Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
224/12.8TUBJA-A.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
UTILIDADE PÚBLICA
IMPENHORABILIDADE RELATIVA
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i) constitui título executivo, nos termos do art.º 46.º n.º 1, alínea c) do CPC anterior, o documento particular assinado pela executada em 15 de fevereiro de 2011, em que esta declara ser devedora à sua funcionária, exequente, o montante total de € 20 991,54, a ser pago até final de junho de 2011;
ii) se não existir de facto a atividade prevista no art.º 823.º n.ºs 1 e 2 do CPC anterior ou 737.º n.ºs 1 e 2 do novo CPC, não pode a executada beneficiar da isenção de penhora aí prevista, por falta do requisito substancial, consistente em o imóvel estar afeto à realização de fins de utilidade pública, ou ao exercício da sua atividade.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 224/12.8TUBJA-A.E1
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Apelante: B... (executada).

Apelada: C… (exequente).

Tribunal da comarca de Beja, Beja, Instância Central, Secção de Trabalho, J1.

1. A oponente B…, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe é movida por C…, aí representada pelo Ministério Público, numa primeira abordagem, veio deduzir oposição àquela instância executiva, pugnando, então, pela sua extinção. Invoca, então, a exceção de inexistência de título executivo que sirva de base à execução que constitui os autos principais, improcedendo, nessa medida, a sorte da execução.

Numa segunda abordagem, a oponente opõe-se à penhora concretizada no âmbito dos autos principais incidente sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o n.º …, pugnando pelo seu levantamento e respetivo cancelamento do registo.

Neste particular, alega, então, que o agente de execução penhorou o imóvel em claro desrespeito pelas regras constantes do artigo 834.º n.º 1, do pretérito Código do Processo Civil e do que foi requerido pela própria exequente no respetivo requerimento executivo.

Mais refere que sendo a executada uma instituição particular de solidariedade social, pessoa coletiva de utilidade pública nos termos da Portaria n.º 139/2007, de 29 de janeiro e sendo o imóvel a sede da executada, afeto aos fins sociais da executada, não pode este ser vendido para pagar a quantia exequenda, por se tratar de bem relativamente impenhorável de acordo com o disposto no artigo 823.º n.ºs 1 e 2, do pretérito Código do Processo Civil; sendo que aquela, aliás, corresponde apenas a 4% do valor do bem penhorado.

Devidamente citada, a exequente apresentou contestação pugnando pela improcedência da presente oposição à execução quer da oposição à penhora.

Devidamente notificada a executada, representada pelo Ministério Público, respondeu à exceção da inexistência de título executivo, pugnando pela sua improcedência, uma vez que, ao contrário do que a oponente alega, o mesmo se encontra junto aos autos principais a fls. 17.

No que concerne à oposição à penhora, também pugnando pela sua improcedência, a exequente alega que a oponente com a sua oposição à execução não apresentou a prova documental da sua qualidade de pessoa coletiva de utilidade pública, o que deveria ter feito.

Mais refere que o bem imóvel penhorado não se encontra afeto à realização do fim social da oponente, como alegado pela oponente, uma vez que se encontra encerrado e sem qualquer tipo de atividade desde 7 de fevereiro de 2011.

Acrescenta que a oponente encerrou a instituição e promoveu o despedimento coletivo dos seus trabalhadores, perdendo, nessa medida, qualquer utilidade pública se a tivesse, sendo que o valor do imóvel face às penhoras pendentes não constitui obstáculo à realização da penhora, podendo o produto da venda vir até a ser insuficiente para a satisfação de todos os credores da executada.

Por determinação do tribunal, a oponente juntou aos autos os seguintes documentos: estatutos da oponente; declaração dos serviços da Segurança Social de Beja quanto à atividade da oponente à data da penhora concretizada no âmbito dos autos executivos; certidão emitida pelo Ministério da Administração Interna do qual consta o registo da oponente; enunciação e identificação dos corpos sociais da oponente – cfr.: fls. 49 a 60.

O tribunal recorrido, findos os articulados, considerou que os presentes autos, naquele momento, continham todos os elementos de facto necessários para o conhecimento da questão da exceção da inexistência de título executivo aduzida pela oponente e os termos da oposição à penhora concretizada no âmbito dos autos executivos principais, sendo estas de amplo conhecimento das partes, julgou despiciendo o reagendamento de nova data para a realização de audiência prévia, conheceu do mérito e proferiu a seguinte decisão:

Pelo exposto, decido:

- Julgar totalmente improcedente a presente oposição à execução e, em consequência, determinar o prosseguimento dos autos executivos principais nos precisos termos fixados no requerimento executivo apresentado pela oponida (exequente) que lhe subjaz.

- Julgar improcedente a presente oposição à penhora, mantendo-se a validade da penhora incidente sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o n.º ….

Fixo o valor desta ação em € 20.491,54 (vinte mil, quatrocentos e noventa e um euros e cinquenta e quatro cêntimos).

Custas pela oponente.

2. Inconformada, veio a executada interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações e conclusões, nos seguintes termos:

1. Resulta dos autos que foi apresentada contestação e que a mesma foi aceite.

2. Resulta também que com a citação da executada para os presentes autos não foi junto o título executivo que serve de base à mesma.

3. Ficou, assim, a executada privada do seu direito à defesa.

4. Deveria, assim, ter sido ordenado sem efeito todo o processado e repetida a citação com novo prazo para a dedução de oposição, o que não foi feito.

5. O tribunal recorrido, em vez de ordenar a nulidade de todo o processado e ordenar a repetição do ato para suprir a irregularidade cometida, julgou, sem mais, a oposição à execução deduzida pela executada improcedente por não provada, apenas por entender que a fls. 17 dos autos consta o título executivo que serve de base à execução.

6. Violou, assim, os art.ºs 3.º e 347.º do CPC.

7. Acresce que, no requerimento executivo consta, ainda, que é protestado juntar: “processo de contraordenação/certidão”.

8. Tal facto foi alegado, também pela executada, sem que tenha a sentença recorrida feito qualquer alusão ao facto.

9. Assim, é nula a sentença dos autos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea d).

10. Conforme provado a executada é considerada pessoa coletiva de utilidade pública.

11. Resulta provado que o imóvel penhorado é a sede da executada.

12. Pelo que o imóvel sendo a sede da ora recorrente, nos termos do art.º 737.º n.ºs 1 e 2 do CPC, é um bem relativamente impenhorável, não relevando para o efeito se a mesma tem ou não, à data da penhora, qualquer atividade, pois tal bem sendo a sede de uma pessoa coletiva de utilidade pública, tem de ser considerado como especialmente afeto a fins de utilidade pública.

13. Nestes termos, também é nula a sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1, alínea c).

14. A sentença recorrida violou o artigo 737.º n.º s 1 e 2, sendo nula nos termos do art.º 615.º n.º 1, alínea c) todos do CPC, na sua anterior redação.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve dar-se provimento ao recurso e, por via dele, revogar-se a decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra, que considere as oposições à execução e à penhora procedentes pro provadas, ordenando a nulidade de todo o processado e a repetição do ato de citação da executada, bem como julgue o imóvel propriedade da recorrente, descrito na freguesia de Beja com o n.º …, com o art.º matricial n.º …, sito na Rua…, Beja, bem relativamente impenhorável.

3. Foi apresentada resposta pela exequente, com as seguintes conclusões:

1. Não assiste razão à recorrente, quanto à falta de título executivo, pois encontra-se provado que o mesmo foi junto, conforme resulta de fls. 17 dos autos de execução.

2. Pese embora a executada ainda tivesse, como tem, a natureza de Instituição de Solidariedade Social com fins de utilidade pública, quando foi levada a efeito a penhora do imóvel da sua sede no processo de execução, já há muito, mais propriamente desde 22.12.2010, que a mesma não exercia qualquer atividade de fim social, tendo mesmo encerrado o seu funcionamento em 07 de fevereiro de 2011.

3. Demonstrado que o imóvel penhorado não se encontra afeto a qualquer fim social da executada, estando esta com a sua atividade encerrada, não existe qualquer caso de impenhorabilidade relativa.

4. O Sr. Juiz ao julgar improcedente a oposição à execução fez correta apreciação dos factos e aplicação do direito, pelo que improcedem todos os argumentos aduzidos pela executada. Termos em que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

4. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

5. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

A questão a decidir consiste em apurar se:

1. Ocorrem as nulidades da sentença invocadas por inexistência de título executivo e omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1, alíneas c) e d) do novo CPC, mas com referência ao regime anterior correspondente; e

2. É relativamente impenhorável a sede da executada, nos termos do art.º 737.º n.ºs 1 e 2 do CPC.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em conta são os que constam da sentença recorrida, das conclusões apresentadas pela apelante e apelada, que correspondem ao que resulta dos autos, sem controvérsia e, ainda, o seguinte, que resulta dos autos e não é controvertido:

1. Em 15.02.2011, em Beja, foi subscrita pela executada a seguinte declaração: “B…, Instituição Particular de Solidariedade Social, com o n.º …, de pessoa coletiva, com sede na Rua…, Beja, representada pela Presidente da Direção, …, declara ser devedora à funcionária C…, com a categoria de educadora de infância, o montante total de € 20 991,54, valores esses discriminados no recibo em anexo, devido a despedimento coletivo, montante esse a ser pago até final de junho de 2011” – fls. 17 da execução.

2. A Segurança Social, a fls. 60 da oposição, declarou: “para os devidos efeitos se declara que a B…” de Beja, com sede na Rua…, Instituição Privada de Segurança Social, registada como IPSS em 23.07.1983 sob o n.º …, desenvolveu em Beja, a resposta social Lar de Infância e Juventude até ao dia 22 de dezembro de 2010, não exercendo desde essa data qualquer atividade no âmbito de Ação Social”:

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir consistem em apurar se:

1. Ocorrem as nulidades da sentença invocadas por inexistência de título executivo e omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1, alíneas c) e d) do novo CPC, mas com referência ao regime anterior correspondente; e

2. É relativamente impenhorável a sede da executada, nos termos do art.º 737.º n.ºs 1 e 2 do CPC.

B1) As nulidades da sentença invocadas por inexistência de título executivo e omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1, alíneas c) e d) do novo CPC, mas com referência ao regime anterior correspondente.

O art.º 46.º n.º 1, alínea c) do CPC, em vigor ao tempo em que foi emitida a declaração de dívida pela executada, prescrevia que à execução apenas podem servir se base: “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes”.

A declaração de dívida da executada está assinada pela sua representante legal e importa de forma clara e inequívoca a constituição de uma obrigação de pagamento de uma soma pecuniária determinada.

Ao tempo em que foi assumida pela executada a obrigação pecuniária certa, constante de fls. 17 da execução, a mesma constituía título executivo, em nada sendo influenciada pela nova especificação de títulos executivos prevista no art.º 703.º do novel CPC.

O Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição)[1].
Verificamos que o título dado à execução pela exequente constitui um título exequível, de acordo com a lei em vigor ao tempo em que foi emitido e basta-se a si mesmo para definir os limites do direito peticionado em sede executiva.
Não existem as nulidades invocadas pela executada, pois existe título executivo, o qual lhe foi dado a conhecer nos autos de execução e o tribunal recorrido pronunciou-se sobre o mesmo nos seguintes termos: “in casu, o que a oponente questiona é a efetiva e absoluta inexistência de título executivo. Neste particular e sem grandes delongas expositivas, basta um olhar atento sobre os autos executivos a que estes declarativos se encontram apensos para concluirmos que efetivamente àquela execução serviu de base o título executivo que se consubstancia na assunção de dívida – cuja admissibilidade era inquestionável à data da sua formação – e que se mostra vivificado a fls. 17 daqueles autos”.

Verificamos assim, que não existe qualquer omissão de pronúncia ou oposição entre os fundamentos e a decisão, nem ocorre ambiguidade, ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Analisada a sentença no seu todo, não vemos que padeça de qualquer um dos vícios arguidos, nem de outros de que devamos conhecer por dever de ofício, tendo o tribunal recorrido interpretado e aplicado corretamente a lei aos factos de forma clara e objetiva, nada havendo a censurar.

B2) A impenhorabilidade relativa da sede da executada, nos termos do art.º 737.º n.ºs 1 e 2 do CPC.

Prescreve o art.º 823.º n.º 1 do anterior Código de Processo Civil, que estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas coletivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública.
Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade do executado (n.º 2 do mesmo artigo).
A redação do artigo 703.º n.ºs 1 e 2 do novo CPC é exatamente igual.
Está assente que: “a oponente, uma instituição de solidariedade social com fins de utilidade pública, não exerce no prédio penhorado na execução qualquer atividade, nem o tem afeto a qualquer fim social, já que funcionando aquele como Lar de Infância e Juventude foi o mesmo encerrado a 7 de fevereiro de 2011, sendo que, inclusivamente, desde 22 de Dezembro de 2010, a oponente não exerce qualquer atividade de fim social”.
A impenhorabilidade relativa prevista na lei exige que a executada prossiga os fins sociais e de utilidade pública para a qual foi criada.
Como se pode ver dos factos provados, a executada não exerce a sua atividade há vários anos no imóvel onde se situa a sua sede, pelo que não pode beneficiar da impenhorabilidade do imóvel.
A lei refere impenhorabilidade relativa, o que deixa claro que tem que haver um nexo de causalidade entre o benefício de não penhorabilidade e o uso efetivo para os fins sociais e de utilidade pública para que foi criada.
Inexistindo a atividade prevista no art.º 823.º n.ºs 1 e 2 do CPC anterior ou 737.º n.ºs 1 e 2 do novo CPC, não pode a executada beneficiar da isenção de penhora aí prevista, por falta do requisito substancial, consistente em o imóvel estar afeto à realização de fins de utilidade pública, ou ao exercício da sua atividade.
Nesta conformidade, julgamos a apelação improcedente e confirmamos a sentença recorrida.

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e decidem confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante/executada.

Notifique.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 28 de abril de 2016.

Moisés Silva (relator)

João Luís Nunes

Alexandre Ferreira Baptista Coelho

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[1] Ac. TC, de 23.09.2015, publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 201 — 14 de outubro de 2015.