Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
350/13.6T2SNS-A.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: AUDIÊNCIA DE PARTES
JUSTIFICAÇÃO DA FALTA
MULTA
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O autor (trabalhador ou outra entidade) e o réu (sociedade ou não), se não puderem estar pessoalmente presentes na audiência de partes, podem fazer-se representar através de mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir, mas só não serão condenados em multa se justificarem a falta e o juiz deferir a justificação.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 350/13.6T2SNS-A.E1
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Apelante: B…, S.A. (ré).
Apeladas: C…(autora) e D… (ré).

1. Na audiência de partes que que teve lugar nestes autos em 31 de outubro de 2013,foi proferido o seguinte despacho: “pese embora a ré se ter feito representar por mandatária com poderes especiais não ficou demonstrado nos autos que o legal representante estivesse impossibilitado de comparecer pessoalmente à presente audiência. Assim, aguardem os autos o decurso do prazo previsto para a justificação da falta, sem a qual será a ré condenada em multa que se fixa desde já no montante de 3 UC´s, atento o disposto nos artigos 54.º n.º 3 do CPT e 27.º do RCP”.

2. Inconformada, veio a ré B…, S.A., interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações e conclusões, nos seguintes termos:
1.ª O tribunal a quo condenou o recorrente na pena processual de multa de 3 uc, por não ter comparecido na data, hora e local designado para a realização da audiência de partes, ainda que devidamente representado por mandatária munida de procuração com poderes de representação e os especiais poderes para confessar, desistir ou transigir em sede de audiência de partes.
2.ª Até à entrada em vigor do regulamento das custas processuais, a jurisprudência dos tribunais superiores entendia que mesmo nos casos de condenação em multa, desde que não fosse por litigância de má-fé, a admissibilidade do recurso estava sujeita aos requisitos de recorribilidade relativos à alçada e à sucumbência atualmente previstos no n.º 1 do artigo 629.º do novo código do processo civil.
3.ª No entanto, o disposto no n.º 5 do artigo 27.º do regulamento das custas processuais (doravante designado abreviadamente por “rcp”) veio estabelecer que “da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos quinze dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa ou penalidade”.
4.ª Tal norma constitui uma exceção ao regime geral da irrecorribilidade das decisões em função da alçada e sucumbência previsto no artigo 629.º n.º 1 do código de processo civil (o mesmo sucedendo, por exemplo, com a regra vertida no n.º 3 do artigo 542.º do mesmo código relativamente à condenação por litigância de má-fé).
5.ª Com efeito, ao utilizar aqui o advérbio “sempre”, o que o legislador quis significar foi que, mesmo naquelas ações em que não possa haver lugar a recurso ordinário por virtude da insuficiência do valor da causa e/ou da sucumbência, a decisão sobre a aplicação de multa pode ser reapreciada pelo tribunal superior.
6.ª No caso em apreço, o valor da multa cominada ao recorrente de 3 uc é inferior a metade da alçada do tribunal que a aplicou, circunstância que, no entender do recorrente, não pode obstar à admissibilidade do presente recurso, conforme aliás vem sendo defendido pela douta jurisprudência dos tribunais superiores.
7.ª Pelo exposto, não pode deixar de concluir-se que a decisão que aplique multa é imediata e autonomamente recorrível e a admissibilidade do recurso verifica-se independentemente dos valores da causa e da sucumbência, pelo que o presente recurso não pode deixar de ser admitido.
8.ª O tribunal a quo designou audiência de partes para o dia 31 de outubro de 2013, pelas 13h30.
9.ª O recorrente foi citado para nela comparecer com expressa advertência para comparecer pessoalmente ou, para em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazer representar por mandatário com poderes de representação e os especiais para confessar, desistir ou transigir.
10.ª Na data e hora agendadas, o recorrente compareceu à referida diligência fazendo-se representar por mandatária judicial com procuração com poderes de representação e os especiais poderes para confessar, desistir ou transigir.
11.ª Sucede, porém, que o tribunal a quo considerou que o recorrente faltou à audiência de partes agendada nos presentes autos, por não ter comparecido pessoalmente nem ter justificado a impossibilidade de comparência, apesar da procuração oferecida aos autos conferir à mandatária poderes especiais e de representação na audiência de partes em causa.
12.ª Assim, foi proferido despacho condenatório com o seguinte teor: “pese embora a ré se ter feito representar por mandatária com poderes especiais, não ficou demonstrado nos autos que o legal representante estivesse impossibilitado de comparecer pessoalmente à presente audiência. Assim, aguardem ao autos o decurso do prazo previsto para a justificação da falta sem a qual será a ré condenada em multa que se fixa desde já no montante de 3uc`s, atento o disposto nos artigos 54.º n.º 3 do cpt e 27.º do rcp.”
13.ª A recorrente foi notificada, na pessoa da sua mandatária, para em cinco dias apresentar justificação de falta, sob pena de condenação em multa, na sequência do que foi por esta apresentado em juízo requerimento datado de 5 de novembro de 2013.
14.ª Subsequentemente, através de despacho com a referência 4530704, veio tribunal recorrido manter a decisão de condenação em multa, concluindo que a mesma apenas poderia ser posta em crise por via de recurso, o que o recorrente ora faz.
15.ª Com efeito, o recorrente emitiu procuração a favor da sua mandatária que compareceu à dita audiência judicial.
16.ª A procuração forense, a qual consta de fls… dos autos, confere, além dos especiais poderes de transação, desistência e confissão do pedido, os necessários poderes de representação para a representar em qualquer audiência, incluindo de partes.
17.ª A presença pessoal do legal representante do recorrente pode ser preterida se o mesmo se fizer substituir por procurador com poderes de representação, o que, in casu, se verificou - aliás, tratando-se de pessoa coletiva, e detendo a mandatária procuração com os ditos poderes, o recorrente efetivamente esteve presente na dita audiência.
18.ª Aliás, tem sido entendimento dos tribunais superiores que as partes podem fazer-se representar nas audiências judiciais, como a audiência de partes, por procurador com poderes de representação – situação, aliás, incontornável quando estejamos perante entes coletivos.
19.ª Estando em causa uma pessoa coletiva, fica assegurada a sua comparência em qualquer audiência se comparecer pessoa singular (que poderá ser concomitantemente seu mandatário judicial) a quem aquela conferiu poderes especiais de representação.
20.ª Na verdade, as partes podem livremente fazer-se representar na audiência de partes por mandatário com poderes especiais de representação pessoal, não estando essa faculdade limitada aos casos em que se encontrem justificadamente impossibilitadas de comparecer pessoalmente em juízo.
21.ª Ou seja, por um lado, o regime-regra impõe que o recorrente estivesse presente na aludida audiência de partes, ou por outro lado, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fizesse representar em juízo por mandatário com poderes especiais para confessar, transigir e desistir.
22.ªTratando-se de pessoa coletiva, o recorrente teria, naturalmente, de fazer-se representar por pessoa singular a quem houvessem sido conferidos especiais poderes para representá-lo naquela audiência, pessoa essa que asseguraria, legitimada por tal instrumento de concessão de poderes, a comparência pessoal do recorrente naquela diligência.
23.ª Ora, no caso vertente, o recorrente atribuiu, através da procuração junta aos autos, tais poderes legitimadores de representação à sua mandatária, a quem atribuiu igualmente os poderes forenses especiais de confessar, desistir e transigir.
24.ª Donde se conclui que o recorrente esteve, de facto, regularmente presente na audiência de partes ocorrida em 31 de outubro de 2013, pelo que, salvo melhor entendimento, o despacho recorrido procedeu a uma incorreta aplicação do direito aos factos, interpretando erradamente e violando a norma ínsita no artigo 54.º n.ºs 3 e 5 do código de processo do trabalho, pelo que merece censura.
25.ª Pelo exposto, roga-se, assim, a revogação da decisão ora recorrida, considerando-se que o recorrente esteve regularmente presente na audiência de partes agendada, não incorrendo, por isso, em multa pela não comparência, devendo, em consequência, ser o presente recurso julgado procedente in totum.
iv – O que se roga.
Nestes termos, com o sempre mui douto suprimento de v. ex.as, colendos juízes desembargadores, deve o presente recurso ser admitido e julgado integralmente procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida na medida do ora requerido.

3. Não foi apresentada qualquer resposta.

4. O Ministério Público, neste tribunal da relação, apresentou parecer no sentido de que a apelação merece provimento, pelas razões já invocadas nas conclusões da apelante.

5. Notificadas as partes deste parecer, nada disseram.

6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

7. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se a parte pode fazer-se representar na audiência de partes através de mandatário judicial com poderes forenses especiais para confessar, desistir e transigir, sem ter que justificar a impossibilidade de comparência da própria parte.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a ter em conta são os que constam do despacho recorrido e das conclusões apresentadas pela apelante, que correspondem ao que resulta dos autos, sem controvérsia.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir, como já referimos, consiste em apurar se a parte pode fazer-se representar na audiência de partes através de mandatário judicial com poderes forenses especiais para confessar, desistir e transigir, sem ter que justificar a impossibilidade de comparência da própria parte.
Sobre esta matéria prescreve o art.º 54.º n.º 3 do CPT, que o autor é notificado e o réu citado para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir e transigir.
Resulta da norma jurídica acabada de enunciar, que o regime de representação da parte quando está impossibilitada de comparecer é igual para o autor e para o réu.
Consagra, assim, o princípio da igualdade material entre autor e réu, no que diz respeito à representação em caso de impossibilidade de comparência.
O escopo da lei, ao deixar expressamente dito que o autor e o réu só podem fazer-se representar através de mandatário judicial em casos de justificada impossibilidade, é obrigar cada uma das partes a estar presentes na audiência. A presença pessoal e direta dos sujeitos da relação material controvertida, potencia a possibilidade de resolução do conflito através de acordo.
Toda a dinâmica da audiência de partes vai no sentido das partes dialogarem, apresentarem os seus argumentos e contra-argumentos, diretamente, pois são os conhecedores diretos da relação laboral, das suas vicissitudes, sem intermediários, de modo a criar um ambiente mais propício ao acordo sobre o objeto do processo.
Nas relações de trabalho está em causa, do lado do trabalhador, a própria subsistência. A força de trabalho é o que tem para oferecer em troca de rendimento para o seu governo diário. Do lado do empresário, está em causa a estabilidade na ocupação dos postos de trabalho dentro da organização produtiva. Daí o seu interesse em clarificar o mais breve possível a situação do trabalhador em relação à empresa. Saber quem está permanentemente apto a prestar determinada atividade de modo proficiente.
Esta é a razão de ser da audiência de partes. A tentativa de solução do conflito no prazo mais curto possível de modo a pacificar as relações laborais, que é o fim primordial do Direito. Devolver a paz jurídica perdida.
A lei é bem expressa ao afirmar clara e perentoriamente que o autor é notificado e o réu citado para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir e transigir.
A comparência pessoal é obrigatória, excepto se o autor e/ou o réu justificarem a impossibilidade de não comparência. O texto da lei não permite outra interpretação que não seja a de que o autor e o réu só se podem fazer representar através de mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir e transigir, na hipótese de justificada impossibilidade. A parte faltosa, tem o ónus de apresentar a justificação da falta, sob pena se ser condenada em multa.
Se não apresentar qualquer justificação, é sempre condenada em multa. Se apresentar justificação e for deferida pelo juiz, não é condenada em multa.
O facto da R. ser uma sociedade, não lhe permite arrogar-se privilégios de representação que o autor não tem. A lei trata os dois casos de forma igual.
É evidente que se o réu for uma grande empresa, poderá ser comum que não possa estar representada em todos os atos através do seu representante legal, no caso, um administrador, uma vez que é uma sociedade anónima.
A sociedade, tal como o autor que, se for trabalhador, é uma pessoa singular, nunca está dispensada de apresentar a justificação do seu impedimento, para o juiz apreciar e decidir em conformidade (art.º 54.º n.º 5 do CPT).
Nesta conformidade, decidimos julgar a apelação improcedente e confirmar o despacho recorrido.
(...).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 28 de janeiro de 2016.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes (adjunto)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (adjunto)