz em nome do povo por um Juiz, conforme resulta da Constituição da Republica Portuguesa, devendo e sendo produzida toda a prova na sala de audiência para que todos – que é o povo onde também estão englobados os arguidos entendam a prova que existe e o motivo pelo qual são julgados e são por último condenados ou absolvidos os arguidos.

63. Quem assistiu a este julgamento não entende nem consegue perceber por que motivo nomeadamente o arguido SMP é condenado a uma imensidão de anos e isto porque o Tribunal vem considerar nomeadamente as escutas telefónicas.

64. Assim, só verificando o teor do Acórdão se conseguirá de alguma forma entender, sendo certo que, o que ali e infra se referirá está errado na sua confrontação com o processo em causa.

65. Ou seja, o que se pretende referir é que no caso em concreto se o Tribunal tivesse produzido a prova em julgamento e não considerasse as escutas uma prova pré-constituída, talvez tivesse tido um resultado diferente.

66. Ora se o Tribunal tivesse feito uma mera tabela em que colocasse de um lado as transcrições com a data e hora e do outro lado os RDE’s e os confrontasse, verificaria que em todos os casos sem excepção temos que o que se encontra transcrito é diferente, não se tratando de meras discrepâncias, daquilo que se encontra visualizado pelos OPC’s e transcrito nos RDE’s. Assim, temos os RDE’s.

67. No RDE nº. 11 de 07-06-2016 que tem início pelas 11h00 e termina pelas 12h00, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JI e Cabo RR. Este RDE surpreendentemente não se encontra com qualquer transcrição, sendo certo que as mesmas se haviam iniciado a 26-05-2016.

68. No RDE nº. 19 de 14-15/06/2016 que tem início pelas 22h30 e termina pelas 01h30, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo RG, Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG. Nesta confrontação verifica-se que pela transcrição da escuta telefónica às 22h56 o alvo 9201747 já havia sido mandar parar que quem ia a conduzir a viatura seria o SMP pois pode-se ler “Mike- sim, eu disse ao SMP para conduzir. Risos …
quando fizemos a curva… opah.. risos”. Também daí resulta que os papéis ou os documentos apresentados às autoridades foram os do Will: Mike – Não, não… só os papéis do Wim.

69. Desta forma pelo RDE temos que o horário em terá sido imobilizada a viatura seria após as 23h21 conforme resulta deste RDE e que foram apresentados documentos falsos e não so documentos de quem efetivamente estaria na viatura isto a ter em conta o resultado das interceções telefónicas.

70. Como resultado um dos dois documentos apresenta anotações e resultados falsos

71. A primeira questão será a do horário que é intransponível.

72. A transcrição telefónica tendencialmente é precisa e diz-nos que ocorre às 22h56 a intercepção, o RDE assinados pelos 6 OPC’s tendo os mesmo corroborado em julgamento o teor do mesmo referem o horário das 23h21.

73. Em segundo lugar, temos que terá sido nesse dia e a essa hora que foi identificado o arguido JMA, ora resulta da transcrição que o alvo se terá feito identificar com documentos do Will.

74. Ora, esta contradição entre dois documentos que se encontram nos autos e que se tratam da tal prova pré-constituída não são ultrapassáveis, pelo que, tal como se de uma forma matemática se tratasse o mais um com menos um tem que produz o resultado de zero.

75. No RDE nº. 20 de 15-06-2016 que tem início pelas 09h47 e termina pelas 19h15, tendo sido executado pelo Cabo HS. Existem as transcrições e com o nº. 299 pelas 9h10m relativa ao Alvo 83593040 entre nº. 920163--- e 9201880-- Mike e Roy e o produto 302 entre o Mike e o Roy e ainda o 298 entre o Mike e o SMP e ainda o 297.

76. Ora resulta destas transcrições que as pessoas identificadas como Mike e SMP combinaram se deslocar a uma garagem às 10h porque alguém iria abrir a porta, (produto 298) e que a pessoa identificada como SMP iria diretamente para a garagem onde aliás se iria encontrar com o Roy. Às 11h47m na intercepção com o produto 302 verificasse que o identificado como Mike está a se deslocar para Olhão Mike: Sim, já temos impercetível, para Olhão, agora.

77. Ora a essa hora e nesse dia ainda o OPC não tinha visto o identificado como Mike e que corresponderia ao arguido JMA aliás resulta do seu RDE e das suas declarações em Tribunal que o mesmo só vê o arguido JMA ao 12h28 momento no qual terão carregado objetos de uma garagem para dentro de uma carrinha e em ato contínuo se deslocaram para a Corte AM.

78. Ora como é bom de ver, estas contradições ou as declarações e o RDE não são verdadeiros ou que o resultado da transcrição não é verdade, que efetivamente os intercetados não digam a verdade quando falam uns com os outros.

79. Podendo ainda resultar que os alvos das interceções não são os identificados nas mesmas.

80. Pelo que e na mesma senda o teor das transcrições e dos RDE’s terão de ser considerados duvidosos e contraditórios.

81. No RDE nº. 23 de 20-06-2016 que tem início pelas 05h50 e termina pelas 17h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo JI, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG.

82. No produto 367 pelas 8:14:58 o Mike pergunta se estão no armazém e o Roy diz que já estiveram. Ora em tal escuta telefónica é verificado que a pessoa identificada por Roy já haveria estado num armazém (em um qualquer armazém) e que até já tinha dado água a todos os potes.

83. Ora resulta que das vigilâncias que iniciaram 5H50 não foi visionado ninguém a entrar naquele armazém antes das 8:14:58 mas sim após esse horário nomeadamente de acordo com o RDE nº. 23 às 8:30. Resulta ainda que da vigilância é verificado o arguido AVE a fazer uso de dois telemóveis as 09h44 e 09:46 porém resultam dos autos de interceção telefónica que nesse dia e nessa hora não há nenhuma interceção telefónica ao Roy que é identificado como AVE.

84. Assim podemos concluir que as transcrições e os RDE’s são relativos a pessoas diferentes e a ocorrências diferentes.

85. No RDE nº. 24 de 22-06-2016 que tem início pelas 07h30 e termina pelas 13h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo JI, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, podemos verificar no produto 412 uma intercepção pelas 9:42 entre os identificados como Mike e Roy em que o Mike refere: Mike - Sim, eu sei eu tinha-lhe prometido, mas agora estou com o SMP tenho eu… amanhã temos de vir para aqui

86. Ora resulta da vigilância que o arguido JMA se encontrava só na estrada nacional 125 e não estava com ninguém pelas 09:41 segundo o RDE nº. 24.

87. Assim podemos também concluir que não há nem se estabelece a correspondência entre os arguidos JMA e o AVE e os alvos das intercepções telefónicas, aliás estabelece-se o oposto.

88. No RDE nº. 25 de 24-06-2016 que tem início pelas 09h30 e termina pelas 17h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resulta das intercepções telefónicas produto 434 que no dia 24-6-2016 pelas 10:59 que o identificado como Mike teria ido buscar roupa de cama para um PH e que estava em cabanas.

89. Ora no RDE nº. 25 estabelece-se que a essa hora o arguido JMA e bem assim o arguido SMP são visto em Olhão. Ora resulta deste RDE que as 9:48 é localizada a viatura Citroen Xsara verde -LL em Olhão e que cerca das 11h o arguido JMA e SMP entram na mesma.

90. Assim as pessoas visionadas nos RDE’s e o resultado das intercepções telefónicas não é o mesmo.

91. Aliás nem se percebe como poderia ser atestado o RDE uma vez que no início do mesmo que está a ser acompanhado em tempo real por um OPC não tenha este verificado que uma cosia e outra não eram a mesma coisa, isto é dizer que o observado não correspondia com aquilo que era escutado e mais uma vez entramos na situação de contradição entre os meios de prova.

92. No RDE nº. 29 de 30-06-2016 que tem início pelas 10h00 e termina pelas 17h, tendo sido executado pelos OPC’s Cabo JC, Cabo LF, Cabo JI, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resultado do produto 542 que as 8:01 perguntado pelo identificado Roy: Roy - estás no armazém? Mike - sim, a fazer umas coisinhas, ora resulta da vigilância que o arguido JMA não é visto no armazém 152 a essa hora no armazém 152.

93. Pelo que mais uma vez verificamos que o constante nas intercepções telefónicas e o verificado pelos OPC’s e reproduzido nos RDE’s não corresponde.

94. No RDE nº. 30 de 11-07-2016 que tem início pelas 10h00 e termina pelas 16h30, tendo sido executado pelos OPC’s 1º Sargento JJ, Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resulta do produto 645 pelas 14:21 que o identificado Mike se encontraria em Tavira e que questionava o identificado SMP se o mesmo estava em Cabanas ou não tendo aquele referido que sim.

95. Ora das vigilâncias estabelece-se que o arguido JMA estaria em Cabanas de Tavira desde as 11:58 hora que terá saído de Olhão e dirigido para Cabanas de Tavira onde estacionou o veículo num parque de estacionamento de terra batida tendo regressado pelas 16:00 para o veículo acompanhado do SMP.

96. Desta forma e mais uma vez se verifica que as escutas telefónicas se encontram em oposição referindo-se a pessoas diferentes.

97. E mais uma vez não se percebe por que o OPC não verificou, não sanou nem procurou saber ou informar das discrepâncias entre os dois meios de prova uma vez que é referido que se encontravam em tempo real.

98. No RDE nº. 40 de 30-08-2016 que tem início pelas 9h45 e termina pelas 16h30, tendo sido executado pelos OPC’s 1º Sargento JJ, Cabo JC, Cabo LF, Cabo RR, Cabo CS e Guarda Principal AG, resulta da intercepção 1163 pelas 11:02 o identificado como Mike refere ao identificado como SMP que estava a conduzir de Sevilha e que o Roy estaria na sua casa antiga .

99. Ora dos RDE’s verifica-se que o arguido JMA estaria em Olhão ou nos s eus arredores porquanto é ali visionado. Mais uma evz se verifica que os RDE’s e as transcrições se encontram em clara e plena oposição.

100. Da confrontação supra realizada resulta que o acórdão recorrido não produziu um estudo nem elaborou uma confrontação entre as provas que considerou serem pré-formadas.

101. E esse é o grande perigo que temos se considerarmos que é dispensável porque já existe no processo uma determinada prova, aliás mesmo que seja nula, como é o caso nos autos relativamente ao prazo de transcrição das escutas telefónicas, desde que ali estejam ainda que fora de prazo, ainda que nulo, desde que a defesa não veja e não impugne, tudo é susceptivel de passar a ser válido.

102. O mesmo é dizer que o Estado pode praticar qualquer aberração jurídica contra um qualquer seu cidadão que nada acontece.

103. Quando há muitos anos se fez a Constituição da República Portuguesa, quando há muitos anos homens e mulheres morreram na ambição de ter um estado de direito democrático onde instituíram a separação de poderes uma constituição derivada da consciência jurídica geral onde emergiam direitos, liberdades e garantias inabaláveis para todos, olvidou o bondoso do legislador que um dia mais tarde iriamos ser dominados pela tecnocracia e que ao invés de termos uma sociedade e um sistema jurídico regulado a obter uma justiça material temos uma justiça tecnocrata virada no protecionismo de um sistema.

104. Sistema este que preconiza a sua sobrevivência à custa dos direitos, liberdades e garantias dos seus cidadãos.

105. Hoje, olvidados que estamos do princípio da presunção da inocência, hoje estamos olvidados que é preferível ter um criminoso na rua do que um inocente na cadeia.

106. Hoje como num passado do qual nos devíamos envergonhar em que o que os OPC’s escreviam não era suscetível de ser posto em causa, continuamos na mesma, não aprendemos nada, criámos agora este sistema da prova pré-constituída como se fosse um grande achado, a verdade é que achámos a Idade Média do Direito, aliás pior do que aquela.

107. Pois é certo que na Idade Média os julgamentos até eram públicos e a prova era produzida na praça pública à vista de todos com excepção das torturas que eram feitas em privado.

108. Hoje temos que a prova é produzida às escondidas, é guardada em grandes resmas de papel para os quais é necessário fazer requerimentos para os ver, em que o arguido é obrigado às suas custas a suportar os custos de tirar cópias, para poder ver a final o que é que há contra ele.

109. A interpretação dada pelo Acórdão relativamente às transcrições telefónicas em que os considera meio de prova documental e prova pré-constituída e que não tem de ser lida ou analisada em sede de audiência é inconstitucional porquanto viola o princípio da presunção de inocência estabelecido no artigo 32º nº. 2 da Constituição da República Portuguesa em que se estabelece: todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa e ainda nº. 5 do mesmo artigo: o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

110. O que significa que todos os outros factos dados como provados não se encontram motivados de facto, pois não consta do acórdão recorrido quais os elementos probatórios em concreto que motivaram os factos dados como provados.

111. Termos em que e por estarmos perante um erro na motivação da matéria de facto e por falta de fundamentação da mesma deverá o acórdão recorrido ser revogado e em consequência deverá o arguido ser absolvido.

112. O tribunal “a quo” não admitiu a junção aos autos do requerimento de fls. uma vez que o mesmo foi junto após a produção de prova e encerramento da audiência, sendo que, ademais, do despacho de arquivamento junto com o requerimento nada refere relativamente a quaisquer factos susceptíveis de serem subsumidos ao objecto deste processo.

113. O arguido ora recorrente não se conforma com o despacho que não admitiu a junção aos autos de despacho de arquivamento dos autos que corriam termos na Comarca de Olhão no âmbito do processo n.º 317/15.0GDFAR, de onde resulta que “Realizadas as diligências de inquérito, não foi possível apurar a autoria dos factos, coma certeza exigível nessa fase, nem quem detinha a posse/utilização do armazém em causa no mesmo período.”.

114. Afigurando-se assim necessário para a descoberta da verdade material e da boa decisão da causa tal arquivamento e porquanto pese embora se entenda que o armazém sito em Bias do Sul “Alfandânga” não constitua o objecto propriamente dito, a verdade é que foi falado por inúmeras vezes e foi referido por diversas testemunhas, tendo-se inclusive ouvido o depoimento do seu proprietário.

115. Assim, o acórdão recorrido viola o princípio “non bis in idem”, vertido no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que consagra que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

116. Pelo que foi clamorosamente violado o princípio do “Non bis in idem”, bem como a interpretação do artigo 29.º, n.º 5 da nossa Constituição, termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado e em consequência deverá ser absolvido o arguido.

117. O Tribunal “a quo” ao considerar os factos provados que considerou e através da motivação explanada no acórdão recorrido, através do qual formou a sua livre convicção violou, entre outros o princípio da livre apreciação da prova, princípio esse que está consagrado no artigo 127.º do CPP.

118. O que não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade de forma arbitrária e tendenciosa, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender e sem fundamentação, ou motivando como no caso concreto numa ideia preconcebida de que os arguidos praticaram os factos de que vinham pronunciados e mesmo não havendo prova directa, presume-se da sua existência e condena-se os arguidos.

119. Quer isto dizer que, e salvo melhor opinião que o Juiz tem de orientar a produção de prova para a busca da verdade material e, ao decidir, há-de fundamentar as suas decisões: a apreciação da prova que faz reconduz-se a critérios objetivos, controláveis através da motivação.

120. A sua motivação é o que o levará a decidir de certa maneira e não de outra, embora pessoal e assente na livre apreciação do julgador não é discricionária, arbitrária, mas sim objetivável, o que não sucedeu no presente caso concreto.

121. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que nada obsta à valoração das transcrições das conversações telefónicas, que estas são prova documental e prova pré-constituída, podendo e devendo ser valorada ainda que não lida ou examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, dado que o arguido, ora recorrente impugnou todo o teor das transcrições das intercepções telefónicas.

122. Da mesma forma que não se considera que o resultado da intercepção telefónica constitua um facto, pois dúvidas não existem que as intercepções telefónicas constituem um meio de obtenção de prova, não podendo isoladamente comprovar o que quer que seja.

123. Contrariamente ao entendimento do tribunal “a quo” ficaram muitas dúvidas e muitas questões por decidir, não existindo prova directa de que os arguido, ora recorrente tenha cometido os factos de que vinham acusados, não sendo possível concluir sem qualquer dúvida razoável de que estas pessoas tenham praticado o crime de tráfico de estupefacientes, como já se referiu e mais uma vez se reforça a apreciação de prova é feita de forma objectiva e orientada em função da busca e da descoberta da verdade material, o que não sucedeu in casu.

124. Os factos dados como provados de 22 a 31, 36, 37 e 38 violam o princípio da livre apreciação da prova e o grau de certeza exigido no nosso direito penal.

125. Resultando da motivação da matéria de facto que o próprio tribunal “a quo” se quedou com muitas dúvidas, e com muito poucas certezas. E por mais ténue que seja essa dúvida, o facto de existir obvia a que se possa condenar quem quer que seja.

126. O que nos leva a concluir que o Julgador ficou com dúvidas, dúvidas essas que são susceptíveis de serem consideradas dúvidas razoáveis de que não foram os arguidos quem praticaram os factos em apreço.

127. E na dúvida não poderia o tribunal “a quo” ter condenado os arguidos, pois não resulta do acórdão recorrido qualquer prova directa de que tenham sido os arguidos a praticar os factos em apreço.

128. Ao arrepio do preconizado na nossa lei processual penal e na nossa Constituição a condenação dos arguidos baseia-se em meras convicções, prova indirecta e circunstancial e bem assim em meios de obtenção de prova.

129. Assim, no que concerne aos factos provados 27 a 31, 36, 37 e 38 violou o tribunal “a quo” o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, determinando tal vício a nulidade do acórdão, por força do artigo 379.º, n.º1, c) do Código de Processo Penal, devendo ser o acórdão recorrido considerado nulo e determinar-se a absolvição dos arguidos, ora recorrentes.

130. Além da violação do princípio da livre apreciação da prova e do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, os factos provados n.ºs 27 a 31, 36, 37 e 38 violam o vertido no artigo 355.º do Código de Processo Penal.

131. Com efeito, e de acordo com esta norma, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do douto Tribunal “a quo”, e não poderiam ter sido tomadas em consideração quaisquer provas que não tiverem sido produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento, o que sucedeu in casu com a prova documental, nomeadamente com os RDE’s e com as transcrições das intercepções telefónicas.

132. Pois o tribunal “a quo” deveria ter aplicado a regra contida no artigo 355.º, n.º 1 do Código de Processo Penal aos documentos e aos meios de prova já existentes aquando da prolação da acusação, sob pena de violação do princípio do contraditório e bem assim do direito a um processo justo e equitativo.

133. Assim como se entende que o tribunal “a quo” não pode valorar a prova documental da forma como o fez violando o artigo 125.º e o artigo 355.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

134. Termos em que não se pode valorar toda a prova documental existente que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência.

135. Ao admiti-los e ao valorar as provas pré-constituídas em geral o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 125.º e 355.º do Código de Processo Penal, bem como o princípio do contraditório e o princípio da imediação da prova.

136. Termos em que deverá ser declarado o acórdão nulo por violação dos supra elencados preceitos legais e bem assim do disposto no artigo 125.º e 355.º do Código de Processo Penal, bem como o princípio do contraditório e da imediação da prova e serem os arguidos absolvidos.

137. O arguido ora recorrente não se conforma com o facto de não lhe ter sido realizada as perícias médico-legais para a determinação de toxicodependência do arguido, ao abrigo do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, porquanto tal perícia médico-legal a que alude o artigo 52.º do Decreto-Lei 115/93 de 22 de Janeiro se destina a arguidos suspeitos de serem toxicodependentes e que a sua toxicodependência tenha sido o motivo que os arrastou para o crime, conforme se verifica no presente caso concreto.

138. Daí que tal perícia tenha que ser obrigatoriamente realizada na fase de inquérito, o que não sucedeu in casu.

139. A perícia médico-legal mostra-se obrigatória a todo o tempo, quando os autos tenham conhecimento da toxicodependência do arguido.

140. Pois esta perícia é iminentemente de carácter clínico e visa diretamente os efeitos previsto no artigo 55.º do Decreto-Lei 115/93 de 22 de Janeiro, isto é, a aplicação ao arguido de uma eventual obrigação de tratamento em estabelecimento adequado ou a não aplicação ao arguido da medida de coação da prisão preventiva, quando o mesmo tenha em curso um programa de tratamento, tratando-se, assim, de uma atuação claramente protectora e ressocializadora.

141. Não tendo o tribunal “a quo” ponderado nem equacionado o facto de o arguido ora recorrente ser consumidor de estupefaciente.

142. Pois o que se visa aferir através da perícia médico-legal não é se o arguido é qual a natureza dos produtos consumidos pelo arguido; o estado físico e psíquico do arguido; os reflexos dos consumos na capacidade do arguido avaliar as situações e de se determinar o nível de consciência da ilicitude.

143. Na ratio da criação do artigo 52.º do Decreto-Lei 115/93 de 22 de Janeiro está o facto de o consumidor, embora se admita que possam existir vários estádios de consumos, ser tratado como um doente, que efetivamente o é.

144. Termos em que o acórdão recorrido ao não equacionar a dependência do arguido violou o disposto nos artigos 52.º e 55.º do Decreto-Lei 115/93 de 22 de Janeiro e o artigo 32.º, n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, devendo o mesmo ser declarado nulo por omissão de pronúncia.

145. O arguido, ora Recorrente invocou ainda a nulidade do auto de busca de fls. 1966 e ss e da busca efectuada ao armazém, sito em Olhão e à residência sita na Corte AM, em virtude de o mesmo estar assinado por arguido que não entende, nem compreende a língua portuguesa, tendo assim sido preteridos os direitos, liberdades e garantias consagrados legal e constitucionalmente.

146. Tendo o tribunal “a quo” entendido que quando estamos perante a realização de buscas ordenadas judicialmente, não se verifica a exigência de estar presente um intérprete ou mesmo um defensor, pois que a diligência deverá ser realizada independentemente da prévia autorização ou consentimento do visado.

147. E que mesmo que se considerasse que era necessária a presença de intérprete em todas as buscas onde o arguido JMA foi visado ou esteve presente, não se poderia extrair qualquer consequência da nulidade, entendendo o tribunal “a quo” que as nulidades relativas têm que ser invocadas no inquérito ou na instrução.

148. Salvo o devido respeito, andou mal o tribunal “a quo” ao não declarar a nulidade dos autos de busca e apreensão invocada, violando o vertido no artigo 92.º do Código de Processo Penal e o artigo 64.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal que dispõe que é obrigatória a assistência de defensor em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for desconhecedor da língua portuguesa.

149. Ora, in casu temos que para além de a intérprete só ter chegado quando já se encontrava a decorrer a busca ao armazém e de não ter estado presente na busca domiciliária, certo é que o arguido, desconhecedor na língua portuguesa não foi assistido por nenhum defensor, o que consubstancia uma nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal.

150. Sem prescindir, sempre se dirá que caso assim não se entenda estamos perante uma nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, pois constitui nulidade dependente de arguição a falta de nomeação de intérprete nos casos em que a lei considerar obrigatória, nulidade essa que o ora recorrente só tomou conhecimento em sede de audiência de discussão e julgamento e aquando da inquirição dos OPC’s e da intérprete, tendo de imediato arguido a nulidade, logo quando teve conhecimento da mesma, considerando-se assim que se estava em tempo para arguir a nulidade, devendo a mesma ser declarada procedente.

151. Veja-se a este propósito aquele que tem sido o entendimento dominante da nossa jurisprudência, nomeadamente o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 256/16.7PAPVZ-B.P1, datado de 29-03-2017, cujo sumário ora se transcreve:

“É nula a busca domiciliária, realizada em casa habitada por estrangeiro que não conhece nem domina a língua portuguesa, não lhe tendo sido nomeado intérprete, nem a autorização assinada se mostra traduzida para a sua língua natal.”.

152. Assim o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 92.º n.º 2 do Código de Processo Penal, uma vez que, apesar de resultar dos autos que os recorridos não conhecem, e muito menos dominam a língua portuguesa, não lhe foi nomeado intérprete aquando da realização de busca, quer a domiciliária, quer a do armazém.

153. A inobservância da regra de nomeação de interprete, consubstancia uma nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal.

154. Não sendo exigível que os recorridos invocassem a referida nulidade até ao termo do ato em que a mesma foi cometida, uma vez que, por um lado, não estavam representados por defensor, e por outro lado, porque a reação a tal violação da lei pressupõe conhecimentos técnicos-jurídicos que os mesmos não detêm por não serem advogados.

155. O defensor só conseguiu arguir a referida nulidade em sede de audiência de discussão e julgamento e aquando da inquirição das testemunhas OPC’s e interprete.

156. A nulidade por falta de nomeação de intérprete e defensor foi arguida logo que os recorrentes tiveram conhecimento da mesma, pelo que, é manifesto que acarreta a nulidade da busca e das apreensões.

157. Apesar de constar dos autos que os arguidos são cidadãos de nacionalidade Holandesa, e não são conhecedores, e muito menos dominam a língua portuguesa foi também violado o disposto no artigo 64.º alínea d) do Código de Processo Penal, aquando da autorização e da realização da busca domiciliária, os recorrentes não estavam representados por defensor.

158. Tal situação, constitui uma nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal.

159. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal, as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem, pelo que, é manifesto que as buscas, quer domiciliárias, quer não domiciliárias, e as apreensões efetuadas são inválidas.

160. Devendo o tribunal “ad quem” declarar a nulidade da busca domiciliária e da busca ao armazém e em consequência deverão os arguidos serem absolvidos.

161. Os arguidos, ora recorrentes, invocaram a nulidade prevista no artigo 99.º e 123.º do Código de Processo Penal, porquanto a fls. 1968 encontra-se rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária, pois que tal incorrecção na hora poderia infirmar o auto de busca subsequente, o qual se encontra infirmado pela cota realizada a fls. 2005 porquanto aí foi feita constar a hora 20:40.

162. Entendeu o tribunal “a quo” que ao abrigo do disposto no artigo 94.º do Código de Processo Penal haverá desde logo que atentar que não é obrigatória a menção da hora da diligência, adiantando que apenas quando estamos perante um acto que afecte liberdades fundamentais é que é imperativo a referência à hora da ocorrência, com referência ao seu início e ao seu fim.

163. Andou mal o tribunal “a quo” ao interpretar que por estar judicialmente autorizada, a busca poderia ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite, sendo certo que nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 1 do Código de Processo Civil a busca só pode ser ordenada ou autorizada pelo Juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.

164. Daí que não se considere que estejamos perante uma mera irregularidade, mas sim uma nulidade pois o facto de se encontrar rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária determina que o arguido não possa aferir da sua nulidade ou não, desconhecendo-se se esta foi realizada dentro do horário legalmente permitido entre as 7 e as 21 horas.

165. Resultando de fls. 1968 que se encontra rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária, o que determina a nulidade do auto e consequentemente a nulidade da busca domiciliária.

166. Ao indeferir a nulidade invocada o tribunal “ a quo” violou o disposto nos artigos 94.º, 99.º e 177.º do Código de Processo Penal.

167. O arguido, ora recorrente requereu a declaração de nulidade de todo o processado, desde a fase de inquérito, e ao abrigo do disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal, porquanto do depoimento de duas testemunhas resultou que as mesmas, quando inquiridas pelo OPC naquela fase processual, foram confrontadas com intercepções telefónicas existentes nos autos.

168. O tribunal “a quo” acordou que não entende a invocação porquanto tal não consta do regime das proibições da prova previsto no artigo 126.º do Código de Processo Penal, não vislumbrando minimamente qualquer fundamento legal para a invocação da proibição de prova.

169. Sucede que não podemos compactuar com ilegalidades e nomeadamente com “conduções” de investigação elaboradas pelo OPC, resultando claramente que é nula toda a prova obtida em sede de inquérito pelo OPC em que foram exibidas escutas telefónicas de forma a “pressionar” as testemunhas a declararem o que o OPC lhe convinha.

170. Sem prescindir, sempre se dirá que a GNR juntou três processos num único processo, iniciando-se o presente inquérito nos seus primeiros volumes a alegadas situações de tráfico de menor gravidade e consumo de estupefacientes, situações que não admitem escutas telefónicas.

171. As escutas telefónicas são um meio de prova e não um indício ou um facto demonstrativo da ocorrência de um crime.

172. Para que a escuta telefónica possa servir para indiciar fortemente o escutado da prática de qualquer crime, é necessário ainda que esteja a mesma escuta relacionada com outro facto, com ela conexo, ou seja, não basta uma escuta telefónica sem a verificação de um evento, um acontecimento, um facto, que sustente o indício, por forma se poder afirmar, que aquilo que consta na transcrição aconteceu.

173. Nesta mesma senda que nunca deveriam ter sido admitidos os relatórios de vigilância indicados na acusação como prova documental, porquanto mais não são do que um texto escrito pelos OPC’s onde estes relatam aquilo que viram, são pois testemunhos por escrito.

174. Não podendo ser utilizados na prova de factos em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme é entendimento da nossa jurisprudência, citamos a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 42/08.PJAMD.L1-5, datado de 25-05-2010, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário infra se transcreve:

“I - Autos de vigilância (isto é, textos escritos pelos agentes policiais onde estes relatam aquilo que viram) não são documentos que possam ser utilizados na prova de factos num julgamento.

II - Autos de visualização com registos de imagens, prova resultante dos meios previstos no art. 6/1 do Lei 5/2002, de 10/11, não são admissíveis como prova para os crimes do art. 25 do Dec. Lei 15/93. Tendo sido autorizado o registo de imagem e voz para investigação de um crime de tráfico de droga do art. 21, a prova obtida por esse meio não pode ser utilizada para prova de crimes do art. 25.

III - Isto é, “logo que a conclusão pela insubsistência (v.g., por falta de prova) do crime do catálogo faz cair a conexão, fica insuprivelmente perdido o suporte e o fundamento da valoração para prova dos crimes não pertinentes ao catálogo”.

IV – Quatro vendas de 0,131 g cada, dispersas por dois dias de dois meses diferentes, e a posse, num terceiro mês, de 41 embalagens de cocaína e heroína, com aquele mesmo peso líquido, sem prova, no essencial, de mais nada, não ultrapassam aquele tráfico do art. 25.

V – Duas vendas de 0,16 g de droga por cada um de 4 dias, dispersos por 3 meses diferentes, e mais 3 vendas num dia de um 4º mês, junto com a posse, neste último dia, de 27,5 g de cocaína e heroína (que dariam para 171 embalagens de 0,16 g cada) podem ser consideradas como tráfico do art. 21, embora no limite do tráfico do art. 25.”

175. Igualmente tem sido entendimento unânime da nossa jurisprudência de que os relatórios de vigilância com registo de imagens não são admissíveis para a investigação do crime de tráfico de droga de menor gravidade, previsto e punido no artigo 25.º do Decreto-lei 15/93 de 22/01, pois conforme resulta do artigo 51.º n.º 1 do Dec. lei 15/93, de 22/01 estes apenas deverão ser valorados em casos equiparados a terrorismo, criminalidade violente ou altamente organizada.

176. Termos em não deveriam ter sido admitidas as escutas telefónicas, os relatórios de vigilância e bem assim os registos e recolha de imagens, devendo o tribunal “ad quem” determinar a nulidade das escutas telefónicas, relatórios de vigilância e bem assim registos e recolhas de imagens e em consequência deverá ser determina a nulidade de todo o inquérito.

177. O arguido ora recorrente impugnou a transcrição das escutas telefónicas efetuadas nos autos, nas sessões, alvos e datas abaixo discriminadas por não estarem corretamente transcritas e invocar a nulidade das intercepções por decurso do prazo legalmente estabelecido de apresentação ao Juiz de Instrução, nomeadamente o produto 497 de 27/6, mas apresentada em 18/07 a fls. 1576 a 1577; o produto 534 de 29/6; o produto 542 de 30/06; o produto 545 de 30/06 e o produto 549 de 30/06. E bem assim todos do alvo 8389 e do alvo 3040 – CD8 datados de 28/07 e só apresentados ao Juiz de Instrução em 23/08 e CD 9, sessões 801 e seguintes.

178. Bem como as sessões 745 realizadas em 23/07 e apresentada ao Juiz em 08/08, 754, 760, 761, 768, 769, 770, 771 e 772.

179. E requereu a nulidade das transcrições dos produtos 77 realizada a intercepção em 06/06/2016 e presente a Juiz em 27/06/2016, conf. fls. 1319 a 1327 e bem assim dos produtos 80, 81, 83, 103, 104, 109, 111, 112, 113, 117, 119, 131, 136, 142, 143, 162, 164, 168, 195 e 210.

180. E das intercepções telefónicas com o produto n.º 323 que foi realizada no dia 16/06/2016 porém só foi validada em 04/07/2016, fls. 1407 a 1408, tendo decorrido mais do que o prazo legalmente previsto de 15 dias.

181. Termos em que não deverão ser valoradas as escutas telefónicas e em consequência deverão as mesmas serem declaradas nulas por violação do disposto nos artigos 188.º, n.º 3 e 4 e 190.º do Código de Processo Penal.

182. O tribunal “a quo” compactuou com a falta de inquérito e de instrução e dessa forma veio a violar pela não realização das perícias e das buscas os direitos dos arguidos, o que produz não só a violação do artigo 119, alínea d) do CPP como do artigo 32.º, n.º 1 e 5 da CRP.

183. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado por violação do disposto no artigo 119.º, alínea d) do CPP, com referência ao artigo 412.º, n.º3, alínea c) do CPP, devendo ser mandado repetir o julgamento.

184. Resultando ainda que no acórdão recorrido não consta se os arguidos foram condenados em autoria, ou co-autoria ou em cumplicidade, o que faz com que estejamos perante uma omissão de pronúncia e perante um erro de interpretação do artigo 26.º e 27.º do Código Penal.

185. O acórdão recorrido viola também o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da igualdade e da proporcionalidade, nomeadamente na escolha da medida da pena porquanto o arguido está socialmente inserido, tem uma família (companheira e dois filhos) que muito o apoiam, sendo as necessidades de prevenção especial diminutas.

186. Pois mesmo que se admita por mera cautela de patrocínio que o arguido praticou os factos de que vinha acusado, sempre se dirá que atendendo à personalidade do arguido, uma pena de prisão inferior a cinco anos e suspensa na sua execução cumpre de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial positivas.

187. O tribunal “a quo” limitou-se a referir que as necessidades de prevenção geral sejam elevadas e que o arguido tenha um total sentimento de impunidade, sem que para tal tenha fundamentado e justificado tais conclusões e em que é que se baseia para afirmar que o arguido tem um sentimento de impunidade, pois não há nenhum elemento nos autos que o demonstre.

188. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado por violação do disposto no artigo 13.º da Constituição e bem assim dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

189. Andou mal o tribunal “a quo” ao valorar que a hipótese de legalizar a canábis para fins medicinais encontra-se a ser discutida pelo comissão parlamentar de saúde, no Projeto de Lei N.º 726/XIII/3.ª que REGULA A UTILIZAÇÃO DA PLANTA, SUBSTÂNCIAS E PREPARAÇÕES DE CANÁBIS PARA FINS MEDICINAIS.

190. E que a pena deverá ser valorada em função do bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito, que in casu é a saúde pública.

191. Sem prescindir, do que supra se referiu e defendeu temos in casu que o arguido SMP foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela Anexa I-C, na pena de 6 anos de prisão tal pena viola desde logo os princípios orientadores da teoria dos fins das penas.

192. As penas têm de ser absolutamente justas em função da culpa, como dispõe o artigo 40.º do Código Penal.

193. Sendo certo que um dos princípios basilares do nosso código penal reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.

194. Pelo que, consideramos que o tribunal “a quo” não teve em consideração o supra mencionado artigo do nosso Código Penal, relativamente à determinação da medida da pena de prisão aplicada.

195. Salvo o devido respeito, o tribunal “a quo” violou esses mesmos princípios orientadores da teoria dos fins das penas, é que a pena tem como primeira referência a culpa depois e num segundo momento, mas ao mesmo nível, a prevenção geral e especial.

196. No caso dos autos, as medidas da pena aplicadas são manifestamente elevadas.

197. Como supra se referiu deveria ter sido equacionado o artigo 40.º do Código Penal sobre os fins das penas, a não aplicação daquele dispositivo legal provoca um erro de determinação da pena aplicável in casu.

198. Termos em que e sem prescindir deve ser revogado o douto acórdão devendo ser proferido novo acórdão que tenha como base a aplicação da teoria dos fins das penas existente no nosso sistema penal, e optar-se pela absolvição do arguido, ora recorrente, ou caso assim não se entenda sempre se dirá que devemos optar por uma pena de prisão inferior a cinco anos, sempre suspensa na sua execução.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o acórdão recorrido e em consequência deverá o arguido SMP, ora Recorrente, ser absolvido, assim se fazendo JUSTIÇA

Inconformados com o despacho, os mesmos arguidos - JMA e AVE (em requerimento conjunto) e SMP - interpuseram recursos, respectivamente extraindo as conclusões:

- JMA e AVE:
1. Os arguidos, ora recorrentes requereram e invocaram a nulidade de deficiente gravação de audiência nos termos do disposto no artigo 363º e 364.º do Código de Processo Penal.

2. A gravação da audiência de discussão e julgamento dos presentes autos é deficiente e completamente inaudível, nomeadamente nos depoimentos prestados pela testemunha Daniel (Ficheiro 20171213103435_3885308_2870819) e pela. testemunha Emma (Ficheiro 20180207095658_3885308_2870819).

3. E bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas:
JP(Ficheiro 20171213100127_38885308_2870819);
PMF (Ficheiro 20171213111122_3885308_2870819);
JAC (Ficheiro 20180110100631_3885308_2870819);
RG (Ficheiro 20180117105316_3885308_2870819);JTA(Ficheiro20180117163047 _3885308_2870819);
RR (Ficheiro2017121514255S_3885308_2870819);
HRA (Ficheiro 201801171165610_3885308_2870819);
MAS (Ficheiro20180117170617 _3885308_2870819)
e VB (Ficheiro 20180110155502_3885308_2870819) que apresentam deficiências na audição, sendo tais depoimentos essenciais à prova.

4. Por despacho datado de 03-04-2018 o tribunal "a quo" decidiu declarar não verificada a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal, porquanto as gravações da audiência de julgamento permitem a audição e compreensão do sentido das palavras das testemunhas e que ainda que a nulidade se verificasse, a mesma seria considerada nulidade sanável, pelo que tendo sido arguida extemporaneamente, se teria a mesma por sanada.

5. Os arguidos não se conformam com o despacho recorrido porquanto o mesmo é violador do disposto nos artigos 363.º e 364.º do Código de Processo Penal e bem assim violador do regime dos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 17.º e 18.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e da nossa jurisprudência dominante.

6. Senão vejamos, é manifestamente notória a deficiência de gravação nos depoimentos supra referenciados, mormente nos depoimentos prestados pela testemunha Daniel (Ficheiro 20171213103435_3885308_2870819) e pela testemunha Emma(Ficheiro 20180207095658_3885308_2870819) que são completamente inaudiveis.

7. Andou mal o tribunal "a quo" ao considerar que são audíveis e perceptíveis todos os depoimentos das testemunhas, embora nalguns exista um som baixo que, não obstante, não impede a sua audição, sendo que, no depoimento da testemunha Emma, as declarações da mesma são perfeitamente perceptíveis embora pouco perceptíveis as questões que lhe foram colocadas, o que não impede ou impossibilita a captação do sentido das palavras da declarante.

8. E ao decidir que ainda que a nulidade se verificasse, a mesma seria considerada nulidade sanável, pelo que tendo sido arguida extemporaneamente, se teria a mesma por sanada.

9. Pois, salvo o devido respeito, que é muito, não se considera que a invocada nulidade seja extemporânea dado que assim que tomaram conhecimento da mesma os arguidos vieram aos autos invocar a aludida nulidade.

10. Podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso, quando a gravação não for disponibilizada às partes no prazo de dois dias, não tendo in casu a gravação sido disponibilizada no prazo de 48 horas.

11. Veja-se a este propósito o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1277/12.4TBFLG.P1, datado de 10-03-2015, disponível em www.dgsi.pt.

12. Ao que acresce que aos arguidos deduziram a alegada nulidade dentro do prazo legalmente conferido de 10 dias contados desde o dia em que os suportes técnicos com o registo de gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.

13. Cita-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 9/05.8TAAND.C1, datado de 02-06-2009, disponível em www.dgsi.pt.

14. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado por violação do disposto nos artigos 363.º e 364.º do Código de Processo Penal e bem assim violador do regime dos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 17.º e 18.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e da nossa jurisprudência dominante.

15. E em consequência deverá ser declarada procedente a nulidade de deficiência de gravação invocada.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o despacho recorrido e em consequência deverá ser julgada procedente a nulidade invocada, assim se fazendo JUSTIÇA.

- SMP:
1. O arguido, ora recorrente requereu e invocou a nulidade de deficiente gravação de audiência nos termos do disposto no artigo 363º e 364.º do Código de Processo Penal.

2. A gravação da audiência de discussão e julgamento dos presentes autos é deficiente e completamente inaudível, nomeadamente nos depoimentos prestados pela testemunha Daniel (Ficheiro 20171213103435_3885308_2870819) e pela testemunha Emma (Ficheiro 20180207095658_3885308_2870819).
3. E bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas:
JP (Ficheiro 20171213100127_38885308_2870819);
PMF (Ficheiro 20171213111122_3885308_2870819);
JAC (Ficheiro 20180110100631_3885308_2870819);
RG (Ficheiro 20180117105316_3885308_2870819); JTA (Ficheiro20180117163047 _3885308_2870819);
RR (Ficheiro2017121514255S_3885308_2870819);
HRA (Ficheiro 201801171165610_3885308_2870819);
MAS (Ficheiro20180117170617 _3885308_2870819)
e VB (Ficheiro 20180110155502_3885308_2870819) que apresentam deficiências na audição, sendo tais depoimentos essenciais à prova.

4. Por despacho datado de 03-04-2018 o tribunal "a quo" decidiu declarar não verificada a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal, porquanto as gravações da audiência de julgamento permitem a audição e compreensão do sentido das palavras das testemunhas e que ainda que a nulidade se verificasse, a mesma seria considerada nulidade sanável, pelo que tendo sido arguida extemporaneamente, se teria a mesma por sanada.

5. O arguido não se conforma com o despacho recorrido porquanto o mesmo é violador do disposto nos artigos 363.º e 364.º do Código de Processo Penal e bem assim violador do regime dos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 17.º e 18.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e da nossa jurisprudência dominante.

6. Senão vejamos, é manifestamente notória a deficiência de gravação nos depoimentos supra referenciados, mormente nos depoimentos prestados pela testemunha Daniel (Ficheiro 20171213103435_3885308_2870819) e pela testemunha Emma (Ficheiro 20180207095658_3885308_2870819) que são completamente inaudiveis.

7. Andou mal o tribunal "a quo" ao considerar que são audíveis e perceptíveis todos os depoimentos das testemunhas, embora nalguns exista um som baixo que, não obstante, não impede a sua audição, sendo que, no depoimento da testemunha Emma, as declarações da mesma são perfeitamente perceptíveis embora pouco perceptíveis as questões que lhe foram colocadas, o que não impede ou impossibilita a captação do sentido das palavras da declarante.

8. E ao decidir que ainda que a nulidade se verificasse, a mesma seria considerada nulidade sanável, pelo que tendo sido arguida extemporaneamente, se teria a mesma por sanada.

9. Pois, salvo o devido respeito, que é muito, não se considera que a invocada nulidade seja extemporânea dado que assim que tomaram conhecimento da mesma os arguidos vieram aos autos invocar a aludida nulidade.

10. Podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso, quando a gravação não for disponibilizada às partes no prazo de dois dias, não tendo in casu a gravação sido disponibilizada no prazo de 48 horas.

11. Veja-se a este propósito o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1277/12.4TBFLG.P1, datado de 10-03-2015, disponível em www.dgsi.pt.

12. Ao que acresce que o arguido deduziu a alegada nulidade dentro do prazo legalmente conferido de 10 dias contados desde o dia em que os suportes técnicos com o registo de gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.

13. Cita-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 9/05.8TAAND.C1, datado de 02-06-2009, disponível em www.dgsi.pt.

14. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado por violação do disposto nos artigos 363.º e 364.º do Código de Processo Penal e bem assim violador do regime dos direitos, liberdades e garantias previstos no artigo 17.º e 18.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e da nossa jurisprudência dominante.

15. E em consequência deverá ser declarada procedente a nulidade de deficiência de gravação invocada.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o despacho recorrido e em consequência deverá ser julgada procedente a nulidade invocada, assim se fazendo JUSTIÇA.

Todos os recursos foram admitidos.

O Ministério Público apresentou respostas, concluindo:
- quanto aos recursos do acórdão de JMA e AVE:

DAS NULIDADES:
1. Quanto à deficiente gravação da prova reitera-se o que o Tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.6672 a 6675), sobressaindo que o que foi dito não impede ou impossibilita o sentido das palavras das testemunhas (despacho);

2. Pelo que, apenas existe uma dificuldade de audição, o que apenas revela uma “dificuldade técnica”, não jurídica, que urja suprir;

3. Além disso, esta invocada nulidade carece de conteúdo, pois que os recorrentes não referem o que deixaram de perceber, de entender ou que esperavam ouvir e não ouviram;

4. Ou seja, limitam-se a afirmar que a gravação está deficiente sem concretizar, contra aquilo que o Tribunal esclareceu, pelo que, não está preenchido o disposto no artigo 363º do Código de Processo Penal;

5. E, mesmo que tal nulidade se tivesse verificado, o que não foi o caso, sempre a sua arguição seria extemporânea, pois que o deveria ter sido num prazo de 10 dias, o que não sucedeu;

6. Quanto à nulidade por falta de intérprete reitera-se o que o tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.5911 a 5915), sobressaindo que a busca foi judicialmente determinada pelo não carece da autorização de nenhum arguido, nem tão pouco da presença de intérprete, desde logo, porque a diligência realiza-se mesmo sem a presença daquele;

7. Todavia, sobressai de forma inequívoca dos autos, que o arguido JMA falava para todas as pessoas que com ele falava, em língua inglesa, designadamente, o próprio arguido recorrente;

8. Por isso, e uma vez que lhe transmitido em língua inglesa o objetivo da diligência, tendo aquele dito para o elemento da força policial que percebeu, o que, diga-se, não seria difícil pelo número de polícias e local onde se encontravam (à entrada do armazém onde se encontrava a plantação de cannabis) que aquele logo compreendeu o que iria ser feito;

9. Além disso, a existir tal nulidade, que não se verificou, dado que a mesma não é insanável, a sua arguição deveria ter sido apresentada até ao final do inquérito ou da instrução, o que não foi feito de acordo com o disposto no artigo 120º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal, pelo que é extemporânea;

10. Quanto à nulidade das escutas telefónicas e seu valor probatório sobressai da prova produzida – depoimentos prestados por todos os elementos dos OPC´s, que estes confirmam aquilo que ouviram e viram e que registaram nos RDE´s (Relatório de Diligência Externa) se coadunava com o que resultava das transcrições das escutas;

11. É óbvio, que cada elemento policial que estava na mesma patrulha (RDE) não podia ter o idêntico conhecimento do seu colega, dado que no terreno se encontravam em locais diferentes, e por isso, quanto a que viam e ouviam não podia existir coincidência, sendo certo, que da apreciação global de todos os depoimentos, surge uma dinâmica factual num determinado contexto de tempo, essa sim, que importa apreciar;

12. Desse modo, não existe nenhuma contradição, mas apenas um complemento de depoimentos, retirando-se do seu conjunto a verdade factual;

13. Por outro lado, é pacificamente aceite que as escutas telefónicas para além de um meio de obtenção da prova, são também um meio de prova, ficando sujeitas à livre apreciação da prova pelo Tribunal;

14. Pelo que, transcrição das escutas telefónicas e RDE´s, designadamente, as fotografias que os integram e que foram escrutinadas em tribunal, todas elas sujeitas a contraditória, são prova documental, não ocorrendo a violação de nenhum preceito legal ou constituem qualquer nulidade;

15. Quanto à nulidade dos artigos 94º, 99º e 177º do Código de Processo Penal reitera-se aqui o que o tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.5916), onde a questão levantada não configura uma nulidade mas sim uma irregularidade que não foi tempestivamente arguida;

16. E, mesmo que se tratasse de uma nulidade, dado que não é insanável, teria que ter sido arguida até final do inquérito ou instrução de acordo com o disposto no artigo 120º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal, o que não foi, pelo que, é extemporânea a sua atual arguição;

17. Quanto à nulidade de inquérito aquando da resposta a outras invocadas nulidades, também o tribunal no seu despacho de fls.5908 a 5926 se pronunciou sobre esta questão, que aqui se deixa por reproduzido, mas sempre se dirá que o arguido recorrente sustenta esta alegação com o seu entendimento que a prova – escutas telefónicas, são prova proibida, nada mais dizendo, ou seja, não apresenta conteúdo para o que refere;

18. Além disso, mesmo que tivesse existido esta nulidade, o que não ocorreu, também a sua arguição agora peca por extemporânea dado que segue o mesmo regime já antes enunciado do artigo 120º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal, isto é, tinha que ser arguida até final do inquérito ou instrução;

19. Quanto a uma eventual nulidade da alínea d) do artigo 119º do Código de Processo Penal a qual também já foi alvo de apreciação judicial (fls.5907 e 5916 a 5918), mutatis mutandis em relação ao mencionado em 18;

20. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia e violação do artigo 31º do DL 15/93, de 22-01 não podem os arguidos beneficiar da atenuação da pena dado que a sua conduta não integra nenhum dos comportamentos ali mencionados;

21. Quanto à nulidade da documentação junta aos autos a matéria que consta em tais documentos não está sujeita a dever de sigilo, não sendo obrigatório um prévio despacho no sentido da sua obtenção pelo Magistrado, sendo também de salientar que se tal configurasse uma nulidade, que não configura, a mesma deveria ter sido arguida até ao final do inquérito ou da instrução, sendo agora extemporânea de acordo com o disposto no artigo 120º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal;

DA MATÉRIA DE FACTO:
22. Invoca o arguido que foram incorretamente julgados os factos sob os pontos 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 36, 37 e 38;

23. Mas carece de razão, dado que a prova produzida em sede de audiência a que se adiciona toda a prova documental e pericial, nelas se englobando as transcrições das escutas telefónicas e RDE´s, permitem concluir como concluiu o Tribunal;

24. Isto é, de que os arguidos JMA e AVE cultivavam uma plantação de Cannabis e comercializavam-na;

25. Aliás, o próprio arguido JMA referiu em julgamento que tratava daquela plantação de Cannabis;

26. Os arguidos conheciam as caraterísticas da Cannabis e sabiam que o seu cultivo e venda eram proibidos e punidos por lei penal;

27. O Tribunal apreciou e valorou toda a prova de forma critica e de acordo com a sua livre apreciação de acordo com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal;

28. Recorrendo a critérios lógicos, coerentes e racionais, pelo que, estes factos estão de acordo com toda a prova produzida;

OUTRAS VIOLAÇÕES:
29. Quanto ao erro notório na apreciação da prova o erro vício a que alude a alínea c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, é hoje pacificamente aceite por toda a Jurisprudência Doutrina, que tal erro tem que ser tão ostensivo, que vá contra tudo o que é racional, lógico e coerente, segundo a apreciação do homem médio;

30. Nenhum facto dado como provado ou da fundamentação, surge tal tipo de erro, nem outro;

31. Quanto à violação do princípio nom bis in idem tem como requisito essencial que o arguido já tivesse sido julgado pelos mesmos factos;

32. Acontece que os arguidos não foram julgados pelos mesmos factos, e aqueles a que se reportam referem-se a um inquérito, que nem sequer tem o mesmo objeto;

33. Pelo que, facilmente se conclui que não estão presentes os requisitos da exceção de caso julgado que deriva do nº5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa;

34. Quanto à violação do princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º do Código de Processo Penal, e como já antes mencionado, os arguidos apenas pretendem impor a sua versão dos factos, esquecendo precisamente este princípio, querendo colocar barreiras estanques entre depoimentos, sem apreciar todo o conjunto da prova produzida;

35. Pelo que bem andou o Tribunal, não tendo violado tal preceito legal;

36. Quanto à violação dos artigos 125º e 355º do Código de Processo Penal deixa-se por reproduzido o que anteriormente se mencionou em 10. a 14;

37. Quanto à violação do princípio do in dubio pro reo e à violação do nº2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, é também hoje pacífico na Jurisprudência e Doutrina, que a dúvida resultante da produção de prova tem que ser de tal modo forte e inultrapassável para que se possa aplicar tal princípio;

38. Ora, da prova produzida e da fundamentação clara do Tribunal não resulta nenhuma dúvida ao tribunal, muito menos uma que seja intransponível que impossibilite de julgar determinado facto;

39. Assim, tal princípio não se mostra violado;

40. Quanto ao erro de interpretação dos artigos 26º e 27º do Código Penal bem andou o Tribunal, sendo de salientar que os arguidos não estão acusados de cumplicidade, mas sim de autoria, estando preenchidos todos os requisitos da mesma;

41. Quanto à violação do princípio da igualdade inserto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, dado o argumentado pelo arguido, parece-nos que a questão está ligada com a eventual violação dos artigos 70º e 71º, ambos do Código Penal, sendo de salientar que os arguidos não referem, sequer, onde foi preterido o seu direito constitucional;

42. Quanto à não ponderação e aplicação do projeto-lei que regula a utilização de Cannabis para fins medicinais não podem olvidar os arguidos de que o tribunal está obrigado a aplicar a lei vigente à data da prática do facto, e não uma eventual lei futura;

43. Além disso, nem sequer se coloca tal questão, pois que os arguidos não possuem nenhuma autorização para cultivar o que quer que seja;

44. Quanto à violação do artigo 40º do Código Penal e moldura penal os arguidos apenas invocam conceitos de direito e limitam-se a alegar que o Tribunal violou aquela disposição legal, nunca mencionando um facto que pudesse demonstrar que a sua culpa é inferior à medida da pena;

45. Tendo em conta os factos dados como provados, entende-se que as penas aplicadas aos arguidos são justas e equilibradas não violando nenhuma disposição legal, designadamente o apontado artigo 40º, assim como, os artigos 70º e 71º, todos do Código Penal;

46. Face ao exposto, não foram violadas as disposições legais e constitucionais invocadas ou outras.

Em face do exposto, mantendo-se a decisão recorrida e improcedendo o recurso, se fará JUSTIÇA

- relativamente ao recurso do acórdão de SMP:

DAS NULIDADES:
1. Quanto à deficiente gravação da prova reitera-se o que o Tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.6672 a 6675), sobressaindo que o que foi dito não impede ou impossibilita o sentido das palavras das testemunhas (despacho);

2. Pelo que, apenas existe uma dificuldade de audição, o que apenas revela uma “dificuldade técnica”, não jurídica, que urja suprir;

3. Além disso, esta invocada nulidade carece de conteúdo, pois que o recorrente não refere o que deixou de perceber, de entender ou que esperava ouvir e não ouviu;

4. Ou seja, limita-se a afirmar que a gravação está deficiente sem concretizar, contra aquilo que o Tribunal esclareceu, pelo que, não está preenchido o disposto no artigo 363º do Código de Processo Penal;

5. E, mesmo que tal nulidade se tivesse verificado, o que não foi o caso, sempre a sua arguição seria extemporânea, pois que o deveria ter sido num prazo de 10 dias, o que não sucedeu;

6. Quanto à nulidade por falta de intérprete reitera-se o que o tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.5911 a 5915), sobressaindo que a busca foi judicialmente determinada pelo não carece da autorização de nenhum arguido, nem tão pouco da presença de intérprete, desde logo, porque a diligência realiza-se mesmo sem a presença daquele;

7. Todavia, sobressai de forma inequívoca dos autos, que o arguido JMA falava para todas as pessoas que com ele falava, em língua inglesa, designadamente, o próprio arguido recorrente;

8. Por isso, e uma vez que lhe transmitido em língua inglesa o objetivo da diligência, tendo aquele dito para o elemento da força policial que percebeu, o que, diga-se, não seria difícil pelo número de polícias e local onde se encontravam (à entrada do armazém onde se encontrava a plantação de cannabis) que aquele logo compreendeu o que iria ser feito;

9. Além disso, a existir tal nulidade, que não se verificou, dado que a mesma não é insanável, a sua arguição deveria ter sido apresentada até ao final do inquérito ou da instrução, o que não foi feito de acordo com o disposto no artigo 120º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal, pelo que é extemporânea;

10. Quanto à nulidade das escutas telefónicas e seu valor probatório sobressai da prova produzida – depoimentos prestados por todos os elementos dos OPC´s, que estes confirmam aquilo que ouviram e viram e que registaram nos RDE´s (Relatório de Diligência Externa) se coadunava com o que resultava das transcrições das escutas;

11. É óbvio, que cada elemento policial que estava na mesma patrulha (RDE) não podia ter o idêntico conhecimento do seu colega, dado que no terreno se encontravam em locais diferentes, e por isso, quanto a que viam e ouviam não podia existir coincidência, sendo certo, que da apreciação global de todos os depoimentos, surge uma dinâmica factual num determinado contexto de tempo, essa sim, que importa apreciar;

12. Desse modo, não existe nenhuma contradição, mas apenas um complemento de depoimentos, retirando-se do seu conjunto a verdade factual;

13. Por outro lado, é pacificamente aceite que as escutas telefónicas para além de um meio de obtenção da prova, são também um meio de prova, ficando sujeitas à livre apreciação da prova pelo Tribunal;

14. Pelo que, transcrição das escutas telefónicas e RDE´s, designadamente, as fotografias que os integram e que foram escrutinadas em tribunal, todas elas sujeitas a contraditória, são prova documental, não ocorrendo a violação de nenhum preceito legal ou constituem qualquer nulidade;

15. Quanto à nulidade por preterição de perícia médico-legal referida no artigo 52º da Lei 15793, de 22-01 esta questão já foi alvo de recurso no Tribunal da Relação de Évora com decisão já transitada em julgado, onde foi decidido pela não verificação da aludida nulidade:

16. Quanto à nulidade dos artigos 94º, 99º e 177º do Código de Processo Penal reitera-se aqui o que o tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.5916), onde a questão levantada não configura uma nulidade mas sim uma irregularidade que não foi tempestivamente arguida;

17. E, mesmo que se tratasse de uma nulidade, dado que não é insanável, teria que ter sido arguida até final do inquérito ou instrução de acordo com o disposto no artigo 120º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal, o que não foi, pelo que, é extemporânea a sua atual arguição;

18. Quanto à nulidade de inquérito aquando da resposta a outras invocadas nulidades, também o tribunal no seu despacho de fls.5908 a 5926 se pronunciou sobre esta questão, que aqui se deixa por reproduzido, mas sempre se dirá que o arguido recorrente sustenta esta alegação com o seu entendimento que a prova – escutas telefónicas, são prova proibida, nada mais dizendo, ou seja, não apresenta conteúdo para o que refere;

19. Além disso, mesmo que tivesse existido esta nulidade, o que não ocorreu, também a sua arguição agora peca por extemporânea dado que segue o mesmo regime já antes enunciado do artigo 120º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal, isto é, tinha que ser arguida até final do inquérito ou instrução;

20. Quanto a uma eventual nulidade da alínea d) do artigo 119º do Código de Processo Penal a qual também já foi alvo de apreciação judicial (fls.5907 e 5916 a 5918), mutatis mutandis em relação ao mencionado em 19;

21.Quanto à nulidade por omissão de pronúncia e violação do artigo 31º do DL 15/93, de 22-01 não pode o arguido beneficiar da atenuação da pena dado que a sua conduta não integra nenhum dos comportamentos ali mencionados;

DA MATÉRIA DE FACTO:
22. Invoca o arguido que foram incorretamente julgados os factos sob os pontos 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 37, 38, 222 e 223;

23. Mas carece de razão, dado que a prova produzida em sede de audiência a que se adiciona toda a prova documental e pericial, nelas se englobando as transcrições das escutas telefónicas e RDE´s, permitem concluir como concluiu o Tribunal;

24. Isto é, de que o arguido SMP em autoria cedia/vendia Cannabis e Haxixe ao arguido JPC;

25. Que o arguido SMP, agora em coautoria, tratava da plantação de cannabis que veio a ser apreendida no armazém em Olhão;

26. Aliás, o próprio arguido referiu em julgamento que o arguido JMA dava-lhe cannabis;

27. O arguido SMP conhecia as caraterísticas daqueles produtos e sabiam que o seu cultivo e cedência eram proibidos e punidos por lei penal;

28. O Tribunal apreciou e valorou toda a prova de forma critica e de acordo com a sua livre apreciação de acordo com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal;

29. Recorrendo a critérios lógicos, coerentes e racionais, pelo que, estes factos estão de acordo com toda a prova produzida;

OUTRAS VIOLAÇÕES:
30. Quanto ao erro notório na apreciação da prova o erro vício a que alude a alínea c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, é hoje pacificamente aceite por toda a Jurisprudência Doutrina, que tal erro tem que ser tão ostensivo, que vá contra tudo o que é racional, lógico e coerente, segundo a apreciação do homem médio;

31. Nenhum facto dado como provado ou da fundamentação, surge tal tipo de erro, nem outro;

32. Quanto à violação do princípio nom bis in idem tem como requisito essencial que o arguido já tivesse sido julgado pelos mesmos factos;

33. Acontece que o arguido não foi julgado pelos mesmos factos, e aqueles a que se reportam referem-se a um inquérito, que nem sequer tem o mesmo objeto;

34. Pelo que, facilmente se conclui que não estão presentes os requisitos da exceção de caso julgado que deriva do nº5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa;

35. Quanto à violação do princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º do Código de Processo Penal, e como já antes mencionado, o arguido apenas pretende impor a sua versão dos factos, esquecendo precisamente este princípio, querendo colocar barreiras estanques entre depoimentos, sem apreciar todo o conjunto da prova produzida;

36. Pelo que bem andou o Tribunal, não tendo violado tal preceito legal;

37. Quanto à violação dos artigos 125º e 355º do Código de Processo Penal deixa-se por reproduzido o que anteriormente se mencionou em 10. a 14;

38. Quanto à violação do princípio do in dubio pro reo e à violação do nº2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, é também hoje pacífico na Jurisprudência e Doutrina, que a dúvida resultante da produção de prova tem que ser de tal modo forte e inultrapassável para que se possa aplicar tal princípio;

39. Ora, da prova produzida e da fundamentação clara do Tribunal não resulta nenhuma dúvida ao tribunal, muito menos uma que seja intransponível que impossibilite de julgar determinado facto;

40. Assim, tal princípio não se mostra violado;

41. Quanto ao erro de interpretação dos artigos 26º e 27º do Código Penal bem andou o Tribunal, sendo que a conduta do arguido assume a qualidade de autoria quando vende/cede ao JPC;

42. E a de coautoria quando cultiva a plantação de Cannabis;

43. E quanto a esta segunda conduta, o arguido teve intervenção direta na execução do facto, existia, pelo menos, um acordo tácito com o arguido JMA (não esquecer que o arguido SMP tinha uma chave do armazém – foi visto a abrir a porta com chave), e tinha o domínio funcional do facto, pelo que, o seu comportamento não é de um cúmplice, que pontualmente ajuda, mas sim de um coautor numa atividade que perdurou no tempo,

44. Sendo certo, que o mesmo foi condenado em autoria material;

45. Quanto à violação do princípio da igualdade inserto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, dado o argumentado pelo arguido, parece-nos que a questão está ligada com a eventual violação dos artigos 70º e 71º, ambos do Código Penal, sendo de salientar que o arguido não refere, sequer, onde foi preterido o seu direito constitucional;

46. Quanto à não ponderação e aplicação do projeto-lei que regula a utilização de Cannabis para fins medicinais não pode olvidar o arguido de que o tribunal está obrigado a aplicar a lei vigente à data da prática do facto, e não uma eventual lei futura;

47. Além disso, nem sequer se coloca tal questão, pois que o arguido não possui nenhuma autorização para cultivar o que quer que seja;

48. Quanto à violação do artigo 40º do Código Penal e moldura penal o arguido apenas invoca conceitos de direito e limita-se a alegar que o Tribunal violou aquela disposição legal, nunca mencionando um facto que pudesse demonstrar que a sua culpa é inferior à medida da pena;

49. Tendo em conta os factos dados como provados, entende-se que a pena aplicada ao arguido é justa e equilibrada não violando nenhuma disposição legal, designadamente o apontado artigo 40º, assim como, os artigos 70º e 71º, todos do Código Penal;

50. Face ao exposto, não foram violadas as disposições legais e constitucionais invocadas ou outras;

FACTOS A CORRIGIR
51. Assiste razão ao arguido relativamente aos factos dados como provados sob os pontos 221. a 223. que se reportam ao conteúdo do seu CRC, sendo que a alteração a efetuar em nada abala os demais factos como provados e concreta pena aplicada.

Em face do exposto, mantendo-se a decisão recorrida e improcedendo o recurso, se fará JUSTIÇA

- no que concerne aos recursos do despacho de JMA e AVE:
1. Reitera-se o que o Tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.6672 a 6675), sobressaindo que o que foi dito não impede ou impossibilita o sentido das palavras das testemunhas;

2. Pelo que, apenas existe uma dificuldade de audição, o que apenas revela uma “dificuldade técnica”, não jurídica, que urja suprir;

3. Além disso, esta invocada nulidade carece de conteúdo, pois que os recorrentes não referem o que deixaram de perceber, de entender ou que esperavam ouvir e não ouviram;

4. Ou seja, limitam-se a afirmar que a gravação está deficiente sem concretizar, contra aquilo que o Tribunal esclareceu, pelo que, não está preenchido o disposto no artigo 363º do Código de Processo Penal;

5. E, mesmo que tal nulidade se tivesse verificado, o que não foi o caso, sempre a sua arguição seria extemporânea, pois que o deveria ter sido num prazo de 10 dias, o que não sucedeu;

6. Não foram violadas as disposições legais e constitucionais invocas ou outras.

Em face do exposto, mantendo-se a decisão recorrida e improcedendo o recurso, se fará JUSTIÇA.

- acerca do recurso do despacho de SMP:
7. Reitera-se o que o Tribunal deixou expresso no seu despacho (fls.6672 a 6675), sobressaindo que o que foi dito não impede ou impossibilita o sentido das palavras das testemunhas;

8. Pelo que, apenas existe uma dificuldade de audição, o que apenas revela uma “dificuldade técnica”, não jurídica, que urja suprir;

9. Além disso, esta invocada nulidade carece de conteúdo, pois que os recorrentes não referem o que deixaram de perceber, de entender ou que esperavam ouvir e não ouviram;

10. Ou seja, limitam-se a afirmar que a gravação está deficiente sem concretizar, contra aquilo que o Tribunal esclareceu, pelo que, não está preenchido o disposto no artigo 363º do Código de Processo Penal;

11. E, mesmo que tal nulidade se tivesse verificado, o que não foi o caso, sempre a sua arguição seria extemporânea, pois que o deveria ter sido num prazo de 10 dias, o que não sucedeu;

12. Não foram violadas as disposições legais e constitucionais invocas ou outras.

Em face do exposto, mantendo-se a decisão recorrida e improcedendo o recurso, se fará JUSTIÇA.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido da improcedência de todos os recursos.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), os recorrentes, no essencial, vieram reiterar a sua posição.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto de cada recurso define-se pelas conclusões que o respectivo recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º 1, do CPP) e outras nulidades que se não considerem sanadas (art. 410.º, n.º 3, CPP), bem como os vícios da decisão (art. 410.º, n.º 2, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10 (in D.R. I-A Série de 28.12.1995) e ao acórdão do STJ de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583 (in www.dgsi.pt).

Delimitando-os, sem embargo que, do conhecimento, da apreciação e da decisão de qualquer questão, possa vir a ficar prejudicada a análise de outra(s), sendo que a identidade das questões colocadas, bem como da argumentação oferecida, aconselha ao seu tratamento conjunto relativamente a todos os recorrentes, com excepção relativa ao que se faz menção individualizada:

- recursos do acórdão e do despacho:
- da nulidade da gravação da prova;

- recursos do acórdão de JMA e AVE:
- da junção de provas inválidas;

- recurso do acórdão de SMP:
- da omissão de perícia médico-legal;

- recursos do acórdão:
A) - da nulidade das buscas e apreensões no armazém em Olhão e na residência em Corte AM;
B) - da nulidade do auto de busca ao armazém em Olhão;
C) - da utilização de métodos proibidos de prova;
D) - da nulidade de escutas telefónicas;
E) - da nulidade do inquérito;
F) - da violação do princípio da descoberta da verdade material;
G) - da violação do princípio non bis in idem;
H) - da violação do princípio da imediação da prova;
I) - do erro notório na apreciação da prova;
J) - dos factos incorrectamente julgados;
K) - do erro de interpretação dos arts. 26.º e 27.º do Código Penal;
L) - da omissão de pronúncia;
M) - da medida das penas e suspensão da execução das mesmas.

APRECIANDO:

- recursos do acórdão e do despacho:
- da nulidade da gravação da prova:

Os recorrentes invocaram, perante o tribunal a quo, a nulidade decorrente de deficiente gravação da prova em audiência, por referência ao disposto nos arts. 363.º e 364.º do CPP.

Indicaram que a deficiência se verificava nos vários depoimentos que mencionaram, apelando ao prazo geral de arguição de 10 dias e concluindo tratar-se de nulidade insanável, porque, como referem, violadora do regime dos direitos, liberdades e garantias.

Veio a ser proferido despacho, nos termos que ficaram transcritos, decidindo não se verificar a nulidade e, ainda que assim não fosse, que essa nulidade era sanável e não foi arguida tempestivamente, tendo-se sanado.

Discordando, os recorrentes suscitam a questão, quer em sede de recurso do acórdão, quer em recurso autónomo, através de idêntica argumentação, pugnando pela efectiva deficiência e consequente nulidade, arguida em prazo compatível com a possibilidade de terem tido conhecimento dessa mesma deficiência.

Vejamos.
Uma vez que, a nível adjectivo, a susceptibilidade de modificação da matéria de facto (art. 431.º do CPP), por via da respectiva impugnação, tem de obedecer às especificações previstas no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, resulta implícita a necessidade de existência de documentação das declarações prestadas oralmente em audiência.

Na verdade, com vista a garantir um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, servindo, além do mais, às finalidades de reapreciação e de controlo por tribunal superior, o legislador erigiu a princípio geral, já na versão do CPP por via do Dec. Lei n.º 78/87, de 17.02, no seu art. 363.º, a documentação de declarações orais em audiência, desde que o tribunal dispusesse de meios para o efeito ou nos casos em que a lei o impusesse.

E na sequência da revisão do Código por força da Lei n.º 48/2007, de 09.11, por via da alteração desse art. 363.º - sendo que já na Proposta de Lei n.º 109/X que a antecedeu se referia que A audiência de julgamento passa a ser sempre documentada, não se admitindo que os sujeitos processuais prescindam de tal documentação, seja qual for o tribunal materialmente competente -, agora prevendo que As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas, sob pena de nulidade, essa documentação passou a ser obrigatória.

A inobservância dessa documentação foi merecendo diferentes perspectivas da jurisprudência no respeitante às suas consequências legais, muitas vezes de sentido contraditório, até à prolação do acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência (AFJ) n.º 13/2014, de 03.07.2014 (in DR 1.ª Série de 23.09.2014), que fixou a jurisprudência: «A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada».

E sempre se foi entendendo que a ausência de documentação se deve equiparar à deficiência parcial na gravação da prova que atinja um grau de imperceptibilidade que impeça o seu efectivo conhecimento e, como tal, a sua impugnação, com vista a ser reapreciada, aliás, de harmonia com a circunstância de que a documentação deva assegurar a reprodução integral das declarações, como consta do art. 364.º, n.º 1, do CPP.

Assim, não só a não documentação das declarações orais, mas também a ausência, ainda que parcial, dessa documentação, por não ter sido efectuada nessa parte ou por não ser perceptível, não pode deixar de ser pertinente à luz desse princípio geral e das respectivas consequências legais.

Já nesse AFJ se sublinhou que Tem-se entendido que à omissão da documentação em acta das declarações oralmente prestadas em audiência deve ser equiparada a documentação de tal forma deficiente que impeça a captação do sentido das declarações gravadas, pois, em tal caso, é como se não tivesse havido registo do depoimento (por referência, que citou, ao acórdão do STJ de 24.02.2010, no proc. n.º 628/07.8LSB.L1.S1).

A nulidade decorrente, não constando do elenco do art. 119.º do CPP, considerar-se-á como dependente de arguição, nos termos do art. 120.º, n.º 1, do CPP (Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal anotado”, Almedina, 17.ª edição, pág. 831, e Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica, 2.ª edição, pág. 923).

Também, neste aspecto, pacificamente, se fundamentou no referido AFJ:
Não se tratando de nulidade elencada no artigo 119.º nem sendo expressamente classificada como insanável, pela própria norma, a nulidade prevista no artigo 363.º é, pois, uma nulidade sanável que deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina dos artigos 120.º e 121.º. Por outro lado, é consubstanciada por um vício procedimental cometido durante a audiência. Com efeito, a omissão da gravação ou a deficiência equiparável a falta de gravação ocorrem na audiência. Não se trata, por conseguinte, de uma nulidade da sentença.

E como tal, como aí também se sublinhou, O vício da falta de documentação das declarações prestadas oralmente na audiência tem, pois, de ser arguido perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, dirigido ao juiz do processo, no prazo geral de 10 dias, a partir do momento em que dele se toma conhecimento.

Assim, quando, em audiência, a ausência de documentação seja logo detectada, deve o interessado argui-la nesse acto, de acordo com o n.º 3, alínea a), daquele art. 120.º.

Já o mesmo não será aplicável quando o interessado se apercebe posteriormente da inaudibilidade/imperceptibilidade das gravações, depois de lhe ter(em) sido facultada(s), a seu requerimento, cópia(s) do(s) suporte(s) técnico(s) respectivo(s) - o que lhe deve ser entregue pelo funcionário no prazo de quarenta e oito horas (art. 101.º, n.º 4, do CPP) -, na medida em que só a partir desse momento lhe é possível conhecer, após audição, dessa deficiência.

De qualquer modo, na esteira desse AFJ, a arguição da nulidade deverá respeitar o prazo supletivo de 10 dias fixado para a prática de acto processual, determinado no art. 105.º, n.º 1, do CPP.

Acerca do momento a partir do qual esse prazo deve ser contado, consignou-se na fundamentação do mesmo AFJ:

Da conjugação das normas dos artigos 101.º, n.º 3 (actual n.º 4), e 364.º, n.º 1, resulta que, sempre que for realizada gravação, o sujeito processual interessado pode requerer a entrega de uma cópia facultando ao tribunal o suporte técnico necessário, devendo o funcionário entregar uma cópia, no prazo de quarenta e oito horas. Nessa altura, o sujeito processual fica em posição de poder verificar a regularidade da gravação e invocar qualquer deficiência.

Por isso, o referido prazo de 10 dias para arguir a nulidade da falta de documentação das declarações prestadas oralmente na audiência deve contar-se a partir da data da sessão da audiência em que tiver sido efectuada a gravação deficiente, sendo nele descontado o período de tempo que decorrer entre o pedido da cópia, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário (por lei, quarenta e oito horas).

Neste sentido, já se pronunciou o referido acórdão deste Tribunal de 23/11/2011 (processo n.º 161/09.3GCALQ. L1.S1). Ponderando-se que, uma vez decorridas quarenta e oito horas sobre o termo do acto em que houve gravação das declarações orais, o sujeito processual interessado pode exigir a entrega de uma cópia, facultando ao tribunal o suporte técnico necessário, ficando, nessa altura, em posição de poder verificar a regularidade da gravação e invocar qualquer deficiência e porque, «de acordo com o disposto no artigo 9.º do Decreto -Lei n.º 39/95, de 25 de Fevereiro, que, regulando o registo da prova em processo civil, se aplica analogicamente ao processo penal, nos casos omissos, em conformidade com o disposto no artigo 4.º do CPP, a falta de gravação, ou a sua deficiência, implica a repetição da parte omitida, desde que “essencial ao apuramento da verdade” e essa repetição deve ser feita o mais rapidamente possível, sem afectação de direitos processuais, até porque em processo penal a celeridade constitui garantia de defesa com assento constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição), o referido prazo de 10 dias para arguir a nulidade deve contar -se a partir da data da sessão da audiência em que tiver sido efectivada a gravação deficiente, sendo nele descontado o período de tempo que decorrer entre o pedido da cópia, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário».

Também na posição sustentada por Paulo Pinto de Albuquerque, a nulidade sana-se se não for tempestivamente arguida, contando-se o prazo de dez dias a partir da audiência acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido. Se a audiência de julgamento se prolongar por várias sessões, o prazo conta-se a partir de cada sessão da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido.

Oliveira Mendes (in “Código de Processo Penal Comentado”, António Henriques Gaspar et alii, 2014, Almedina, p. 1140), em comentário ao artigo 363.º, adverte que, «quanto à deficiente documentação, ou seja, a documentação que não possibilite, no todo ou em parte, a captação das declarações oralmente prestadas em audiência, há que considerar duas situações possíveis».

«Caso a deficiência da documentação impeça a captação do sentido das declarações prestadas, deve ser equiparada à falta de documentação, visto se tratar, verdadeiramente, de uma documentação inexistente ou ineficaz. A nulidade daí resultante, como o conhecimento da deficiência só se torna possível ao sujeito processual com o acesso ao suporte técnico, deverá ser arguida no prazo de dez dias contados da data em que ao sujeito processual tenha sido entregue o respectivo suporte técnico, caso haja sido requerida a sua entrega – artigo 101.º, n.º 3 (actual n.º 4); caso não tenha sido requerida a entrega do suporte técnico aquele prazo conta-se a partir da data do termo ou encerramento da audiência em que foi efectuada a deficiente documentação.

Feitas estas considerações, mas sem prejuízo da jurisprudência fixada, afigura-se que nada impedirá, no caso em que a audiência se prolongue por várias sessões, que só após o termo desta venha a ser suscitada a deficiência e se extraia a consequência pertinente, se apenas, nesse momento, o interessado, que não requereu anteriormente a entrega de cópia(s), se pôde aperceber da falta/deficiência.

Não se descura, pois, que ao funcionário do tribunal incumbe accionar os meios de gravação da prova e averiguar se essa gravação está efectivamente a fazer-se de modo correcto (arts. 3.º e 4.º do Dec. Lei n.º 39/95, de 15.02), e não ao interessado que, só posteriormente, é confrontado com eventuais omissões/deficiências, que se reconduzem a aspectos meramente técnicos e que não pode controlar.

Por isso, entende-se que, não tendo sido requerida cópia da gravação antes do termo da audiência, quando esta comporte várias sessões, constitui-se como exigência desproporcional impor que o interessado o fizesse depois de cada sessão, uma vez que, inevitavelmente, contará com a circunstância de que o tribunal, como é seu dever, disponha dos meios técnicos capazes e idóneos para assegurar a gravação e posterior reprodução da prova, sem que deva antecipar uma audição, da qual só pretenderá, e eventualmente, fazer uso, se vier a entender interpor recurso da decisão em matéria de facto.

O despacho recorrido, na sua fundamentação, não deixou de atentar, bem pelo contrário, nos parâmetros que se deixaram definidos.

Com efeito, se bem que não conste dos autos menção expressa ao requerimento de entrega de cópia da gravação e informação de entrega da mesma, os aqui recorrentes tiveram acesso a essa cópia, inevitavelmente, e após a audiência.

Aliás, não invocaram qualquer desrespeito do prazo para o efeito dessa entrega, apesar de, por via dos recursos, o virem a referir, mas sem concretização dessa sua alegação.

Assim, a audiência atingiu o seu termo em 28.02.2018 (fls. 6079/6080) e, apenas, em 28.03.2018, os recorrentes arguiram a pretensa nulidade.

Deste modo, bem se compreende que o tribunal a quo tenha considerado que, ainda que existisse nulidade, esta se encontra sanada.

E não se comprova minimamente que os recorrentes a tenham arguido no prazo legal de 10 dias a partir do conhecimento da deficiência, como pretendem fazer crer, quiçá sustentados em que a entrega do suporte de gravação não se mostra consignada nos autos.

De qualquer modo, mesmo que se dê algum relevo a essa omissão e, assim, se admitisse que suscitaram a nulidade em prazo, o que tem de prevalecer, inequivocamente, é a circunstância de que, como o tribunal sublinhou, os referidos depoimentos são audíveis e perceptíveis, o que, através da audição a que ora se procedeu, se pôde corroborar, sem motivo, por isso, para que os recorrentes aportem deficiências que, em rigor, não existem.

Sem fundamento, pois, para sanar nulidade, uma vez que esta se não configura, pelo que, se é certo que falece argumentação para a procedência do recurso do despacho, identicamente resulta que, por via do recurso do acórdão, a situação só caberia na previsão do art. 410.º, n.º 3, do CPP, se existisse nulidade e que cumprisse sanar.

Neste sentido, não se mostram violados direitos e garantias que aos recorrentes assistiam de acesso à gravação da prova, que lhes foi concedida nos termos legais e sem que padeça das apontadas deficiências.

- recursos do acórdão:
Em sede de acórdão, o tribunal pronunciou-se expressamente sobre as nulidades suscitadas durante a audiência de julgamento, que os recorrentes, por via dos recursos, vêm reiterar.

Por isso, se apreciarão previamente a outras questões, sendo que, na delimitação do objecto dos recursos, já se respeitou esse desiderato cronológico.

E aqui se transcreve, por merecer aceitação, o que ali se fundamentou em termos gerais.

Ora, cumpre desde já fazer uma breve análise do regime das nulidades.

No que respeita às nulidades processuais, o Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119º, e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 120.º e 121.º

O referido artigo 119.º do Código de Processo Penal qualifica como nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, as situações tipificadas nas suas alíneas a) a f), “além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais”.

Por sua vez, e de acordo com o n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, «qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte".

Assim, ao contrário das nulidades ditas insanáveis, as restantes nulidades ficam sanadas se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem aceite expressamente os efeitos do ato ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia (cf. artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Acresce que também não é possível conhecer oficiosamente das nulidades ditas relativas, mas apenas mediante suscitação de quem tem interesse na observância da disposição processual violada ou omitida, pelo que, se o interessado não proceder à sua arguição dentro do prazo legalmente fixado, o vício tem-se por sanado.

De acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 120.º, do Código de Processo Penal, as nulidades relativas têm de ser arguidas nos seguintes prazos: tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado (al. a); tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência; tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (al. c); logo no início da audiência nas formas de processo especiais (al. d).

No que respeita aos efeitos da declaração de nulidade, o artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estabelece que “[a]s nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar”, sendo que, nos termos do n.º 2 deste artigo “[a] declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição», dispondo-se no n.º 3 que “[a]o declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.

Finalmente, o artigo 126.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Métodos proibidos de prova», estabelece, no n.º 1, que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas”, acrescentando o n.º 3 que “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”.

Analisando, então, essas nulidades:

- recursos do acórdão de JMA e AVE:

- da junção de provas inválidas:
Os recorrentes, designadamente AVE e SMP, reiteram o pedido de nulidade da junção das cartas remetidas por instituições financeiras e que foram juntos aos autos e com as quais a testemunha RG foi confrontada em sede de audiência de discussão e julgamento, porquanto a sua junção viola o disposto no artigo 2.º, n.º 2 e 5 da Lei n.º 5/2002, de 12/01, sendo que inexiste despacho da autoridade judiciária a determinar essa junção, pelo que não podem ser consideradas como meio de prova.

Entendem que Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que não está em causa qualquer violação do sigilo bancário e que a junção dos documentos não dependeria de um despacho prévio do magistrado titular da investigação, não descortinando a violação de qualquer norma ou em que normativo a defesa integra a suscitada nulidade.

Nesse âmbito, apreciou-se no acórdão:
F) O arguido AVE requereu a nulidade da junção das cartas remetidas por instituições financeiras e que foram juntas aos autos e com as quais a testemunha RG foi confrontada em sede de audiência de julgamento, porquanto a sua junção viola o disposto no art.º 2º, n.º2 e 5 da Lei n.º5/2002, de 12/1, sendo que inexiste despacho da autoridade judiciária a determinar essa junção, pelo que não podem ser consideradas como meio de prova.

No que se refere ao invocado em F) supra.

No entender da defesa, está em causa a nulidade da junção de uma missiva dirigida pela Caixa Agrícola Seguros, referente a uma anulação de contrato de seguro e uma carta verde relativa ao seguro automóvel da viatura automóvel Opel Astra com a matrícula -BU – vide fls. 3057 e 3059.

Atente-se no teor do art.º 2º da Lei n.º 5/2002, de 11/1, para desde logo percebermos a falta de fundamento legal do invocado.

Dispõe tal normativo, sob a epígrafe “Quebra de Segredo” “1 - Nas fases de inquérito, instrução e julgamento de processos relativos aos crimes previstos no artigo 1.º, o segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica, dos seus empregados e de pessoas que a elas prestem serviço, bem como o segredo dos funcionários da administração fiscal, cedem, se houver razões para crer que as respectivas informações têm interesse para a descoberta da verdade.

2 - Para efeitos da presente lei, o disposto no número anterior depende unicamente de ordem da autoridade judiciária titular da direção do processo, em despacho fundamentado.

3 - O despacho previsto no número anterior identifica as pessoas abrangidas pela medida e especifica as informações que devem ser prestadas e os documentos que devem ser entregues, podendo assumir forma genérica para cada um dos sujeitos abrangidos quando a especificação não seja possível. (…)”

Bastará a transcrição deste segmento para percebermos, por manifesto, a falta de fundamento legal do requerido.

É de atentar desde logo que não estamos perante a junção de quaisquer elementos de prova previstos na norma, mas sim perante duas cartas de uma seguradora, que foram juntas aos autos, de acordo com o que resultou da produção de prova, pela testemunha RG e que estariam na residência referida nas mesmas.

Em causa não está qualquer violação de segredo, nem a junção dos documentos dependeria de um despacho prévio do magistrado titular da investigação, não se conseguindo descortinar a violação de qualquer norma ou em que normativo a defesa integra a suscitada nulidade.

Assim, é a mesma também indeferida.

E também, agora, não se consegue atingir eventual razoabilidade no alegado.

A não ser que, como parece, dada a referência, nos recursos, a Caixa de Crédito Agrícola, tal se deva a lapso, já que se trata, sim, de Caixa Agrícola Seguros, o que é bem diverso, pois não se trata sequer de uma instituição financeira.

Por seu lado, acresce que os documentos em causa não se reportam, de modo algum, a matéria coberta por segredo bancário, donde não cabe fazer apelo à referida Lei n.º 5/2002.

Não se está, pois, perante prova que contenda com o disposto no art. 125.º do CPP, nem que se considere proibida por alguma outra razão, reconduzindo-se, sim, a prova admitida à luz do art. 164.º do CPP, inexistindo fundamento para a invalidar.

Já se vê, pois, também, que não se vislumbra nulidade alguma.

- recurso do acórdão de SMP:

- da omissão de perícia médico-legal:
O recorrente SMP insurge-se contra a circunstância de não se ter realizado perícia médico-legal para a determinação de toxicodependência no que a si diz respeito, ao abrigo do disposto no art. 52.º do Dec. Lei n.º 15/93, preconizando que a mesma assume carácter obrigatório quando se tome conhecimento dessa situação, o que, na sua perspectiva, redunda em não se ter equacionado e, por isso, com a consequência de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Neste âmbito, consignou-se no acórdão:
A)-O arguido SMP veio invocar a nulidade de todo o processado, nos termos do art.º 120º, n.º2, al. d) do Código de Processo Penal, porquanto foi preterida a realização da perícia médica prevista no art.º 52º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01.

No que concerne à nulidade invocada e referida no ponto A) supra, verifica-se que já no decurso da fase de instrução, o arguido SMP a invocou.

Tendo a mesma sido indeferida, foi dessa decisão interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora que já proferiu decisão, transitada em julgado. E no seu acórdão aquele Tribunal decidiu-se pela não verificação da nulidade suscitada, porquanto não foram invocados ou demonstrados factos que demonstrassem a exigibilidade da realização da perícia, prevista no art.º 52º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/1, sendo que tal diligência também não é considerada legalmente obrigatória.

Ora, nenhum outro fundamento foi invocado pelo arguido para a suscitação da nulidade, pelo que já tendo existido recurso da decisão que indeferiu a arguida nulidade, em sede própria - que era a fase de instrução – nada mais há a decidir quanto a tal porquanto a questão foi decidida pelo Tribunal da Relação de Évora, criando-se quanto a tal caso julgado.

Pouco mais haverá a adiantar.

A alegada preterição de diligência essencial para a descoberta da verdade (art. 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP) está definitivamente arredada quanto à sua verificação, decidida, como foi, por este Tribunal da Relação.

No restante, isto é, na vertente agora aparentemente invocada, de omissão de pronúncia, geradora da nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP), a perspectiva não pode ser diversa.

Se em razão, quer da não obrigatoriedade, quer da ausência de necessidade, a realização dessa perícia foi afastada, não se descortina, minimamente, qualquer fundamento para que o acórdão, à mesma, se reportasse, pois só existiria essa imposição se a diligência tivesse sido vista como tendo alguma relevância para a decisão da causa.

Com efeito, a oficiosidade da apreciação e do conhecimento de todas as questões que são pertinentes à decisão da causa resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de opções fundamentais de política criminal, que o julgador não pode olvidar, sendo certo que a própria letra da lei, ao usar, a expressão «devesse» naquele normativo, com o significado literal de injunção, outro sentido não consente (acórdão do STJ de 07.12.1999, in CJ ACS. STJ ano VII, tomo III, pág. 234).

Mas se assim é, também é certo que tal só é válido para questões concretas que sejam pertinentes, não para suposições ou abstracções que não passem de meras generalizações e sem sentido útil para o caso.

- recursos do acórdão:
A) - da nulidade das buscas e apreensões no armazém em Olhão e na residência em Corte AM:

Os recorrentes, alegando que invocaram a nulidade do auto de busca de fls. 1966 e ss e da busca efectuada ao armazém, sito em Olhão e à residência sita na Corte AM, vêm reafirmar a sua posição, assente em que o auto está assinado por arguido que não entende, nem compreende a língua portuguesa, sendo que, segundo referem, temos que para além de a intérprete só ter chegado quando já se encontrava a decorrer a busca ao armazém e de não ter estado presente na busca domiciliária, certo é que o arguido, desconhecedor na língua portuguesa não foi assistido por nenhum defensor, o que consubstancia uma nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal.

E, ainda, Sem prescindir, sempre se dirá que caso assim não se entenda estamos perante uma nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, pois constitui nulidade dependente de arguição a falta de nomeação de intérprete nos casos em que a lei considerar obrigatória, nulidade essa que o ora recorrente só tomou conhecimento em sede de audiência de discussão e julgamento e aquando da inquirição dos OPC’s e da intérprete, tendo de imediato arguido a nulidade, logo quando teve conhecimento da mesma, considerando-se assim que se estava em tempo para arguir a nulidade, devendo a mesma ser declarada procedente.

Fazem apelo, além dos referidos, aos arts. 64.º, n.º 1, alínea d), e 92.º do CPP.

Do acórdão, decorre fundamentado:
A)O arguido JMA veio invocar a nulidade do auto de busca e apreensão de fls. 1966 e ss., em virtude do mesmo estar assinado por arguido que não entende nem compreende a língua portuguesa, tendo assim sido preteridos os direitos, liberdades e garantias consagrados legal e constitucionalmente.

B)O arguido JMA veio invocar a nulidade da busca efectuada no armazém sito em Olhão bem como à residência sita na Corte AM, em virtude do arguido não ter estado assistido por intérprete durante a diligência, sendo que o mesmo não domina a língua portuguesa.

No que se refere às nulidades invocadas nos supra referidos pontos B) e C).

Desde logo há que atentar que as buscas domiciliárias e bem como ao armazém sito na zona industrial de Olhão foram decididas por despacho judicial constante de fls. 1744 a 1746, tendo sido emitidos os competentes mandados de busca e apreensão, com a expressa menção a que poderiam ser cumpridos entre as 21:00 e as 7:00 horas.

As buscas domiciliárias são um meio de obtenção de prova e são consideradas como tal a diligência efectuada num local, que se enquadre num conceito normativo constitucional de domicílio, com o objectivo de descobrir recolher e apreender objectos que permitam, através do seu exame e interpretação, indicar se existiu ou não crime.

O seu regime está previsto no artigo 177º, conjugado com o artigo 174.º e seguintes do Código de Processo Penal, normas que emanam e são consequência directa do preceituado no artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o domicílio como um direito inviolável.

Como também sabemos, de acordo com o n.º 2 do artigo 174º do Código de Processo Penal, uma busca apenas pode e deve ser realizada quando houver indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.

A realização de buscas domiciliárias é um meio de obtenção de prova no âmbito de uma investigação criminal, à semelhança do que acontece com um depoimento ou a realização de uma peritagem, sendo que os requisitos da sua admissibilidade reforçam o seu carácter excepcional, pois têm requisitos mais exigentes que outros meios de prova previstos no Código de Processo Penal, que se justifica pela lesão aos direitos fundamentais do visado, mas também com as garantias de processo criminal, previstas no artigo 32.º da CRP, que impõe a verificação, em processo penal, de todas as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao silêncio e a direito à recusa de depoimento.

Por força dos artigos 34.º n.º2, 32.º n.º4 e também o artigo 202.º da Constituição, a autoridade competente para decretar a busca domiciliária, é uma autoridade judiciária, visto que está em causa a restrição a direitos fundamentais, sendo que o art.º 1º alínea b) do Código de Processo Penal define a autoridade judiciária como sendo o Juiz, o Juiz de Instrução Criminal e o Magistrado do Ministério Público, cada um para os actos processuais relativos às suas competências.

Já a Constituição, no seu artigo 202.º n.º2, prevê que compete unicamente aos juízes as funções materialmente judiciais, pelo que só estes poderão emitir mandados judiciais de autorização de busca domiciliária, sendo que a lei processual, no seu artigo 177.º, n.º 1 estatui que o primeiro pressuposto de uma busca domiciliária é que esta só pode ser ordenada ou autorizada por um juiz, e isto justifica-se “pela necessidade de salvaguardar a reserva da privacidade do domicílio e da sua inviolabilidade, como marcos fulcrais da liberdade individual inserida numa sociedade democrática e num Estado de Direito. (Vide, Simas Santos, Leal-Henriques, Borges Pinho, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, 1996, VOL I, pág. 684).

Sendo que existem casos em que as buscas, domiciliárias, também podem ser realizadas por órgão de polícia criminal sem a existência de mandado judicial (vide n.º 3 do art.º 177º do Código de Processo Penal), tal sucede, nomeadamente, os visados nela consintam,” desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado” (alínea b) do n.º 5 do artigo 174º do Código de Processo Penal), sendo que, neste concreto caso, se o visado pela busca for o arguido, o consentimento só pode ser prestado com a assistência do defensor sempre que ele, nomeadamente, desconhecedor da língua portuguesa (artigo 64º, n.º1, al. d) do Código de Processo Penal).

Mas, nos casos em que existe autorização prévia da autoridade competente para a busca domiciliária, como nos presentes autos, a presença do arguido não é obrigatória, devendo apenas ser-lhe comunicado que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por alguma pessoa que seja da sua confiança. (Vide, Acórdão do STJ de 15 de Dezembro de 1998, Manuel Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, pág. 437 e seguintes).

Assim, quando estamos perante a realização de buscas ordenadas judicialmente, não se verifica a exigência de estar presente um intérprete ou mesmo um defensor, pois que a diligência deverá ser realizada independentemente da prévia autorização ou consentimento do visado, sendo que não se poderá confundir a realização da diligência de obtenção de prova com os actos judiciais em que o arguido deve estar presente, e onde, sob pena de nulidade prevista no art.º 119º, al. c) do Código de Processo Penal, o mesmo deve estar acompanhado de defensor.

Aliás, do regime legal, a ausência de intérprete, em casos obrigatórios, onde não se inclui a realização de buscas, nem sequer é considerada como nulidade insanável, como decorre do disposto no art.º 120º, n.º2, al. c) do Código de Processo Penal.

Tratando-se de uma diligência processual ordenada por juiz em que não é obrigatória a presença do arguido, a diligência em si está legitimada independentemente das condições pessoais do arguido visado, não sendo afectada por qualquer nulidade, seja ela absoluta ou relativa.

No entanto, se considerássemos que era necessária a presença de intérprete em todas as buscas onde o arguido JMA foi visado ou esteve presente, então também neste momento já não poderíamos extrair qualquer consequência da nulidade, pois que como já referimos, as nulidades, quando consideradas relativas, têm necessariamente de ser invocadas no inquérito ou na instrução, o que não tendo sido feito, impediria o seu conhecimento nesta fase processual.

Analisando:
As buscas constituem meios de obtenção da prova, que são ordenadas, como resulta do art. 174.º, n.º 2, do CPP, “Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior (relacionados com um crime ou que possam servir de prova), ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público”.

Dependem de autorização ou ordem da autoridade judiciária (n.º 3 do mesmo preceito legal) ou, nos casos expressamente permitidos, são efectuadas pelos órgãos de polícia criminal (n.º 5 do mesmo).

Na situação em apreço, as buscas aos locais onde foram realizadas, referidos pelos recorrentes e como decorre de fls. 1966/1969 (armazém) e de fls. 1996/1998 (residência), foram decididas e ordenadas por despacho judicial, de fls. 1744/1747, sendo certo, pois, que não dependiam de qualquer consentimento do(s) visado(s).

Encontrando-se os respectivos autos assinados pelo recorrente JMA, neles constando como visado, mais não significa isso do que se observaram as formalidades a que alude o art. 176.º do CPP, já que a validade e a execução da diligência não estavam sujeitas a qualquer intervenção do mesmo.

Embora sendo, o recorrente, cidadão estrangeiro, quer a assistência por intérprete, quer por defensor, como transparece, e bem, do acórdão, não constituíam imposições legais, dado que nem mesmo a sua presença era necessária.

Tal como se fundamentou no acórdão, quando estamos perante a realização de buscas ordenadas judicialmente, não se verifica a exigência de estar presente um intérprete ou mesmo um defensor, pois que a diligência deverá ser realizada independentemente da prévia autorização ou consentimento do visado, sendo que não se poderá confundir a realização da diligência de obtenção de prova com os actos judiciais em que o arguido deve estar presente, e onde, sob pena de nulidade prevista no art.º 119º, al.c) do Código de Processo Penal, o mesmo deve estar acompanhado de defensor.

Acresce que, contrariamente ao invocado, o mencionado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.03.2017, no proc. n.º 256/16.7PAPVZ-B.P1 (in www.dgsi.pt), não se debruçou sobre questão idêntica à dos autos, uma vez que, aí, estava em causa busca domiciliária realizada por órgão de polícia criminal, e não busca ordenada por juiz, como aqui acontece.

Não se mostra, pois, aplicável o disposto nos alegados arts. 64.º, n.º 1, alínea d), e 92.º, n.º 2, do CPP, donde inexiste fundamento para nulidade das buscas e das apreensões que das mesmas resultaram, estando também afastada a invocada perspectiva de que os recorrentes, só em audiência, se aperceberam dessa ausência de defensor e de intérprete, no caso irrelevante, mas, ainda assim, não consentânea com a circunstância de que os autos comportaram fases de inquérito e de instrução, durante as quais puderam ter acesso ao mesmos.

B) - da nulidade do auto de busca ao armazém em Olhão:
Referem, os recorrentes, que, a fls. 1968 (auto de busca), encontra-se rasurada a hora em que terminou a busca ao armazém (não domiciliária, como fizeram erradamente constar) e que essa incorrecção poderia ter infirmado o que ficou vertido a fls. 2005 (auto de teste e pesagem de droga), concluindo existir nulidade, por referência aos arts. 99.º e 123.º do CPP, porque, segundo invocam, o facto de se encontrar rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária determina que o arguido não possa aferir da sua nulidade ou não, desconhecendo-se se esta foi realizada dentro do horário legalmente permitido entre as 7 e as 21 horas.

O tribunal a quo fundamentou no acórdão:
A)- Os arguidos JMA e AVE vieram invocar a nulidade prevista nos artigos 99º e 123º do Código de Processo Penal, porquanto a fls. 1968 encontra-se rasurada a hora em que terminou a busca domiciliária, pois que tal incorrecção na hora poderia infirmar o auto de busca subsequente o qual encontra-se ele próprio infirmado pela cota realizada a fls. 2005 porquanto aí foi feita constar a hora 20:40.

Relativamente ao suscitado pela defesa e referido no ponto D) supra, resulta desde logo que embora suscitada nulidade, a própria defesa a enquadrou no art.º 123º do Código de Processo Penal, ou seja como irregularidade.

Sendo certo que o decurso da busca e apreensão deve ficar documentado em auto, e este deve ser elaborado com respeito no art.º 94º do Código de Processo Penal, haverá desde logo que atentar que não é obrigatória a menção da hora da diligência.

Efectivamente, nos termos do n.º 6 daquele dispositivo legal, somente quando estejamos perante acto que afecte liberdades fundamentais é que é imperativo a referência à hora da ocorrência, com referência ao seu início e fim. Ora, no caso concreto, como já referimos supra, estamos perante a realização de uma busca, que foi judicialmente autorizada para poder decorrer em qualquer hora do dia ou noite, pelo que a existência de um qualquer lapso ou rasura na indicação da hora a que se realizou não coloca em causa qualquer direito do arguido, nem seria sequer exigível a menção da hora a que se realizou.

Sendo certo que a hora feita constar como de terminus da busca ao armazém sito em Olhão se encontra rasurada, tal não era elemento essencial do auto, sendo que a considerar-se que existia alguma irregularidade, há muito que a defesa a deveria ter arguido, o que não fez, nos termos do art.º 123º do Código de Processo Penal, pelo que sempre estaria precludida a sua invocação e conhecimento nesta sede.

Ora, tendo em conta o que ficou cabalmente explicitado, não se vê motivo para que os recorrentes insistam nessa pretensa nulidade.

Nem mesmo de irregularidade se pode falar, uma vez que, além do que ficou referido, não se está sequer perante situação de busca domiciliária e que estivesse condicionada a hora de realização (cfr. art. 177.º do CPP).

É manifesta a ausência de razão dos recorrentes.

C) - da utilização de métodos proibidos de prova:
Alegam, os recorrentes, a nulidade de todo o processado, desde a fase de inquérito, e ao abrigo do disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal, porquanto do depoimento de duas testemunhas resultou que as mesmas, quando inquiridas pelo OPC naquela fase processual, foram confrontadas com intercepções telefónicas existentes nos autos.

Vêm essa circunstância como sintoma de prova obtida em sede de inquérito pelo OPC em que foram exibidas escutas telefónicas de forma a “pressionar” as testemunhas a declararem o que o OPC lhe convinha.

Sobre o assunto, consignou-se no acórdão:
A)Os arguidos JMA e AVE requereram a declaração de nulidade de todo o processado, desde a fase de inquérito, e ao abrigo do disposto no art.º 126º do Código de Processo Penal, porquanto do depoimento de duas testemunhas resultou que as mesmas, quando inquiridas pelo OPC naquela fase processual, foram confrontadas com intercepções telefónicas existentes nos autos;

Já no que se refere ao ponto E) supra referido.

Se atentarmos no que já supra referimos sobre o regime das proibições de prova previsto no art.º 126º do Código de Processo Penal, é manifesto que não se logra entender a invocação.

Há desde logo de atentar que a defesa pretende colocar em causa a validade de todo um processo, que já teve duas fases processuais, invocando que, em sede de inquérito, duas testemunhas, quando inquiridas pelo órgão de polícia criminal, teriam sido confrontadas com intercepções telefónicas onde eram intervenientes.

Ora, a defesa não colocou em crise que as intercepções telefónicas sejam as que constam dos autos e que foram todas determinadas judicialmente, pelo que inexiste qualquer norma processual que impedisse o órgão policial de confrontar as testemunhas com a sua existência.

Efectivamente, não se vislumbra minimamente qualquer fundamento legal para a invocação da proibição de prova, que mais não seria então do que a proibição de valorar o que as testemunhas declararam em sede de inquérito, o que não implicaria qualquer proibição de prova porquanto em sede de julgamento tais declarações nem foram lidas, pelo que está vedado ao Tribunal o seu conhecimento.

É por demais manifesto que não estamos perante nenhuma das situações previstas pelo art.º 126º do Código de Processo Penal, pelo que se indefere a arguida proibição de prova e a nulidade total do processado, o que sempre também seria manifestamente infundado face ao disposto no art.º 122º do Código de Processo Penal.

Ora, para além de que os recorrentes não concretizam a que inquirições se reportam, é notório que não se descortina, mesmo que a situação alegada existisse, qualquer proibição de prova, quanto à sua admissibilidade no inquérito, uma vez que, de modo algum, se enquadraria, sem mais, nesse art. 126.º, apesar da menção ao “pressionar” das testemunhas e que se desconhece como, bem como, respeitando ao inquérito, se de nulidade se tratasse, haveria de ter sido arguida nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 120.º do CPP.

Tanto basta para concluir pela ausência de fundamento.

D) - da nulidade de escutas telefónicas:
Com vista a impugnar diversas transcrições de intercepções e gravações telefónicas, os recorrentes arguiram a nulidade das correspondentes sessões, por decurso do prazo legalmente estabelecido para apresentação ao juiz de instrução.

Vieram indicar essas sessões e preconizam tal nulidade ao abrigo dos arts. 188.º, n.ºs 3 e 4, e 190.º do CPP.

No acórdão, fundamentou-se e decidiu-se:
G) Os arguidos JMA, AVE e SMP arguiram a nulidade de diversas sessões de intercepções telefónicas – concretamente indicadas nos dois requerimentos apresentados a fls. 5814 a 5821 – por terem sido preteridos os prazos de apresentação previstos no art.º 188º, n.º3 e 4 do Código de Processo Penal, atento o disposto no art.º 190º do Código de Processo Penal.

No que se refere ao ponto G).

Sendo que as intercepções telefónicas constituem uma restrição ao direito fundamental de inviolabilidade nas telecomunicações, o qual tem a sua consagração constitucional no aludido artigo 34º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, foi a própria Lei fundamental que determinou a sua restrição, por aplicação do estatuído no art.º 18º, n.º2 e bem como no n.º4 do art.º 34º, remetendo para a possibilidade de previsão, em lei ordinária, de um regime que permitisse às autoridades judiciais a intercepção e gravação de conversações telefónicas sem o consentimento dos intervenientes.

Enquanto meio excepcional de obtenção de prova em processo penal (excepcionalidade essa reconhecida pelo nº 3 do artigo 126º do Código de Processo Penal), a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser efectuadas nos quadros estreitos dos procedimentos fixados pelos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal, estabelecendo estes normativos um regime de autorização e de controlo judicial e o “sistema de catálogo”, em consonância com o disposto nos nº 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa.

Enquanto o artigo 187.º do Código de Processo Penal consagra a admissibilidade da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas para valerem como meio de prova, o artigo 188.º do mesmo diploma legal estabelece as formalidades a que estão sujeitos os actos de intercepção e gravação. Daí que se considere que os requisitos das escutas telefónicas assumem uma natureza material ou substancial no artigo 187º do Código de Processo Penal, e uma natureza formal ou procedimental no artigo 188º do Código de Processo Penal.

A natureza material advém da exigência legal que este meio de obtenção de prova só pode ser utilizado em determinadas situações, melhor, quando existam indícios da prática de certos tipos de crime (crimes do catálogo) e terá de ser sempre autorizada por despacho de um juiz, constituindo portanto, as condições de admissibilidade das intercepções telefónicas.

Concomitantemente a estas condições de admissibilidade, o legislador estabeleceu determinados formalismos inerentes à realização das mesmas, a forma como as mesmas se processarão, com o fim de efectivar o papel do Juiz no controlo e fiscalização deste meio de obtenção de prova.

Por outro lado, o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República dispõe ainda que: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”, vindo tal disposição também a ser recebida no Código de Processo Penal, mais concretamente no seu art.º 126º.

Assim, é certo que a não observância dos pressupostos materiais de realização de uma intercepção telefónica gera uma proibição de prova, por violação dos artigos 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e art.º 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, uma vez que tais pressupostos são aqueles de que a lei faz depender a adopção do método de obtenção de prova. Mais concretamente, estamos perante uma proibição de produção de prova (por utilização de um método de produção de prova proibido), por violação de determinados direitos liberdades e garantias, que vai redundar numa proibição de valoração das gravações assim obtidas, como estatuído expressamente no art.º 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Por conseguinte, atestada a violação dos artigos 187º e ou 188º do Código de Processo Penal, estabelece o art.º 190.º do mesmo diploma legal a nulidade desses actos, estatuindo que “os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade”.

A questão, no entanto, coloca-se em determinar se a nulidade prevista neste preceito é exactamente a mesma nas situações em que se violem os pressupostos materiais de admissibilidade das escutas telefónicas (com assento legal no art.º 187º do Código de Processo Penal) e nos casos em que se violem as formalidades das operações, previstas no art.º 188º do Código de Processo Penal.

Tem sido entendimento praticamente unânime da nossa jurisprudência que é necessário distinguir entre a violação dos pressupostos materiais de admissibilidade da medida (que segundo a mesma corrente se identificam com o art.º 187º do Código de Processo Penal) e os requisitos formais de realização das mesmas (identificados com os casos elencados no art.º 188º do Código de Processo Penal), sendo que que a violação do primeiro grupo de situações gera uma proibição de prova e a correspondente nulidade extra-sistemática, e a violação do segundo grupo de situações gera uma mera nulidade sanável, reconduzível ao sistema geral das nulidades processuais.

Ou seja, repousa este entendimento, na distinção entre proibições de prova e regras de produção de prova, entendidas as primeiras como limites à descoberta da verdade material e as segundas como regras de exteriorização da prova – cfr. entre outros Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/12/2005, no processo nº 05P2942 que refere “Como é jurisprudência dominante neste Supremo Tribunal, a cominação estabelecida no artigo 189.º do Código de Processo Penal, que fulmina com a sanção de nulidade genericamente as infracções ao disposto nos artigos 187.º e 188.º, não significa que se trate sempre de nulidades absolutas. Há que distinguir a inobservância dos pressupostos para a recolha, estabelecidos no artigo 188.º, dos pressupostos substanciais de admissão das escutas, a que alude o artigo 187.º, em que está em causa a utilização de um meio de prova proibido, por ilegal intromissão nas comunicações. No primeiro caso a nulidade é relativa, sanável, no segundo é absoluta. Neste sentido cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 26-11-2003, Proc. n.º 3164/03, de 21-10-2004, Proc. n.º 3030/04, de 2-2-2005, Proc. n.º 3776/05, e de 15-06-2005, Proc. n.º 1556/05.”

Também no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29/12/2006 (Processo n.º 06P3059) se refere que “os procedimentos para realização de intercepções e gravações telefónicas estabelecidos no art. 188.º, após ordem ou autorização judicial para o efeito, constituem formalidades processuais cuja não observância não contende com a validade e a fidedignidade daquele meio de prova, razão pela qual, como este Supremo vem entendendo, à violação dos procedimentos previstos naquele normativo é aplicável o regime das nulidades sanáveis, previsto no art. 120.º do CPP”.

Assim, é de defender que se impõe a distinção da violação de pressupostos materiais de admissibilidade das escutas telefónicas das meras formalidades das operações que consubstanciam meras regras de produção de prova. Enquanto os primeiros acabam por ser uma concretização do princípio da proporcionalidade (art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) a observar na restrição de direitos, liberdades e garantias, os segundos não apresentam esse mesmo referente constitucional. E assim, a violação das normas que prevêem estes pressupostos materiais de admissibilidade de intercepções telefónicas geram uma proibição de valoração da prova (artigos 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), senda a medida nula (art.º 190.º do Código de Processo Penal), nulidade essa que se identifica com a nulidade absoluta associada às proibições de prova (artigos 118.º, n.º 3 e 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), uma vez que tais requisitos legais, são os requisitos de que a lei faz depender a admissibilidade da intercepção telefónica, tornando-a conforme com a Lei Fundamental.

Já a violação de normas que prescrevem meras formalidades na realização da prova, não geram uma proibição de prova, já que elas não estão contêm em si regras de tutela de direitos, liberdades e garantias, pelo que a nulidade prevista no art.º 190º do Código de Processo Penal, não é uma nulidade absoluta, mas sim uma nulidade reconduzível ao sistema geral das invalidades previstas no Código de Processo Penal, mais concretamente uma nulidade sanável (art.º 120.º do Código de Processo Penal)[1] [2].

Se esta é também a posição que sufragamos, há que atentar que no dia 12 de Fevereiro de 2018, foi publicado no Diário da república n.º30/2018, I Série, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º1/2018, que fixou jurisprudência no seguinte sentido: “A simples falta de observância do prazo de 48 horas, imposto no n.º 4 do art. 188.º do CPP, para o M.º P.º levar ao juiz os suportes técnicos, autos e relatórios referentes a escutas telefónicas, constitui nulidade dependente de arguição, nos termos dos art.s 190.º e 120.º, ambos do Código de Processo Penal.”.

E, sendo a nulidade invocada, por preterição do prazo de apresentação das intercepções telefónicas, uma nulidade sanável, então seria impositivo que a mesma tivesse sido invocada nos termos previstos no n.º3, al.c) daquele normativo legal, ou seja até ao encerramento do debate instrutório, o que não resulta ter sido feito.

Assim, não tendo sido arguida a nulidade no prazo processualmente previsto, tem-se a mesma por sanada, dispensando-nos por conseguinte de proceder à análise concreta de cada uma das sessões que a defesa alega terem sido apresentadas ao Juiz de instrução com violação dos prazos previstos no art.º 186º, n.º3 e 4 do Código de Processo Penal[3].

Analisando, afigura-se inteiramente de sufragar o entendimento expendido, porque cabalmente fundamentado, em sintonia com o que a jurisprudência tem reflectido e que culminou na prolação do referido acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2018, de 30.11.2017 (in DR de 12.02.2018).

Acrescidos esclarecimentos não se justificam.

Não se verifica, pois, a invocada nulidade, uma vez que, mesmo que assim não fosse, mostra-se já sanada.

E) - da nulidade do inquérito:
A nulidade do inquérito vem alegada pelos recorrentes fundada, na sua perspectiva, na inadmissibilidade das escutas telefónicas, dos relatórios de vigilância e dos registos e recolha de imagens.

Para o efeito, invocam que as escutas telefónicas são um meio de prova e não um indício ou um facto demonstrativo da ocorrência de um crime (…) não basta uma escuta telefónica sem a verificação de um evento, um acontecimento, um facto, que sustente o indício, por forma se poder afirmar, que aquilo que consta na transcrição aconteceu, que os relatórios de vigilância indicados na acusação mais não são do que um texto escrito pelos OPC’s onde estes relatam aquilo que viram, são pois testemunhos por escrito e que os relatórios de vigilância com registo de imagens não são admissíveis para a investigação do crime de tráfico de droga de menor gravidade, previsto e punido no artigo 25.º do Decreto-lei 15/93 de 22/01.

Relativamente às escutas telefónicas, o que os recorrentes alegam prende-se com a sua valoração e não, propriamente, com a admissibilidade das mesmas, sendo que decorre dos autos que foram devidamente autorizadas em sintonia com o disposto no art. 187.º do CPP.

Quanto aos relatórios de vigilância, que, em rigor, são relatórios de diligências externas (RDE’s), dúvida não há de que se trata de prova documental, admitida em geral de acordo com o art. 164.º do CPP, uma vez que não decorre, segundo o alegado, que o respectivo conteúdo viole proibições legais atinentes aos meios de prova, reconduzindo-se, pois, a resumos efectuados pelos órgãos de polícia criminal sobre o que, em determinados local e momento, se presenciou, no âmbito da sua competência, designadamente, cautelar, ao abrigo dos arts. 249.º e 253.º do CPP.

Coisa diferente da sua admissibilidade, será a sua valoração, mas, de qualquer modo, não podem ser considerados testemunhos por escrito, atendendo, desde logo, a que não se regem pelas exigências da prova testemunhal.

Por seu lado, os alegados registo e recolha de imagens, por via dessas vigilâncias, não contende com o tipo de ilícito em investigação, de tráfico de estupefacientes, de harmonia com a previsão do art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11.01, sendo irrelevante que, segundo os recorrentes, a GNR tenha juntado três processos num único processo e o inquérito se tenha iniciado apenas por tráfico de menor gravidade e consumo de estupefacientes.

Não resulta, pois, que se esteja perante prova proibida, nem mesmo se vislumbra de que modo poderia, se proibida, conduzir à pretendida nulidade do inquérito.

F) - da violação do princípio da descoberta da verdade material:

Os recorrentes insurgem-se contra a não admissão de requerimento aos autos para que fosse junto despacho de arquivamento no âmbito do proc. n.º 317/15.0GDFAR, que correu termos em Olhão, preconizando que era necessário para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, pese embora, como referem, se entenda que o armazém sito em Bias do Sul “Alfandanga” não constitua o objecto propriamente dito, a verdade é que foi falado por inúmeras vezes e foi referido por diversas testemunhas, tendo-se inclusive ouvido o depoimento do seu proprietário.

A alegação traduz-se, pois, no invocar de preterição de diligência que pudesse reputar-se como necessária para aquelas finalidades, em razão do disposto no art. 340.º do CPP, o que, a proceder, é susceptível de consubstanciar a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP.

Nessa vertente, através da consulta à acta da sessão da audiência de julgamento de 14.02.2018 (fls. 5898) e, aliás, conforme ao indicado no recurso, consta que foi proferido despacho, a não admitir a junção aos autos do referido requerimento uma vez que o mesmo foi junto após a produção de prova e encerramento da audiência, sendo que nesta sessão também não requereu a sua junção, sendo que, ademais, do despacho de arquivamento junto com o requerimento nada refere relativamente a quaisquer factos susceptíveis de serem subsumidos ao objecto deste processo.

A diligência não foi tida como essencial e com o fundamento de que, afinal, os factos desse alegado inquérito serem diversos daqueles sob julgamento nos autos, situação de que os próprios recorrentes dão conta.

Por isso, não bastando que os recorrentes afirmem o interesse para a causa, como fazem, não se descortina que o princípio consagrado nesse art. 340.º tivesse sido preterido.

Mesmo que isso não se tivesse como assente e que suposta nulidade se apresentasse, é manifesto que não foi arguida até final da audiência (art. 120.º, n.º 3, alínea a), do CPP), pelo que sempre estaria sanada.

G) - da violação do princípio non bis in idem:
Na esteira da anterior problemática, os recorrentes invocam violação do princípio non bis in idem, apelando, por referência àquele processo aludido em F), à proibição da dupla valoração dos factos.

Contudo, não se pode descurar que a junção aos autos do arquivamento nesse processo estribou-se, além do mais, em que nada refere relativamente a quaisquer factos susceptíveis de serem subsumidos ao objecto deste processo, relativamente ao que, os recorrentes, não apresentam elementos que infirmem esse fundamento.

A situação não contende com o invocado princípio, cuja dignidade constitucional é conferida pelo n.º 5 do art. 29.º da Constituição da República portuguesa (CRP), ao estabelecer que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

O princípio comporta duas dimensões: a primeira, como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); a segunda, como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto (Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, volume I, pág. 497).

E não obstante a densificação semântica do princípio imponha a clarificação do sentido da expressão «prática do mesmo crime», recorrendo aos conceitos desenvolvidos pela doutrina acerca da unidade e pluralidade de crimes e suas vertentes jurídico-materiais, o que se proíbe rigorosamente é o duplo julgamento e não a dupla penalização, embora, com a proibição do duplo julgamento, se pretenda evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada das sanções jurídico-penais pela prática do mesmo crime.

Deste modo, se bem que tolerando a perspectiva dos recorrentes, de proibição da dupla valoração dos factos, em concreto isso não se verifica como preterido, sendo certo que, nem foram julgados pelos supostos mesmos factos, nem sequer esse outro processo, segundo o que transparece, era atinente aos factos sob apreciação.

Já se vê que a argumentação não serve para suportar esse princípio e, muito menos, a violação do mesmo.

Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido:

Factos Provados:
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. Os arguidos CP, LIC, SC, Jorge e DFR, tomaram conhecimento da existência de plantas de cannabis no interior do Centro de Jardinagem denominado “All Green Garden”, em Santa Catarina da Fonte do Bispo, Tavira, e decidiram deslocar-se ao referido local para ir buscar algumas, as quais pretendiam dividir entre eles para posteriormente as consumirem.

2. Assim, concretizando os seus intentos, no dia 31 de Janeiro de 2015, por volta das 00:30 horas, os arguidos LIC, SC, DFR e Jorge, dirigiram-se, no veículo de marca Ford, Modelo Escort, com a matrícula -BN, conduzido pela arguida Cátia, ao citado Centro de Jardinagem.

3. Uma vez aí, os arguidos SC, DFR e Jorge, de forma não concretamente apurada, retiraram do interior do citado Centro 12 plantas de cannabis, as quais colocaram no interior do citado veículo e ausentaram-se do local.

4. No interior do referido Centro de Jardinagem ficaram ainda, pelo menos, 8 plantas de cannabis.

5. Por volta das 03:00 horas, quando circulavam pela E.N. 270 em direcção a Tavira, os citados arguidos foram interceptados por elementos da GNR na posse das referidas plantas no interior do citado veículo.

6. Nessa altura, o arguido SC tinha ainda na sua posse 3,387 gramas líquidos de cannabis resina, no equivalente a 19 doses individuais, e um telemóvel de marca Nokia, com o IMEI 351709067123845.

7. O arguido Jorge tinha na sua posse dois telemóveis de marca Nokia, um com o IMEI 35593705211-- e outro com o IMEI 35672305128---.

8. O arguido DFR tinha na sua posse um telemóvel de marca Sony Erickson, com o IMEI 35880404154---.

9. A arguida LIC tinha na sua posse o telemóvel de marca Nokia com o IMEI 356990041160---.

10. A arguida Cátia tinha na sua posse o telemóvel de marca Nokia com o IMEI 35242905123---.

11. Ainda nesse dia, pelas 9:00 horas, no interior da sua residência, sita na Rua da Liberdade ---, em Tavira, o arguido SC tinha na sua posse:

a. 27 sementes de cannabis;
b. Um canivete com resíduos de cannabis;
c. Uma balança de precisão de marca Diamond;
d. 53,515 gramas líquidos de cannabis resina, no equivalente a 255 doses individuais;
e. Uma planta de cannabis, com o peso de 4,330 gramas líquidos, equivalente a 8 doses individuais;
f. Um sistema de iluminação artificial;
g. 1 recipiente contendo 5 sementes de cannabis em processo de germinação;

12. O arguido SC destinava os supra referidos produtos estupefacientes ao seu consumo individual, sendo os mesmos suficientes para, pelo menos, 3 semanas de consumo.

13. O arguido Jorge, desde 2014, vendeu haxixe, por três a cinco vezes a J. Feliu, e uma vez a João A., tendo vendido de cada vez o equivalente a €10.

14. O arguido Jorge costumava adquirir o referido produto estupefaciente ao arguido JPC.

15. Por sua vez o arguido JPC, pelo menos desde Novembro de 2014 até à data da sua detenção à ordem destes autos, dedicou-se também à venda a terceiros de produtos estupefacientes, designadamente cannabis.

16. O citado arguido desenvolvia a sua actividade a partir da sua residência sita no Bairro Social de Cabanas de Tavira… e com intuito lucrativo.

17. Assim a título de exemplo e entre muitas outras transacções:
a. No dia 4 de Janeiro de 2016, pelas 16:45 horas, na Avenida 28 de Maio, junto às Barracas dos Pescadores, em Cabanas de Tavira, o arguido JPC vendeu a PAC, uma quantidade indeterminada de produtos estupefacientes;

b. No dia 6 de Janeiro de 2016, cerca das 16:00 horas, no mesmo local, o arguido JPC vendeu à PAC quantidade indeterminada de haxixe;

c. No dia 3 de Fevereiro de 2016, entre as 15:00 e as 16:30 horas, no mesmo local, o arguido JPC vendeu a PAC, quantidades indeterminadas de produtos estupefacientes;

d. No dia 11 de Fevereiro de 2016, pelas 15:30 horas, no mesmo local, o arguido JPC vendeu a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, uma quantidade indeterminada de produtos estupefacientes;

e. No dia 24 de Fevereiro de 2016, pelas 18:00h, no mesmo local, o arguido JPC vendeu a indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, uma quantidade indeterminada de produtos estupefacientes;

f. No dia 6 de Abril de 2016, pelas 17:15 horas, na Rua Fernando Pessa, em Cabanas de Tavira, o arguido JPC vendeu a mulher uma quantidade indeterminada de produtos estupefacientes.

18. Para além disso, entre o mês de Fevereiro de 2016 e a data da sua detenção, em 30 de Agosto de 2016, o arguido JPC recebeu inúmeras chamadas telefónicas no seu telemóvel com o n.º 926175647, de diversos consumidores, com vista à aquisição de haxixe.

19. Até à data da sua detenção, o arguido JPC procedeu a vendas de haxixe a:

a. a RP, a quem vendeu por 4 a 6 vezes, entre 90/100 € de cada vez;
b. a TG, a quem vendeu um número não apurado de vezes, cerca de duas vezes por semana, durante os meses de Janeiro a Abril de 2016;
c. a BD, a quem vendeu um número não apurado de vezes, por quantia de €5 a €10 cada;
d. a HC, a quem vendeu entre 2 a 3 vezes, pelo valor de €5 cada vez;
e. a C. Skoglund, a quem vendeu um número de vezes não apurado por quantia monetária não apurada;
f. a Kush L., a quem vendeu normalmente uma vez por semana, por quantia entre €20 e €30;
g. a LM, a quem vendeu por duas ou três vezes, por montantes entre €5 a €10;
h. a Adriano, a quem vendeu por duas ou três vezes, pela quantia €10 cada vez;
i. a Romão, a quem vendeu duas vezes, no ano de 2016, pelo preço de €5 cada;
j. a Cristiana, a quem vendeu pelo menos 5 vezes, por €5 de cada vez;
k. a Dino, a quem vendeu entre 3 a 4 vezes pelo preço entre €3 e €5
l. a Áurea, a quem vendeu duas vezes pelo preço entre €5 e €10;
m. a Ruben, a quem vendeu pelo menos 10 vezes, durante o ano de 2015, por €5
n. a PAC, a quem vendeu um número indeterminado de vezes, pelo valor de €10;
o. a Marcos, a quem vendeu entre 1 ou 2 vezes, pelo valor de €5 cada vez;
p. a David, pelo menos uma vez, por valor não apurado;
q. a Andreia a quem vendeu 3 a 4 vezes por €5, no ano de 2016;
r. a Jessica, a quem vendeu 2/3 vezes em 2016, por €5;
s. a Flávio, a quem vendeu uma vez, em 2016, por cerca de €10;
t. a Eduardo, a quem vendeu uma vez, por quantia entre €5 a €10.

20. No dia 30 de Agosto de 2016, pelas 15:30 horas, no interior da sua habitação acima identificada, o arguido JPC tinha na sua posse:

a. Seis embalagens pequenas de plástico com fecho hermético, contendo no seu interior, folhas secas (flor), de cannabis, com um peso líquido de 5,760 gramas;
b. Uma tábua de corte;
c. Uma faca de cozinha de cabo preto, um canivete com o cabo em madeira, com as lâminas com resíduos de cannabis;
d. Vinte e três (23), embalagens pequenas em plástico com fecho hermético, utilizadas no acondicionamento de cannabis;
e. Uma embalagem grande em plástico, com fecho hermético, contendo no seu interior folhas secas (flor), de cannabis, com o peso de 100,800 gramas líquidos;
f. Uma caixa de lata, contendo no seu interior, seis (6) pedaços de haxixe com um peso de 18,475 gramas de peso líquido;
g. 289,05 Euros em numerário;
h. Um Telemóvel da marca Samsung de cor preta Modelo SM-G361F, IMEI 354350/07/370---, com cartão de memória de 8 GB, com cartão da MEO.

21. No mesmo local, pelas 15:50 horas, desse dia, no ciclomotor eléctrico de sua propriedade, o arguido JPC tinha ainda na sua posse:

a. Um saco de plástico de asas de cor creme, contendo no seu interior dez (10) embalagens pequenas de plástico com fecho hermético, contendo no seu interior, folhas secas (flor), de cannabis com o peso de 10,050 gramas de peso líquido;

b. Um saco de plástico contendo quatro (4) pedaços de haxixe com 12,080 gramas de peso líquido;

22. Desde Maio de 2016 o arguido JPC adquiria os produtos que transaccionava ao arguido SMP.

23. Os arguidos JMA (conhecido por Mike), AVE (conhecido por Roy) e PH H, por seu turno, dedicavam-se, pelo menos desde 5 de Fevereiro de 2016, ao cultivo e secagem de plantas de canábis, para posterior comercialização.

24. O arguido SMP tinha como função cuidar da plantação que aqueles mantinham.

25. O arguido AVE assumia uma posição de liderança perante os arguidos SMP, JMA e PH, sendo que, era ele que transmitia orientações aos restantes, relativas à actividade ilícita que desenvolviam, geria as verbas provenientes das vendas e determinava o pagamento das despesas.

26. Para além do arguido JPC, os arguidos AVE, JMA, PH e SMP, tinham outros clientes, alguns dos quais no estrangeiro, para onde encaminhavam parte da sua produção.

27. Assim, no dia 30 de Agosto de 2016, pelas 14:45 horas, no interior de num armazém sito na zona industrial de Olhão, com os n.ºs 152, 153, 154 e 155, os citados arguidos tinham em pleno funcionamento, uma estufa destinada ao cultivo de plantas de cannabis.

28. A referida estufa estava dotada de sistemas de rega, de ventilação, de controlo da humidade, temperatura e luminosidade com vista a proporcionar condições ideais ao crescimento das referidas plantas.

29. Na dita estufa encontravam-se 332 plantas de cannabis, em diversas fases de crescimento e maturação, designadamente:
a. 10 plantas com 1,5 m;
b. 152 plantas com 0,40 m;
c. 170 plantas com 0,60 m;

30. No interior do mencionado armazém, os suspeitos procediam ainda à secagem, trituração, pesagem e embalagem das folhas e flores das referidas plantas, tendo ainda sido encontrado:

a. Um saco de plástico contendo no seu interior 310 gramas de pólen de canábis;
b. Um saco de plástico contendo no seu interior 230 gramas de cabeças de cannabis;
c. Um saco de plástico contendo no seu interior 263gramas de pólen de cannabis;
d. Um saco de plástico contendo no seu interior 64,4gramas de pólen de cannabis;
e. Dois sacos de plástico de cor preta contendo no seu interior 1520 gramas de cannabis;
f. Cinco embalagens contendo no seu interior 287.25gr. de Liamba/Cannabis;
g. Um saco de plástico de cor preta contendo no seu interior 1320gr. plantas de canábis;
h. Vinte e duas plantas de canábis com aproximadamente 0,90cm;
i. Treze plantas de canábis com aproximadamente 0,80m cada,

31. No interior do citado armazém encontravam-se ainda diversos utensílios e produtos, utilizados no cultivo das referidas plantas de cannabis, designadamente fertilizantes, aparelhos de ar condicionado, termómetros, ventoinhas, tubos de ventilação, medidores de ph.

32. No referido dia 30 de Agosto de 2016 pelas 13:45 horas, na Rua Nossa Senhora da Conceição…, em Cabanas de Tavira, o arguido JMA tinha na sua posse:

a. Um Telemóvel de marca Samsung, modelo SM-G531H/DS, Dual SIM, com o IMEI 354204/07/531--- e IMEI 354205/0735---, com o número de série R51G8367SJA, com 1 (um) cartão da Operadora Lycamobile com o número de telefone 92016--- (Refª8935104070001729653) e 1 (um) cartão de memória da marca Lebara nº71381267U, com a respectiva bateria;

b. Um Telemóvel de marca Samsung, modelo SM-J500FN, com o IMEI 358321/07/21---, com o número de série RV8H21G57SX, com 1 (um) cartão da Operadora Movistar/Vivo, com a referência M2m89340724790007---;

c. Um Router Vodafone Mobile Wi-fi, modeloR20, com o IMEI 3536040671---, nº Série K7TDW15A#1007868, com o cartão SIM da Vodafone nº série 81155818--- e respectiva bateria;

d. Um porta-chaves com quatro chaves sendo uma delas da residência da Corte AM e outra do armazém nº---da Zona Industrial de Olhão.

33. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar o arguido SMP tinha na sua posse:

a. Um telemóvel da marca Alcatel One Touch, modelo 1042X, de cor branco, com o número de IMEI 863215024---;
b. Um cartão SIM, pertencente à rede operadora móvel “NOS”, com o número 226509130-- e o número de telemóvel associado 930 455---.

34. No mesmo local, pelas 14:00 horas, no interior da viatura de marca VW, modelo Golf de cor branca, com a matrícula -EL, onde se faziam transportar, os arguidos JMA (Mike) e SMP tinham na sua posse:

a. Duas embalagens contendo folhas secas (flor) de cannabis, com um peso aproximado de 100,600 gramas líquidos.

35. No interior da residência do arguido SMP P, situada na Quinta da Gomeira, Rua da Abóbora…, em Cabanas de Tavira, no dia 30 de Agosto de 2016, foi encontrado:

a. 17, 158 gramas líquidos de cannabis;
b. Uma balança decimal, da marca Soehnle, de cor branca sem número de série;
c. Treze pequenos sacos para acondicionar produto estupefaciente, designadamente cannabis;
d. Um saco contendo no seu interior 6,205 gramas líquidos de cannabis (folhas e sumidades floridas ou frutificadas);
e. Dois pequenos sacos de plástico, contendo no interior de um deles 0,16 gramas e no outro 0,42 gramas, num total de 0,618 gramas líquidos de MDMA (ecstasy);
f. 3,550 gramas líquidos de cannabis;
g. Uma caixa plástica transparente, contendo um moinho, 0,845 gramas líquidos de cannabis, 2,597 gramas líquidos de cannabis, e 10,740 gramas de cannabis.

36. Por sua vez, no interior da residência do arguido JMA, situada na Corte AM … Vila Real de Santo António, no dia 30 de Agosto de 2016, foi encontrado:

a. Uma balança decimal;
b. Vários sacos para acondicionamento de estupefacientes, entre os quais 1 saco cinzento recortado, de material idêntico ao apreendido no interior do veículo do suspeito no qual estava acondicionada cannabis;
c. 6 vasos pretos, vazios, tubos para extracção de odores, com vários metros de comprimento, 1 filtro, 2 frascos com soluções PH4, utilizados para calibrar o PH da água, 1 frasco com líquido para corrigir a acidez e soluções nutritivas para cultivo de plantas, 1 tesoura de podar.

37. Os arguidos tinham perfeito conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias acima identificadas, bem sabendo que o seu cultivo, cedência, venda, transporte ou detenção não autorizada, lhes estava vedada e era criminalmente censurável.

38. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária a consciente bem sabendo que a as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
*
Do pedido de Indemnização Civil
39. O arguido AVE arrendou, em 7 de Abril de 2015 e pelo período de 2 anos a moradia sita na Urbanização dos Pezinhos…, em Tavira, pertença de FP e CMP.

40. O lote de terreno onde se encontra implantada a moradia foi adquirido pelos demandantes em data não apurada tendo a construção da residência terminado em 2012.

41. Em 2012 os demandantes compraram mobílias e equipamentos no valor de €19.710,00.

42. Em 2013 os demandantes adquiriram cortinados no valor de €2.055,00.

43. Em data não apurada os demandantes celebraram contrato de mediação imobiliária com a Remax de Tavira para venda do imóvel.

44. Em 7 de Abril de 2015 os demandantes celebraram com AVE contrato de arrendamento para habitação com duração limitada, referente ao imóvel supra identificado.

45. O contrato tinha o prazo de vigência de 2 anos, com início a 10 de Abril de 2015 e termo a 10 de Abril de 2017, ficando estipulado que em caso de denúncia o arrendatário pagaria a título indemnizatório o montante em falta até ao seu término.

46. O destino do arrendamento definido foi exclusivamente o de habitação.

47. A renda mensal definida foi de €1.500,00, a pagar de dois em dois meses.

48. Em Abril de 2016, AVE contactou a demandante e informou-a que iria sair da casa.

49. A demandante contactou a sua sobrinha, que tinha domínio da língua inglesa, para que esta contactasse AVE, tendo a mesma telefonado para o número de telefone fornecido.

50. Nesse telefonema, o interlocutor que se identificou como sendo AVE, verbalizou que iria sair da residência e que não pagaria qualquer outro montante, por ter pago a caução e que iria proceder à limpeza do imóvel.

51. A demandante contactou com a gerente da Remax-Tavira a solicitar que fosse verificar as condições da casa, tendo esta verificado que as fechaduras estavam alteradas e que não tinha acesso ao interior da moradia, tendo constatado que a piscina estava quase vazia e com mobiliário no interior.

52. Em Abril de 2016, AVE abandonou a residência.

53. De Maio de 2016 a Abril de 2017 venceram-se 12 rendas que o arrendatário não pagou.

54. Por via da situação relatada em 44 a 47, os demandantes deslocaram-se a Portugal, tendo aqui permanecido entre 23 de Abril e 26 de Abril de 2016 com o intuito de recuperar as chaves da moradia e verificar o seu estado.

55. Para tal, os demandantes gastaram €522,51 com a aquisição de bilhetes de avião de Genebra/Faro e Faro/Genebra.

56. Tendo recuperado as chaves da residência, que estavam na posse de Carla A., os demandantes, no dia 23 de Abril de 2016, deslocaram-se à residência.

57. Os demandantes quando entraram na residência depararam-se com a mesma suja, existindo pêlos de cão, sanitas entupidas, um vidro de uma janela partido, o sofá da sala estragado, e mobiliário de jardim no interior da piscina.

58. A garagem apresentava-se limpa, com sinais de ter sido recentemente pintada, tendo buracos no chão e tecto, que haviam sido tapados e pintados

59. Na garagem existiam sinais de humidade e paredes rachadas, sendo que as portas existentes apresentavam sinais de humidade.

60. No dia 24 de Abril de 2016, os demandantes adquiriram materiais, no valor de €129,67, com vista a proceder a pequenas e urgentes reparações na residência.

61. Despenderam também €123,00 na limpeza da piscina.

62. Estando a residência sem electricidade, os demandantes recorreram a um electricista com vista à substituição de cabos que se encontravam queimados, o que acarretou um custo de €61,50.

63. No local foi detectada a existência de um rasgo no chão, que ia do contador de electricidade até à garagem.

64. O estado em que moradia se encontrava deixou os demandantes tristes e revoltados.

65. Os demandantes sofreram angústia, stress, ansiedade e inquietação pelo facto de AVE não ter cumprido o contrato de arrendamento até ao seu termo.
*
Das Condições Pessoais dos Arguidos e Seus Antecedentes Criminais
(…)

Do arguido SMP
206. À data dos factos subjacentes ao presente processo, havia alguns meses que SMP Pinho reunira-se ao núcleo familiar constituído há cerca de 13 anos – o qual englobava, para além da companheira, dois descendentes, na actualidade com 12 e 8 anos de idade -, residente na morada indicada nos autos, correspondente à área de residência da família da companheira[4].

207. Pese embora a situação de desempregado do arguido – sendo referido o desenvolvimento pontual de trabalhos indiferenciados como pintor da construção civil -, e a consequente assunção da economia doméstica por parte da companheira (activa laboral, em moldes regulares, no sector da restauração ou hoteleiro), esta caracterizou o referido período de relação marital como gratificante face ao historial de sucessivas rupturas decorrentes dos hábitos aditivos de SMP.

208. Nesse contexto, o presente processo constituiu uma relevante frustração das expectativas maritais/familiares da companheira do arguido, embora ainda não tenha cessado definitivamente com os laços afectivos com o arguido.

209. Oriundo de um agregado familiar com um estrato socioeconómico mediano e com uma dinâmica relacional normativa em termos psicoafectivos, o desenvolvimento de um processo de dependência aditiva viria a constituir um factor indutor das vivências sociofamiliares de SMP.

210. Remontando o contacto com substâncias psicoactivas (haxixe) aos 13 anos de idade – coincidindo com a opção de abandonar o ensino após a conclusão do 7º ano de escolaridade - SMP assumiu um processo de consumo ascendente desde os 16 anos de idade, com posterior recurso a outras substâncias como heroína e/ou cocaína.

211. A esse nível foi referida adesão voluntária à Equipa Técnica Especializada no Tratamento –ETET da área de residência do agregado de origem apenas em 2013 e aparentemente na sequência da situação jurídico-penal subjacente à suspensão provisória do processo nº --/14.5TAESP, pelo crime de falsidade de testemunho.

212. Contudo, SMP referiu, à DGRSP, que a então integração em programa de desintoxicação à base de metadona, durante cerca de um ano, não obstaculizou situações de recidiva aditiva quando detinha condições económicas para tal.

213. Ao nível laboral, SMP integrou precocemente o mercado de trabalho, com cerca de 14 anos de idade, como ajudante de padeiro, mas trabalhando desde os 17 anos de idade, como indiferenciado, no sector da construção civil, em moldes descontínuos e para diversas entidades patronais.

214. O estabelecimento de relação marital com a mãe dos filhos ocorreu na sequência da sua deslocação para o Algarve, por motivos laborais, tendo decorrido pouco tempo, o casal emigrado para Inglaterra (onde a companheira detinha referências familiares) durante cerca de 3 ou 4 anos.

215. Desde então o arguido e a mãe dos filhos vivenciaram vários períodos de ruptura (tendo ainda o casal integrado o agregado de origem de SMP, em Espinho, durante cerca de 4 anos), sendo o mais significativo o de 2 anos que antecedeu a reunião familiar meses antes dos factos subjacentes ao processo.

216. O facto de SMP ter aderido novamente, e com sucesso, a intervenção terapêutica direccionada para a sua problemática, contribuiu para o reatar da relação marital, sendo referida uma adequada vinculação afectiva entre o arguido e os filhos, com quem sempre manteve contacto regular.

217. Em meio prisional, SMP tem registado um padrão comportamental coadunante com as normas vigentes no mesmo, denotando uma atitude proactiva no sentido de optimizar as suas competências sócio pessoais.

218. Assim, logo após a sua reclusão, o arguido integrou curso de formação com equivalência ao 3º ciclo de escolaridade, tendo concluído, com sucesso o primeiro ano dos dois correspondentes ao curso.

219. A um outro nível, SMP denota algumas dificuldades na elaboração crítica dos factos subjacentes ao processo – atendendo apenas em abstracto ao bem jurídico em causa -, minimizando o seu envolvimento nos mesmos e enfatizando a sua precariedade económico-laboral.

220. Mantém o apoio familiar e quando sair em liberdade a empresa onde trabalhou em Espinho poderá voltar a dar-lhe trabalho.

221. Por decisão transitada em julgado em 18 de Março de 2015, proferida no âmbito do processo n.º --/14.5TAESP, do Juízo de Competência Genérica de Espinho, por factos praticados em 22 de Outubro de 2013, foi condenado pelo crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, na pena de 150 dias de multa, pena já extinta pelo cumprimento. [5]

222. Por decisão transitada em julgado em 29 de Março de 2012, proferida no âmbito do processo n.º ---/08.6PBFAR, por factos praticados em 20 de Junho de 2008, foi condenado pelo crime de roubo, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.

223. Por decisão transitada em julgado em 19 de Dezembro de 2012, proferida no âmbito do processo n.º --/11.1GBPTM, por factos praticados em 26 de Agosto de 2011, foi condenado pelo crime de consumo de estupefacientes, na pena de 40 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento.

Do arguido JMA
224. JMA, de 41 anos de idade, é casado há mais de 20 anos, tendo desse casamento nascido dois filhos, actualmente com 8 e 11 anos de idade.

225. O arguido integra habitualmente esse agregado residente na Holanda, ainda que tenha referido períodos de separação.

226. Frequentou a escola na idade própria, tendo concluído o equivalente ao 12.º ano.

227. O seu percurso familiar desenvolveu-se numa empresa familiar na área da construção civil. Segundo referiu à técnica da DGRSP trabalhava regularmente, tendo-se autonomizado da empresa gerida pelo pai.

228. Referiu à DGRSP que veio para Portugal cerca de quatro meses à data da detenção, referindo que veio à procura de trabalho na área da construção civil, planeando regressar ao seu país quando foi detido.

229. Não foram referidos comportamentos aditivos.

230. Em termos pessoais e no decurso da entrevista com a DGRSP o arguido assumiu uma postura descontraída, revelando alguma estranheza quanto à intervenção do sistema de justiça criminal, desvalorizando os comportamentos em causa e colocando-se na posição de vítima.

231. Tem mantido no estabelecimento prisional um comportamento adequado.

232. Não recebeu quaisquer vistas até ao momento.

233. Não tem antecedentes criminais.[6].

Do arguido AVE
234. À data dos alegados factos subjacentes ao presente processo AVE, de nacionalidade holandesa, vivia temporariamente em Torremolinos – Espanha, apesar de aparentemente ter residido em Portugal, em Conceição de Tavira – Tavira, até cerca de 3 meses antes dos factos[7].

235. O quadro vivencial do arguido foi desde sempre condicionado por uma estrutura sócio familiar de origem manifestamente instável ao nível da dinâmica relacional, consubstanciada por alguma desvinculação afectiva.

236. O arguido é originário de um grupo familiar detentor de um estrato sócio-económico equilibrado, constituído por 4 elementos, tendo o seu processo de crescimento decorrido numa ambiência familiar disfuncional, em virtude dos problemas de alcoolismo do progenitor, com práticas de comportamentos violentos no plano verbal e físico relativamente ao seu agregado, especialmente na progenitora.

237. Neste contexto, quando tinha cerca de 4 anos verificou-se a separação dos pais, tendo ficado a residir com a mãe, que não detinha qualquer ocupação profissional, sobrevivendo até há cerca de 15 anos, quando faleceu, de apoios institucionais do governo holandês.

238. O arguido iniciou há cerca de 15 anos uma relação afectiva, sendo o relacionamento pautado por sentimentos de entreajuda, tanto mais potenciado pela cumplicidade e gestão da relação no quotidiano.

239. O arguido frequentou a escolaridade até aos 18 anos de idade, tendo concluído para além da escolaridade obrigatória, o curso profissional de pintor de construção civil.

240. Terminada a formação profissional, inicia-se laboralmente como motorista de longo curso, durante 5 anos. Posteriormente passa a trabalhar na sua área de eleição – pintura de construção civil - actividade que manteve maioritariamente ao longo do tempo, apesar de, na mesma área, também ter trabalhado na reconstrução de imóveis, em obras angariadas pelo companheiro, que segundo o arguido beneficiava de uma carteira de solicitações e rendimentos decorrentes do arrendamento de imóveis na Holanda.

241. Neste contexto, o quotidiano era gerido em termos económicos, de forma satisfatória permitindo-lhes beneficiar no sul de Espanha de convívio privilegiado com grupo de pares com uma condição social elevada, associada ao consumo de substâncias psicoactivas e álcool, o que se poderá ter consubstanciado como um factor de risco.

242. Em Portugal, apesar de referir um curto período de tempo em que trabalhou também na área da construção civil, nunca conseguiu, perante a DGRSP. apresentar/identificar o local de trabalho e ou representante(s) da entidade patronal.

243. Em termos de inserção sócio comunitária em Portugal, até à data dos factos, esta é referida como aparentemente normativa, isenta de problemáticas e/ou incidentes.

244. Durante o período de reclusão no Estabelecimento Prisional de Faro, o arguido nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar mantendo um comportamento de acordo com as normas e regras instituídas, evitando conflitos em ambiente protegido e/ou contentor.

245. Não tem beneficiado de qual apoio de retaguarda do agregado constituído e a irmã do arguido desconhece aparentemente a sua actual situação jurídico-penal.

246. Não obstante revelar alguma capacidade de análise crítica pelos bens jurídicos em causa no âmbito do presente processo, o arguido distancia-se parcialmente dos alegados factos pelos quais se encontra indiciado, contextualizando o seu envolvimento à mera gestão de compra de haxixe e nunca a liderança do mesmo.

247. Contudo aceita a intervenção do sistema de justiça não deixando transparecer grande apreensão pelo desfecho do presente envolvimento judicial, sendo visível algum conformismo.

Factos Não Provados:
Não se logrou provar que:
(…)
Fundamentação da Matéria de Facto:
(…)

APRECIANDO:

H) - da violação do princípio da imediação da prova:
Referem, os recorrentes, que, relativamente à prova, que designam de pré-constituída, reportando-se à prova documental, consistente nos RDE’s e nas transcrições das gravações telefónicas, se mostra violado o princípio da imediação consagrado no art. 355.º do CPP.

Invocam que essas provas foram aceites pelo tribunal, sem que verificasse contradições que existem entre as mesmas, o que reputam como ausência de apreciação e de análise crítica, sem submissão dessas provas a juízo.

Porém, não lhes assiste razão.

Aquele princípio apresenta-se, não só como garantia da defesa, na qual se insere o princípio do contraditório (art. 32.º, n.º 5, da CRP), como também de que a decisão garanta que, na sua fundamentação, apenas os meios de prova conhecidos pelo arguido (e outros sujeitos processuais) possam ser atendidos.

A circunstância de se tratar de prova documental, embora devendo ser examinada em audiência, não obsta à respectiva valoração.

E para o efeito, como a doutrina e a jurisprudência têm sublinhado, não depende de que fosse lida em audiência ou, ainda, de que os intervenientes processuais tivessem de ser confrontados com essa prova.

No sentido de que essa prova fica a constar dos autos, é prova pré-constituída, não se encontrando fundamento para as reservas colocadas pelos recorrentes acerca deste aspecto, senão a de que, a todo o transe, querem fazer valer a sua discordância quanto à valoração que essa prova mereceu.

Note-se, ainda, o disposto no n.º 2 desse art. 355º, segundo o qual não é exigível a leitura e discussão em audiência da prova documental existente no processo, desde que essa leitura não seja proibida (art. 356.º do CPP), pois a sua inserção nos autos permite assegurar o contraditório, uma vez que os sujeitos processuais podem proceder à discussão dessa prova, antes ou durante a audiência, desde que o pretendam (Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 1998, pág. 624, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica, 2008, pág. 891, acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 87/99, de 09.02, e n.º 110/2011, de 11.03, in www.dgsi.pt e, entre outros, acórdãos do STJ de 31.05.2006, no proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt, e de 29.11.2006, in CJ Acs. STJ ano XIV, tomo III, pág. 235).

Acresce que o acórdão, na sua fundamentação, explicitou como procedeu à análise dessas provas.

Irremediavelmente, a pretensão está votada ao insucesso.

I) - do erro notório na apreciação da prova:
Os recorrentes dizem que estamos perante um erro notório na apreciação da prova porquanto o tribunal “a quo” deu como provado os factos dados como provados baseando-se em prova indirecta, meras presunções ou conjeturas e em meros meios de obtenção de prova.

Alegam que o tribunal “a quo” fundamentou e baseou de facto a condenação (…) nas escutas telefónicas e nas transcrições dessas intercepções telefónicas, sem atentar em que as escutas telefónicas não correspondem à identificação das pessoas e que as mesmas se encontram em contradição com os RDE’s e que Andou mal o tribunal “ a quo” ao presumir que mediante a utilização das escutas telefónicas, meio de obtenção de prova e não meio de prova, tudo aquilo que se encontra transcrito das escutas telefónicas realizadas de facto ocorreu daquela forma, tempo e lugar.

Adiante, apontam contradições entre RDE’s e transcrições.
Ora, o erro notório na apreciação da prova, que é um vício decisório, previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, por um lado, apenas com apelo a elementos que à mesma sejam intrínsecos e, por outro, à luz das máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

A exigência do conhecimento desse erro, tal como dos outros referidos naquele preceito legal, insere-se no modelo de revista ampliada ou alargada, adoptado pelo CPP de 1987, com que, segundo Figueiredo Dias, in “Para Uma Reforma Global do Processo Penal Português, Para uma Nova Justiça Penal”, Almedina, 1983, se pretendeu instituir um recurso que se não restringisse à tradicionalmente chamada «questão de direito», mas devesse ser admissível face a contradições insanáveis entre as comprovações constantes da sentença e a prova registada, a erros notórios ocorridos na apreciação da prova ou, em geral, a dúvidas sérias suscitadas contra os factos tidos como provados na sentença recorrida.

Tal erro consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7.ª edição, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).

É interpretado, à semelhança do facto notório em processo civil, como aquele de que todos se apercebem directamente ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).

Deste modo, deparar-se-á quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, in www.dgsi.pt).

Ainda, segundo Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 4 (1994), pág. 120, verifica-se «sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência».

Analisando a argumentação dos recorrentes, não é verdade que o tribunal se tenha apoiado apenas e em exclusivo naquela indicada prova documental, donde a alusão a prova indirecta, meras presunções ou conjeturas e em meros meios de obtenção de prova não aporta mínima correspondência com o que a fundamentação do acórdão retrata.

Ao invés do invocado, resulta que se estabeleceu, e bem, a definição das transcrições das gravações das conversas telefónicas como meio de prova, nada obstando à sua valoração, desde que acompanhadas por outras provas, como sucedeu no caso e, especificamente, relacionando-as com os referidos RDE’s e, tanto quanto necessário, apreciando criticamente declarações e depoimentos, numa inevitável ponderação conjunta e conjugada, sem descurar o que a experiência vai ensinando.

Não decorre, pois, avaliação da prova, sem que esta se tivesse produzido ou através de juízos ilógicos ou incongruentes que contendam com a margem de liberdade acolhida pelo art. 127.º do CPP.

Tal como o Ministério Público sublinha, nas respostas aos recursos:

«Desde logo, sobressai da prova produzida, como explicita o Tribunal na sua fundamentação, que se estabeleceu um nexo causal entre aquilo que se ouve e está transcrito, com aquilo que se passa na realidade, ou seja, o que se viu – RDE´s, e todos eles suficientemente corroborados pelas testemunhas dos OPC´s.

Prova esta, também acompanhada da restante prova documental, com particular enfoque para as apreensões e fotografias, que dão a conhecer os locais, as datas, as pessoas, e os objetos.

Adiciona-se, a prova pericial e testemunhal, e do seu somatório, no âmbito do já mencionado princípio da livre apreciação da prova, de forma racional, lógica e coerente, o Tribunal chegou à conclusão vertida nos autos.

Como refere o Acórdão da Relação de Coimbra 222/09.JACBR.C2, datado de 09-05-2012:

- As escutas telefónicas, constituindo, embora, um meio de obtenção de prova, não deixam de ser simultaneamente um meio de prova, dado que, regularmente efetuadas, uma vez transcritas, passam a constituir prova documental;

- A transcrição das escutas assim realizadas constitui prova documental sujeita a livre apreciação pelo tribunal, nos termos do artº 127º, do Código de Processo Penal, mesmo que não lida nem examinada em audiência;

- As transcrições das escutas telefónicas – prova documental – podem mesmo surgir como único meio de prova a sustentar a convicção do tribunal.
(…)
Também, ao contrário do alegado pelos arguidos, não existem contradições entre o teor das transcrições das escutas telefónicas com o que consta nos RDE´s e os depoimentos das testemunhas policiais que os executaram.

O que resulta da prova produzida em julgamento, e nem de outro modo podia ser, é que o conhecimento dos vários elementos policiais que realizam as diligências não era o mesmo.

Com efeito, se uma pessoa está de vigilância em frente ao armazém, não pode ver ou ouvir o mesmo que outro elemento que no âmbito da mesma diligência está noutro ponto do terreno.

Não se pode colocar paredes estanques entre os depoimentos prestados pelas testemunhas, pois que eles complementam-se, e é da conjugação de todos os depoimentos, com a demais prova, também esta apreciada de forma global, que se compreende os factos e a sua dinâmica, como bem o fez o Tribunal.».

Sem prejuízo, a propósito do suscitado pelos recorrentes, acerca dos RDE’s n.º 23, de 20.06.2016, e n.º 29, de 30.06.2016, sobre os quais o acórdão, expressamente, se pronunciou, cabe aquilatar do invocado erro.

Já quanto aos restantes referidos pelos recorrentes, a análise excederia os limites a que alude aquele n.º 2 do art. 410.º.

Vejamos.
Relativamente ao RDE n.º 23, constante de fls. 1472/1475, refere-se no acórdão:

Ora, se verificarmos relato de diligência externa de dia 20 de Junho, constante de fls. 1472 e ss. e devidamente sustentado no relatório fotográfico de fls. 1476 a 1487, verificamos que, às 8:30 horas não outro senão o arguido AVE chegou ao armazém, acompanhado de outro indivíduo que será o PH, vindo ambos no Ford Fiesta IP ao armazém. Aí chegados, o arguido JMA abriu portão, entrou juntamente com o PH, e fecharam a porta. Quarenta minutos depois, ambos saem do armazém e vão para Cabanas vindo depois a seguir em direcção a Espanha, resultando que quando o arguido JMA intervém na supra referida sessão 367, quer o arguido AVE quer o PH já não se encontram no interior do armazém.

E imediatamente antes, consignou-se sendo que esta ida ao armazém é confirmada na sessão 367 onde às 9:14[8] horas, o arguido JMA fala com o possuidor do mesmo número de telefone já referido, dizendo este que já esteve no armazém, resultando dessa conversação que ali estiveram a fazer uma separação das plantas de cannnabis e dando indicações para JMA carregar a carrinha.

A perspectiva dos recorrentes assenta em que, segundo o RDE, não foi visionado ninguém a entrar naquele armazém antes das 8:14:58 mas sim após esse horário nomeadamente de acordo com o RDE nº. 23 às 8:30.

Simplesmente, consultados os alegados elementos, não se descortina qualquer incongruência, uma vez que, de acordo com o que ficou assinalado quanto à sessão 367, se bem que em nota de rodapé, as intercepções apresentam uma hora a menos da hora real.

Deste modo, contrariamente ao alegado, a entrada no armazém foi visionada às 8:30 horas e a conversação do produto 367, em que, conforme referido nos recursos, o Mike pergunta se estão no armazém e o Roy diz que já estiveram, ocorreu nesse contacto iniciado às 9:14:58 horas.

No que respeita ao RDE n.º 29, de fls. 1455/1457, resulta do acórdão:
Já no dia 30 de Junho, na sessão 542 do Alvo 83593040, o arguido JMA diz já estar no armazém e o arguido AVE diz que vai deixar o PH, fazer umas coisas e depois vai buscar o PH porque têm que ir embora para Sevilha. Ora, se atendermos no relato de diligência externa desse dia 30 de Junho (fls. 1455 e ss.), devidamente retratada na reportagem fotográfica de fls. 1459 a 1470, verifica-se às 10:41 horas, é visto estacionado no exterior do armazém de Olhão, o veículo Xara -LL, estando o arguido SMP no interior do armazém. Às 10:45 horas chega o Ford Fiesta IP, conduzido pelo arguido AVE, entrando este e o PH no interior do armazém. Passados poucos minutos, o arguido AVE sai do local na viatura automóvel regressa ao mesmo local cerca de 2 horas depois, vindo depois a ser visto juntamente com o arguido JMA no exterior do armazém, vindo finalmente a ausentar-se juntamente com PH no mesmo veículo Ford e seguindo para Espanha. Ou seja, as combinações ocorridas nas sessões 534 e 541 confirmam-se integralmente através da vigilância policial bem como as fotografias não deixam dúvida da presença de SMP, JMA, AVE e PH no armazém de Olhão.

Por seu lado, os recorrentes invocam: «resultado do produto 542 que as 8:01 perguntado pelo identificado Roy: Roy - estás no armazém? Mike - sim, a fazer umas coisinhas. Ora resulta da vigilância que o arguido não é visto no armazém 152 a essa hora no armazém».

Todavia, essa conclusão é precipitada.

Com efeito, não consta desse RDE que àquela hora o recorrente JMA tivesse sido visto, mas tal não significa que não estivesse no interior do armazém, sendo que, por um lado, a vigilância só se iniciou pelas 10:00 horas e, por outro, veio ser visto a sair pelas 13:48 horas, pelo que facilmente se percebe que não há qualquer contradição.

Na verdade, o tribunal fundamentou até onde lhe era exigível como procedeu à identificação dos recorrentes, designadamente, de AVE e SMP, suportado em prova bastante, cuja apreciação crítica é bem esclarecedora.

Através do texto do acórdão e por muito que os recorrentes se esforcem por censurar o tribunal e o sistema penal português, afigura-se que os limites a que preside a apreciação da prova foram respeitados, sem se divisar qualquer excesso que contendesse com a alegada presunção da inocência.

Sem prejuízo do que adiante se analisará em matéria de facto, não é legítimo, pois, aos recorrentes, de forma alguma, quererem que o acórdão tropeçasse em erro notório na apreciação da prova.

J) - dos factos incorrectamente julgados:
Os recorrentes visam a reapreciação da prova, incidindo nos factos provados em 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 36, 37 e 38 e, ainda, quanto ao recorrente SMP, em 222 e 223.

Tendo indicado esses factos, especificadamente carrearam passagens de depoimentos, procedendo a transcrição das mesmas e com menção à respectiva localização, por referência à acta da audiência e ao suporte de gravação, sem descurar prova documental, para os efeitos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

Procedem, pois, a impugnação daquela matéria de facto, obedecendo às condições exigidas.

Assim, susceptível de modificação nesse âmbito (art. 431.º, alínea b), do CPP), para o qual o cumprimento dos legas requisitos se apresenta justificado e para a finalidade visada, tem-se em conta que a apreciação da impugnação não constitui um novo julgamento, mas apenas um remédio para os erros de julgamento, mediante reapreciação da prova bastante, que não se destina, contudo, a limitar (ou arredar) o princípio consagrado naquele art. 127.º, nem pode suprir a imediação e a oralidade de que o tribunal que julgou dispôs.

Como acentuou Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória.

E ainda, a propósito, atente-se no acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219: Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.

E através do acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 08.03 (in D.R. I Série n.º 77, de 18.04.2012), vista a sua fundamentação, bem definidos ficaram a razão de ser das especificações previstas naquele art. 412.º e os contornos do seu adequado cumprimento, em sintonia com a intromissão no julgamento da matéria de facto que é pedida ao tribunal por via de recurso, tratando-se necessariamente de um reexame segmentado.

A impugnação haverá de ser sempre confrontada com aquele princípio da livre apreciação da prova, que se assume, de acordo com a imposição de fundamentação decisória, como uma “liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, redutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo» (Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1.º vol., págs. 202/203).

Por isso, mesmo quando a impugnação se considere de forma processualmente válida, tal não equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida.

Para que venha a proceder, não se bastará, pois, com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.

Somente no caso de as provas indicadas não suportarem a motivação da convicção extraída é que a matéria de facto pode e deve ser modificada, dado que essas provas, para que isso se verifique, têm de impor, e não apenas permitir, decisão diversa.

Intimamente ligados àquele princípio de livre apreciação probatória, estão os princípios da continuidade da audiência, ou da concentração, da oralidade e da imediação da prova.

Quanto aos dois últimos, constituem a um tempo decorrência lógica desse princípio e conditio sine qua non para a respectiva admissibilidade. Com efeito, apenas quem tenha assistido à produção da prova e às disposições assumidas pela acusação e pela defesa poderá estar capaz, no fim da discussão, de se considerar convicto de uma determinada verdade, podendo proceder ao julgamento.

Paralelamente, a oralidade permite com muito maior probabilidade aceder a um discurso directo, espontâneo, não ensaiado e vivo, o que obviamente contribui para um aumento das possibilidades de descoberta da verdade e de formação de uma correcta convicção.

Por isso, quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só estará devidamente habilitado a exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende a prova recolhida e/ou as regras da experiência comum.

De outra forma, a livre apreciação da prova conferida ao julgador que proferiu a decisão recorrida ficaria prejudicada, bem como a própria função da motivação da sua convicção.

Como se afirmou no acórdão da Relação de Lisboa de 10.10.2007, no proc. n.º 8428/2007-3, in www.dgsi.pt, o princípio da livre apreciação da prova é apenas um princípio metodológico de sentido negativo que impede a formulação de «regras que predeterminem, de forma geral e abstracta, o valor que deve ser atribuído a cada tipo de prova», ou seja, o estabelecimento de um sistema de prova legal. Não obstante o seu carácter negativo, este princípio pressupõe a adopção de regras ou critérios de valoração da prova. E se o que se pretende num julgamento é conhecer um acontecimento pretérito, «a valoração há-de conceber-se como uma actividade racional consistente na eleição da hipótese mais provável entre as diversas reconstruções possíveis dos factos».

Ainda, a motivação fáctica, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto desses princípios da oralidade e da imediação no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório.

E também, segundo o acórdão do STJ de 27.05.2010, no proc. n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, in www.dgsi.pt, Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

Passando, então, ao concreto:
- Quanto ao facto provado em 22 (“Desde Maio de 2016 o arguido JPC adquiria os produtos que transaccionava ao arguido SMP”):

Os recorrentes preconizam que, baseando-se o tribunal no RDE n.º 26, de fls. 1436 e segs., de 27.06.2016, olvida que nenhuma das testemunhas elementos do NAO sabia precisar o que estava dentro do saco, apelando a excertos dos depoimentos de LF, de RR e de JI.

Ora, para além de outras explicitações, o tribunal consignou, na fundamentação, que Já no dia 26 de Junho, o arguido JPC relembra o arguido SMP das “amêijoas” para o dia seguinte (sessão 16584 do Alvo 8078940 e sessão 2074 do Alvo 82384040), vindo os mesmos no dia seguinte, após contacto telefónico, a combinarem encontrar-se na casa do SMP (sessão 16734 do Alvo 8078940 e sessão 2091 do Alvo 8078940). Ora, como resulta do relato de diligência externa constante de fls.1436 e ss., cerca de 20 minutos depois daquela conversa, o arguido JPC desloca-se a casa do arguido SMP, saindo quatro minutos depois, trazendo um saco com ele. A reportagem fotográfica a fls. 1438 a 1442 sustenta de forma inequívoca o teor do relato de vigilância, não existindo qualquer dúvida de que o arguido SMP foi buscar estupefaciente a casa do arguido SMP.

Consultadas as diversas sessões, a interpretação é perfeitamente consentânea.

No que tange ao referido RDE, verifica-se a referência a que JPC foi visto a sair da residência do aqui recorrente SMP Pinho, transportando na mão direita um saco de cor branca, com o fundo e asas de cor vermelha.

É verdade que essas testemunhas, à luz das passagens apresentadas, não afirmaram o que o referido saco continha, o que é absolutamente lógico, só assim não sucedendo se tivessem tido acesso ao interior, ou se o saco fosse transparente ou, ainda, estivessem a uma muito curta distância.

Afastados esses condicionalismos, conclui-se que depuseram quanto ao que viram, não mais do que isso, o que não tem de censurar-se.

Se assim é, nem por isso, contudo, o tribunal estava impedido de extrair que o saco contivesse estupefaciente, como fez, através da conjugação dos elementos de prova que explicitou, inevitavelmente não se quedando pelo mencionado RDE e pelo que essas testemunhas referiram quanto ao mesmo, mas sim enquadrando-o na ponderação das abundantes e esclarecidas transcrições telefónicas, bem como, ainda, do declarado pelo recorrente SMP e pela companheira deste.

A afirmação dos recorrentes de que o não podia o tribunal “a quo” concluir que era o arguido SMP quem fornecia o produto estupefaciente ao arguido JPC mais não significa senão discordância com a análise da prova efectuada, desvalorizando a conjugação dos indicados elementos que à mesma presidiram, sem atentar, mormente, nas considerações bem fundamentadas que, no acórdão, se verteram quanto à ausência de razão para inquinar a prova recolhida e a forma como veio a ser valorada.

Designadamente, não se perde de vista, bem pelo contrário, e como o tribunal explicitou, que existiram situações em que foram efectuadas vigilâncias na sequência de contactos telefónicos e que confirmam que os encontros marcados efectivamente ocorreram, sendo ainda de atentar que se, em várias situações não se logrou demonstrar um contacto telefónico prévio nem uma efectiva apreensão de estupefaciente, se atentarmos ao tipo de contacto estabelecido, com a troca de coisas de volume muito pequeno (diminuto, mesmo e sendo visível (pelas aludidas testemunhas) que uma das partes (quem contacta o arguido) entrega dinheiro em troca daquilo que recebe, ou se vê simplesmente a troca entre o arguido e o terceiro, a forma como esses contactos ocorrem, em termos dissimulados e rápidos e normalmente seguido do abandono do local, à sua relativa reiteração, dando conta que se não tratava de um acto isolado, bem como à inexistência de qualquer tipo de actividade profissional ou extra-profissional que explique aquele tipo de contacto, especialmente quando reiterado, então necessariamente, até por recurso às próprias regras de experiência, não se pode senão considerar provado que os contactos visualizados eram vendas/entregas de estupefaciente.

Não se trata, pois, de interpretação que não tenha tido apoio na prova.

E se relativamente ao recorrente SMP, como se refere no recurso, a acusação o pretende ligar a uma plantação de cannabis, isso não contende, de modo algum, com a prova recolhida para o facto provado, nem com o que se consignou neste.

- Com respeito aos factos provados em 23 (“Os arguidos JMA (conhecido por Mike), AVE (conhecido por Roy) e PH, por seu turno, dedicavam-se, pelo menos desde 5 de Fevereiro de 2016, ao cultivo e secagem de plantas de canábis, para posterior comercialização”), em 24 (“O arguido SMP tinha como função cuidar da plantação que aqueles mantinham”) e em 25 (“O arguido AVE assumia uma posição de liderança perante os arguidos SMP, JMA e PH, sendo que, era ele que transmitia orientações aos restantes, relativas à actividade ilícita que desenvolviam, geria as verbas provenientes das vendas e determinava o pagamento das despesas”):

Os recorrentes começam por invocar que encontram-se mal julgados e mal apreciados porquanto o tribunal “a quo” valorizou o depoimento da testemunha Carla A., testemunha que se encontra de mal com o arguido AVE, oferecendo transcrição desse depoimento.

Por seu lado, o tribunal considerou-o prestado de forma séria e relatando de forma pormenorizada o que tinha com ele, declarou que sempre tratou o arguido AVE por Roy, não obstante a determinado momento ter sabido que o mesmo tinha outro nome, tendo explicitado o que decorreu esclarecido pela testemunha.

Acerca do que a testemunha transmitiu, descortina-se conformidade com o que ficou vertido na fundamentação, relativamente ao que não se detecta minimamente a alegada circunstância do depoimento se ter revelado influenciado por alguma animosidade para com os recorrentes, ou para algum deles em especial.

Quanto aos restantes depoimentos invocados pelos recorrentes - de VB, de AH, de JC, de PN, de JA, de HA e de HC -, todos se mostram reflectidos na fundamentação do acórdão, sem que, mediante a sua análise, diversa valoração devessem ter merecido.

Aliás, em concreto, os recorrentes, nada, apontam para infirmarem os factos em apreço.

Não convence que afirmem que não resulta provado que o arguido SMP tinha como função cuidar da plantação, pois nenhuma testemunha referiu ver o arguido dentro do armazém, ou que lhe tenham sido atribuídas essas funções, bem como também não resulta provado que o arguido AVE tivesse uma posição de liderança perante os outros arguidos, não podendo ser valorizada nenhuma das intercepções telefónicas, dado que não temos um telefone apreendido nos autos que pertença ao arguido AVE, nem nenhuma das testemunhas confirmou o número de telefone do arguido.

O acórdão, na sua fundamentação, é esclarecedor:

Como vemos são vários os depoimentos no sentido de que o arguido AVE se identificava como Roy, pelo que deveremos também atentar que na conversação transcrita na sessão 80 do Alvo 83593040, quando o arguido JMA conversa com PH (a alusão à sua identificação resulta evidente na sessão 83 do Alvo 83593040), claramente sobre plantas de cannabis (em clara alusão a plantas mortas e da necessidade de desligar lâmpadas), o arguido JMA fala da necessidade de darem conhecimento ao Roy.

E sendo que das transcrições das intercepções telefónicas resultam inúmeras conversações do arguido JMA com o possuidor do telefone 92018---, que vai dando indicações sucessivas de como procederem, perguntando se o arguido JMA tem dinheiro, se precisa de dinheiro ou da necessidade de se proceder a pagamentos, verificamos que na sessão 361 do Alvo 83593040, efectuada em 19 de Junho, o interlocutor dá indicação para JMA ir na manhã seguinte buscar uma carrinha e que ele o PH irão ao armazém “para dar de beber às pequenas”, sendo que esta ida ao armazém é confirmada na sessão 367 onde às 9:14 horas, o arguido JMA fala com o possuidor do mesmo número de telefone já referido, dizendo este que já esteve no armazém, resultando dessa conversação que ali estiveram a fazer uma separação das plantas de cannnabis e dando indicações para JMA carregar a carrinha.

Ora, se verificarmos relato de diligência externa de dia 20 de Junho, constante de fls. 1472 e ss. e devidamente sustentado no relatório fotográfico de fls. 1476 a 1487, verificamos que, às 8:30 horas não outro senão o arguido AVE chegou ao armazém, acompanhado de outro indivíduo que será o PH, vindo ambos no Ford Fiesta -IP- ao armazém. Aí chegados, o arguido JMA abriu portão, entrou juntamente com o PH, e fecharam a porta. Quarenta minutos depois, ambos saem do armazém e vão para Cabanas vindo depois a seguir em direcção a Espanha, resultando que quando o arguido JMA intervém na supra referida sessão 367, quer o arguido AVE quer o PH já não se encontram no interior do armazém.

Mas também, em sentido corroborante, de que o arguido AVE e o interlocutor das sessões transcritas no Alvo 83593040 são uma e a mesma pessoa, vindo este a ser identificado naquelas como Roy, atente-se no teor da sessão 534, datada de 29 de Junho, onde depois de dar indicações claramente relacionadas com as lâmpadas existentes na estufa, o arguido AVE diz ao arguido JMA que amanhã vão lá. Já no dia 30 de Junho, na sessão 542 do Alvo 83593040, o arguido JMA diz já estar no armazém e o arguido AVE diz que vai deixar o PH, fazer umas coisas e depois vai buscar o PH porque têm que ir embora para Sevilha. Ora, se atendermos no relato de diligência externa desse dia 30 de Junho (fls. 1455 e ss.), devidamente retratada na reportagem fotográfica de fls. 1459 a 1470, verifica-se às 10:41 horas, é visto estacionado no exterior do armazém de Olhão, o veículo Xara -XL, estando o arguido SMP no interior do armazém. Às 10:45 horas chega o Ford Fiesta IP-, conduzido pelo arguido AVE, entrando este e o PH no interior do armazém. Passados poucos minutos, o arguido AVE sai do local na viatura automóvel regressa ao mesmo local cerca de 2 horas depois, vindo depois a ser visto juntamente com o arguido JMA no exterior do armazém, vindo finalmente a ausentar-se juntamente com PH no mesmo veículo Ford e seguindo para Espanha. Ou seja, as combinações ocorridas nas sessões 534 e 541 confirmam-se integralmente através da vigilância policial bem como as fotografias não deixam dúvida da presença de SMP, JMA, AVE e PH no armazém de Olhão.

Estabelecida a identidade de todos, resulta das muitas conversações mantidas entre os arguidos, que efectivamente os mesmos dedicavam-se à plantação de cannabis, pelo menos no interior do armazém de Olhão, onde vieram a ser apreendidas as plantas referidas em 29 dos factos provados, sendo claro que o arguido AVE mantinha uma posição de liderança perante os demais, pois que como já vimos foi ele que pretendeu o arrendamento do armazém, embora o contrato viesse a ser realizado tendo como arrendatário PH, sendo que era ele também que pagava rendas (vide a sessão 545 do Alvo 83593040) ou mandava os arguidos JMA e SMP pagar, dava indicações sobre dinheiro, mandava o arguido JMA ir buscar carrinhas a Espanha (vide o relato de diligência externa 15/6/2016, de fls. 1243 e ss., onde é visualizada a carrinha -HKY e bem a reportagem fotográfica a fls. 1248 a 1252, sendo que resulta das sessões 269, 297, 299 e 302 do alvo Alvo 83593040, que o aluguer daquela é feito pelo AVE, falando eles sobre a mesma e sobre a necessidade de irem transportar mobílias de uma garagem para o armazém, sendo que o aluguer dessa mesma viatura se volta a repetir em 20 de Junho, novamente por indicação do arguido AVE (vide sessão 361 do Alvo 83593040, bem como relato de diligência externa de fls. 1473 a 1475 e reportagem fotográfica constante de fls. 1476 e ss.), dava instruções a JMA sobre rega, luzes e tempos em que estas deveriam estar ligadas (referindo-se, face às apreensões realizadas, ao sistema de iluminação artificial instalado no interior do armazém – vide sessões 781, 782 e 786 do Alvo 83593040), dando instruções para a secagem ou como devem trabalhar no armazém (vide sessão 412 Alvo 83593040), bem como até foi o ele quem deu instrução ao arguido JMA para que comprasse um veículo automóvel e o registasse em nome do arguido SMP (sessões 3093 do Alvo 82384040 e sessões 808, 815 e 816 do Alvo 83593040, sendo que também se atendeu aos documentos constantes de fls. 1711 e 1712, relativos ao veículo de matrícula -EL).

E mais adiante:
Embora nenhum dos arguidos assumisse que o arguido SMP também estava envolvido na plantação de cannabis que existia no interior do armazém de Olhão, tal mostra-se contrariado pelos meios de prova recolhidos nos autos. Efectivamente as transcrições telefónicas, aliadas aos relatos de diligência externa constantes dos autos, são demonstrativas de que os trabalhos que SMP desempenhava para os outros arguidos ou conjuntamente com eles, não eram de manutenção/construção civil ou de mudanças, mas sim no interior do armazém, a tratar das plantas de cannabis, como bem resulta das sessões 1091, 2409 2413, 3765 do Alvo 82384040 ou das sessões 77, 81, 83, 119, 136, 137, 164, 370, 412, 563, 627, 628, 745, 761, 801, 897, 937. Sendo certo que por várias vezes é vista uma carrinha de matrícula espanhola, e os arguidos JMA e SMP, numa ocasião a transportar mobílias nessa viatura (vide relato de diligência externa de dia 15 de Junho a fls. 1243 e ss., bem como a reportagem fotográfica de fls. 1248 e ss.), o certo é que resulta das sessões 269,297, 299 e 302 do Alvo 83593040, que esse transporte foi feito a mando do arguido AVE, e resulta que as coisas transportadas eram de sua pertença, sendo que, posteriormente é o arguido AVE quem novamente determina o arguido JMA a alugar a carrinha novamente e com vista a aí colocar coisas que sairão do interior do armazém.

Os relatos de diligência externa e as reportagens fotográficas que os acompanham colocam o arguido SMP diversas vezes no interior no armazém, por diversos e alguns longos períodos de tempo, não se afigurando minimamente verosímil, face ao teor das conversações que os três arguidos vão mantendo entre eles que o arguido aí se deslocasse para fazer apenas transporte de mobílias ou arranjo de algumas mobílias, sempre sem ultrapassar a divisória de pladour que se encontrava a dividir o armazém, a fim de impedir que quando a sua porta estivesse aberta se lograsse ver o seu interior. A presença do arguido no interior do armazém era pois, no entender deste Tribunal, apenas com vista a executar trabalhos na plantação que ali existia.

Relativamente ao facto provado em 26 (“Para além do arguido JPC, os arguidos AVE, JMA, PH e SMP, tinham outros clientes, alguns dos quais no estrangeiro, para onde encaminhavam parte da sua produção”):

Os recorrentes, pela circunstância, que invocam, de que todas as testemunhas inquiridas acerca da actividade de JPC referiram ter adquirido haxixe-pólen em placa ao arguido JPC e não erva, daí que não se possa afirmar que o arguido SMP vendesse o que quer que seja ao arguido JPC, desde logo porque resulta das regras da experiencia comum que de uma plantação de canábis não se retira haxixe em placas, insurgem-se contra esse facto.

Contudo, a conclusão não assenta em fundamento bastante, uma vez que, para além do que se fundamentou quanto às vendas do recorrente SMP a JPC, não se vislumbra incompatibilidade entre o que ficou descrito em 24 e a inferência que o tribunal estabeleceu de que o produto que SMP vendia era proveniente da produção que ajudava a manter.

Na verdade, cuidou-se de esclarecer que Se essa seria uma inferência normal, existem algumas sessões das transcrições das intercepções telefónicas que também demonstram que no seguimento de encomendas de “amêijoas” efectuadas por JPC, o arguido SMP remete mensagens ao arguido JMA onde lhe pede a entrega de algo, que face ao teor dessas conversas será cannabis – vide sessões 168, 169, 175, 177, 246, 247, 248, 1059, 1061, 1067, 1069, 1079, 1094, 1096, 1112, 1200), pelo que a perspectiva dos recorrentes reconduz-se a visão sem suporte válido.

Além de que, nas diversas apreensões realizadas, não só plantas ou erva, as mesmas retrataram.

Por seu lado, os recorrentes contestam que o depoimento de HS tivesse servido como prova das informações junto da guarda civil espanhola, isto com vista a criticar que parte da produção fosse encaminhada para o estrangeiro, sustentando que para que tais informações fossem válidas e pudessem valer como prova seria necessário um despacho judicial a solicitar as mesmas e bem assim a solicitar o auxilio e a cooperação internacional entre policias.

Porém, a valoração desse depoimento surge conjugada com outros elementos de prova, não se podendo apreciar de forma isolada.

E discordando da argumentação, não se conclui que a colaboração entre polícias esteja, ou estivesse no caso, sujeita a despacho judicial, desde que a mesma respeitasse, como acontece, os parâmetros de competência de intervenção e, afinal, cingindo-se a informação que, por interessar, à investigação, foi acolhida dentro do normal intercâmbio entre polícias, dando a conhecer apreensão efectuada em Espanha, não mais do que isso.

Acerca dos factos provados em 27 a 31, os recorrentes apontam a nulidade do auto de busca e apreensão de fls. 1966 a 1969, por se encontrar em nome de PH e o recorrente JMA teve que assinar uma alegada autorização sem que tivesse assistido de tradutor e de defensor, conforme legalmente previsto, tendo sido preteridos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos.

Tal problemática já ficou devidamente analisada, impondo-se apenas acrescentar, ora, que, na situação, não era necessária propriamente uma autorização, tratando-se, no caso, do recorrente ser informado, na qualidade de pessoa que se encontrava no local a buscar e que, segundo decorre dos depoimentos de Virgílio e de Emma (indicados e transcritos), não resulta que não tenha compreendido que tipo de diligência estava em causa, mesmo que admitindo que, aquando da chegada ao local, a intérprete aí não estivesse presente, mas tendo vindo a comparecer depois.

Quanto ao facto provado em 36, os recorrentes pretendem defender, por um lado, a nulidade da busca, com fundamentação idêntica, por referência aos depoimentos de Emma e de Pedro e, por outro, que não há nos autos qualquer elemento de prova, nem foi referido em sede de acórdão, ora recorrido, qualquer elemento de prova em concreto que nos permita afirmar com o grau de certeza exigido em direito penal que o arguido JMA residia na residência sita na Corte AM onde foi realizada a busca.

Sobre a busca, valem as considerações já vertidas aquando da respectiva apreciação e, note-se, os alegados depoimentos não as infirmam.

A propósito da outra questão, o tribunal pronunciou-se e em termos plenamente inteligíveis e lógicos.

Assim, lê-se no acórdão: De atentar ainda que ao Tribunal não restou qualquer dúvida de que a residência da Corte AM onde foi realizada a busca era realmente a residência onde residia o arguido JMA, quer porque tal resulta inequívoco do depoimento prestado pelas testemunhas Carla R. e José C. quer porque a GNR efectuou vigilâncias e seguimentos onde o arguido foi visto a ir para aquela residência, aí permanecendo veículos automóveis que eram visualizados a ser por si utilizados, sendo o arguido visto mesmo a entrar e sair do local (vide relatos de vigilância externa constantes de fls. 1243 e ss., de fls. 1443, de fls. 1639, de fls. 1645, de fls. 1880, fls. 1833, e de fls. 2048 e ss., sendo que na reportagem fotográfica de fls. 2051 a 2056, é perfeitamente identificável o arguido JMA.

No que concerne aos factos provados em 37 e 38:
O tribunal alicerçou-os, como consta do acórdão, em regras de experiência comum, pois que é por demais consabido e interiorizado pela comunidade em geral que a posse de drogas com vista à sua venda, cedência, entrega e, por vezes, até consumo, é proibida e constitui actividade ilícita, resultando claro que os arguidos sabiam de tal, tanto que actuavam com cautela para evitarem que a sua actividade fosse descoberta.

No entanto, os recorrentes, surpreendentemente, apelam ao projecto de lei em que se discute actualmente a hipótese de legalização da canábis para fins medicinais, vendo nesse aspecto uma alteração da consciência jurídica geral e bem assim do bem jurídico protegido.

Todavia, a alegação acaba por não aportar interesse algum, seja porque reportada a um futuro incerto, seja porque apoiada em finalidades medicinais alheias ao que se provou.

Apenas no tocante ao recorrente SMP Pinho, relativamente aos factos provados em 222 e em 223:

Refere que, contrariamente ao que ali ficou consignado, resulta do certificado de registo criminal constante de fls. 5078 a 5080 que o arguido SMP apenas foi condenado pelo crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução na pena de 150 dias de multa já extinta pelo cumprimento e nunca foi condenado por qualquer outro crime nomeadamente roubo ou consumo de estupefaciente.

Com efeito, assiste-lhe razão.

Na verdade, apenas decorre do seu certificado, de fls. 5078 a 5080, o que ficou provado em 221 (“Por decisão transitada em julgado em 18 de Março de 2015, proferida no âmbito do processo n.º --/14.5TAESP, do Juízo de Competência Genérica de Espinho, por factos praticados em 22 de Outubro de 2013, foi condenado pelo crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, na pena de 150 dias de multa, pena já extinta pelo cumprimento”) e não mais qualquer condenação anterior ou posterior.

Por isso, impõe-se proceder à correcção do lapso, ao abrigo do art. 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CPP, pelo que os factos em apreço são eliminados.

Analisada, assim, a impugnação, conclui-se que não obtém sucesso, devendo, pelo contrário, a matéria de facto persistir sem modificação, incluindo toda a restante, uma vez que não padece de qualquer vício que a afecte.

As considerações dos recorrentes acerca da valoração das provas, designadamente, das escutas telefónicas e dos RDE’s, não logram trazer qualquer aspecto que ponha em crise o que ficou fundamentado, e bem, no acórdão.

Aliás, essas provas, apesar de pré-constituídas conforme referido, foram criteriosamente apreciadas em julgamento, sem que se descortine a alegada violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2 e 5 da CRP.

Também, por isso, apreciada toda a avaliação operada pelo tribunal, mostram-se respeitados os limites impostos à mesma, com cabal explicitação do raciocínio que presidiu às conclusões que extraiu.

Da mesma sorte, a violação do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) e do princípio in dubio pro reo (corolário da presunção da inocência do art. 32.º, n.º 2, da CRP) acaba, pois, por ser suscitada pelos recorrentes na decorrência de diferente visão da prova, que se queda por mera censura, já que não consegue substrato bastante para impor diversa percepção.

Pese embora as extensas reticências levadas aos recursos, a análise objectiva da impugnação de facto, a que se procedeu, não necessita de outros desenvolvimentos quanto às generalidades de que, em grande parte, aquelas se revestem.

K) - do erro de interpretação dos arts. 26.º e 27.º do Código Penal:
Depois de extensas considerações acerca dos conceitos de autoria, de co-autoria e de cumplicidade, por referência a doutrina e jurisprudência confortantes, os recorrentes concluem que a cumplicidade deve ser afastada, dado que, como referem, o tribunal “a quo” não consegue identificar de que forma foi prestado auxílio material ou moral à prática por outrem, de um facto doloso e por quem é que foi prestado esse auxílio.

A alegação só se compreende se suportada em eventual modificação dos factos, mas já não quando, como se deixou analisado, não merecem alteração.

Consultado o acórdão nesse âmbito, apenas (certamente, por não suscitar discussão) se referiu:

Sendo certo que se demonstra uma autoria singular do arguido SMP no que concerne à venda de cannabis, já se demonstra, no que concerne ao cultivo (constituído por todas as condutas tendentes à plantação e cuidado da mesma, como sendo a rega, a fertilização, o corte), uma situação de co-autoria com os arguido JMA, PH e AVE, pois que resulta, todos eles, desempenhavam essa actividade de forma conjunta, com a execução comum do facto, e visando a posterior comercialização das plantas cultivadas.

Apesar desta breve referência, a mesma surge como bastante para aquilatar do que se concluiu relativamente aos invocados arts. 26.º e 27.º do Código Penal (CP), tendo colocado, pois, todos os recorrentes ao nível da autoria/co-autoria dos factos, tal como estes, no fim de contas (pergunta-se, tratar-se-á de lapso?), acabam por reconhecer ter sido solução correcta, sem que, de modo algum, acrescente-se, se verifique omissão de pronúncia.

A noção de co-autoria alcança-se desse art. 26.º, segundo o qual é co-autor quem tome parte na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro(s), intervindo directamente, ou não, na execução do facto, fazendo-o em cumprimento de acordo prévio com outro ou outros agentes ou, em alternativa, juntamente com eles, para o que basta a consciência recíproca de colaboração entre os executores do facto (Maria da Conceição Valdágua, in “Início da tentativa do co-autor”, 2.ª edição, 1993, págs. 124 e segs.).

À luz da assumida preponderância crescente da teoria do domínio do facto ao nível das posições que, doutrinariamente, são conhecidas, tal significa que cada co-autor não tem o domínio do facto por si mesmo, nem por intermédio de outro, mas em conjunto com outro ou outros, falando-se de um domínio do facto colectivo ou condomínio do facto na expressão de Figueiredo Dias, inDireito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2007, tomo I, pág. 791.

Basta, pois, para que o agente seja considerado como co-autor, que actue segundo a divisão de tarefas previamente acordada ou conjuntamente executada, detendo o domínio da sua função, tal como a mesma é definida no plano ou resulta da actuação conjunta, colaborante.

Reproduzindo parte do sumário do acórdão do STJ de 19.01.2011, no proc. n.º 6043/08.0TDPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt:

I - Deve ser considerado co-autor o que realiza uma parte da execução do plano criminoso, ainda que com a sua conduta apenas contribua com um acto não típico em sentido literal, no entanto, essencial para a realização da decisão comum; na co-autoria cabe pois a actividade, mesmo parcelar, na realização do objectivo acordado – concerto criminoso – ainda que não entre formalmente no arco da acção típica, desde que essencial à execução daquele objectivo. Assim sendo, são de imputar a cada um dos co-autores, como próprios, os contributos do outro ou dos outros para o facto, como se todos o tivessem prestado.

II - Do ponto de vista subjectivo, à comparticipação como co-autor subjaz a existência de acordo, expresso ou tácito, para a realização do facto, ou nos casos de cooperação, a consciência de cooperação na acção comum.

Decorre manifesto que, assente a matéria de facto, nenhum dos recorrentes pode ser visto como mero cúmplice (art. 27.º do CP).

L) - da omissão de pronúncia:
Alegando que o acórdão está ferido de nulidade, ao abrigo do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, os recorrentes invocam, como motivo, omissão de pronúncia acerca de dois aspectos.

Assim, no tocante ao recorrente JMA, reporta-se à circunstância de que, embora a fundamentação da matéria de facto, o tribunal não se pronunciou sobre o previsto no art. 31.º do Dec. Lei n.º 15/93 e, relativamente a todos os recorrentes, não ponderou, em sede de medida das penas aplicadas, o já aludido projecto-lei que incide na utilização de cannabis para fins medicinais.

Ora, é certo que sobre o tribunal impende o dever de se pronunciar acerca de todas as questões que assumam relevância para a decisão da causa, o que decorre da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de opções fundamentais de política criminal, que o julgador não pode olvidar, sendo que a própria letra da lei, ao usar a expressão «devesse» nesse art. 379.º, com o significado literal de injunção, outro sentido não consente (acórdão do STJ de 07.12.1999, in CJ Acs. STJ ano VII, tomo III, pág. 234).

E com efeito, do acórdão não consta qualquer menção às questões referidas pelos recorrentes.

Todavia, só se perspectiva omissão de pronúncia quando, dada a relevância da questão, deixe de se emitir opinião.

Por isso, na situação, não se descortina qualquer omissão, uma vez que é manifesto que aqueles aspectos não mereciam ser abordados.

Na verdade, no tocante ao mencionado art. 31.º do Dec. Lei n.º 15/93, que prevê “Se, nos casos previstos nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 28.º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena”, é perfeitamente descabida a alusão, pretendida, de que JMA auxiliou na recolha de provas decisivas para a identificação e captura de outros responsáveis.

Vista a matéria de facto dada por provada, da mesma não se retira, de modo algum, comportamento daquele que seja susceptível de integrar extraordinária concessão do benefício em causa, que constitui uma medida de direito premial em matéria de crimes ligados ao tráfico de estupefacientes, embora num quadro bastante circunscrito e taxativo (acórdão do STJ de 29.09.2011, no proc. n.º 458/10.0JELSB.S1, in www.dgsi.pt).

Está-se perante a consagração de medida excepcional, que só deve ser admitida se as estritas razões que presidem à atenuação ou à dispensa se mostrarem verificadas.

E também, é certo, para a respectiva apreciação, inevitavelmente se parte do que ao nível da matéria de facto se deu como provado.

Assim, não obstante o que ficou fundamentado sobre as declarações de JMA, no sentido de que, em Junho de 2016, e a pedido do PH e de um amigo deste de nome Alex, começou a tratar da plantação de canábis que existia no Armazém de Olhão, competindo-lhe, quatro manhãs por semana, regar as plantas, mudar a terra, criar novas plantas. Afirmando que não recebeu qualquer pagamento por tal serviço, o arguido declarou que o pagamento seria feito conforme o que fosse produzido, perspectivando um pagamento de €500. Confirmou também que o arguido SMP o chegou a acompanhar ao armazém, mais do que uma vez, mas que nada sabia das plantas porque havia uma parede de pladour a dividir o armazém, parede que impedia que se visualizasse o interior do armazém onde se encontravam as plantas. (…) O arguido foi também peremptório no sentido de negar a participação do arguido AVE nos factos, mas referindo que escutou conversas da Carla A., em que esta discutia com o Alex a divisão do dinheiro da plantação e sobre a intenção de fazerem uma outra plantação num armazém em Silves, resulta claro que essa sua postura não basta para que devesse trazer-se à colação esse art. 31.º.

Nem sequer se divisa, aliás, que tivesse contribuído, de forma relevante, para a descoberta da verdade, pelo que, manifestamente, ao tribunal, não se impunha a alegada pronúncia.

Quanto ao outro aspecto, identicamente, não se colhe fundamento para os recorrentes apelarem a lei que não existe e não se encontrava em vigor à data dos factos, nem posteriormente, tratando-se de diploma que não passa de um projecto-lei e, como referem, incidindo na utilização do estupefaciente para finalidades que os factos provados não revelam.

Assim, também, não se compreenderia alusão do tribunal nesse âmbito, do mesmo modo que a omissão de pronúncia se mostra destituída de sentido.

M) - da medida das penas e suspensão da execução das mesmas:
Os recorrentes defendem a redução das penas que lhes foram aplicadas.

No essencial, sustentam que as penas são excessivas, violando os princípios orientadores dos fins das mesmas, em função da culpa concreta e tendo em conta o disposto no art, 40.º do CP e os princípios da igualdade e da proporcionalidade, por referência, segundo indicam, ao art. 13.º da CRP.

Para tanto, invocam que as necessidades de prevenção especial são diminutas e estão socialmente inseridos.

Decorre fundamentado no acórdão:
Subsumida a qualificação jurídica dos factos, impõe-se agora determinar a medida concreta da pena aplicável aos arguidos.

O crime pelos quais os arguidos (…) deverão ser condenados tem uma moldura abstracta de punição situada entre os 4 e os 12 anos (art.º 21º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/01).
(…)
Nos termos dos artigos 40º, n.º 2 e 71º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena terá sempre como limite inultrapassável a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial positivas.

Quanto à prevenção geral positiva, sempre que o Tribunal aplica uma pena, tem por fim restaurar a confiança que a comunidade deve ter naquela determinada norma que foi violada. Como muitas vezes se tem dito, citando Anabela Miranda Rodrigues, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (“A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570).

No que concerne à prevenção especial positiva, visa-se a reintegração do autor do facto ilícito na sociedade, de forma a que não volte a cometer mais crimes.

A culpa, como vertente pessoal do crime, limita as exigências de prevenção, na medida em que a pena jamais poderá ultrapassar essa culpa sob pena de se desrespeitar o princípio basilar da dignidade humana.

Em síntese, dentro desse limite máximo inultrapassável que é a medida da culpa, a pena é determinada “no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico” (vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pp. 110 e 111) e em função de exigências de prevenção especial.

Para além do já supra referido, para decidir da pena concreta a aplicar há que ter em consideração os factores previstos no n.º 2 do citado artigo 71º do Código Penal, assim atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, pág. 234).

No que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, as necessidades de prevenção geral positiva fazem-se sentir de forma acentuada atenta a frequência com que este tipo de ilícito é praticado, as consequências perniciosas para a saúde dos consumidores deste tipo de substâncias, e também da circunstância de que desta aditividade resulta a prática de vários ilícitos, fruto da necessidade dos consumidores necessitarem de meios económicos para fazer face aos gastos com a aquisição das substâncias.

(…)
No que concerne ao arguido SMP, ter-se-á que ponderar especialmente o seguinte (art.º 71.º, nº 2, do Código Penal):

- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu, na modalidade de dolo directo;

- a extensão da sua actividade criminosa, quer ao nível da venda de cannabis a terceiro, quer na intervenção que mantinha na plantação de cannabis;

- a falta de consciência que o arguido demonstra sobre a gravidade dos factos praticados e a sua falta de arrependimento, bem patentes face ao teor das declarações que prestou em sede de audiência de julgamento, onde prestando declarações, não admitiu nenhum dos factos de que vinha acusado;

- a circunstância do arguido já ter antecedentes criminais, incluindo por crime relacionado com estupefacientes (não se leva em conta dada a correcção que a matéria de facto mereceu);

- a circunstância de em meio prisional ter vindo a demonstrar uma atitude proactiva no sentido de melhorar as suas competências sócio-pessoais, tendo inclusive integrado curso de formação com vista a aumentar o seu nível de escolaridade, tendo vindo a obter sucesso na parte já frequentada;

Já no que concerne ao arguido AVE (atento o manifesto lapso, deve ler-se ao arguido JMA), ter-se-á que ponderar especialmente o seguinte (art.º 71.º, nº 2, do Código Penal):

- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu, na modalidade de dolo directo;
- o já longo período de tempo que resulta ter mantido a actividade de cultivo, uma vez que o terá iniciado certamente antes de Maio de 2016;
- o papel preponderante que assumia na gestão da plantação e de todos os assuntos conexos;
- a falta de arrependimento demonstrada na prática dos factos;
- a ausência de assunção dos factos, pois que se assumiu participar no cultivo das plantas, foi manifesto que o mesmo pretendeu ocultar a participação dos arguidos SMP e AVE bem como visou diminuir a sua real participação nos factos executados;

No que concerne ao arguido AVE, teremos também que ponderar especialmente o seguinte (art.º 71.º, nº 2, do Código Penal):
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu, na modalidade de dolo directo;
- o já longo período temporal em que decorreu actividade ilícita;
- o papel preponderante que assumia na gestão da plantação;
- a extensão e grau de sofisticação da plantação que mantinha;
- a sua falta de assunção dos factos ou de demonstração de arrependimento;
(…)
Ora, sopesando todos estes factores, bem como considerando a censura ético-jurídica que se pode fazer do comportamento dos arguidos ou a sua culpa, temos como adequado aplicar-lhe as seguintes penas:
(…)
- ao arguido SMP a pena de 6 anos de prisão;
- ao arguido JMA a pena de 6 anos e 6 meses de prisão;
- ao arguido AVE a pena 7 anos de prisão.

Vejamos.
O sistema penal erige como critérios de aplicação da pena o reflexo das finalidades que à mesma presidem, nos termos do art. 40.º, n.º 1, do CP - a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Conforme Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.

Segundo Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, pp.25-51, e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.

Por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui o limite inultrapassável da medida da pena e, como já referia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.

Acompanhando Figueiredo Dias, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e seg., o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.

Também, o mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, págs. 231 e 214, salienta que a medida da pena deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena).

O modelo definido é, pois, de prevenção e os diversos factores a atender devem ser interpretados em correspondência com as finalidades em presença.

E o suporte axiológico-normativo da punição reside no juízo de culpa.

Tal juízo reconduz-se a um juízo de valor e apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168), como censura ao agente por não se ter conduzido de outro modo, o que, em rigor, comporta a consideração todos os elementos do crime que nela se perspectivam (Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, 1971, vol. II, pág. 320).
Para a graduação concreta das penas, cumprirá observar o critério fornecido pelo n.º 2 do art. 71.º, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

A exigência de que essas circunstâncias não integrem o tipo legal de crime é corolário de já haverem sido contempladas pelo legislador na determinação da moldura legal, sob pena de que, se assim não fosse, se ofenderia o princípio non bis in idem (A. Robalo Cordeiro, in “Escolha e Medida da Pena”, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, pág. 272).

As elevadas exigências de prevenção geral que o ilícito em causa - tráfico de estupefacientes - reclama transparecem da fundamentação do tribunal, dado o grau de perigo que lhe está inevitavelmente associado, protegendo-se, além do mais, a saúde pública, sem descurar as nefastas consequências que ao nível da sociedade provoca, através da proliferação de outro tipo de condutas criminosas, designadamente contra o património e a integridade física e, por isso, relativamente ao que a comunidade impõe resposta adequada e consentânea na punição a estabelecer.

Acresce o número elevado de verificação de crimes dessa natureza, tudo suscitando sentimento de insegurança na comunidade perante qualquer realidade associada ao mundo da droga e do tráfico, assumindo-se a luta contra o tráfico como objectivo social, mesmo que incidindo, como no caso sucede, em cannabis.

De nada vale a aparente desvalorização que os recorrentes pretendem conferir a esse tipo de estupefaciente, para extraírem grau de culpa mais reduzido, dado que, apesar de haver que não dissociar a actividade em causa daquela incidência, não se pode descurar que a mesma se reveste como de tráfico e em medida já importante, com margem de ilicitude relativamente elevada, designadamente, pelos meios disponíveis, atinentes a um potencial incremento, suscitando acção que não é minimamente tolerada.

E na vertente da prevenção especial, as circunstâncias apuradas, na globalidade, não os favorecem, ainda que não apresentem antecedentes criminais no âmbito em apreciação.

Não se descortinam factores que atenuem, de algum modo, a sua conduta, apesar das reservas, erradas, postas pelos recorrentes acerca da necessidade de protecção do bem jurídico visado com a incriminação.

Aliás, a sua alegação acaba por revestir carácter tendencialmente genérico, não se aceitando, além do mais, que, como invocam, as finalidades de prevenção especial sejam diminutas ou, até, acrescente-se, reduzidas.

Nem mesmo se pode afirmar, com algum rigor, que denotem estar devidamente inseridos.

Sopesado, pois, todo o circunstancialismo, as penas aplicadas revelam-se justas e proporcionais, porque, sem excederem a culpa, estão norteadas pelos legais critérios.

O alcance da alegada violação do princípio da igualdade não se entende.
Os recorrentes não o concretizam minimamente.

De qualquer modo, em concreto, a operada distinção nas penas cominadas adequa-se à intervenção que, respectivamente, denotaram na provada actividade de tráfico.

Acresce, em geral e comparativamente com o que a jurisprudência vem decidindo, que não se apresentam isentas de proporcionalidade.

Destarte, devem manter-se nas medidas que o tribunal fixou.

Por isso, falece pressuposto formal para a sua suspensão da execução, por excederem, todas elas, os 5 anos de prisão (art. 50.º, n.º 1, do CP), ficando, pois, prejudicada apreciação nessa vertente.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos JMA, AVE e SMP e, em consequência,

- sem prejuízo da descrita correcção da matéria de facto no tocante ao arguido SMP conforme definido, manter integralmente o acórdão e o despacho recorridos.

Custas a cargo dos recorrentes, com a taxa de justiça individual equivalente a 5 UC.

Processado e revisto pelo relator.

18 de Outubro de 2018
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(Carlos Jorge Berguete)
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(João Gomes de Sousa)
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[1] Quanto a este tema vide também “Código de Processo Penal – Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto”, Coimbra Editora, pág. 510.

[2] Em sentido também concordante com a posição que defendemos vide Código de Processo Penal Comentado, anotação ao art.º 190º, José António Henriques dos Santos Cabral, pag. 850 a 853, 2014, Almedina:

[3] De atentar que esta interpretação do regime das intercepções já foi declarado como não violando a Constituição (vide Ac. do TC de 5/11/2015,Diário da República n.º 217/2015, Série II de 2015-11-05 que decidiu “Não julga inconstitucionais as normas constantes dos artigos 119.º, 120.º, 126.º, 188.º e 190.º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a preterição dos prazos referidos no artigo 188.º, n.os 3 e 4, do aludido Código se traduz numa nulidade sanável e por isso sujeita a arguição no prazo de 5 dias subsequentes à notificação do despacho que procedeu ao encerramento do inquérito” (num caso, portanto, onde não houve fase de instrução).

[4] Factos provados com base no teor do relatório social elaborado pela DGRSP e constante de fls. 5205 a 5207;

[5] Factos provados com base no teor do certificado de registo criminal constante de fls. 5078 a 5080;

[6] Factos provados com base no teor do relatório social elaborado pela DGRSP e constante de fls. 5167 a 5168 bem como no certificado de registo criminal de fls. 5086;

[7] Factos provados com base no teor do relatório social elaborado pela DGRSP e constante de fls. 5213 a 5215 e no certificado de registo criminal de fls. 5085;

[8] Como resulta do relatório de apresentação das intercepções telefónicas efectuado nos termos do art.º 188º, n.º3 do Código de Processo Penal, as intercepções apresentam uma hora a menos da hora real.