Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
319/22.0T8PTG.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO PROCESSUAL
Data do Acordão: 06/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Em processo de contraordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem a nomeação de defensor, mas constando dele uma procuração forense, enquanto o arguido é informado da decisão administrativa através de cópia, o mandatário é notificado da decisão.
II. O facto determinante para a contagem do prazo para a apresentação da impugnação judicial é a notificação na pessoa do mandatário.
III. Mesmo sufragando-se o entendimento que a notificação teria de ser expedida ao advogado e ao arguido, o prazo da impugnação só começaria a correr depois de notificada a última pessoa, que no caso em apreciação teria sido o mandatário (artigo 47.º, n.º 4 do RGC).
IV. Desconhecendo-se a data da notificação do mandatário ou havendo dúvidas quanto à mesma, cuja prova supõe um documento (a assinatura do ofício, que não existe; ou a prova da expedição pelo correio), não podia o Tribunal a quo julgar extemporâneo o recurso interposto pelo arguido.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo de Recurso de Contraordenação n.º 319/22.0T8PTG da Comarca de Portalegre Juízo Local Criminal de Portalegre, relativo à arguida LDA foi proferido despacho de Rejeição de Recurso (Impugnação Judicial) apresentado pela Arguida/Recorrente, por extemporâneo.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I. Foi aplicada à Recorrente pela autoridade administrativa Polícia de Segurança Pública, uma coima no valor de € 500,00, acrescida das custas processuais, por alegada prática de um ilícito contraordenacional;
II. A decisão administrativa foi proferida a 17 de dezembro de 2021;
III. A Recorrente foi notificada – na pessoa de MON - da decisão administrativa de condenação em 05/01/2022;
IV. A Recorrente está representada, no processo de contraordenação, por Advogado desde 29/01/2021;
V. O Il. Mandatário da Recorrente não foi notificado no dia 17/01/2022;
VI. O Ofício de fls. 30 dos autos não é uma notificação em si mesmo;
VII. Não consta dos autos qualquer referência à forma de notificação ao Il. Mandatário da Recorrente da decisão condenatória;
VIII. O Tribunal “a quo” deveria ter mandado a Entidade Administrativa juntar o comprovativo de notificação do ofício a fls. 30 por forma determinar a data da notificação do Il. Mandatário e consequente início de contagem de prazo para impugnação judicial.
IX. O Il. Mandatário da Recorrente foi notificado da Decisão Administrativa de condenação em 09/02/2022;
X. O prazo – que não é judicial - para impugnar judicialmente a Decisão Administrativa de Condenação iniciou-se em 10/02/2022, suspendendo-se aos Sábados, Domingos e Feriados;
XI. O prazo para a Recorrente apresentar a sua Impugnação Judicial terminou em 09 de março de 2022;
XII. A Recorrente apresentou, em prazo, a sua Impugnação Judicial, via CTT, em 21 de fevereiro de 2022;
XIII. A Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente não foi extemporânea
Nestes e nos mais termos de Direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência:
a) Ser revogado o Despacho de rejeição por extemporaneidade do Recurso (Impugnação Judicial) apresentado pela Recorrente;
b) Ser, em consequência, admitido o Recurso (Impugnação Judicial) apresentada pela Recorrente. (…)”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. No caso concreto, a notificação da decisão da autoridade administrativa foi efectuada através de ofício remetido para o escritório do ilustre mandatário da recorrente por ofício datado de 17.01.2022 – fls. 30.
2. Consequentemente, o arguido deve considerar-se notificado no 3º dia útil posterior ao do envio, em 20.01.2022.
3. A referida presunção só pode ser ilidida a pedido e no interesse do notificando (cfr., neste sentido, o Acórdão do T.R.E. de 10-05-2011 - relator António Latas).
4. Se o Recorrente apenas teve conhecimento da decisão administrativa muito depois da data que consta do ofício (segundo refere, em 09.02.2022), cabia-lhe alegar e demonstrar tal facto em questão prévia ao recurso interposto de forma a ilidir a presunção da notificação e informar o tribunal de tal facto, o que não fez, nem sequer no recurso ora interposto, pois não demonstra que apenas foi notificado na data que invoca.
5. Iniciando-se a contagem do prazo (de 20 dias) em 21.01.2022, tal prazo terminou em 17.02.2022, pelo que o requerimento de interposição do “recurso de impugnação” (remetido por via portal registada para os serviços da autoridade administrativa que aplicou a coima no dia 21.02.2022) é intempestivo (não lhe sendo aplicáveis as regras privativas dos prazos judiciais, designadamente as relativas à possibilidade da prática extemporânea do acto, nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa processual [cfr. artigos 107º e 107º-A, do Código de Processo Penal e 139º, do Código de Processo Civil].
6. Não assiste razão ao recorrente, devendo, salvo melhor opinião, manter-se a decisão de rejeição da impugnação judicial, em virtude da sua apresentação ter sido intempestiva.”

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido (transcrição):
“I – Em 31-3-2022, a arguida veio interpor recurso do douto despacho proferido em 17-3-2022 pela Mm.ª Juiza em funções no Juízo Local Criminal de Portalegre, em que decidiu:
- Rejeitar o recurso apresentado pela Arguida/Recorrente, por intempestivo.
Com efeito, a arguida, sociedade LDA havia impugnado a decisão administrativa proferida pela Polícia de Segurança Pública, que a condenou numa coima no valor de € 500,00, acrescida das custas processuais, pela prática de um ilícito contraordenacional.
Pretende a arguida a revogação do despacho de rejeição e consequente admissão do recurso da decisão administrativa.
II – O Magistrado do Ministério Público, na sua fundada resposta, rebate convincentemente a alegação da recorrente e defende assertivamente o decidido no douto despacho, pelo que, por ser da nossa concordância, aderimos à respectiva argumentação, mostrando-se supérfluo e despiciendo o aditamento de qualquer outra anotação ou comentário.
III – Refira-se ainda que o douto despacho recorrido, com o qual também se concorda inteiramente, mostra-se suficientemente fundamentado, sem quaisquer erros ou contradições, não padece de quaisquer vícios ou violação de quaisquer preceitos legais e não se vislumbra também a existência de qualquer factualidade ou elemento que possa, ainda que de forma ténue, apontar para a sua revogação.
Nesta conformidade somos de parecer que o recurso interposto pela arguida deve ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o despacho recorrido.”.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer é a de apurar se deve ou não ser mantida a decisão de rejeição da impugnação judicial, em virtude da sua apresentação ter sido ou não tempestiva.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida (transcrição):
“Veio a arguida, ora recorrente, LDA apresentar recurso de impugnação judicial, contra a decisão administrativa proferida pela PSP de Portalegre, que aplicou uma coima de 500 euros, acrescida das custas processuais, por alegada prática de um ilícito contraordenacional.
A decisão administrativa foi proferida a 17 de dezembro de 2021, e foi a arguida notificada, sendo aí consignados expressamente os prazos de impugnação judicial – cf. fls. 24-27, 28 e 29.
Compulsados os autos, constata-se que a arguida LDA foi notificada da decisão administrativa, por via de notificação pessoal pelo OPC, efetuada na pessoa de MON – cf. certidão da notificação de fls. 29.
O recurso de impugnação judicial foi remetido por carta, com data de 21 de fevereiro de 2022, tendo dado entrada nos serviços da PSP a 22 de fevereiro de 2022– cf. fls. 31 e fls. 34.
O prazo de impugnação judicial das decisões administrativas é de 20 (vinte) dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados –artigos 59.º, n.º 3 e 60.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
Na decisão administrativa foi a arguida recorrente informada que dispunha de 20 dias “após a notificação nos termos do artigo 59.º do RGCO” para impugnar judicialmente a decisão de aplicação da coima. – cf. fls. 27.
De notar que este prazo não é um prazo judicial, mas antes um prazo administrativo, pelo que corre em férias judiciais, e não tem aplicação ao caso o prazo adicional dos três dias úteis de multa (neste sentido cf. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2010, Processo n.° 242/09.3TBCPV.P1, do Tribunal da Relação de Évora de 12-07-2012, processo n.º 179/10.3TBORQ.E1, do Tribunal da Relação de Évora de 06-01-2015, processo n.º 10/14.0T8LAG.E1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-05-2017, processo n.º 255/16.9 T8SCD.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020, processo n.º 239/19.5T8CVL.C1, do Tribunal da Relação de Évora de 12-01-2021, processo n.º 615/20.0T89LAG.E1. Cf. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 2/94, de 10 de Março de 1993, publicado no DR- 1.ª Série, de 7 de Maio de 1994)1.
Igualmente, para o efeito previsto no n.º 2 do artigo 60.º do DL n.º 433/82, «a tolerância de ponto, não se integrando no conceito de feriado, apenas assume relevância se coincidir com o último dia do prazo para a apresentação da impugnação da decisão da autoridade administrativa e implicar o efetivo encerramento do respetivo serviço público. Verificadas as condições descritas, o termo do prazo para o dito fim transfere-se para o primeiro dia útil seguinte». – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020, processo n.º 239/19.5T8CVL.C1.
In casu, tendo a notificação sido efetuada por via pessoal – pelo OPC -, o prazo para impugnação inicia-se no dia útil seguinte ao da notificação sem recurso a quaisquer presunções nomeadamente a decorrente do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2011, acima citado.
Pode-se colocar a dúvida da data em que se considera a arguida notificada, tendo em consideração tratar-se de uma pessoa coletiva. Ora, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2013, processo n.º 45/13.0TBETZ.E1, adotou a seguinte solução: «A notificação das pessoas colectivas, incluindo as sociedades comerciais, em processo contra-ordenacional deve ser feita nos termos das citações destas em processo civil. É válida e eficaz a notificação efectuada à arguida através da carta registada endereçada para a sua sede, que nesse local foi recepcionada por pessoa que que assinou o respectivo aviso e do qual consta o número do seu documento de identificação.».
Assim, aderindo aos argumentos tecidos pelo acórdão citado, considera-se que a arguida foi notificada no dia 05 de janeiro de 2022 (cf. artigo 223.º n.º 3 do Código de Processo Civil).
De notar que a arguida/recorrente encontra-se representada por advogado (já desde a fase administrativa, já tendo anteriormente sido exercido o direito de defesa – cf. fls. 22 e ss), estando assim adequadamente representada e aconselhada juridicamente, e não podendo alegar o desconhecimento do prazo legal em curso para efeitos de impugnação judicial, nem alegar desconhecimento quanto ao modo de contagem desse prazo (pois que encontra-se representada por advogado que, naturalmente, tem pleno conhecimento da lei).
De salientar ainda que a arguida/recorrente não alegou, em nenhum momento, que não teve conhecimento da decisão administrativa, nem alegou que foi notificada apenas posteriormente. A recorrente não alegou qualquer problema quanto àquela concreta notificação (de fls. 29), nem alegou desconhecer aquela pessoa (que assinou a notificação), nem alegou desconhecer aquela notificação, naqueles termos e com aquela data.
Assim, o prazo para impugnação da decisão administrativa teve o seu início no dia 06 de janeiro de 2022 e o seu termo no dia 02 de fevereiro de 2022 sendo certo que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à autoridade administrativa via postal em 21 de fevereiro, ou seja, após o termo do prazo.
Mesmo que assim não se entendesse, e tendo por presente o disposto no artigo 47.º n.ºs 2 e 4 do DL n.º 433/82, sendo de ter em consideração na contagem deste prazo a data em que o Il. Mandatário da sociedade arguida foi notificado – a 17-01-2022 (ofício de fls. 30) -, idêntica conclusão se obtém. Com efeito, do ofício de fls. 30 resulta que o Il. Mandatário foi notificado da decisão administrativa a 17-01-2022. Ora, contando o prazo a partir de 18-01-2022 (1.º dia útil seguinte), então o prazo sempre terminaria a 14 de fevereiro de 2022 (não se aplicando aqui qualquer prazo acrescido de 03 dias, pois não se trata de um prazo judicial, nem se aplicando qualquer presunção, pois não se aplica aqui o artigo 113.º do Código de Processo Penal), sendo certo que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à autoridade administrativa via postal em 21 de fevereiro de 2022, ou seja, após o termo do prazo. O Ilustre Mandatário não alegou, em nenhum momento, que não teve conhecimento da decisão administrativa, nem alegou que foi notificado apenas posteriormente à data constante do ofício.
Importa assim concluir que o recurso (impugnação judicial) é intempestivo.
Por todo o exposto e ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1 do DL n.º 433/82 rejeita-se o recurso apresentado pela Arguida/Recorrente, por intempestivo. (…)”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo arguido
Apreciemos, então, a questão suscitada pela recorrente e assinalada em II. ponto 2. deste Acórdão.
Entende a recorrente ter apresentado tempestivamente a impugnação judicial, devendo, por essa razão, ser revogada a decisão judicial que a rejeitou e, em consequência, ser substituída por outra a admita-la, conhecendo do mérito do processo.
No caso em análise o Tribunal a quo rejeitou a impugnação judicial por a considerar extemporânea. Entendeu o julgador que o prazo para a apresentar começava a contar-se a partir do dia da notificação da arguida da decisão administrativa. Acrescentando o Tribunal recorrido que mesmo a entender-se dever esse prazo só iniciar-se após a data da notificação ao mandatário da arguida (17.1.2022), os vinte dias teriam sempre sido ultrapassados, pois o mandatário daquela apenas, em 21.2.2022, remetera por correio o requerimento de impugnação judicial.
A propósito da questão suscitada, cumpre em primeiro lugar assinalar que em processo de contraordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem a nomeação de defensor. No caso em apreciação, todavia, a sociedade arguida constituiu mandatário judicial, juntando procuração forense e inclusive, na fase administrativa, apresentou articulado de defesa subscrito pelo Sr. Advogado.
No decurso daquele processo foi proferida decisão administrativa, em 17 de dezembro de 2021, tendo a autoridade policial dado dela conhecimento à arguida através da entrega pessoal de uma cópia a uma funcionária da sociedade, no dia 5 de janeiro de 2022.
No processo consta também um documento designado de “oficio”, datado de 17.1.2022, endereçado ao mandatário da arguida, visando notificá-lo da decisão administrativa proferida. Não se deslinda, todavia, da consulta dos autos em que data esse “oficio” foi efetivamente expedido, o meio utilizado para esse efeito (ex: correio, pessoalmente através da PSP), ou a data da sua receção pelo Sr. Advogado.
É verdade que a sociedade arguida teve conhecimento da decisão administrativa na pessoa de uma funcionária, em 5.1.2022. No entanto, o facto determinante para a contagem do prazo para a apresentação da impugnação judicial é a notificação na pessoa do mandatário, por força do disposto no artigo 47.º do Regime Geral das Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27/10), que dispõe o seguinte:
“(…) 2 - A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo (…).
3 - No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho. (…)”. (sublinhado nosso)
4 - Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.”

Assim, num caso como o do processo, constando dele uma procuração forense, enquanto a arguida é informada da decisão administrativa através de cópia, o mandatário é notificado da decisão. Tal naturalmente implica que o início do prazo para contagem do recurso de impugnação em causa terá de se reportar à data em que foi notificado o mandatário da arguida. Mesmo sufragando-se o entendimento que a notificação teria de ser expedida ao advogado e ao arguido, o prazo da impugnação só começaria a correr depois de notificada a última pessoa, que no caso em apreciação teria sido o Sr. Advogado.
Desconhecendo-se a data da notificação do mandatário ou havendo dúvidas quanto à mesma, cuja prova supõe um documento (a assinatura do ofício, que não existe; ou a prova da expedição pelo correio), não podia o Tribunal a quo julgar extemporâneo o recurso interposto pela arguida.
É verdade que o Sr. Advogado refere, apenas em sede de recurso, ter sido notificado da decisão final administrativa no dia 9.2.2022, mas naturalmente se nada disse a esse propósito previamente, foi necessariamente por estar convencido de ter apresentado tempestivamente a impugnação judicial.
Não cabia ao mandatário judicial antever que o Tribunal iria suscitar qualquer questão sobre a data da sua notificação, quando, simplesmente, estaria convencido de ter apresentado atempadamente a impugnação judicial, face à circunstância de, na sua ótica, ter sido notificado, por ofício da decisão final, em 9 de fevereiro de 2022.
Como assinala o ilustre causídico o “ofício de fls. 30 dos autos não é uma notificação em si mesmo” e, efetivamente, assiste-lhe razão. A existência de um documento designado por ofício, embora endereçado ao advogado, não corresponde à efetiva notificação tal como uma carta que se desconhece se chegou a ser expedida pelo correio também não o é.
Do processo administrativo não consta qualquer documento comprovativo da efetiva expedição do oficio nem o meio utilizado para essa remessa e muito menos que a notificação tenha sido recebida pelo Sr. Advogado na data nele assinalada (17.1.2022 -correspondente eventualmente ao dia da sua elaboração).
Apesar de inexistirem dúvidas que o Sr. Advogado recebeu a notificação (além de ter impugnado a decisão revelando conhecer o seu teor também reconheceu ter rececionado a notificação, embora apenas no dia 9.2.2022), não existe qualquer prova documental de onde resulte ter o oficio sido efetivamente expedido, nem qual o meio utilizado para esse efeito (Ex: fax, mail, carta, contacto pessoal) ou até que a data da sua receção, pelo Sr. Advogado, tenha ocorrido em 17.1.2022.
Na verdade, o referido oficio encontra-se endereçado a ADVOG surgindo no seu cabeçalho como remetente a “Policia de Segurança Pública do Comando territorial de Portalegre”.
Não constando dos autos qualquer documento a atestar o dia em que a PSP de Portalegre expediu por correio ou remeteu para o comando da PSP de Castelo Branco (área territorial que abarca Vila Velha de Ródão) o referido ofício não podia o Tribunal a quo ter presumido a receção do ofício, pelo Sr. Advogado, na data da sua suposta expedição. Pelo contrário deveria presumir que a impugnação judicial fora apresentada tempestivamente, ao invés de a rejeitar por extemporânea.
Assim, tendo em consideração o exposto julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão proferida, devendo o Tribunal a quo, proferir outro despacho que o admita a impugnação judicial por tempestiva.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Concede-se provimento ao recurso interposto pela arguida e em consequência, revoga-se o despacho recorrido devendo ser proferido outro que admita a Impugnação Judicial.
2. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 7 de junho de 2022.
Beatriz Marques Borges - Relatora
Maria Clara Figueiredo
Gilberto da Cunha