Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
500/09.7TBPSR.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: INÉRCIA DAS PARTES
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário:
I- A partir do momento em que a parte exequente registou a penhora a seu favor – e se verificou, do registo, que havia mais duas penhoras anteriores sobre o mesmo prédio –, mais não se poderá exigir à exequente do que reclamar os seus créditos na execução onde foi feita a 1ª penhora, depois de sustada a presente.
II- Assim, não há inércia do exequente que justifique a extinção da instância nos termos do art.º 281.º, n.º 5, Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

A exequente “AA Crédito, SA” vem, nestes autos de execução comum, para pagamento da quantia de € 12.176,20 (doze mil, cento e setenta e seis euros, vinte cêntimos) e juros, a correrem seus termos no Tribunal Judicial contra os executados BB e mulher, CC, interpor recurso do douto despacho que foi proferido em 29 de Janeiro de 2016 (agora a fls. 65 dos autos) – e que declarou a extinção da instância por deserção, por ausência de impulso das partes – intentando a sua revogação e alegando, para tanto e em síntese, que não concorda com o assim decidido, porquanto a notificação que recebeu do sr. Agente de Execução “do resultado das pesquisas efectuadas à Segurança Social, donde resulta que a executada não se encontra a efectuar descontos para aquela entidade, nem a auferir qualquer pensão ou subsídio”, “pese embora tenha sido efectuada em 29/09/2014, por e-mail remetido pelo sr. Agente de Execução ao mandatário da exequente, apenas foi inserida no citius em 15/01/2015, uma vez que, por força da adaptação do citius ao novo mapa judiciário, as comunicações remetidas por via electrónica encontravam-se a ser disponibilizadas/inseridas no citius com atraso de alguns meses”. Pelo que não havia, ainda, qualquer falta de impulso processual da sua parte quando o Mm.º Juiz proferiu, em 03/12/2014, o despacho para que ele requeresse o que tivesse por conveniente, pois que ainda não poderia ter conhecimento das diligências que tinham sido efectuadas e que não estavam do citius (aí apenas inseridas em 15/01/2015). E em 26/12/2014 o exequente, ora recorrente, apresentou requerimento junto do agente de execução (por ser o competente) a informar que tinha reclamado os seus créditos noutra execução onde o imóvel tinha sido penhorado antes, pelo que aguarda, desde aí, “que o Agente de Execução profira despacho de sustação integral da execução, nos termos do artigo 784º/4 do NCPC, por existência de penhora anterior sobre o bem imóvel penhorado, e por se desconhecerem outros bens susceptíveis de penhora (com excepção de veículos antigos e sem valor comercial)”. Porém, não se teve presente que “a deserção só pode ocorrer se a paragem da execução ficar a dever-se a negligência das partes, o que não aconteceu nos presentes autos”, aduz. São termos em que deve o douto despacho recorrido ser revogado e ordenar-se o prosseguimento da instância executiva, seguindo os seus trâmites normais, e assim se dando provimento ao recurso, conclui.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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Atendem-se aos seguintes factos, com interesse para a decisão:

1) No dia 06 de Outubro de 2009 foi instaurada, no Tribunal Judicial, execução para pagamento da quantia de € 12.176,20 (doze mil e cento e setenta e seis euros e vinte cêntimos) e juros, pela “AA Crédito, SA” contra BB e mulher CC (vide douto requerimento executivo de fls. 1 a 3 dos autos e os documentos que constituem suas fls. 4 a 5, cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos, sendo a data de entrada a aposta a fls. 9 dos autos).
2) Em 24 de Setembro de 2013 foi elaborado auto de penhora do prédio urbano pertença dos executados, (vide o seu teor completo a fls. 55 a 56 dos autos).
3) Nessa data foi entretanto registada tal penhora, conforme à respectiva certidão predial, a fls. 52 a 54 dos autos, aqui dada por reproduzida na íntegra.
4) Existiam mais duas penhoras anteriores registadas sobre o bem (idem).
5) Em 03 de Dezembro de 2014 foi aí proferido o douto despacho que ora constitui fls. 63 dos autos, a ordenar que se “notifique o exequente para que o mesmo requeira o que tiver por conveniente, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, versão actual” (sic).
6) E em 29 de Janeiro de 2016 foi proferido o douto despacho de que ora se recorre, e que constitui fls. 65 dos autos, que aqui se dá por reproduzido, a julgar extinta a instância executiva, por deserção, por ausência de impulso das partes, considerando que “os presentes autos encontram-se a aguardar impulso processual da exequente desde, pelo menos, 03/12/2014 (fls. 63), ou seja, há mais de um ano” (sic).
7) Em 29 de Setembro de 2014 o sr. Agente de execução havia informado a exequente das diligências que encetara nos autos (vide fls. 151 do histórico do processo).
8) Em resposta, no dia 26 de Dezembro de 2014, a exequente remeteu ao sr. Agente de execução o douto requerimento de fls. 147 desse histórico, onde exarou o seguinte: “AA Crédito, SA, exequente nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do vosso ofício datado de 29/09/2014, vem informar os autos que apresentou reclamação de créditos no âmbito do processo de execução à ordem do qual foi ordenada a penhora anterior que incide sobre o bem imóvel penhorado e melhor identificado nos autos. Tendo em conta que não são conhecidos outros bens dos executados, susceptíveis de penhora, vem a exequente requerer a V. Exa. que os autos aguardem os desenvolvimentos processuais na execução que registou a primeira penhora sobre o imóvel, a fim de aferir se o imóvel ali será vendido ou se (na eventualidade de aquela execução ser extinta) deverão prosseguir os presentes autos para venda do referido bem” (sic).
9) Em 06 de Dezembro de 2013 já o Agente de execução havia notificado a exequente nos seguintes termos, conforme fls. 98 do histórico: “Fica V.ª Exa., na qualidade de Mandatário da Exequente, notificado, nos termos do n.º 1 do art.º 794.º do Código de Processo Civil, da sustação da instância relativamente ao imóvel penhorado descrito na C.R.P. sob o número 1105 da freguesia, uma vez que sobre este pende penhora anterior à do presente processo sendo o número fiscal daquela 120201100017752 e apensos” (sic).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se poderia o Tribunal a quo julgar extinta a execução, por falta de impulso da exequente, pese embora esta tenha intervindo no processo e aguardado que o seu crédito lhe fosse pago na execução fiscal onde o prédio aí penhorado é o mesmo destes autos, mas com penhora anterior, rectius, se era preciso mais alguma actuação da sua parte para evitar aquele desfecho radical da deserção da instância executiva. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Mas cremos bem, salva outra e melhor opinião, que a solução encontrada no douto despacho recorrido não poderá manter-se na ordem jurídica, porquanto os dados que ressumbram do processo dão para concluir que não houve inércia da parte da exequente, pelo menos que justificasse aquela decisão (a todos os títulos, gravosa e penalizante para ela) de acabar simplesmente com o processo. Pois que, ademais, tudo deve ser feito para que os processos prossigam os seus normais termos, e atinjam os fins a que normalmente tendem: a resolução de problemas a quem precisa de se dirigir ao sistema de justiça português. Doutro modo, constrói-se o processo como um fim em si mesmo, apenas servindo para arranjar entraves ao conhecimento do mérito das acções/execuções (note-se que vigoram, entre nós, e como é sabido, os princípios pro actione e in dubio pro favoritatae instantiae, em ordem precisamente a que se consiga nos processos uma tutela jurisdicional efectiva).
Senão, vejamos.

A partir do momento em que a parte exequente – com os custos inerentes – registou a penhora a seu favor, conseguida, nos presentes autos, depois de um sem número de diligências efectivadas à procura de bens dos executados – e se verificou, do registo, que havia mais duas penhoras anteriores sobre o mesmo prédio –, mais não se poderá exigir à exequente do que aquilo que precisamente ela já fez, isto é, reclamar os seus créditos na execução fiscal, onde foi feita a 1ª penhora, depois de sustada a presente, e aguardar que o imóvel seja aí vendido e lhe paguem tudo, ou parte, do que reclamou nesses autos. Na presente execução nada mais há a fazer do que aguardar tais desenvolvimentos (que não dependem já de qualquer impulso da exequente).
Acresce que nenhum interesse teria a mesma em ignorar e não responder a alguma solicitação do Tribunal, já que ficaria em causa o prosseguimento da própria execução – e, sem isso, não teria a mínima hipótese de receber o que quer que fosse, depois dos dispêndios de tempo e dinheiro realizados. Daí o seu inconformismo (e plenamente justificado) com o desfecho dado ao processo.

Dessarte, não se verifica aqui nenhuma inércia da exequente que conduza à deserção da instância executiva. Apenas haverá que aguardar a venda naquela execução fiscal onde a mesma já reclamou os créditos que aqui dá à execução.

Como quer que seja, não poderia o Tribunal a quo, sem mais, e apenas na ânsia de fazer terminar processos, dizer que a parte não tinha diligenciado nada na execução ‘há mais de um ano’: “os presentes autos encontram-se a aguardar impulso processual da exequente desde, pelo menos, 03/12/2014 (fls. 63), ou seja, há mais de um ano” (sic).
Pois ainda que nada constasse – como não constava – no próprio processo físico, haveria que verificar o processo virtual (que tem o mesmo valor), como agora se fez, e logo se constatariam as diligências efectivadas e que supra já se deixaram descritas na factualidade provada: desde a sustação desta execução à reclamação dos créditos na execução fiscal.
Pelo que não houve inércia da parte.

Razões pelas quais, neste enquadramento, se não poderá manter a decisão da 1ª instância, devendo ser revogada e dando-se continuidade à tramitação da execução – procedendo, dessa maneira, o recurso.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar o douto despacho recorrido.
Não são devidas custas.
Registe e notifique.
Évora, 6 de Outubro de 2016

Canelas Brás

Jaime Pestana

Paulo Amaral