Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
73/18.0TXEVR-C.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 07/12/2019
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DEFERIDA A ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Sumário:
I – É da competência material do tribunal da condenação a liquidação da pena de prisão aí aplicada ao condenado.
Decisão Texto Integral:
A Meritíssima J3 do Tribunal de Execução de Penas de Évora, no processo de liberdade condicional que corre termos, naquele Tribunal, sob o n.º 73/18.0TXEVR-A denunciou o presente conflito negativo de competência, face à divergência surgida entre a decisão proferida pela mesma neste processo, em 07-05-2019 e a decisão proferida em 04-022019 pelo Meritíssimo J2 do Juízo Local Criminal de Évora, no âmbito do processo n.º 4/14.6PEEVR, quanto à competência para operar a liquidação da pena aplicada ao arguido RS, no âmbito deste último processo, na sequência da colocação do arguido à sua ordem, para cumprir a pena de três anos de prisão, com efeitos a partir de 2 de Setembro de 2018.

No Juízo Local Criminal de Évora, o Meritíssimo Juiz, convocando o decidido nos acórdãos da Relação de Lisboa de 16-02-2016 (in processo n.º 1451/05.0TACSC-A.L1-5) e desta Relação de Évora de 03-02-2015 (in processo n.º 588/08.8PBBJA-B.E1) entende ser da competência do TEP a liquidação da pena aplicada ao arguido.

Por sua vez, a Meritíssima Juíza do TEP de Évora, na sequência de exaustivo e fundamentado parecer do Ministério Público, declarou-se também materialmente incompetente para a liquidação da pena, convocando, além do mais, a decisão de conflito proferida pelo ora relator em 21-08-2015, no âmbito do processo 1601/10.4TXEVR-A.E1, que versou sobre questão semelhante.

A divergência em causa resume-se à questão de saber qual o tribunal materialmente competente, para aquele efeito (liquidação da pena de prisão e subsequente homologação), que cada um dos tribunais imputou ao outro, declinando a própria.

Foi cumprido o disposto no art.º 36.º do Código de Processo Penal.

O Exmo. Senhor Procurador da República, nesta sede, emitiu o respetivo Parecer, no sentido do deferimento da competência para a liquidação da pena parcelar aplicada no Processo n.º 4/14.6PEEVR ao Meritíssimo J2 do Juízo Local Criminal de Évora, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora.

Não se torna necessário recolher outras informações e provas para além das que foram juntas na certidão que deu origem a estes autos.

Cumpre decidir.

De acordo com o art.140.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o CEPMPL, «À definição, denúncia e resolução do conflito de competência aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas correspondentes do Código de Processo Penal.».

Com o presente incidente pretende-se, em síntese, obter decisão que resolva definitivamente a quem deferir a competência material para operar a liquidação da pena [[1]] de três anos de prisão que foi aplicada ao arguido RS no processo n.º4/14.6PEEVR do Juízo Local Criminal de Évora, bem como a subsequente homologação.

Tal impasse deve ser resolvido sem demora, sob pena de se manter uma situação eventualmente prejudicial para o arguido, sendo competente, para o efeito, o Presidente da Secção Criminal, como resulta da al. a) do n.º5 do art.12.º do CPP.

Não existem divergências entre os Meritíssimos Juízes dos referidos tribunais quanto ao quadro de facto essencial traçado para a solução do conflito, nomeadamente, quanto à existência de uma situação jurídica que importa a necessidade de liquidação da pena de prisão que o supra referido arguido tem a cumprir à ordem do processo n.º 4/14.6PEEVR, e quanto ao trânsito em julgado das respetivas decisões.

Já, por várias vezes, este Tribunal da Relação de Évora, através do Presidente da Secção Criminal, foi chamado a decidir conflitos da mesma natureza, nomeadamente nos processos n.ºs 144/13.9YREVR, 41/14.0YREVR, 121/14.2YREVR, 98/15.7YREVR e 1601/10.4TXEVR desta Relação (decisões de 28-01-2014, 13-05-2014, 28-10-2014, 30-06-2015 e 21-08-2015, acessíveis in www.dgsi.pt), que se reportavam à competência para a liquidação inicial da pena de prisão, em que se julgou competente o tribunal da condenação, pelo que a exposição que se seguirá não será muito diferente da vertida nas referidas decisões, a não ser o aditamento de alguns elementos resultantes de ulteriores reflexões sobre esta matéria e da entrada em vigor da Lei de Organização do Sistema Judiciário e de pontuais alterações legislativas.

Para dilucidar a questão aportada a este tribunal há que chamar à colação as normas do Código de Processo Penal que regulam o tema sob apreciação, bem como as que decorrem do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

Determina o n.º1 do artigo 470.º do CPP, que: “A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.”
Por sua vez, o artigo 477.º, também do CPP, que trata da execução da pena de prisão, dispõe:

“1 - O Ministério Público envia ao Tribunal de Execução das Penas e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade.

2 - O Ministério Público indica as datas calculadas para o termo da pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º e no n.º 1 do artigo 90.º do Código Penal.

3 - Tratando-se de pena relativamente indeterminada, o Ministério Público indica ainda a data calculada para o efeito previsto no n.º 3 do artigo 90.º do Código Penal.
4 - O cômputo previsto nos n.ºs 2 e 3 é homologado pelo juiz e comunicado ao condenado e ao seu advogado.

5 - Em caso de recurso da decisão que aplicar pena privativa da liberdade e de o arguido se encontrar privado da liberdade, o Ministério Público envia aos serviços prisionais cópia da decisão, com a indicação de que dela foi interposto recurso.”

Os tribunais de execução das penas são, no âmbito da nova LOSJ, tribunais de competência territorial alargada e especializada, pelo que, de harmonia com o preceituado no artigo 83.º, n.º2 do mesmo diploma, conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável.

Dispõe o artigo 18.º do CPP que a competência do tribunal de execução das penas é regulada por lei especial. Esta lei especial é agora o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, em vigor desde o dia 10 de Abril de 2010, que, no artigo 138.º estabelece a competência material do TEP, nos termos que seguem:

“1 - Compete ao tribunal de execução das penas garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei.

2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal (sublinhado e negrito nosso).

3 - Compete ainda ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a execução da prisão e do internamento preventivos, devendo as respetivas decisões ser comunicadas ao tribunal à ordem do qual o arguido cumpre a medida de coação.

4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

a) Homologar os planos individuais de readaptação, bem como os planos terapêuticos e de reabilitação de inimputável e de imputável portador de anomalia psíquica internado em estabelecimento destinado a inimputáveis, e as respetivas alterações;

b) Conceder e revogar licenças de saída jurisdicionais;

c) Conceder e revogar a liberdade condicional, a adaptação à liberdade condicional e a liberdade para prova;

d) Homologar a decisão do diretor-geral dos Serviços Prisionais de colocação do recluso em regime aberto no exterior, antes da respetiva execução;

e) Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão;

f) Convocar o conselho técnico sempre que o entenda necessário ou quando a lei o preveja;

g) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais;

h) Definir o destino a dar à correspondência retida;

i) Declarar perdidos e dar destino aos objetos ou valores apreendidos aos reclusos;

j) Decidir sobre a modificação da execução da pena de prisão relativamente a reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada, bem como da substituição ou da revogação das respetivas modalidades;

l) Decidir sobre a homologação do plano de reinserção social e das respectivas alterações, as autorizações de ausência, a modificação das regras de conduta e a revogação do regime, quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação;

m) Rever e prorrogar a medida de segurança de internamento de inimputáveis;

n) Decidir sobre a prestação de trabalho a favor da comunidade e sobre a sua revogação, nos casos de execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade;

o) Determinar o internamento ou a suspensão da execução da pena de prisão em virtude de anomalia psíquica sobrevinda ao agente durante a execução da pena de prisão e proceder à sua revisão;

p) Determinar o cumprimento do resto da pena ou a continuação do internamento pelo mesmo tempo, no caso de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade ou da liberdade condicional de indivíduo sujeito a execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade;

q) Declarar a caducidade das alterações ao regime normal de execução da pena, em caso de simulação de anomalia psíquica;

r) Declarar cumprida a pena de prisão efetiva que concretamente caberia ao crime cometido por condenado em pena relativamente indeterminada, tendo sido recusada ou revogada a liberdade condicional;

s) Declarar extinta a pena de prisão efetiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;

t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;

u) Informar o ofendido da libertação ou da evasão do recluso, nos casos previstos nos artigos 23.º e 97.º;

v) Instruir o processo de concessão e revogação do indulto e proceder à respetiva aplicação;

x) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento;
z) Decidir sobre o cancelamento provisório de factos ou decisões inscritos no registo criminal;

aa) Julgar o recurso sobre a legalidade da transcrição nos certificados do registo criminal.”

No mesmo sentido dispunha o artigo 91.º da Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, alterada pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, bem como a Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto aplicável em algumas circunscrições judiciais, no seu artigo 124.º, n.º2, al. g), entretanto revogadas.[[2]]

Não desconhecemos a existência de decisões de tribunais superiores que, fundando-se no preâmbulo da proposta de Lei que esteve na génese do CEPMPL, sustentam que, em casos de cumprimento de penas privativas de liberdade, é o TEP o tribunal materialmente competente para tomar toda e qualquer decisão no processo após o trânsito em julgado da decisão condenatória, cessando aí a competência do Tribunal da condenação, como é salientado na decisão de resolução de conflito do TRP proferida em 04-06-2014 no âmbito do processo n.º 406/12.2PFVNG-A.P1, acessível in www.dgsi.pt, entre outras.

Não cremos, salvaguardado o devido respeito, que seja essa a melhor interpretação, pois, a própria lei processual penal salvaguarda casos que, mesmo após o trânsito em julgado da decisão condenatória, são da competência do tribunal da condenação, nomeadamente, a reabertura da audiência para aplicação da lei penal mais favorável (artigo 371.º-A do CPP), o conhecimento superveniente do concurso de crimes (cf. artigo 471.º do CPP) e a instrução do processo de revisão de sentença (artigos 451.º a 454.º do CPP).

Por outro lado, o legislador parece ter sido claro no sentido de que a liquidação da pena de prisão subsequente à condenação (ou à revogação de pena de prisão que havia sido suspensa) e respetiva homologação compete ao tribunal da condenação, pois define os deveres a cargo do Ministério Público, junto do tribunal da condenação, quer referentes às comunicações devidas após o trânsito em julgado da decisão condenatória, quer referentes à liquidação da pena de prisão, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional (artigo 477.º do CPP).

Se dúvidas houvesse da intenção do legislador, elas resultam esclarecidas face ao teor da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, que, reportando-se à comunicação da sentença e da aplicação de medidas de coação, preceitua no seu artigo 35.º, o seguinte:

1 - As comunicações previstas no artigo 477.º do Código de Processo Penal são realizadas pela secretaria judicial, a requerimento do Ministério Público, por transmissão eletrónica de dados, nos termos dos números seguintes.

2 - São transmitidos os seguintes dados:
a) Número do processo;
b) Identificação do condenado;
c) Crime ou crimes pelos quais houve condenação, identificados pelas designações dos tipos legais e pelas disposições legais onde estão previstos;
d) Pena ou penas aplicadas na sentença;
e) Datas calculadas e homologadas nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 477.º do Código de Processo Penal.

3 - Quando for aplicada ao arguido prisão preventiva ou internamento preventivo são transmitidos ao tribunal de execução das penas e aos serviços prisionais os seguintes dados: a) Número do processo; b) Identificação do arguido; c) Crime ou crimes imputados, identificados pelas designações dos tipos legais e pelas disposições legais onde estão previstos; d) Medida de coação aplicada.

4 - Sempre que necessário, os dados referidos nos n.ºs 2 e 3 são preenchidos previamente pelo oficial de justiça.

5 - À comunicação são anexados os ficheiros contendo a sentença e o cômputo da pena homologado ou o despacho de aplicação da medida de coação, respetivamente.

6 - Quando não seja possível o envio dos documentos referidos no número anterior por via eletrónica ou quando estes estejam sujeitos a segredo de justiça, o envio é feito em suporte físico, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 a 4.”

Por isso, a melhor interpretação do artigo 477.º do CPP, cujos n.ºs 2 e 4 foram alterados pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (que aprovou o referido Código de Execução de Penas), em conjugação com o artigo 35.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, que revogou a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, esta com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 195-A/2010, de 8 de Abril, levam-nos a concluir que mesmo em casos de cumprimento sucessivo de penas de prisão (o que ocorre quando não há lugar à realização de cúmulo jurídico, por as penas aplicadas ao arguido em diferentes processos não estarem entre si numa relação de concurso, ou haver lugar a diferentes penas conjuntas autónomas, a cumprir em separado, por os crimes a que respeitam não permitirem a formação de uma única pena conjunta) [[3]], compete ao MP junto do tribunal da condenação efetuar o cômputo da pena aí aplicada que se visa executar e ao juiz do processo a homologação dessa contagem.

Esta livre escolha do legislador tem razão de ser, na medida em que o arguido está adstrito a um processo devendo ser o juiz titular a decidir sobre o cômputo da pena de prisão, aí aplicada, para efeitos da sua execução.

Em bom rigor, a competência atribuída ao representante do Ministério Público junto do TEP pela al. i) do artigo141.º do CEPMPL de “Em caso de execução sucessiva de penas, proceder ao respetivo cômputo, para efeitos de concessão de liberdade condicional”, reporta-se tão só ao cômputo do somatório das penas de execução sucessiva para efeitos de apreciação conjunta da liberdade condicional (cf. artigo 63.º do CP) [[4]] e não exclui a competência do Tribunal da condenação, nomeadamente do representante do Ministério Público e do juiz do processo para os efeitos prevenidos no artigo 477.º do CPP, ou seja, o computo inicial da pena aplicada ao condenado nesse processo (incluindo, se for caso disso, a sua modificação por via da realização de cúmulo jurídico) e o cumprimento das demais obrigações decorrentes de tal preceito, pois é o tribunal da condenação que dispõe dos elementos necessários a essa liquidação, ou que pelos mesmos deve diligenciar, tendo presente eventuais descontos no cumprimento da pena, prevenidos nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal. [[5]]

Como sustenta o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do TEP “ A liquidação da pena autónoma de prisão, da competência do tribunal da condenação, regulada nos artigos 477.º e 479.º, do CPP, e o cômputo da execução sucessiva de penas – cuja competência está expressamente atribuída ao Ministério Público junto do TEP e, por decorrência disso, resulta inequivocamente atribuída ao TEP a competência para homologar tal operação (cfr. Art. 141.º, al. i) do CEPMPL) – são operações inconfundíveis, com objecto e funções distintas, consistindo a primeira no poder e responsabilidade de definir o horizonte temporal do cumprimento da pena autónoma de prisão e de determinar os marcos temporais relevantes para apreciação dos pressupostos da liberdade condicional e a segunda no poder e responsabilidade de determinar o horizonte temporal da execução dum somatório de penas de execução sucessiva e os marcos temporais da apreciação simultânea e conjunta dos pressupostos da liberdade condicional relativamente a todas.

A tese da atribuição ao TEP da competência para a liquidação de penas autónomas de prisão, esteja-se ou não perante situação de execução sucessiva de penas, não se conforma com os critérios da hermenêutica estabelecidos no art. 9.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Cód. Civil, posto que não tem apoio ou correspondência mínima nos textos legais, desconsidera que o legislador expressamente lhe atribuiu tal competência em situações específicas, previstas nos arts. 141.º, als. h) e j)[[6]] 185.º, n.º8 e 194.º, n.º5 do CEPMPL [[7]] – o que seria desnecessário e redundante se a mencionada tese pudesse ter suporte no disposto no art. 138.º, n.º2, daquele diploma legal – e que se tivesse querido atribuir essa competência ao TEP com a amplitude mencionada lhe teria sido fácil adoptar a formulação adequada.”

Ora, as citadas normas existem precisamente para que se mostrem delimitadas as competências do representante do Ministério Público no Tribunal de Execução das Penas (e, por inerência, do juiz), por contraposição com as competências do representante do Ministério Público no tribunal da condenação. E nos casos acima referidos faz todo o sentido que seja o Tribunal de Execução de Penas a reformular uma liquidação de pena antes efetuada, na medida em que essa necessidade resulta de alterações decorrentes de decisões de mérito relativas a incidentes verificados no cumprimento da pena.

Há que proceder, pois, a uma interpretação sistemática do artigo 138.º, n.º2 do CEPMPL e concluir que o que aqui está em causa não é a competência para acompanhar e fiscalizar a execução das penas e decidir a sua modificação, substituição e extinção, competência que pertence ao TEP, nos termos da referida norma e do artigo 114.º, n.º1 da LOSJ, mas sim um procedimento prévio a cargo do Ministério Público junto do tribunal da condenação – na qualidade de promotor da execução – e do juiz do processo (a quem compete a homologação, com ou sem retificação, das datas calculadas de cumprimento de parte da pena para efeitos de concessão de liberdade condicional – cf. artigo 61.º e 63.º do CPP) que visa habilitar o TEP a acompanhar a execução da pena de prisão e a decidir no tempo próprio da concessão da liberdade condicional.

Perante uma situação algo similar, o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito de um conflito negativo de competência, por decisão proferida em 9 de Agosto de 2013 no processo n.º 77/13.9YFLSB, entendeu que somente em caso de cumprimento sucessivo de penas e, para efeitos de concessão de liberdade condicional, é que o MP no Tribunal de Execução de Penas, e o juiz do TEP, são competentes para respetivamente proceder e homologar a liquidação da pena, mantendo-se a competência do tribunal da condenação para proceder à liquidação de cada uma das penas individualmente consideradas, nomeadamente em caso de recontagem de pena aplicada, após o reinicio do seu cumprimento (o recluso já havia cumprido antes metade da pena e havia sido desligado para o cumprimento de outra pena de prisão).

De facto, apesar do sistema legal instituído parecer algo confuso, não poderá deixar de prevalecer esta interpretação, que foi a que o legislador quis consagrar ao alterar o artigo 477.º do CPP, mantendo as competências do Ministério Público junto do tribunal da condenação para a “contagem” da pena, que deverá ter a chancela da homologação pelo juiz do mesmo processo, o da condenação, para se tornar juridicamente vinculativa. [[8]]

Concluímos, pois, sem necessidade de mais considerandos, que assiste razão ao Tribunal de Execução de Penas de Évora.

A competência para proceder à contagem da pena de prisão (liquidação) para os efeitos prevenidos no artigo 477.º do CPP, decorrente da condenação, há de ser efetuada pelo Ministério Público junto do Juízo Local Criminal de Évora e homologada pelo juiz titular do processo em que teve lugar a condenação.

DECISÃO:

Em face do exposto, decido o presente conflito atribuindo ao Ministério Público junto do Juízo Local Criminal de Évora a competência material para a liquidação da pena aplicada ao arguido supra identificado, no âmbito do processo n.º4/14.6PEEVR, e ao Meritíssimo Juiz titular do processo, a subsequente homologação.

Comunique aos tribunais em conflito e notifique nos termos do art.º 36.º, n.º 3, do
CPP.

Remeta cópia da decisão ao Exmo. Juiz Presidente da Comarca de Évora.

Sem tributação. (Texto processado informaticamente e integralmente revisto pelo relator que assina)

Évora, 12 de Julho de 2019

(Assinado digitalmente)

Fernando Ribeiro Cardoso
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[1] - Entende-se por liquidação da pena, o ato processual descritivo da delimitação temporal do cumprimento da pena de prisão, desde o seu início à sua extinção – cf. anotação do Exmo. Senhor Conselheiro Pires da Graça ao art.479.º do CPP, in Código de Processo Penal Comentado, da autoria do Exmo. Conselheiro Henriques Gaspar e outros. A liquidação da pena consiste, pois, na sua contagem para efeitos da condenação a que se reporta, diminuída dos dias de privação da liberdade a considerar para efeitos de desconto, nos termos dos artigos 80.º a 82.º do Código Penal.

[2] - Também a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), já em vigor desde o dia 1 de Setembro de 2014, reproduz nos artigos 114.º e 115.º, em matéria de competência do TEP, com ligeiras alterações de redação, o preceituado no artigo 138.º do CEPMPL. Na verdade, na ali. j) do n.º3 do artigo 114.º, que para o caso não releva, dá-se uma versão mais escorreita do que a vertida na al. j) do n.º4 do citado art.138.º, ao estabelecer que compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria: “j) Decidir sobre a modificação da execução da pena de prisão, bem como da substituição ou da revogação das respetivas modalidades, relativamente a reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada;

[3] - Com efeito, cremos ser pacífico na jurisprudência, que em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles. A partir do trânsito em julgado da primeira decisão condenatória, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, abrindo-se um ciclo novo, autónomo, em que o figurino não é já o de acumulação de crimes, mas de sucessão. A partir da barreira inultrapassável do trânsito em julgado fica afastada a unificação, mas os subsequentes crimes podem integrar outros cúmulos e podem formar-se outras penas conjuntas autónomas, de execução sucessiva, como sucede neste concreto caso.

[4] - O que já foi feito nos autos, como resulta dos elementos documentais juntos.

[5] - Com efeito, o artigo 141.º do CEPMPL, com a expressão “Sem prejuízo de outras disposições legais” salvaguarda a aplicação de outras normas e, uma destas, será, sem dúvida alguma, a do artigo 477.º do CPP, alterada pelo próprio diploma que aprovou aquele Código.

[6] - Em caso de revogação de licença de saída ou da liberdade condicional, o Ministério Público junto do tribunal de execução das penas calcula as datas para o termo da pena e, nos casos de admissibilidade de liberdade condicional, para os efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado. – cf. Também art. 185.º, n.º8.

[7] - Preceitua o n.º4 do artigo 195.º do CEPMPL que “Em caso de revogação, por incumprimento de condições impostas na licença de saída jurisdicional, o Ministério Público junto do tribunal de execução das penas efetua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, indicando as datas calculadas para o termo da pena e para os efeitos previstos nos artigos 61.º e 62.º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado.

[8] - Igual solução é defendida nos despachos dos Senhores Presidentes das Secções Criminais da Relação de Coimbra de 0806-2015 (proc. n.º 2615/11.2TXLSB-D.L1-9) e 15-07-2015 (proc. n.º549/09.OPBFIG-A.C1), no Acórdão da Relação de Lisboa de 25-06-2015 (proc. n.º 26/08.6PHLRS-A.L1-9) e no despacho do Senhor Presidente da 9.ª Secção Criminal de 08 de Junho de 2015 (proc. n.º 2615/11.2TXLSB-D.L1-9). No mesmo sentido vão as decisões do STJ de 21-03-2018 (Processo n.º 1321/12.5TXLSB-J.S1) e 29-11-2018 (Processo n.º 75/01.0TXLSB-J.S1).