Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1464/21.4T8STR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: BANCOS
INDEMNIZAÇÃO
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – As entidades bancárias e as sociedades de titularização de créditos são organizações necessariamente dotadas de organização empresarial e dos meios necessários para responder em condições apropriadas de qualidade e eficiência.
2 – Ao negociarem a cessão de créditos e ao fazerem a retransmissão do crédito, a entidade bancária e a empresa de titularização de créditos teriam de adoptar os cuidados a que, segundo as circunstâncias, estavam obrigados e de que eram capazes, sabendo claramente que a inserção de dados incorrectos na Central de Dados do Banco de Portugal constitui um comportamento ilícito e que o mesmo é susceptível de causar prejuízo às pessoas afectadas com essa conduta, a qual tem subjacente a falta ou a deficiente fiscalização, controlo e monitorização do mútuo concedido.
3 – As angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo artigo 496.º do Código Civil.
4 – A determinação do montante indemnizatório ou compensatório que corresponde a estes danos é calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se não só à extensão e à gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as demais circunstâncias que contribuam para uma solução justa e equilibrada do litígio.
5 – O juízo de equidade que a que lei faz menção determina que o julgador tome em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida e que não se deve afastar dos padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial.
6 – O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela.
7 – Não é por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira como litigante de má-fé.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1464/21.4T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central ... – J...
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por AA e BB contra “Caixa Económica (…), Caixa Económica Bancária, SA”, “A..., SA” e “B..., SA, os Autores e a primeira Ré vieram interpor recurso da sentença final.
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Os Autores pediram a condenação da 1ª Ré ao pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, desde 2015 até final de 2019, de valor não inferior a € 50.000,00, acrescido de juros de mora contados à taxa legal em vigor, desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento, e a condenação solidária das 2.ª e 3.ª Rés ao pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, desde 2017 até 2019, de valor não inferior a € 30.000,00, acrescido de juros de mora contados à taxa legal em vigor, desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento.
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Em benefício da sua pretensão, os Autores alegaram que celebraram com a primeira Ré um contrato de mútuo em 2009 e que, em Fevereiro de 2017, quando o crédito se encontrava a ser cumprido, a 1.ª Ré cedeu-o, passando a 2.ª Ré a assumir a posição de mutuante e a 3.ª Ré a gerir o crédito.
Entre Fevereiro e Abril de 2017 este crédito esteve declarado como em incumprimento na Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, por comunicação da 2.ª Ré. Por isso, a Autora viu ser-lhe negada a concessão de um crédito para aquisição de viatura e ambos ficaram sem poder utilizar cartões de crédito.
Em Novembro de 2018 é efectuada a retransmissão do crédito da 2.ª para a 1.ª Ré, sendo que de Dezembro de 2018 a Fevereiro de 2019 o crédito voltou a ser comunicado à Central da Responsabilidades do Banco de Portugal como estando em incumprimento, desta vez pela 1.ª Ré, que não considerou os valores da prestação pagos diretamente à 2.ª Ré durante o período em que os créditos estiveram cedidos.
Os Autores adiantam ainda que estas situações lhes causaram angústia, medo e vergonha.
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As Rés “A..., SA” e “B..., SA” apresentaram contestação, invocando, em síntese, a ilegitimidade da terceira Ré e a prescrição do direito dos Autores, sublinhando que compraram o crédito como se o mesmo estivesse em incumprimento, limitando-se a transferir para o seu sistema informático os dados fornecidos pela segunda Ré, o que levou a que fosse efectuada a comunicação de incumprimento ao Banco de Portugal.
Estas Rés avançam que, que após terem sido alertadas para a situação, rectificaram a informação junto do Banco de Portugal e procederam à retransmissão do crédito à primeira Ré, tendo devolvido a esta todos os valores pagos pelos Autores enquanto o crédito se encontrou na sua titularidade.
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A Ré “Caixa Económica ..., Caixa Económica Bancária, SA” apresentou contestação em que afirmou que não foi a autora das comunicações efectuadas ao Banco de Portugal em 2017 e que, após a recompra, não teve a informação dos créditos pagos pelos Autores durante o período da cessão. No entanto, a situação foi corrigida e mostra-se regularizada desde Fevereiro de 2019.
A Ré invoca ainda a prescrição parcial do crédito e assinala que os Autores não alegaram nem quantificaram os danos e não demonstraram o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos.
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Por requerimento de 18/12/2021, os Autores deduziram pedido de condenação por litigância de má fé contra a primeira Ré, em multa e indemnização em montante não inferior a € 5.000,00.
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Por despacho proferido em 19/01/2022 foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e prescrição e formulado convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
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Por requerimento de 04/02/2022 os Autores vieram, em resposta ao convite ao aperfeiçoamento efectuado pelo Tribunal, esclarecer que pretendiam peticionar a condenação das Rés ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais e não por danos patrimoniais, tratando-se de um lapso de escrita a referência a danos patrimoniais.
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A alteração foi admitida por despacho proferido em 02/03/2022.
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Em 02/03/2022 foi proferido despacho saneador e procedeu-se à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
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Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
a) Condenar a Ré “Caixa Económica (…), Caixa Económica Bancária, SA” a pagar à Autora AA a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa supletiva civil contados desde a data desta sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
b) Condenar a Ré “A..., SA” a pagar à Autora AA a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora à taxa supletiva civil contados desde a data desta sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
c) Absolver a Ré “B..., SA” de todos os pedidos contra si formulados.
d) Absolver a Ré “Caixa Económica (…), Caixa Económica Bancária, SA” do pedido de condenação por litigância de má fé contra si formulado.
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A recorrente “Caixa Económica (…), Caixa Económica Bancária, SA” não se conformou com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«1. Toda a prova produzida em audiência de julgamento pelos AA proveio, apenas e só, de quem tem um direto, imediato, inequívoco e relevante interesse no desfecho da presente causa, sendo as suas únicas testemunhas os (ex-)cônjuges dos AA.
2. O discurso de tais testemunhas, e da A, revelou-se, não espontâneo, mas ensaiado, uma narrativa preparada, ainda assim composta por referências factuais absolutamente lacónicas, abstratas e genéricas, e por apreciações críticas e valorativas, revelando nervosismo, confusão, incerteza e memória seletiva.
3. Para além de não serem imparciais, firmes e escorreitos, as testemunhas arroladas pelos AA e a A proferiram, nos seus depoimentos e declarações, afirmações que não correspondem à verdade e à realidade dos factos, conforme claramente o demonstra a prova documental carreada para os autos, quer pelas RR quer, desde logo, pelos próprios AA.
4. A A e as suas testemunhas teceram repetidos juízos de valor depreciativos sobre o seu pai e irmão, imputando-lhes factos e formulando sobre eles juízos objetivamente ofensivos da sua honra ou consideração (não estando os mesmos em juízo e não tendo oportunidade para se defenderem e infirmarem as acusações), não obstante se apresentarem em juízo a peticionar uma choruda indemnização por ofensas à sua honra e bom nome.
5. Têm todas estas afirmações, como é por demais evidentemente, uma clara intenção auto-abonatória e vitimizante dos AA, para além de pretensamente justificativa da incompreensível ausência dos demais obrigados contratuais, na apresentação e defesa desta narrativa.
6. Entende a Recorrente que, cotejando os depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA e declarações de parte da A, atentando na prova gravada e na ponderação que acima se fez, com a análise dos documentos juntos aos autos, não pode deixar de concluir-se que a prova carreada pelos AA não é credível.
7. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto – A convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é merecedora de reparos, não obstante a profícua fundamentação aduzida na douta sentença recorrida, com a qual, porém, não pode concordar-se:
7.A - Foram julgados provados, com relevo para a decisão da causa, diversos de factos entre os quais se incluem alguns que se entende que não foram corretamente julgados, o que se invoca, impugnando a Recorrente, nesta sede, a respetiva decisão:
a) Foi considerado provado que
4) Por escrito denominado contrato de venda de créditos, datado de 30/12/2016, a 1.ª Ré declarou ceder a C..., que declarou aceitar, o referido crédito.
Mas entende-se que a decisão que deve ser proferida sobre este facto é:
4) Por escrito denominado contrato de venda de créditos, datado de 30/12/2016, a 1.ª Ré declarou ceder a C..., SA, que declarou aceitar, uma carteira de créditos, listada no respetivo Anexo I, onde se incluía o crédito referido em 1) e 2).
Pois é isso que resulta da análise do doc. 1 junto com a contestação das 2.ª e 3.ª Rés, também anotando a Mmª Juiz a quo que se tratou da cessão de um portefólio de créditos constituído por empréstimos.
b) Foi considerado provado que
9) No final do mês de março de 2017, a Autora AA fez uma proposta de aquisição de um veículo, com recurso a financiamento, num stand de automóveis, para substituir o seu veículo.
10) Foi informada pelo stand que não podia recorrer ao financiamento para a compra do veículo porque o seu nome constava na lista de clientes de risco no Banco de Portugal.
Mas deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 9) e 10), que devem passar para o elenco dos factos não provados.
Concatenando o teor dos documentos 24 e 25 juntos à PI, que fundamentam a decisão sobre este facto, com os depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA e as declarações de parte da A:
Não foi feita qualquer referência a estes factos no depoimento da testemunha CC (CC), registado no programa H@bilus iniciado às 10h22m e findo às 11h14m do dia 06-12-2022.
Atendendo ao depoimento da testemunha DD, registado no programa H@bilus iniciado às 11h15m e findo às 12h33m do dia 06-12-2022, analisado, designadamente nas referências constantes aos minutos 18:00, 18:40, 19:10, 19:20, 20:10, 49:25, 50:25, 51:40, 52:25Atendendo às declarações de parte da A, registadas no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:33:34, no período das 10:56:45 horas às 11:30:19 horas do dia 13-12-2022, analisadas, designadamente nas referências constantes aos minutos 9:00, 10:08, 10:22, 10:50, 11:00, 11:12, 11:40, 12:10, 12:20, 30:00.
Não tendo sido produzida qualquer (outra) prova acerca da apresentação da alegada proposta de aquisição de veículo, da alegada proposta de financiamento ou da resposta alegadamente prestada e não se vislumbra que a prova destes factos haja sido produzida através de quaisquer outros depoimentos, ou sequer validamente inferida de outros documentos juntos aos autos, pelo que não resta senão dar os factos como não provados, atentas as regras do ónus da prova.
c) Foi considerado provado que
11) A Autora contactou então com o seu gestor de conta no BPI, que lhe transmitiu que além de não lhe poder ser concedido o financiamento, teria de entregar os cartões de crédito e cheques que tivesse em seu poder, uma vez que constava no mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal como incumpridora.
Mas deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto ao ponto 11), que deve passar para o elenco dos factos não provados.
Concatenando o teor dos documentos 24 e 25 juntos à PI, que fundamentam a decisão sobre este facto, com os depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA e as declarações de parte da A:
Este facto não é compatível com o depoimento da testemunha DD, registado no programa H@bilus iniciado às 11h15m e findo às 12h33m do dia 06-12-2022, aos minutos 51:40, entre o minuto 18:00 e o minuto 20:00, 27:00, 56:40 e 1:15:00. Com o depoimento da testemunha CC (CC), registado no programa H@bilus iniciado às 10h22m e findo às 11h14m do dia 06-12-2022, ao minuto 19:40, 40:30, 40:50. Ou sequer com as declarações da AA (registadas no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:33:34, no período das 10:56:45 horas às 11:30:19 horas), designadamente ao minuto 9:00, 10:08, 10:22, 12:31, 12:38, 12:45, 13:08, 13:48, 14:15 e não se vislumbra que a prova deste facto haja sido produzida através de quaisquer outros depoimentos, ou sequer validamente inferida de outros documentos juntos aos autos, pelo que não resta senão dar os factos como não provados, atentas as regras do ónus da prova.
d) Foi considerado provado que
15) Desde o final de março de 2017 até ao final de abril de 2017, a Autora AA ficou sem poder utilizar o cartão de crédito que habitualmente utilizava.
Mas deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto ao ponto 15), que deve passar para o elenco dos factos não provados.
Concatenando os depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA e as declarações de parte da A:
A testemunha CC – com depoimento registado no programa H@bilus iniciado às 10h22m e findo às 11h14m do dia 06-12-2022 –, nada disse quanto a quaisquer cartões de crédito da A – veja-se o depoimento prestado, nos minutos 11:30, 15:55, 18:10, 24:30, 38:30, 39:48.
O mesmo se diga relativamente à testemunha DD – cujo depoimento foi registado no programa H@bilus iniciado às 11h15m e findo às 12h33m do dia 06-12-2022 –, ao minuto 25:30.
E as próprias declarações de parte da AA – registadas no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:33:34, no período das 10:56:45 horas às 11:30:19 horas – se mostram confusas e incongruentes, não invocando uma única situação concreta, espontaneamente ou instada a fazê-lo, não apresentando circunstâncias de modo, tempo e lugar, não merecendo, assim, credibilidade – minutos 15:30, 15:40, 15:46
Com o depoimento da testemunha EE – cujo depoimento, que foi prestado através do sistema de videoconferências do Tribunal Judicial ..., ficou registado no programa H@bilus iniciado às 14h14m e findo às 15h14m – ao minuto 33:20 e 34:30.
A prova produzida não é suficiente nem credível e inexistem quaisquer fatores que aportem plausibilidade ou verosimilhança a este facto.
Não foi feita qualquer prova, sequer, da existência de qualquer cartão de crédito da titularidade da A e que tal alegado cartão de crédito estava ativo, válido e em vigor, que não tinha sido atingido ou ultrapassado o limite de crédito, que não se encontrava danificado, bloqueado ou suspenso e que as operações que concretamente com ele se pretenderam realizar eram permitidas pelo respetivo contrato de emissão e condições gerais de utilização, ou que a alegada “impossibilidade” de utilização não se deveu a inoperacionalidade dos equipamentos ou redes de transmissão de dados, nem foi apresentada qualquer prova de que a A tenha sido informada da suspensão desse alegado cartão pela respetiva entidade emitente, bem como do fundamento dessa suspensão.
Não se aceita como válida a fundamentação da decisão impugnada (v. DL nº. 133/2009, de 02/06, artigo 364.º, n.º 1, do CC, artigo 607.º, n.º 5, do CPC).
e) Foi considerado provado que
16) A Autora AA ficou preocupada, ansiosa e envergonhada com esta situação.
Mas deve ser alterada a decisão de facto quanto ao ponto 16), que deve passar para o elenco dos factos não provados.
Uma vez que se refere ao conteúdo do facto 15)
Porque as consequências descritas nesta fundamentação da decisão quanto a este concreto facto foram as referidas pelas testemunhas e A reportando-se às consequências relativas a todo o conjunto de factos invocados pelos AA como fundamento da sua pretensão indemnizatória.
Porque não convence a narrativa trazida por este conjunto restrito de obrigados no contrato celebrado com a aqui Recorrente, e não se aceita que os factos relativos ao foro interno da A, aqui genericamente narrados pelo seu marido e cunhada se tenham por provados, muito menos como decorrentes das situações efetivamente provadas nos autos.
Atendendo ao longo histórico de incumprimento, de penhoras e incidentes documentalmente demonstrados,
Concatenando os depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA e as declarações de parte da A, que aportaram diversos outros factos de que tais consequências poderiam claramente decorrer, como consequências normais, de acordo com as regras de experiência comum:
A testemunha CC – com depoimento registado no programa H@bilus iniciado às 10h22m e findo às 11h14m do dia 06-12-2022 – aos minutos 5:00, 13:30, 33:00, 37:00, 47:30, 13:30, 16:50, 34:40, 35:30, 8:00, 42:00, 8:00, 28:20.
A testemunha DD – cujo depoimento foi registado no programa H@bilus iniciado às 11h15m e findo às 12h33m do dia 06-12-2022, aos minutos 1:09:25, 1:12:00, 1:15:55, 41:20, 11:50, 37:00, 43:00, 05:30, 9:30, 10:20, 42:10, 47:40, aos costumes e 1:02:00, 1:05:00, 1:03:50As declarações de parte da A, registadas no programa H@bilus Media Studio, n.º 00:00:00 a 00:33:34, no período das 10:56:45 horas às 11:30:19 horas), aos minutos 5:35, 8:40.
f) Foi considerado provado que 21) No dia 08/11/2018 no Cartório Notarial ..., as 1.ª e 2.ª Rés declararam acordar, além do mais, proceder à retransmissão do crédito dos Autores da 2.ª para a 1.ª Ré, sendo o valor a pagar pela 1.ª à 2.ª Ré de € 89.787,73, correspondente ao valor de retransmissão de € 125.305,86 e de despesas de € 5.029,17, já deduzindo o valor de € 40.547,30.
Mas resulta inequivocamente da prova produzida quanto a esta matéria, e com relevo para a boa decisão da presente causa, que, diferentemente do vertido neste ponto da decisão sobre a matéria de facto contida na douta sentença recorrida,
21) No dia 08/11/2018 no Cartório Notarial ..., as 1.ª e 2.ª Rés declararam acordar, além do mais, proceder à retransmissão, entre outros, do crédito dos Autores da 2.ª para a 1.ª Ré, sendo o valor a pagar pela 1.ª à 2.ª Ré de € 89.787,73, correspondente ao valor de retransmissão de € 125.305,86 e de despesas de € 5.029,17, já deduzindo o valor de € 40.547,30.
Pois é este que resulta do doc. 4 junto com a contestação das 2.ª e 3.ª Rés, e nestes termos deve o facto ser considerado provado.
g) Foi considerado provado que
30) No mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal constou a informação de que o crédito estava em incumprimento desde dezembro de 2018 a 18/02/2019, por comunicação da 1.ª Ré.
Mas resulta inequivocamente da prova produzida quanto a esta matéria, e com relevo para a boa decisão da presente causa, que, diferentemente do vertido neste ponto da decisão sobre a matéria de facto contida na douta sentença recorrida,
30) No mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal constou a informação de que o crédito estava em incumprimento desde dezembro de 2018 a 31/01/2019, por comunicação da 1.ª Ré, informação que se mostrava anulada em 22/02/2019. E nestes termos deve o facto ser considerado provado, considerando o disposto no artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10.
O depoimento da testemunha EE, prestado através do sistema de videoconferências do Tribunal Judicial ... e registado no programa H@bilus iniciado às 14h14m e findo às 15h14m – ao minuto 43:00.
O depoimento da testemunha FF, prestado através do sistema de videoconferências do Tribunal Judicial ... e registado no programa H@bilus iniciado às 15h15m e findo às 16h00m – ao minuto 27:15.
O teor do Doc. 91 junto à PI e Documento n.º 7 junto à contestação da Recorrente
O teor do Doc. 94 junto à PI.
h) Foi considerado provado que
31) Em março de 2019, no mapa de responsabilidades do Banco de Portugal no tipo de negociação aparecia renegociação por incumprimento.
32) Em outubro de 2019, voltou a constar no mapa de responsabilidade do Banco de Portugal, a informação dada pela 1.ª Ré de renegociação por incumprimento.
Mas entende-se que os factos em análise são irrelevantes para a decisão, e nessa medida não deveriam ter sido especificamente dados como provados ou não provados.
Por cautela, caso se entendam assumir qualquer espécie de relevo, deverão os mesmos ser completados com as rubricas de maior relevância na apreciação dos mapas da centralização de responsabilidades de crédito, pelo que, resultando inequivocamente da prova produzida quanto a esta matéria, deverá a decisão sobre os mesmos ser alterada para
31) Em março de 2019, no mapa de responsabilidades do Banco de Portugal no tipo de negociação aparecia renegociação por incumprimento, sem reporte de valores em incumprimento, vencidos ou abatidos ao ativo e sem reporte de litígio judicial.
32) Em outubro de 2019, voltou a constar no mapa de responsabilidade do Banco de Portugal, a informação dada pela 1.ª Ré de renegociação por incumprimento, sem reporte de valores em incumprimento, vencidos ou abatidos ao ativo e sem reporte de litígio judicial.
Considerando e concatenando
O teor dos Docs. 95 e 97 juntos à PI.
O depoimento da testemunha EE (prestado através do sistema de videoconferências do Tribunal Judicial ... e ficou registado no programa H@bilus iniciado às 14h14m e findo às 15h14m), aos minutos 17:50, 28:35, 29:00, 30:30, 33:00, 57:15, 58:00
i) Foi considerado provado que
33) Por força das comunicações de dívida ao Banco de Portugal supra referidas, a Autora AA sentiu angústia, embaraço e vergonha.
34) Igual vergonha sentiu quando o seu gestor de conta do BPI lhe telefonou e informar que não lhe podia ser concedido crédito por constar como incumpridora na Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal.
Mas deve ser alterada a decisão de facto quanto aos pontos 33) e 34), que devem passar para o elenco dos factos não provados.
Repetindo-se quanto a estes factos o que se deixou dito em considerações prévias e acerca dos factos 11) e 16), que aqui dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7.B - Foram julgados não provados diversos factos, não obstante se considerarem relevantes para a decisão da causa, entre os quais se inclui o elencado em e) Que aquando da retransmissão do crédito a 1.ª Ré não tivesse informação dos valores pagos pelos Autores durante o período da cessão.
Mas resulta inequivocamente da prova produzida quanto a esta matéria, e com relevo para a boa decisão da presente causa, que Aquando da escritura de retransmissão dos créditos, a 1.ª Ré tinha informação de que tinham sido efetuados pagamentos durante o período da cessão, mas não conhecia os valores e datas concretas de cada pagamento efetuado pelos Autores à A... durante o período da cessão. E nestes termos deve o facto ser considerado provado.
Concatenando
O teor do Doc. n.º 4 junto à contestação das 2.ª e 3.ª RR.
Os factos provados elencados em 21) – com a redação de se propugnou –, em 22), em 30), em 28),
O teor do Doc. n.º 78 junto à PI
O depoimento da testemunha EE (prestado através do sistema de videoconferências do Tribunal Judicial ... e registado no programa H@bilus iniciado às 14h14m e findo às 15h14m), aos minutos 18:45, 20:15, 21:00, 21:45, 22:20, 23:10, 23:55, 26:40, 27:35, 43:00, 51:50.
O depoimento da testemunha FF (prestado através do sistema de videoconferências do Tribunal Judicial ... e registado no programa H@bilus iniciado às 15h15m e findo às 16h00m) – a partir do minuto 21:40, 25:40, 26:10, 26:35, 27:15, 41:05.
7.C - Foram julgados irrelevantes outros factos, mas entende-se que foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa:
(i) Em 30/06/2010, a fração autónoma adquirida no contrato referido em 1) foi alvo de duas penhoras, no âmbito do Processo de execução fiscal n.º...83 (com a quantia exequenda de € 1.358,24) e do Processo de execução fiscal n.º ...79 (com a quantia exequenda de € 3.997,04), ambos do Serviço de Finanças ..., onde eram executados os aqui AA e o seu irmão GG.
(ii) Em março de 2012, 1/3 da fração autónoma adquirida no contrato referido em 1) foi alvo de penhora no âmbito do Processo de execução fiscal n.º...54 do Serviço de Finanças ..., onde era executada a aqui AA.
Factos estes ((i) e (ii)) que se mostram suficiente e inequivocamente demonstrados no Documento n.º 3 junto à contestação da aqui Recorrente e que, nestes termos, devem ser considerados provados.
(iii) Foram pagas com atraso as prestações devidas à 1ª R. nos termos do contrato referido em 2) vencidas em 2009/05/13, 2009/11/13, 2011/03/13, 2012/05/13, 2013/01/13, 2013/04/13, 2013/07/13, 2016/03/13, 2016/04/13, 2016/05/13, 2016/06/13 e 2016/09/13.
(iv) Não foram pagas nas respetivas datas de vencimento as prestações devidas à 1ª R. nos termos do contrato referido em 2) vencidas dos dias 2013/10/13 até 2015/04/13, ambos inclusive, e todas vieram a ser liquidadas em 2015/05/04.
Factos estes ((iii) e (iv)) que se mostram suficiente e inequivocamente demonstrados no Doc. 92 junto à PI e que, nestes termos, devem ser considerados provados.
(v) Por ofício de 2012/05/07 a 1ª R. foi citada pela Autoridade Tributária – Serviço de Finanças ..., na qualidade de credor com garantia real, para reclamar os seus créditos no âmbito do Processo n.º ...37 e apensos em que era executado GG por reversão de D..., Lda. e onde fora alvo de penhora a fração autónoma designada pela letra ... que também constituía garantia hipotecária do mútuo identificado em 2).
Facto este (v) que se mostra suficiente e inequivocamente demonstrado no Documento n.º 4 junto à contestação da 1ª R. e que, nestes termos, deve ser considerado provado.
(vi) O portefólio de créditos cedidos no contrato identificado em 4) foi constituído com a data de referência de 31 de dezembro de 2014, data em que o crédito referido em 2) se encontrava com incumprimento superior a um ano.
Facto este (vi) que se mostra suficiente e inequivocamente demonstrado através do depoimento da testemunha FF (prestado através do sistema de videoconferências do Tribunal Judicial ... e registado no programa H@bilus iniciado às 15h15m e findo às 16h00m, entre os minutos 5:30 e 20:30 (em particular ao minuto 7:00, ao minuto 10:00, ao minuto 15:30, ao minuto 17:20 e ao minuto 20:15) e desde o minuto 41:45 até ao fim (em particular ao minuto 41:45), e que, nestes termos, deve ser considerado provado.
8. Os incumprimentos da obrigação de pagamento pontual das prestações do mútuo concedido, entre outros, aos AA foram reportados à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal nos respetivos meses, como legalmente se lhe impõe e impunha.
9. Tendo a cessão de créditos pela 1ª R. à 2.ª R. tido por objeto apenas créditos em situação de incumprimento (NPL), nele foi, assim, erradamente incluído o crédito dos AA e demais mutuários, porquanto o portefólio de créditos cedidos fora constituído com a data de referência de 31 de dezembro de 2014, data essa em que efetivamente este crédito se encontrava em situação de incumprimento (então superior a um ano).
10. Constatada a errada inclusão do crédito e operada a retransmissão do crédito à aqui Recorrente, com a reativação do contrato e reposição de todo o plano financeiro, sem notícia das prestações entretanto pagas, suas datas e valores concretos, gerou-se então a situação de incumprimento.
11. Essa informação, que surgiu e perdurou apenas durante 2 (dois) meses de centralização de responsabilidades), mostrava-se anulada em 22/02/2019.
12. É irrelevante ou inconsequente a menção a “renegociação por incumprimento” no tipo de negociação centralizada em março e outubro de 2019 uma vez que não foram reportados quaisquer valores em incumprimento, vencidos ou abatidos ao ativo nem litígio judicial.
13. A douta sentença recorrida aponta como factos ilícitos imputáveis à 1ª R.
a) os reportes de incumprimento ao Banco de Portugal quando o crédito estava a ser cumprido – ou seja, a informação que, nos termos supra expostos surgiu e perdurou durante 2 (dois) meses de centralização de responsabilidades e que foi anulada pela R. Recorrente em 22/02/2019.
b) a transmissão do crédito como se de um crédito em incumprimento se tratasse c) o tempo que a 1ª R., aqui Recorrente, demorou a imputar os valores pagos durante o período da cessão no crédito (apenas em fevereiro de 2019 foram imputados ao crédito os valores relativos aos pagamentos por conta do crédito efetuados à A... e cessado o reporte de incumprimento ao Banco de Portugal), o que consubstanciaria uma expressa violação do dever de diligência e respeito consciencioso pelos interesses dos clientes bancários, que lhe era imposto pelo artigo 74.º do já citado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
14. Porém, os factos ilícitos referidos em a) e c) são um só e o mesmo, sendo redundante e duplicada a sua consideração nos termos decididos.
15. A transmissão do crédito dos AA e demais mutuários como se de um crédito em incumprimento se tratasse não consubstancia a prática de um facto ilícito, ou não permitido, pois seria permitida por lei (v. artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, na redação então vigente), e a ela não poderia opor-se, em qualquer caso, o devedor.
16. A transmissão do crédito dos AA e demais mutuários à 2ª R. no âmbito de um contrato cujo objeto constituía um portfolio de créditos em incumprimento mais não poderia constituir do que, no limite, e ainda que assim não se entenda, um incumprimento contratual apenas relevante entre as partes.
17. Na imputação subjetiva do facto indicado em 13. a) à R., a douta sentença recorrida configura uma atuação culposa porque negligente.
18. Aquando da escritura de retransmissão dos créditos, a 1.ª Ré tinha informação de que tinham sido efetuados pagamentos durante o período da cessão, mas não conhecia os valores e datas concretas de cada pagamento efetuado pelos Autores à A... durante o período da cessão, pelo que não podia fazer a imputação de quaisquer valores ao contrato, sob pena de prejudicar patrimonial e inadmissivelmente os mutuários.
19. A R. não poderia basear a informação dos pagamentos efetuados durante o período de cessão na mera declaração do próprio devedor, não se aceitando por isso, como se afirma na douta sentença recorrida, que as comunicações efetuadas a partir de 27/11/2018 (será por mero lapso que se refere 27/11/2019) agravem o seu grau de culpa.
20. Não se configura, na situação descrita e demonstrada, qualquer atuação negligente da aqui Recorrente.
21. Por tudo o exposto em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto (factos 16), 33) e 34)), igualmente não se aceita que a atuação da 1ª R. tenha sido a causa de quaisquer danos sofridos pela AA, pelo que não foram demonstrados os danos não patrimoniais alegadamente sofridos pela A nem, consequentemente, a sua causalidade com os comportamentos da R. em discussão nestes autos.
22. Igualmente não se aceita que o facto provado elencado com o n.º 35) possa reportar-se aos dois reportes de incumprimento pós-retransmissão do crédito, pois atento o longo histórico de incumprimentos no âmbito do contrato em apreço, esse receio não é imputável a qualquer atuação da R., a nenhuma conduta que lhe seja imputável, mas sim à própria A bem como às atuações casuísticas e não programadas que mensalmente se repetem para prover ao pagamento da prestação.
23. Não pode aceitar-se que os únicos factos provados sejam suscetíveis de causar lesão do crédito ou bom-nome da AA, perante todo o histórico de incumprimento contratual inequivocamente evidenciado no documento n.º 92 junto à PI.
24. Não se demonstra, também, e em qualquer caso, o nexo de causalidade para a necessária imputação, pelo que a pretensão dos AA, sequer, a reconhecida à A. Na sentença recorrida, não pode senão ser totalmente desatendida.
25. Ainda que, em tese, não possa deixar de reconhecer-se o direito ao bom nome e à sua tutela, entende-se que a exigência de uma indemnização pela A, que ao longo dos anos não tem revelado uma atuação estritamente cumpridora das suas obrigações legais e contratuais (das assumidas com a R., mas também, designadamente, das suas obrigações fiscais), se configura como um ato abusivo, contrário aos ditames da boa-fé.
26. A A procura tirar partido de uma atuação isolada da R., mesmo quando esta evidenciou uma preocupação comprovada no sentido de não causar dano aos AA, fazendo a correta imputação de todos os valores pagos,
27. Consubstancia, a pretensão da A / dos AA um exercício inadmissível da sua posição jurídica, um manifesto abuso do direito, que nessa medida não poderá, em qualquer caso, ser-lhe reconhecida nem merecer tutela ou proteção do Direito e dos Tribunais – artigo 334.º do Código Civil.
28. Sem de forma alguma conceder, e por mera cautela de patrocínio, as meras preocupações e embaraços não dão lugar a indemnização, e não pode deixar de entender-se que as preocupações e embaraços invocados pela A têm enquadramento na sua própria história e modus vivendi.
29. As duas situações de reporte de incumprimento, ainda que indesejáveis não tendo correspondência com efetiva situação de incumprimento contratual, não foram inéditas, chocantes e surpreendentes para a A, não sendo merecedoras da tutela do direito, nem causa atendível para qualquer compensação, que se entende deve ser totalmente revogada.
30. Sem de forma alguma conceder, é por demais evidente que a compensação arbitrada à A, da responsabilidade da R. recorrente, é absolutamente exagerada e, com o devido respeito, descabida, face à jurisprudência sobre a matéria, e estabelecendo a avaliação equitativa da medida de uma reparação, é por demais evidente que a avaliação feita na douta sentença recorrida é largamente excessiva, e deve inevitavelmente, em qualquer caso e por cautela, ser revogada.
31. A decisão recorrida mostra-se assim violadora, entre outras, das seguintes disposições legais:
DL 133/2009, de 2/6
Artigos 334.º, 342.º, n.º 1, 364.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 487.º do Código Civil
Artigo 607.º, n.º 5, do CPC
DL 453/99, de 5/11
Termos em que, e nos demais de Direito, que V. Exªs doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, e em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que absolva o R. Recorrente de todos os pedidos contra si formulados, anulando a condenação, ainda que meramente parcial, de que foi alvo, bem como das custas processuais, pois só assim se decidirá em conformidade com o Direito e na boa aplicação da Justiça!».
*
O recurso apresentado pelos Autores AA e BB continha as seguintes conclusões:
«1 – Os ora Recorrentes não se conformam com a douta decisão proferida, relativamente à absolvição das R.R. no pedido deduzido pelo A BB, ao quantum indemnizatório fixado na douta sentença e à absolvição da R. Banco do pedido de condenação por litigância de má-fé, considerando que as provas produzidas foram, relativamente a estas questões, valoradas de forma errónea, sendo que estas, com uma correcta apreciação, impunham decisão diversa relativamente aos pontos concretos objecto do presente recurso.
2 – Pelo que dela interpõem o presente recurso em que impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto por existirem factos incorretamente julgados, os quais, com base no depoimento da testemunha CC, que foi prestado de uma forma clara e coerente, e nos documentos juntos aos autos impunham uma decisão diferente da recorrida.
3 – Deviam ter sido dado como provados os seguintes factos ”(…) c) Que o Autor BB tivesse ficado sem poder utilizar os seus cartões, pedir financiamentos ou utilizar cheques. d) Que o Autor BB tivesse ficado preocupado, ansioso e envergonhado com esta situação (…)” – que foram incorrectamente dados como não provados.
4 – Com fundamento no depoimento da testemunha CC (gravado através da aplicação Habilus, assinalado na acta com início às 10.22h e fim à 11.14h, e com o número de ficheiro 20221206102203_2951767_2871699, aos minutos 12:24-13:42, 14:54-15:32, 15:56-16:38 e 18:36-21:31) devia o douto Tribunal recorrido ter sido dado como provado que o Autor BB tivesse ficado sem poder utilizar os seus cartões, pedir financiamentos ou utilizar cheques e que o Autor BB tivesse ficado preocupado e ansioso com esta situação.
5 – O Douto Tribunal recorrido não valorou devidamente a totalidade do testemunho de CC, tendo baseou a sua convicção apenas em parte e excertos do seu depoimento.
6 – Não atendeu o Doutro Tribunal recorrido a tudo o que a testemunha disse relativamente ao A BB e, nomeadamente:
- “(…) e isso causou-nos muita ansiedade e muito mau estar, pronto.(…)”;
- “(…) Fizemos um acordo entre todos, precisamente para cumprir, que era e sempre foi a nossa intenção cumprir. (…)”;
- “(…) sou sincera a gente chega a uma altura que até tem medo. Eu se pensasse em comprar carro, eu primeiro ia consultar como é que estava a minha situação no Banco de Portugal e depois ia pedir o empréstimo para não ser recusado, só para não passar pela situação outra vez, é recusado porque o seu nome está em incumprimento.(…)”;
- “(…) É o transtorno disto tudo, destes anos todos, é o não saber ainda se fica mesmo resolvido porque nós temos sempre receio que de um momento para o outro possa haver outra vez um incumprimento (…)”;
-“(…) Há-de ter tido muitos dissabores e teve muitos também, nas contas e teve a vida dele que não foi fácil, é assim, mesmo a nossa vida tornou-se um bocado complicada, até o nosso diálogo porque era tudo um acartar de situações que começou a cansar, começou a deixar-nos esgotados, já nem havia paciência para falar das coisas (…)”;
-“(…) Sempre, o BB sempre tentou mas o BB tinha rendimentos baixos e não podia fazer milagres.
Lá está, ele sempre que precisasse de mais um bocadinho estava sempre impedido do fazer, um cartão de crédito também não o conseguia. A empresa familiar fechou com a situação em que fechou e ele sempre foi um homem de trabalho, felizmente, ele esteve ali cinco ou seis meses no desemprego e depois começou a trabalhar, mas não tem grandes rendimentos, não tem um grande salário (…)”;
- “(…) A filha estava na universidade, se fizesse falta alguma coisa, ele também tinha essa necessidade e também não o conseguia nunca desbloquear por aí (…)”;
- “(…) Não, não, aliás podem ver o histórico dele no Banco de Portugal que não tem mais complicações, e ele já era casado há alguns aninhos antes disto acontecer e tinha a vida dele já autónoma e independente dos pais há muitos anos e não tinha e nunca teve no Banco de Portugal em incumprimento (…)”.
7 – A testemunha CC deu maior enfase aos danos sofridos pela Autora AA, por esta ter chamado a si a condução de toda a situação, por ter assumido o controlo do crédito, dos pagamentos e das diligências a realizar, entendendo que “como Mulher” esta sentia todas as situações e problemas decorrentes do comportamento das R.R. de uma forma mais intensa, com uma maior sensibilidade.
8 – Mas não negou, nem deixou de concretizar todos os danos que o Autor BB, seu ex-marido e com que se encontra reconciliada, sofreu.
9 – Sempre que a testemunha CC falava em “nós” obviamente que se referia a ela, a seu ex-marido BB e a sua cunhada AA, ora Autores, que estavam todos na mesma situação, com os mesmos receios, problemas e dificuldades.
10 – A testemunha declarou de forma clara e sem reservas que o A BB nunca teve nenhuma divida, nem qualquer incumprimento antes de 2009, que nunca tinha tido o nome no mapa do Banco de Portugal, que sempre tiveram intenção de cumprir o crédito, que a vida do BB não foi fácil, que sempre foi um homem de trabalho, que tinha baixo ordenado e rendimentos, que sempre tentou ajudar com as despesas dos filhos, tanto mais que tinha uma filha na universidade e que tinha necessidade de usar o cartão, o que não conseguia por causa da informação no Banco de Portugal.
11 – Referiu expressamente a testemunha que esta situação lhes causou grande ansiedade e mau estar, que tinham receio e medo da situação e que esta se repetisse, que não queriam passar pela situação de lhes dizerem que eram incumpridores, que afectou a vida deles como casal, estavam esgotados, sem paciência para falar sobre as coisas, cansados, sempre a viver com a incerteza de precisarem de usar os cartões de crédito para suportar as despesas com a filha na universidade e não o poderem fazer.
12 – Se é certo que a AA teve um papel mais ativo na resolução da situação com as RR, tal facto não quer dizer que o A BB não tivesse sido prejudicado pelos comportamentos e situações criadas pelas RR.
13 – Entendeu o Douto Tribunal que “(…) porquanto decorre das regras da experiência comum que quanto maior a afetação com determinada situação, maior a reação e o certo é que a Autora, pessoalmente e por via da sua mandatária, manteve permanente e incessante contacto com as Rés, procurando sempre reverter a situação, o que se extrai da panóplia de mensagens de correio eletrónico e de cartas juntas aos autos com a petição inicial, designadamente as juntas sob a forma de doc. 24, 25, 26, 27, 28, 34, 37, 47, 51, 61, 62, 78, 83, 90 e 98 (…)”.
14 – Ora, todas as diligências que foram levadas a cabo juntos das RR pela mandatária, as cartas enviadas, os emails trocados, foram em representação de ambos os AA e não só da AA., como se verifica pela procuração constante do doc. 10 junto com a petição inicial.
15 – Também o A BB pretendeu reverter a situação e manteve contacto com as RR com esse objetivo, não pessoalmente devido à sua situação profissional, mas através da sua mandatária e que são enumeradas no excerto anterior.
16 – Resultou provado nos pontos 1 a 3, 5, 14, 17 a 25 e 27 a 32 e dúvidas não restam, assim, da intervenção do Autor BB em toda a situação desde a celebração do crédito e empréstimo em 2009 e das consequências dos comportamentos das RR na vida do Autor BB.
17 – Se o Douto Tribunal recorrido tivesse correctamente julgado provado “que o Autor BB tivesse ficado sem poder utilizar os seus cartões, pedir financiamentos ou utilizar cheques e que o Autor BB tivesse ficado preocupado e ansioso com esta situação”, teria de considerar que os factos descritos na citação anterior, consubstanciavam o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual também relativamente ao Autor BB, colocando-o em situação em tudo idêntica à da Autora AA.
18 – Também relativamente à 2ª R. também não há dúvida que praticou um facto ilícito, uma vez que resultou provado que foi ela a autora da comunicação efetuada ao Banco de Portugal com referência a Fevereiro de 2017, não cumpriu com o seu dever de confirmar a idoneidade da informação que prestava e a obrigação de solicitar à 1.ª Ré informação pormenorizada sobre o estado e valores do crédito em causa.
19 – Com estes comportamentos as RR praticaram um facto ilícito com a difusão de factos inverídicos, o ataque ao crédito e bom nome e a expressa violação do dever de diligência, cuidado e respeito consciencioso pelos interesses dos seus clientes (bancários).
20 – E as RR praticaram esse ilícito não só contra a Autora AA, mas também contra o Autor BB, que também foi visado na difusão de factos inverídicos, viu o seu crédito e bom nome afectados e foram violados os seus direitos e interesses como cliente bancário.
21 – Entendeu o douto Tribunal recorrido que :”(…) o embaraço, a angústia e a vergonha sentidos pela Autora traduzem um sofrimento psicológico que atinge bens imateriais como a saúde e o bem-estar da Autora, a justificar compensação. Mas não só. A Autora viu ser depreciada a sua imagem pessoal e a confiança na sua capacidade para cumprir as suas obrigações, designadamente junto de outras instituições de crédito (no caso, o Banco), o que afeta também, de modo expressivo, a sua reputação e bom-nome, assim como o seu crédito pessoal.
22 – O mesmo entendimento tem de ser estendido ao Autor BB, pois também ele sentiu incerteza, angustia, vergonha e embaraço, viu depreciada a sua imagem pessoal e a sua confiança no cumprimento das suas obrigações, que afectaram com relevância, a sua reputação e bom nome e que se traduziram num sofrimento psicológico que atingiu a sua saúde e o seu bem-estar.
23 – Também o Autor BB tem o direito à indemnização pelos danos não patrimoniais causados pelas condutas graves das RR, devendo as 1ª e 2ª RR ser condenadas no respetivo pagamento.
24 – Atendendo aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor BB, que se prolongaram durante um período de tempo alargado, ao grau de culpa da 1ª e 2ª RR. parece razoável o pedido formulado na petição inicial.
25 – Deve, assim, a 1ª. R. ser condenada no pagamento ao Autor BB de indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior à quantia de 25.000€ e a 2ª R. ser condenada no pagamento ao Autor BB de indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior à quantia de € 15.000,00.
26 – Não podem os Recorrentes aceitar o quantum indemnizatório fixado na Douta sentença recorrida.
27 – Decidiu o Douto Tribunal recorrido, muito bem, pela existência, sem margem de dúvidas do direito de indemnização pelos danos não patrimoniais invocados e peticionados da Autora AA, o que entendemos e propugnámos acima, deve ser estendido ao Autor BB.
28 – Para alcançar o quantum indemnizatório, a fixar com recurso à equidade, começou o Douto Tribunal recorrido por analisar a culpa das Rés.
29 – Quanto à 2ª. Ré concluiu o Douto tribunal recorrido que “(…) Provou-se que a 2.ª Ré efetuou comunicação de incumprimento relativa a fevereiro de 2017, o que perdurou até abril de 2017, mas foi também neste mês de abril que foi alertada pela mandatária dos Autores para a situação, o que fez com que no próprio mês cessasse a comunicação de incumprimento. Atuou negligentemente, em violação de um dever de cuidado que a lei lhe impunha. Mas, no global, a sua culpa não se fixa em grau elevado (…)”.
30 – Em relação à 1ª. R. entendeu o Douto Tribunal recorrido que: (…) O mesmo já não sucede com a 1.ª Ré, que atuou com manifesta falta de cuidado ao ceder um crédito que, naquele momento, se encontrava em cumprimento, como se de um crédito incumprido se tratasse. Após a retransmissão do crédito não imputa os valores pagos à 2.ª Ré (que não podia ignorar porquanto foram considerados, ainda que globalmente, na escritura) e permite que o crédito seja nova e indevidamente considerado como estando em incumprimento e, mesmo depois de alertada para a situação (em 27/11/2018), não se apressou a corrigir a situação, continuando a comunicar incumprimento à CRC do Banco de Portugal, o que sucedeu até fevereiro de 2019. Se se admite que a atuação da 1.ª Ré possa ter começado por negligência, o mesmo já não se pode afirmar quanto às comunicações efetuadas a partir de 27/11/2019.
O seu grau de culpa não é, pois, diminuto.(…)”“(…) Por outro lado, há que atender a que as 1.ª e 2.ª Rés são respetivamente uma entidade bancária e uma sociedade de titularização de créditos, que operam no mercado e a quem cabe um particular dever de diligência e cuidado, necessariamente dotadas de organização empresarial e dos meios necessários para responder em condições apropriadas de qualidade e eficiência.(…)”
31 – Para apurar o quantum indemnizatório a fixar foi o Douto Tribunal recorrido “apurar os valores que os Tribunais Superiores têm atribuído em casos semelhantes (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil)”, fazendo menção a vários Acórdãos proferidos e aos valores fixados.”
32 – Ora, não podem os Recorrentes concordar com a “limitação” dos valores indemnizatórios a fixar neste caso concreto por referência aos casos referidos!
33 – Efectivamente, as circunstâncias concretas do caso em apreço são bastante mais gravosas que todas aquelas a que dizem respeito os Acórdãos referidos na Douta sentença recorrida.
34 – No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/09/2017, processo n.º 15249/15.... foi fixado o valor de indemnização em € 5.000,00, pela comunicação ao Banco de Portugal e inclusão indevida na base de dados de incumpridores por apenas duas semanas e tendo o Autor registado no sistema um incumprimento em relação a outro Banco!
35 –No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/10/2018, processo n.º 900/17...., certamente por mero lapso, refere o Douto Tribunal recorrido que este Acórdão fixou o valor da indemnização em € 6.000,00, quando este é o valor fixado pelo Tribunal a quo e objecto de recurso.
36 – Neste Acórdão foi fixado o valor de indemnização em € 12.000,00, para cada um dos Autores, além da condenação no pagamento das despesas de patrocino que não estejam englobadas nas despesas de custas de parte, por um ano de inclusão indevida na base de dados de incumpridores!
37 – Como é entendimento unanime na Jurisprudência e Doutrina, o valor da indemnização deve ser calculado com recurso a critérios de equidade, consoante as circunstâncias concretas de cada caso, de modo a fazer a justiça no caso concreto.
38 – Se analisarmos as circunstâncias concretas do presente caso, que foram dados como provados nos pontos 3, 5, 12, 13, 14, 15, 17, 19, 20, 21, 22 e 24 a 32, verificamos que os Autores estavam a cumprir com o pagamento das prestações do seu crédito quando, em final de 2016, o crédito foi cedido à 2ª R. como empréstimo vencido, o que teve como consequência a comunicação ao Banco de Portugal e a inclusão do nome dos Autores como incumpridores até final de Abril de 2017, que os Autores durante o período de cessão pagaram mensalmente a prestação, que quando o crédito foi retransmitido não foi levado em conta as quantias pagas pelos Autores, que o crédito foi considerado em incumprimento desde a data da cessão, que o crédito foi afeto à Direção de Reparação de Crédito com ameaça de acção judicial e integração no PERSI, que constou a informação de que o crédito esteve em incumprimento desde dezembro de 2018 a 18/2/2019, que em Março de 2019 o crédito constava no mapa de responsabilidades como renegociação por incumprimento, que em outubro de 2019 voltou a constar como renegociação por incumprimento.
39 – A gravidade do comportamento das R.R., o elevado grau de culpa, a grave violação dos deveres de diligência e cuidado das R.R. que são entidades reputadas no mercado, dotadas de meios para prestar um serviço de qualidade aos seus Clientes, e as circunstâncias deste caso concreto não se assemelham a nenhum dos casos referidos na Douta sentença, sendo muito graves!
40 – Estas circunstâncias concretas deveriam ter sido levadas em conta na fixação do quantum indemnizatório, o que não aconteceu.
41 – Mantêm os Autores, como razoável e equitativo, o pedido formulado na petição inicial, devendo, assim, a 1ª. R. ser condenada no pagamento a cada um dos Autores da indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior à quantia de € 25.000,00 e a 2ª R. ser condenada no pagamento a cada um dos Autores por danos não patrimoniais, em valor não inferior à quantia de € 15.000,00.
42 – Atenta a posição apresentada pela 1ª R. na sua contestação, entenderam os Autores que a 1ª R. deduziu oposição cuja falta de fundamento não ignora, omitindo factos relevantes para a decisão da causa, distorcendo os factos e a verdade, fazendo deste meio processual um uso reprovável, com dolo ou pelo menos com negligência grave e deduziram pedido de condenação por litigância de má-fé em multa e indemnização em montante inferior a € 5.000,00.
43 – Na sua contestação, a 1ª R. contradisse, negou e impugnou factos e documentos que aceita mais à frente, impugnou emails e cartas elaboradas pelos seus próprios serviços e enviadas para os Autores, alterou a verdade dos factos esquecendo que as Co-RR juntaram aos autos documentos que comprovaram como decorreu a relação de cessão e retransmissão do crédito e dos quais facilmente se retira a responsabilidade da 1ª R..
44 – No artº 34 da contestação, a 1ª R. impugnou, entre outros, os factos constantes dos artigos 46º, 48º, 52º a 66º da p.i, bem como os documentos para que remetem, estando nestes artigos a alegação pelos Autores dos pagamentos efectuados após a cessão de créditos à 2ª e 3ª R.R. e os documentos que os comprovam … pagamentos estes que mais tarde reconhece no artigo 43º da contestação.
45 – Só por má-fé clara e inegável pode a 1ª R. alegar desconhecimento dos pagamentos efectuados pelos Autores, uma vez que estes lhe enviaram todos os comprovativos imediatamente assim que ocorreu a retransmissão e quando as co-RR juntaram aos autos os documentos comprovativos da devolução à 1ª R. das quantias € 35.560,00!!!- artigo 42º da contestação apresentada pelas 2ª e 3ª RR.
46 – Na escritura de retransmissão de créditos, junta como Doc. 4 junto com a contestação das 2ª e 3ª RR, no ponto 3 do anexo I que “Relativamente aos créditos ora recomprados pelo Banco, a A... recebeu na presente data seja do Banco, seja dos respectivos devedores, o montante de € 40.547,30 (quarenta mil, quinhentos e quarenta e sete euros e trinta cêntimos), o qual foi compensado no montante acima referido a pagar pelo Banco à A... pelos créditos retransmitidos.”
47 – A 1ª R. alegou desconhecimento desses factos quando, atendendo ao teor da escritura de retransmissão de crédito, eram factos pessoais e do qual não pode alegar desconhecimento!
Para ser sancionado não é necessário demonstrar que o litigante tinha consciência de não ter razão, sendo suficiente a demonstração de lhe ser exigível essa consciencialização e de não ter usado a diligência que devia para desfazer o seu erro.
48 – Atendendo aos documentos juntos aos autos pelos Autores, aos documentos juntos aos autos pelas próprias R.R., incluindo a posição apresentada na sua contestação pela 2ª R. que contradiz a tese apresentada pela 1ª R., encontra-se claramente demonstrado que a 1ª R. deduziu oposição sem fundamento e alterou a verdade dos factos ou que era exigível que tivesse consciência de que estava a deduzir oposição sem fundamento e estava a alterar a verdade dos factos.
49 – O próprio Tribunal recorrido reconheceu que a 1ª R. impugnou factos sem fundamento.
50 – Apesar de toda a prova carreada para os autos pelos Autores e ao arrepio de toda a prova produzida, continuou a 1ª R. a pretender catalogar os Autores como devedores e incumpridores, o que sabia ou devia saber não corresponder à verdade.
51 – Toda essa defesa, sem fundamento real, com o único objetivo de desacreditar os Autores, para assim beneficiar de uma redução do valor da eventual indemnização a que fosse condenada.
52 – A 1ª R. uma instituição complexa, com elevado nível de profissionalismo e não pode a sua estrutura complexa e com muitos funcionários e responsáveis ser a “desculpa” para as suas atuações.
53 – O argumento defendido pelo Douto Tribunal recorrido não pode ser aceite, nem a decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo ser decidido que a 1ª R. litigou com má-fé, devendo ser condenada como tal nos termos peticionados.
54 – Relativamente ao objeto do presente recurso, crê a recorrente que a prova produzida não foi, salvo o muito respeito e apreço que nos merece o Tribunal recorrido, devidamente valorada e considerada, tendo ocorrido erro notório e grave na apreciação da prova.
55 – Ao decidir como decidiu a Douta sentença recorrida viola a Lei, a Jurisprudência e a Doutrina dominante.
56 – Ao decidir como decidiu, a Douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 25.º, n.º 1, da CRP, artigos 70.º, 72.º, 342.º, n.º 1, artigos 483.º, 484.º, 486.º, 487.º, n.º 1, 496.º, 563.º, 566.º, 570.º, 799.º do Código Civil, 496.º, 542.º, 543.º, 607.º, n.º 5, 608.º do C.P.C, artigos 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC), constante do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na versão em vigor introduzida pela Lei n.º 50/2020, de 31/08.
57 – Deve, pois, a sentença recorrida ser substituída por outra que considere como provado que o Autor BB tivesse ficado sem poder utilizar os seus cartões, pedir financiamentos ou utilizar cheques e que o Autor BB tivesse ficado preocupado e ansioso com esta situação, factos que foram incorretamente dados como não provados, consequentemente decidida que o Autor BB tem direito à indemnização pelos danos não patrimoniais causados pelas condutas graves das R.R., devendo a 1ª. R. ser condenada no pagamento a cada um dos Autores da indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior à quantia de € 25.000,00 e a 2ª R. ser condenada no pagamento a cada um dos Autores por danos não patrimoniais, em valor não inferior à quantia de € 15.000,00, mais sendo decidido que a 1ª R. litigou com má-fé, devendo ser condenada como tal nos termos peticionados, para que se faça Justiça».
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Houve lugar a resposta da “Caixa Económica (…)”, que pugnou pela improcedência do recurso apresentado pela parte activa.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
1) Erro na fixação dos factos.
2) Erro na apreciação do direito.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Factos provados:
Após o julgamento e discussão da causa, e com interesse para a decisão das questões enunciadas, provaram-se os seguintes factos:
1) Em 13/04/2009, perante notária, foi assinado um escrito denominado venda, empréstimo com hipoteca e fiança, no qual os Autores e os seus cônjuges à data, DD e CC, bem como o irmão, GG, compraram a HH e mulher II, pelo valor de € 115.000,00 a fracção autónoma designada pela Letra ..., correspondente ao ..., destinado a habitação e arrecadação n.º 2 no sótão, que faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., ... em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...13.
2) Pelo mesmo escrito, os Autores, os seus cônjuges à data, o irmão GG e a 1ª Ré celebraram contrato que denominaram de mútuo com hipoteca, nos termos do qual os primeiros recorriam à linha de crédito à habitação da 1.ª Ré, confessando-se solidariamente devedores da 1.ª Ré da quantia de € 115.000,00, que se comprometeram a pagar com juros mensalmente.
3) Em dezembro de 2016, o crédito estava com as prestações em dia/a ser cumprido pelos Autores.
4) Por escrito denominado contrato de venda de créditos, datado de 30/12/2016, a 1.ª Ré declarou ceder a “C..., SA”, que declarou aceitar, o referido crédito.
5) Em Fevereiro de 2017, o crédito estava com as prestações em dia/a ser cumprido pelos Autores, sendo o capital em dívida de € 98.560,65.
6) Por escrito denominado notificação da cessão da posição contratual, datado de 24/02/2017, assinado pelas 1.ª e 2.ª Rés e pela “C..., SA”, esta designou a 2.ª Ré, sociedade de titularização de créditos, como adquirente da sua posição contratual no negócio outorgado em 30/12/2016, tendo as 1.ª e 2.ª Rés declarado concordar.
7) Segundo acordado entre os outorgantes, o portefólio de créditos cedidos era integralmente constituído por empréstimos vencidos, cujos dados foram importados para o sistema informático utilizado pela 3.ª Ré de um ficheiro remetido pela 1.ª Ré.
8) A 2.ª Ré contratou a 3.ª Ré para efectuar a gestão do crédito dos Autores (nomeação aprovada pela CMVM em 16/02/2017), o que esta fez.
9) No final do mês de Março de 2017, a Autora AA fez uma proposta de aquisição de um veículo, com recurso a financiamento, num stand de automóveis, para substituir o seu veículo.
10) Foi informada pelo stand que não podia recorrer ao financiamento para a compra do veículo porque o seu nome constava na lista de clientes de risco no Banco de Portugal.
11) A Autora contactou então com o seu gestor de conta no BPI, que lhe transmitiu que além de não lhe poder ser concedido o financiamento, teria de entregar os cartões de crédito e cheques que tivesse em seu poder, uma vez que constava no mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal como incumpridora.
12) No mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal da Autora AA, referente a 28/02/2017, consta a informação que o referido crédito à habitação se encontrava vencido em litígio judicial, com incumprimento de 36 até 48 meses, com o saldo de € 105.112,00 e um descoberto em depósitos à ordem, com o saldo de € 1.323,00 também vencido há mais de 36 até 48 meses.
13) A informação referida no ponto precedente foi comunicada ao Banco de Portugal pela 2.ª Ré.
14) A comunicação de incumprimento do crédito dos Autores à Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal permaneceu pelo menos até ao final de Abril de 2017.
15) Desde o final de Março de 2017 até ao final de Abril de 2017, a Autora AA ficou sem poder utilizar o cartão de crédito que habitualmente utilizava.
16) A Autora AA ficou preocupada, ansiosa e envergonhada com esta situação.
17) Por mensagens de correio eletrónico de 05/04/2017, 10/04/2017 (insistência), 19/04/2017, 27/04/2017 e 28/04/2017 foi pela mandatária dos Autores solicitado à 3.ª Ré a retificação do reporte de incumprimento ao Banco de Portugal.
18) No dia 27/04/2017, a 3.ª Ré informou a mandatária dos Autores que já tinham tido a informação de que o crédito estava em cumprimento à data da cessão.
19) E no dia 28/04/2017 a 3.ª Ré informou a mandatária dos Autores que tinha solicitado ao departamento competente a retirada urgente do reporte ao Banco de Portugal.
20) Durante o período em que o crédito esteve cedido, os Autores efectuaram o pagamento mensal de € 360,00 à 2.ª Ré.
21) No dia 08/11/2018 no Cartório Notarial ..., as 1.ª e 2.ª Rés declararam acordar, além do mais, proceder à retransmissão do crédito dos Autores da 2.ª para a 1.ª Ré, sendo o valor a pagar pela 1.ª à 2.ª Ré de € 89.787,73, correspondente ao valor de retransmissão de € 125.305,86 e de despesas de € 5.029,17, já deduzindo o valor de € 40.547,30.
22) O valor deduzido contemplava os valores que os Autores pagaram diretamente à cessionária entre 09/03/2017 e 12/10/2018.
23) Por carta datada de 15/11/2018, a 2.ª Ré comunicou aos Autores que tinha procedido à retransmissão à 1.ª Ré do crédito dos Autores, devendo estes passar a efetuar os pagamentos àquela e com ela tratar de qualquer questão relativa ao crédito.
24) Por carta remetida pela 1.ª Ré aos Autores datada de 13/11/2018, foi comunicado que o montante de capital vincendo relativo ao contrato de mútuo em causa nos autos era de € 93.903,18 e que por insuficiência de saldo na conta n.º ... não foi possível proceder à regularização da totalidade dos montantes vencidos e que o contrato se encontrava em incumprimento há 611 dias, desde 13/03/2017.
25) No referido extracto foram discriminados como estando vencidas todas as prestações do crédito à habitação desde 13/03/2017, com juros remuneratórios e acrescida de juros moratórios, ascendendo o total em dívida, naquela data, ao montante de € 7.784,77.
26) Por carta datada de 22/11/2018, a 1.ª Ré comunicou à Autora que o contrato tinha sido afecto à Direcção de Recuperação de Crédito e solicitou o pagamento até 06/12/2018 de € 7.781,15 de modo a evitar instaurar acção judicial, mais informando que se encontrava obrigada a comunicar ao Banco de Portugal as situações de incumprimento que ocorram.
27) No dia 24/11/2018, os Autores receberam uma carta da 1.ª Ré a informar que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas foram integrados no Processo Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
28) Em 27/11/2018 e 04/12/2018, a mandatária dos Autores enviou mensagem de correio eletrónico à Direcção de Recuperação de Crédito da 1.ª Ré a comunicar que o crédito estava a ser pontualmente cumprido, tendo as prestações mensais sido pagas à A..., SA durante o período da cessão, não havendo qualquer quantia em dívida, mensagens que não foram respondidas.
29) No mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal, referente a este crédito e a Dezembro de 2018, constava a informação relativa ao tipo de negociação “totalmente nova”, sendo o valor total em dívida de € 100.786,00, dos quais em incumprimento € 7.100,00 desde 10/11/2018, comunicação efetuada pela 1.ª Ré.
30) No mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal constou a informação de que o crédito estava em incumprimento desde Dezembro de 2018 a 18/02/2019, por comunicação da 1.ª Ré.
31) Em Março de 2019, no mapa de responsabilidades do Banco de Portugal no tipo de negociação aparecia renegociação por incumprimento.
32) Em Outubro de 2019, voltou a constar no mapa de responsabilidade do Banco de Portugal, a informação dada pela 1.ª Ré de renegociação por incumprimento.
33) Por força das comunicações de dívida ao Banco de Portugal supra referidas, a Autora AA sentiu angústia, embaraço e vergonha.
34) Igual vergonha sentiu quando o seu gestor de conta do BPI lhe telefonou e informar que não lhe podia ser concedido crédito por constar como incumpridora na Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal.
35) Sentiu também medo de a todo o momento poder voltar a constar da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal como incumpridora.
36)[1]Foram pagas com atraso as prestações devidas à 1ª R. nos termos do contrato referido em 2) vencidas em 2009/05/13, 2009/11/13, 2011/03/13, 2012/05/13, 2013/01/13, 2013/04/13, 2013/07/13, 2016/03/13, 2016/04/13, 2016/05/13, 2016/06/13 e 2016/09/13.
37)[2]Não foram pagas nas respectivas datas de vencimento as prestações devidas à 1ª R. nos termos do contrato referido em 2) vencidas dos dias 2013/10/13 até 2015/04/13, ambos inclusive, e todas vieram a ser liquidadas em 2015/05/04.
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3.2 – Factos não provados[3]:
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
a) Que em Abril de 2015 o crédito estivesse a ser cumprido.
b) Que por força da comunicação à Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal os Autores não conseguissem movimentar as suas contas.
c) Que o Autor BB tivesse ficado sem poder utilizar os seus cartões, pedir financiamentos ou utilizar cheques.
d) Que o Autor BB tivesse ficado preocupado, ansioso e envergonhado com esta situação.
e) Que aquando da retransmissão do crédito a 1.ª Ré não tivesse informação dos valores pagos pelos Autores durante o período da cessão.
f) Que nos extractos mensais do crédito o montante de capital nunca coincidisse com o valor constante do mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal.
g) Que sempre que a Autora AA se dirigiu ao balcão da 1.ª Ré não tivesse sido recebida pelo gestor do seu crédito e nenhuma resposta lhe tivesse sido dada.
h) Que desde a data da cessão do crédito até novembro de 2018, as 2.ª e 3.ª Rés não tenham dado qualquer resposta às questões colocadas.
i) Que em Abril de 2019 a Autora tenha voltado a ficar sem poder utilizar o cartão de crédito.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da alteração da decisão de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de Primeira Instância que deu como provados (e não provados) certo facto pode ser alterado nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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Os Autores pretendem que os factos contidos nas als. c)[4] e d)[5] dos factos não provados passem a integrar o acervo dos factos provados e socorrem-se basicamente do depoimento da testemunha CC para promover a referida alteração.
A este respeito, na motivação da decisão, a Meritíssima Juíza de Direito firmou posição no sentido que: «não se provou que por força da comunicação ao Banco de Portugal os Autores não conseguissem movimentar as suas contas, o que não só não se afigura uma consequência típica daquela comunicação, à luz das regras de experiência comum, como foi pela própria Autora referido em declarações de parte que apenas os cartões de crédito deixaram de poder ser utilizados.
Também não foi produzida qualquer prova sobre a impossibilidade do Autor BB utilizar cartões de crédito ou pedir financiamentos, donde a não prova do facto».
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A Ré Caixa Económica (…) pretende a modificação da redacção dada aos pontos 4)[6], 21)[7], 22)[8], 29)[9] e 30)[10] dos factos provados e visa ainda que se considerem como não provados os factos indicados nos pontos 9)[11], 10)[12], 11)[13], 15)[14], 16)[15], 33)[16] e 34)[17] da factualidade provada. Contesta igualmente o interesse na fixação dos factos 31)[18] e 32)[19], mas cautelarmente apresenta uma versão ampliada desta realidade.
A discordância sobre a decisão de facto estriba-se na generalidade nos contributos prestados pelas testemunhas CC (CC), DD, nas próprias declarações de parte da Autora e em diversos suportes documentais e também nos testemunhos de EE e de FF.
A pretensão de modificação estende-se ainda à consagração de tese diferente daquela que consta da al. e)[20] dos factos não provados e à introdução de nova factualidade[21] [22] [23] [24] [25] [26].
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Foi ouvida toda a prova e a analisada a documentação presente nos autos.
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Quanto aos factos cuja redacção se seja alterada (como por exemplo a introdução da expressão «entre outros» ou a adição de elementos complementares de natureza bancária), a modificação pretendida não tem qualquer reflexo na decisão final e a versão adoptada pelo Tribunal a quo reflecte aquilo que é essencial para a justa resolução da causa. E é aqui de aplicar o princípio de que os recursos sobre a impugnação da matéria de facto têm sempre carácter ou natureza instrumental, devendo as questões submetidas à apreciação poder repercutir-se, de forma útil e efectiva, na decisão a proferir pelo Tribunal «ad quem», de modo alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto. De outro modo, no plano formal, não haverá interesse processual em promover a revisão dos factos controvertidos[27].
Neste particular os factos 31 e 32 são relevantes para a formulação do juízo silogístico em termos de responsabilidade civil e a proposta de alteração pelos motivos atrás assinalados é absolutamente inócua.
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Os Autores pretendem que os factos contidos nas als. c) e d) da matéria não provada passem a integrar o acervo dos factualidade provada. No entanto, ouvida a prova, a exemplo daquilo que consta da fundamentação da decisão de facto, não existe matéria que permita concluir pela existência de um erro na fixação dos factos provados.
Os Tribunais Superiores vem pugnando que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[28].
Na realidade, existe uma diferença entre o dano potencial e o prejuízo real. E, neste segmento, ao contrário daquilo que sucedeu com a Autora, onde existiam dados para fixar uma determinada privação associada à integração da lista de devedores de risco divulgada pelo Banco de Portugal, quanto ao Autor BB não se vislumbra qualquer sinal que este, em concreto, tivesse querido utilizar cartões de crédito, cheques ou outros meios de pagamento e que a colocação na lista de clientes bancários de risco lhe tivesse causado qualquer impacto ou estorvo psico-somático negativo.
Efectivamente, na leitura do Tribunal da Relação de Évora, após a análise interligada de todo o suporte magnetofónico, não se pode afirmar categoricamente que ocorreu um erro de avaliação da prova e que os contributos probatórios arregimentados na peça de recurso impunham uma solução diferente.
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A instituição bancária Ré pretende reverter um conjunto de factos com o argumento que a prova produzida não é credível, é auto-abonatória e os depoimentos justificadores foram colhidos junto de pessoas ligadas por laços familiares que deturparam a realidade em ordem a conseguirem um determinado resultado final.
A decisão recorrida faz uma análise pormenorizada da questão da tentativa de compra de um veículo, da impossibilidade da utilização de crédito, dos contactos mantidos com o Banco para que fosse revertida a situação e das consequências psicológicas que daí advieram para a Autora.
Interpretada toda a prova, embora se reconheça que a prova colhida junto do círculo familiar denota algum proteccionismo, existem declarações que claramente suportam a versão encontrada pela Primeira Instância. Mais, no plano das regras da experiência e da normalidade social não existe qualquer motivo para não valorar positivamente estas declarações ao nível dos danos, das sequelas psicológicas e das perturbações sofridas. Elas são normais em qualquer sujeito que seja indevidamente integrado numa lista de incumpridores e que sofra directamente alguma restrição concreta aos seus direitos.
Neste domínio, sem embargo do alegado proteccionismo, de igual forma, o Tribunal da Relação de Évora tem de valorar positivamente os depoimentos retirados à Autora, a DD e a CC e entender que estamos perante «“normais” e “prováveis” consequências da comunicação de incumprimento à CRC do Banco de Portugal». E a própria troca de correspondência electrónica com a instituição bancária serviu para filtrar todo este enquadramento.
Os contributos probatórios convocados na sentença são idóneos, suficientes e hábeis para determinar a prova dos factos apurados, à luz de presunções judiciais e das regras da normalidade social.
Se desconfiava que os cartões de crédito foram utilizados no período em causa ou não foram realizados pagamentos por razões de saldo ou motivação afim, enquanto instituição bancária, o Banco poderia recorrer a informações bancárias ou apresentar documentação comprovativa dessa realidade ou solicitar a intervenção do Tribunal em ordem a obter a pertinente pesquisa desses elementos.
Não basta para infirmar a tese inscrita nos factos cuja modificação se pretende que se recorra ao chavão que os testemunhos fundamentadores não são imparciais, firmes e escorreitos. A parte interessada tem de demonstrar a existência de um erro de julgamento.
Quanto à questão da retransmissão do crédito e à circunstância do Banco não ter informação dos valores pagos pelos Autores durante o período da cessão, a mesma não pode estar desvinculada daquilo que foi alegado na contestação e na própria evolução da situação em termos de registo na lista de cliente de risco do Banco de Portugal, donde não existe fundamento para promover a alteração. E, aliás, ao invés daquilo que pressupõe, o conhecimento da existência de pagamento e a manutenção da lista de incumprimento seria apenas fundamento para o agravamento da responsabilidade.
Neste segmento, o Tribunal de Recurso também não se convenceu de que, aquando da retransmissão do crédito, a 1.ª Ré não tivesse sido veiculada a informação atinente ao pagamento, devendo, por isso, manter-se a al. e) dos factos não provados.
Nesta lógica, a documentação e as prestações probatórias sugeridas para promover a modificação da decisão de factos nos termos pretendidos pelo Banco não lograram atingir os objectivos pretendidos.
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A Ré recorrente pretende ainda introduzir um conjunto de factos novos, mas alguns deles não têm qualquer relação com o pedido e com a causa de pedir, designadamente assim sucede com as matérias relacionadas com a compra da habitação, penhora e citação de credores em processo executivo.
E o mesmo sucede com a matéria do portefólio de créditos, que não assume qualquer relevo. Na verdade, o dever de diligência a que está sujeita implicaria que, no momento da cessão de créditos, existisse a certeza absoluta que ocorreria um incumprimento. E a referida tarefa de fiscalização e controlo é da estrita competência da instituição bancária cedente.
A consagração destes factos não teria qualquer efeito útil no desenho da acção ao nível do preenchimento dos elementos constitutivos da responsabilidade civil – ou, no lado inverso, da isenção ou da diminuição da culpa do Banco – e da fixação de algum quantum indemnizatório, a ser devido.
Sem embargo de não existir um coincidência temporal entre a comunicação ao Banco de Portugal e as pretéritas dívidas, aquilo que é certo é que a própria sentença faz apelo a esta realidade quando adianta que «não resultou provado que em abril de 2015 o crédito estivesse a ser cumprido».
Estes factos [iii e iv] mostram-se suficiente e inequivocamente demonstrados no documento 92 junto à petição inicial e revelam interesse na medida em que o historial de relacionamento no cumprimento do acordo poderá interessar à justa solução da causa, em determinado condicionalismo.
A inserção será feita directamente no texto dos factos provados, a negrito, a fim de permitir uma melhor percepção da alteração.
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Analisadas as impugnações sobre a matéria de facto, com excepção da matéria atrás aditada, verifica-se que não existe qualquer erro na definição da mesma e que a motivação individualiza com acerto os contributos que entendeu serem fundamentais na formação da convicção relativamente à prova dos factos em conflito, não existindo demonstração probatória de sentido contrário com a susceptibilidade de promover um julgamento diverso por parte do Tribunal da Relação de Évora.
A associação entre a prova gravada e os restantes meios de prova convocados na decisão permitem concluir que a matéria de facto corresponde assim à verdade processualmente adquirida, de acordo com um juízo de probabilidade muito séria e não de simples verossimilhança.
E, nesta ordem de ideias, com a ressalva acima expressa, sopesados todos os argumentos esgrimidos pela recorrente, da interpretação da audição de todo o suporte magnetofónico gravado e das demais provas presentes nos autos, a Meritíssima Juíza de Direito estava legitimada a decidir nos termos em que o fez.
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4.2 – Do erro de direito:
4.2.1 – Da responsabilidade civil:
No n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, estabelece-se que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação».
Tal categoria de direitos enquadra-se no âmbito dos denominados direitos absolutos, caracterizados pelo seu efeito “erga omnes”, de oponibilidade a todos os sujeitos.
Nas palavras de Heinrich Hörster, «absoluto não significa “ilimitado”, ou “isento de vinculações e deveres”, ou “incontrolado”, mas implica a exclusão de todos os outros acompanhada pela obrigação de não violar o respectivo direito subjectivo. Aos direitos absolutos corresponde assim uma obrigação passiva universal»[29].
A violação destes direitos é susceptível de fazer accionar o instituto da responsabilidade civil e são vários os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, como se extrai do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil:
a) o facto do agente ("um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma da conduta humana"[30] – que se pode traduzir numa acção ou omissão);
b) a ilicitude (ou antijuridicidade) que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjectivo) e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) o nexo de imputação do facto ao lesante ou culpa do agente, em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e que pode revestir a forma de dolo ou negligência;
d) o dano ou prejuízo;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
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Com referência aos artigos 70.º[31] e 484.º[32] do Código Civil, na situação em discussão estão presentes todos os pressupostos acima elencados e existe um quadro de responsabilidade civil associado a comunicação incorrecta à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
À luz do disposto nos artigos 73.º[33] e 74.º[34] do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-lei n.º 298/92, de 31/12), a comunicação incorrecta constitui uma violação grave dos deveres de diligência.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10, a Central de Responsabilidades de Crédito assegurada pelo Banco de Portugal, nos termos da sua Lei Orgânica, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31/01, tem por objecto:
a) Centralizar as responsabilidades efetivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou por quaisquer outras entidades que, sob qualquer forma, concedam crédito ou realizem operações análogas;
b) Divulgar a informação centralizada às entidades participantes;
c) Reunir informação necessária à avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia no âmbito de operações de política monetária e de crédito intradiário.
Este mecanismo visa permitir a avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia das operações e o registo centralizado dessas garantias destina-se a centralizar e difundir a informação recebida das entidades participantes sobre o endividamento dos seus clientes decorrente de operações de crédito.
Na esteira daquilo que é mencionado no acto sentencial recorrido, a primeira e segunda Rés, enquanto entidades participantes (sujeitas à supervisão do Banco de Portugal/incluídas na lista do Banco de Portugal, publicada e consultável em ... entidades.pdf), nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10, tinham a obrigação legal de comunicar ao Banco de Portugal todos os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, devendo comunicar os saldos no final de cada mês (n.º 2 do artigo 2.º).
Ocorre responsabilidade pela informação divulgada “das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões” (n.º 4 do artigo 2.º).
As primeira e segunda Rés tinham, pois, obrigação de comunicar ao Banco de Portugal a informação correcta e verdadeira sobre as responsabilidades decorrentes de obrigações de crédito, mas violaram essa vinculação. E, na realidade, embora não assuma as repercussões do seu comportamento, o recorrente Banco reconhece o seu comportamento indevido, ao assumir que «foi, assim, erradamente incluído o crédito dos AA. e demais mutuários».
Perscrutada a matéria de facto, a primeira Ré cedeu a sua posição como se de um crédito em incumprimento se tratasse e isso ditou que fosse comunicada uma dívida inexistente à Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal. E, após a retransmissão do crédito, este foi indevidamente considerado como estando em incumprimento, por não terem sido considerados os pagamentos efectuados durante o período em que o crédito esteve cedido. Foi imputada uma dívida de € 7.781,15 que se mostrava comprovadamente paga.
A primeira Ré foi alertada ainda no final de Novembro de 2018 para a existência de pagamentos por conta do crédito efetuados à A... e apenas em Fevereiro de 2019 foram aqueles valores imputados ao crédito e cessado o reporte de incumprimento ao Banco de Portugal.
Durante este período de 3 (três) meses foram registados danos na esfera jurídica da Autora AA, não tendo sido revertida a factualidade relacionada com o co-autor.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (n.º 2 do artigo 487.º[35] do Código Civil). E na presente situação, tanto o Banco, como a A..., ao negociarem a cessão de créditos e ao fazerem a retransmissão do mesmo teriam de adoptar os cuidados a que, segundo as circunstâncias, estavam obrigados e de que eram capazes, por saberem claramente que a inserção de dados incorrectos na Central de Dados do Banco de Portugal constitui um comportamento ilícito e que o mesmo é susceptível de causar prejuízo às pessoas afectadas com essa conduta, a qual tem subjacente a falta ou a deficiente fiscalização, controlo e monitorização do crédito concedido a terceiro.
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4.2.2– Do montante indemnizatório:
É incontroverso que a acção da Justiça visa essencialmente a pacificação social e a intervenção dos Tribunais assume uma natureza pedagógica e esta actividade tem como objectivo principal a solução dos conflitos de interesse de forma adequada, funcionando como um filtro da litigiosidade e assegurando o acesso à ordem jurídica de forma justa.
A exemplo da sentença recorrida, o Tribunal da Relação de Évora também entende que existe um dano não patrimonial que deve ser ressarcido e, neste campo, são ressarcíeis «os danos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito», proporcionando-se à vítima uma satisfação ou compensação económica (cfr. n.º 1 do artigo 496.º[36] do Código Civil).
A determinação do montante indemnizatório ou compensatório que corresponde a estes danos é calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se não só à extensão e à gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as demais circunstâncias que contribuam para uma solução justa e equilibrada do litígio.
Almeida e Costa entende «que os danos não patrimoniais, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo»[37] [38] [39] [40].
Conforme faz notar Pessoa Jorge, «na generosa formulação do artigo 496º do Código Civil, que confia ao legislador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custas, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ele se viu afectado»[41].
A jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça aponta igualmente para que o montante da indemnização seja proporcionado à gravidade do dano, objetivamente apreciado, e não à luz de critérios subjectivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
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Como dita a melhor jurisprudência «as angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo artigo 496.º do Código Civil»[42].
O juízo de equidade a que lei faz menção determina que o julgador tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida»[43].
A equidade na visão de Menezes Cordeiro visa ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas[44]. E está limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal[45].
O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Estamos num domínio em que claramente não nos devemos afastar dos padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, «procurando – até por uma questão de justiça relativa – uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º[46] do Código Civil, por forma a evitar exacerbações subjectivas»[47].
Neste campo, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas motrizes de actuação da equidade e a jurisprudência nacional tem ressarcido este tipo de lesado com valores variáveis entre € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e € 12.000,00 (doze mil euros)[48]. No presente julgamento foi atribuída a indemnização global de € 11.500,00 (onze mil e quinhentos euros).
Não se pode ignorar que as Rés (Banco e A...) que foram objecto de condenação correspondem a uma entidade bancária e a uma sociedade de titularização de créditos, «que operam no mercado e a quem cabe um particular dever de diligência e cuidado, necessariamente dotadas de organização empresarial e dos meios necessários para responder em condições apropriadas de qualidade e eficiência».
Assim, em conformidade com princípios de razoabilidade e justiça do caso concreto, tendo presente os factos apurados, cuja transcrição integral aqui se dispensa, o bom senso, a gravidade do caso e as demais circunstâncias anteriormente referidas determinam que os danos morais sofridos pela Autora sejam dignos de protecção legal, julgando-se absolutamente justa a indemnização devida pela “Caixa Económica (…), Caixa Económica Bancária, SA” no montante € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) e de € 3.000,00 (três mil euros) no caso da “A..., SA”.
A diferença indemnizatória é essencialmente balizada pelo grau de violação dos deveres que é superior no caso do Banco, tanto pelo grau de negligência, como pelo período em que a Autora constou da lista de clientes de risco. Com efeito, inicialmente, cedeu um crédito como se os devedores fossem relapsos e fez uma comunicação errada ao Banco de Portugal e esta falta de cuidado prosseguiu, quando, após a retransmissão do mesmo, não imputou os valores pagos pelos clientes bancários à segunda Ré, mantendo a ideia de incumprimento, mesmo depois de alertada para o efeito, fazendo perdurar esta situação para além dos limites admissíveis.
É certo que, como da resulta da modificação da decisão de facto, a Autora manteve alguns atrasos na regularização de pagamentos devidos pela contratação do mútuo, mas eles situam-se fora do espectro temporal aqui em discussão e nunca poderiam fundamentar o envio da comunicação de incumprimento.
Na dimensão finalística, a importância de tal factualidade cinge-se a afastar uma ideia que perpassava das entrelinhas do recurso proposto pela parte activa e que estava relacionada com o princípio do imaculado bom pagador, que, potencialmente, a ser verdadeiro poderia justificar o aumento da recompensa arbitrada. Outro tanto, a inserção dos novos factos acaba por não ter reflexos na diminuição do montante indemnizatório fixado, seja pela via directa da redução equitativa, seja através do recurso à salvaguarda do artigo 494.º[49] do Código Civil ou da culpa do lesado[50].
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4.2.3 – Do abuso de direito:
A recorrente Banco entende que a atribuição da indemnização constitui um caso de abuso de direito.
Alerte-se que não é qualquer atitude negocial que poderá ser enquadrada como uma situação de abuso de direito e a construção do raciocínio silogístico terá de ser realizada a partir do acervo factual apurado.
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme ressalta do disposto no artigo 334.º[51] do Código Civil.
Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado[52] [53] [54] [55] [56].
O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.
O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela[57].
Olhando para a situação a solucionar, partindo do crivo dos factos provados, temos de concluir que o lesado não agiu num quadro de abuso de direito.
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4.2.4 – Da litigância de má-fé:
Como diz Planiol[58] o direito cessa onde começa o abuso.
Menezes Cordeiro salienta que «o acto abusivo só formalmente pode parecer como praticado no âmbito do direito: uma vez que extravasa o sentido axiologicamente fixado para o direito em causa, é um acto “extradireito”, logo ilegítimo»[59].
Face ao postulado normativo do artigo 542.º do Código de Processo Civil, «diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
No Código de Processo Civil de 1967, era pacífico que só quem agisse com dolo poderia ser condenado como litigante de má fé, não se sancionando a lide temerária, entendida como a litigância violadora com culpa grave ou erro grosseiro das regras de conduta conformes com a boa fé.
Todavia, atentas as alterações introduzidas ao artigo 456.º do Código de Processo Civil, operadas pelos Decreto-Lei n.ºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, deve entender-se que a punição como litigante de má fé abrange quer as condutas dolosas, quer as condutas gravemente negligentes, numa patente tentativa de maior responsabilização das partes. Esta disciplina mantém exactamente os mesmos traços no Novo Código de Processo Civil.
A inobservância desses deveres (transparência, lealdade, informação, protecção e confiança) pode acarretar, entre outras consequências, sanções processuais de tipo repressivo.
O Tribunal recorrido entendeu que não estavam verificados os requisitos da litigância de má fé, sufragando o entendimento que a impugnação de factos, embora sem fundamento, pode não constituir uma actuação dolosa ou mesmo gravemente negligente.
Abrantes Geraldes opina que «a lei não pede a nenhuma das partes que se entregue, sem luta», mas, noutra perspectiva, «o processo não pode ser visto como um simples meio de eliminar as pretensões da contraparte, onde tudo valha, desde os ataques surpresa, aos comportamentos capciosos, às manobras de contra-informação, ao desgaste psicológico, à instrumentalização de meios postos ao serviço de todos, às condutas leais, às meras tácticas destinadas a vencer pela fadiga»[60].
Também a jurisprudência mais ilustrativa advoga que «não é, por exemplo, por se não ter provado a versão dos factos alegada pela parte e se ter provado a versão inversa, apresentada pela parte contrária, que se justifica, sem mais, a condenação da primeira como litigante de má-fé. A verdade revelada no processo é a verdade do convencimento do juiz, que sendo muito, não atinge, porém a certeza das verdades reveladas»[61].
Neste caso, está-se perante uma simples demanda de decaimento do ónus da prova e a situação detalhada nos autos não incorpora qualquer dolo ou negligência grosseira, devendo assim confirmar-se na íntegra a bem estruturada e fundamentada decisão recorrida.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedentes os recursos interpostos, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo das partes na proporção do respectivo decaimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 14/09/2023

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Canelas Brás

Vítor Sequinho dos Santos

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[1] O aditamento do facto resulta da operação de reavaliação da matéria de facto promovida no ponto 4.1 do presente acórdão.
[2] O aditamento do facto resulta da operação de reavaliação da matéria de facto promovida no ponto 4.1 do presente acórdão.
[3] Ficou consignado na sentença que: «os restantes factos alegados, não especificamente dados como provados ou não provados, ou são a repetição ou negação de outros já dados como provados na sua formulação positiva, ou são conclusivos (em termos factuais ou por encerrarem questões de Direito ou adjetivações), ou são instrumentais/probatórios ou são irrelevantes para a decisão (tais como a descrição de factos que consubstanciam danos patrimoniais, que não estão nesta ação a ser peticionados, ou a descrição de factos a que não é associado qualquer dano, ou a descrição de factos inconcludentes em si mesmos)».
[4] (c) Que o Autor BB tivesse ficado sem poder utilizar os seus cartões, pedir financiamentos ou utilizar cheques.
[5] (d) Que o Autor BB tivesse ficado preocupado, ansioso e envergonhado com esta situação.
[6] (4) Por escrito denominado contrato de venda de créditos, datado de 30/12/2016, a 1.ª Ré declarou ceder a “C..., SA”, que declarou aceitar, o referido crédito.
[7] (21) No dia 08/11/2018 no Cartório Notarial ..., as 1.ª e 2.ª Rés declararam acordar, além do mais, proceder à retransmissão do crédito dos Autores da 2.ª para a 1.ª Ré, sendo o valor a pagar pela 1.ª à 2.ª Ré de € 89.787,73, correspondente ao valor de retransmissão de € 125.305,86 e de despesas de € 5.029,17, já deduzindo o valor de € 40.547,30.
[8] (22) O valor deduzido contemplava os valores que os Autores pagaram diretamente à cessionária entre 09/03/2017 e 12/10/2018.
[9] (29) No mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal, referente a este crédito e a Dezembro de 2018, constava a informação relativa ao tipo de negociação “totalmente nova”, sendo o valor total em dívida de 100.786,00 €, dos quais em incumprimento 7.100,00 € desde 10/11/2018, comunicação efetuada pela 1.ª Ré.
[10] (30) No mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal constou a informação de que o crédito estava em incumprimento desde Dezembro de 2018 a 18/02/2019, por comunicação da 1.ª Ré.
[11] (9) No final do mês de Março de 2017, a Autora AA fez uma proposta de aquisição de um veículo, com recurso a financiamento, num stand de automóveis, para substituir o seu veículo.
[12] (10) Foi informada pelo stand que não podia recorrer ao financiamento para a compra do veículo porque o seu nome constava na lista de clientes de risco no Banco de Portugal.
[13] (11) A Autora contactou então com o seu gestor de conta no Banco, que lhe transmitiu que além de não lhe poder ser concedido o financiamento, teria de entregar os cartões de crédito e cheques que tivesse em seu poder, uma vez que constava no mapa da Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal como incumpridora.
[14] (15) Desde o final de Março de 2017 até ao final de Abril de 2017, a Autora AA ficou sem poder utilizar o cartão de crédito que habitualmente utilizava.
[15] (16) A Autora AA ficou preocupada, ansiosa e envergonhada com esta situação.
[16] (33) Por força das comunicações de dívida ao Banco de Portugal supra referidas, a Autora AA sentiu angústia, embaraço e vergonha.
[17] (34) Igual vergonha sentiu quando o seu gestor de conta do Banco lhe telefonou e informar que não lhe podia ser concedido crédito por constar como incumpridora na Central de Responsabilidades de Créditos do Banco de Portugal.
[18] (31) Em Março de 2019, no mapa de responsabilidades do Banco de Portugal no tipo de negociação aparecia renegociação por incumprimento.
[19] (32) Em Outubro de 2019, voltou a constar no mapa de responsabilidade do Banco de Portugal, a informação dada pela 1.ª Ré de renegociação por incumprimento.
[20] (e) Que aquando da retransmissão do crédito a 1.ª Ré não tivesse informação dos valores pagos pelos Autores durante o período da cessão.
[21] (i) Em 30/06/2010, a fração autónoma adquirida no contrato referido em 1) foi alvo de duas penhoras, no âmbito do Processo de execução fiscal n.º...83 (com a quantia exequenda de € 1.358,24) e do Processo de execução fiscal n.º ...79 (com a quantia exequenda de € 3.997,04), ambos do Serviço de Finanças ..., onde eram executados os aqui AA. e o seu irmão GG.
[22] (ii) Em março de 2012, 1/3 da fração autónoma adquirida no contrato referido em 1) foi alvo de penhora no âmbito do Processo de execução fiscal n.º...54 do Serviço de Finanças ..., onde era executada a aqui A. AA
[23] (iii) Foram pagas com atraso as prestações devidas à 1ª R. nos termos do contrato referido em 2) vencidas em 2009/05/13, 2009/11/13, 2011/03/13, 2012/05/13, 2013/01/13, 2013/04/13, 2013/07/13, 2016/03/13, 2016/04/13, 2016/05/13, 2016/06/13 e 2016/09/13.
[24] (iv) Não foram pagas nas respetivas datas de vencimento as prestações devidas à 1ª R. nos termos do contrato referido em 2) vencidas dos dias 2013/10/13 até 2015/04/13, ambos inclusive, e todas vieram a ser liquidadas em 2015/05/04.
[25] (v) Por ofício de 2012/05/07 a 1ª R. foi citada pela Autoridade Tributária – Serviço de Finanças ..., na qualidade de credor com garantia real, para reclamar os seus créditos no âmbito do Processo n.º ...37 e apensos em que era executado GG por reversão de D..., Lda. e onde fora alvo de penhora a fração autónoma designada pela letra ... que também constituía garantia hipotecária do mútuo identificado em 2).
[26] (vi) O portefólio de créditos cedidos no contrato identificado em 4) foi constituído com a data de referência de 31 de dezembro de 2014, data em que o crédito referido em 2) se encontrava com incumprimento superior a um ano.
[27] Acórdãos deste colectivo de Juízes do Tribunal da Relação de Évora datados de 30/01/2020, 08/10/2020 e 30/06/2021, entre outros disponibilizados em www.dgsi.pt.
[28] Por todos podem ser consultados os acórdãos de 30/01/2020, 13/02/2020, 04/06/2020, 08/10/2020, 03/12/2020, 13/05/2021 e 30/06/2021, entre muitos outros disponíveis na plataforma www.dgsi.pt.
[29] A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2000, pág. 46
[30] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, vol. I, pág. 447.
[31] Artigo 70.º (Tutela geral da personalidade):
1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
[32] Artigo 484.º (Ofensa do crédito ou do bom nome)
Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
[33] Artigo 73.º (Competência técnica):
As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
[34] Artigo 74.º (Outros deveres de conduta):
Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
[35] Artigo 487.º (Culpa)
1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
[36] Artigo 496.º (Danos não patrimoniais)
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.
[37] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, pág. 502.
[38] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 374 e seguintes.
[39] Pinto Monteiro, Sobre a reparação de danos morais, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1, n.º 1, Coimbra, 1992, pág. 17 e seguintes.
[40] Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, Boletim do Ministério da Justiça n.º 83, pág. 69.
[41] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 376.
[42] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/05/2011, disponível em www.dgsi.pt:
[43] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 605, nota 4.
[44] Menezes Cordeiro, “O Direito”, n.º 122º, pág. 272.
[45] Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 107/110.
[46] Artigo 8.º (Obrigação de julgar e dever de obediência à lei):
1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.
2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.
3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
[47] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/11/2014, que pode ser igualmente lido na plataforma www.dgsi.pt.
[48] Podem ser consultados os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/05/2011, processo n.º 3003/04.2TVLSB.L1.S2 (€ 7.500,00), do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/10/2018, processo n.º 900/17.9T8GMR.G1 (€ 12.000,00), do Tribunal da Relação do Porto, de 28/04/2015, processo n.º 5472/12.8TBMTS.P1 (€ 6.000,00), de 24/03/2022, processo n.º 2708/20.5T8GDM.P1 (€ 10.000,00), do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/09/2017, processo n.º 15249/15.3T8LSB.L1-2 (€ 5.000,00) e de 10/10/2019, processo n.º 1594/17.7T8VCT.L1-2 (€ 2.500,00), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[49] Artigo 494.º (Limitação da indemnização no caso de mera culpa)
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
[50] Artigo 570.º (Culpa do lesado):
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
[51] Artigo 334.º
(Abuso do direito)
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
[52] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/04/2008, in www.dgsi.pt e do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011, in www.dgsi.pt.
[53] Para Manuel de Andrade Teoria Geral das Obrigações, 3ª edição, págs. 63-64, «há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual».
[54] No enfoque de Vaz Serra, Abuso de Direito, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, pág. 253, o acto abusivo corresponde ao exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na colectividade social. Só excepcionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.
[55] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª edição, pág. 516, expressa opinião no sentido de que «para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito».
[56] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, pág. 299, entendem que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
[57] Tatiana Guerra de Almeida, em anotação ao artigo 334.º do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 788.
[58] Planiol, Traité Élémentaire de Droit Civil, 3ª Edição, 1903, pág. 284.
[59] Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, Lex Edições Jurídicas, Lisboa 1993, pág. 414.
[60] Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, vol. I, Almedina, Coimbra 1998, pág. 305.
[61] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2003, in www.dgsi.pt.