Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
9184/15.2T8STB.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ACT - AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DE TRABALHO
PODER DE FISCALIZAÇÃO
PODER DE INSPECÇÃO
ADVOGADO
SIGILO PROFISSIONAL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – A actividade de inspeccionar qualquer local de trabalho, prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 11.º do DL n.º 102/2000, de 02-06, reporta-se apenas à circunstância de autorizar o inspector do trabalho a ter livre acesso ao espaço onde a actividade laboral é exercida por trabalhador dependente.
II – Nesse sentido, não se mostra incluída na referida acção de inspeccionar a realização de buscas.
III – As inspectoras da ACT, ao entraram num escritório de advogados, com o único intuito de verificar da afixação do horário de trabalho, da elaboração do registo dos tempos de trabalho, da inscrição na segurança social e da existência de seguro de trabalho da trabalhadora dependente, não põem em causa o sigilo profissional, nem violam os princípios da legalidade, proporcionalidade e lealdade.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 9184/15.2T8STB
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
BB impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que aplicou à arguida supra identificada uma coima única no valor de €3.500,00, nos termos dos arts. 18.º, n.º 2, 19.º e 17.º, todos do DL n.º 433/82, de 27-10 (na redacção dada pelo DL n.º 244/95, de 14-09), pela prática das seguintes contra-ordenações:
1) de um contra-ordenação grave, p. e p. pelo art. 215.º, n.ºs 1 e 5, do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02), tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €714,00 (7 UC);
2) de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelo art. 202.º, n.ºs 1 e 5 do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02), tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €714,00 (7 UC);
3) de uma contra-ordenação grave, p. e p. pelo art. 29.º, n.ºs 2 e 6, segunda parte, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16-09 e alterado pelas Leis n.º 119/2009, de 30-12 e 55-A/2010, de 31-12), tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €800,00;
4) de uma contra-ordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 79.º, n.º 1 e 171.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 98/2009, de 04-09, tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €2.550,00 (25 UC).
Nessa impugnação, a arguida BB invocou, e no que ao presente recurso interessa, a ilegalidade de visita inspectiva em escritório de advogado, alegando, em síntese, que a recorrente exerce a profissão de advogada em escritório de advogados, com placa visível colocada na fachada das paredes exteriores do respectivo prédio, tendo, no dia 04-04-2011, sido realizada uma visita inspectiva ao escritório de advocacia onde a arguida exerce a sua actividade profissional.
Mais alegou que nessa visita inspectiva não constava qualquer despacho judiciário emitido por Juiz de Direito, em violação do disposto no art. 268.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, sendo que esta norma do Processo Penal protege, não só as apreensões, como também as buscas, e a própria presença de alguém num escritório de advogados pode ser, em si mesmo, considerado um facto sigiloso, que viria a ser exposto e revelado, de forma ilegítima e sem a devida e necessária ponderação judiciária, com a presença de inspectores da ACT.
Mais concluiu que, inexistindo tal decisório judiciário, estamos em presença de uma verdadeira proibição de prova, pelo que todos os “pseudo-indícios”, ao terem sido obtidos nessa diligência, mostram-se contaminados com a tal sanção de proibição de prova, devendo os presentes autos ser arquivados por inexistência de indícios conducentes à demonstração de qualquer ilícito contra-ordenacional, impondo-se a revogação da decisão da ACT e a absolvição da arguida de todas as infracções contra-ordenacionais que lhe são imputadas.
O tribunal de 1.ª instância, em despacho prévio, datado de 04-06-2018, quanto a esta questão, decidiu:
Não se reconhece, deste modo, violação de qualquer princípio, designadamente dos princípios da legalidade, lealdade, proporcionalidade, ou de qualquer preceito legal, susceptível de afectar a validade da acção inspectiva.
É que no âmbito das suas competências a Inspectora do Trabalho, afecta à ACT., não efectua buscas ou apreensões, sendo que relativamente à documentação, na sua falta, procede à sua requisição ou notificação para a apresentação de documentos, aliás como aconteceu com a ora Recorrente.
Assim importa considerar que a ACT com a sua conduta não violou o disposto no artigo 8º da CEDH, nos artigos 8º, 16º nº1, 32º, nºs 1, 3, 8 e 10, 34º e 208º da CRP, nos artigos 126º, nºs 1, 2, alíneas c) e d) e 3, 177º, nºs 3 e 4, 179º nº2, 180º, nºs 1 a 3 e 268º, nº 1, alínea c), do CPP (aplicável ex vi artigos 19º e 22º da Lei n.º 18/2003 e artigo 41º, nº 2, do RGCO), bem como o disposto nos artigos 68º, 70º, 71º, 72º e 75.º do EOA.
(…)
Nestes termos e nos melhores de direito, está afastado o efeito útil do Parecer com vista ao arquivamento do processo, com a concomitante absolvição da Recorrente/Advogada sem a realização de audiência de discussão e julgamento.

Inconformada, a impugnante interpôs recurso de tal decisão, finalizando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
a) A presente questão prende-se com a realização de uma visita inspetiva pela ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho no escritório de advogados da Recorrente/Advogada, a fim de apurar das relações jus-laborais entre a Recorrente/Advogada e trabalhadores.
b) A visita inspetiva pelas senhoras inspetoras da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho no escritório de advogados da Recorrente/Advogada, a fim de apurar das relações jus-laborais entre a Recorrente/Advogada e trabalhadores, foi feita sem ter sido cumprido o preceituado no nº1 do artigo 268º do Código Processo Penal, não tendo existido despacho judicial e acompanhamento da visita inspetiva por juiz de direito e por conselheiro de deontologia do Conselho Regional da Ordem dos Advogados.
c) O local onde funciona um escritório ou sociedade de advogados não pode ser alvo de uma atividade inspetiva direta da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho, nos mesmos termos em que esta o pode fazer noutras instalações.
d) O princípio da legalidade plasmado no nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, impõe que os poderes associados à atividade inspetiva da ACT sejam exercidos no estrito cumprimento da legislação especial que regula o exercício da advocacia e de acordo com formalismo ai exigido.
e) O conjunto de poderes e prerrogativas funcionais de que beneficia a atividade de inspeção laboral é suscetível de pôr em causa as prerrogativas e garantias associadas ao exercício da advocacia.
f) Na esteira do entendimento e posição tomada pelo Conselho Regional da Ordem dos Advogados no seu Parecer, a Recorrente também defende que uma ação inspetiva laboral a um escritório ou sociedade de advogados deve classificar-se como uma “diligência equivalente” a uma imposição de selos, arrolamentos buscas ou apreensões, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 75º do EOA.
g) E assim sendo, a visita inspetiva pelas senhoras inspetoras da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho no escritório de advogados da Recorrente/Advogada, a fim de apurar das relações jus-laborais entre a Recorrente/Advogada e trabalhadores, foi feita sem ter sido cumprido o preceituado no nº1 do artigo 268º do Código Processo Penal, não tendo existido despacho judicial e acompanhamento da visita inspetiva por juiz de direito e por conselheiro de deontologia do Conselho Regional da Ordem dos Advogados.
h) Encontrando-se em face disso tudo o que vier a ser apurado na visita inspetiva realizada, apenas pelas senhoras inspetoras da ACT, inquinado pelo vício de proibição de prova, nulidade/irregularidade nos termos do Código Processo Penal.
i) E é com base nas razões e fundamentações supra expostas que a Recorrente discorda com o douto Despacho em crise ao ter decidido não haver violação de qualquer princípio, designadamente dos princípios da legalidade, lealdade, proporcionalidade, ou de qualquer outro preceito legal, suscetível de afetar a validade da ação inspetiva da ACT, decidindo pelo não arquivamento do processo, com a concomitante absolvição da Recorrente sem a realização da audiência de discussão e julgamento, designando dia para a realização da mesma.
j) O douto Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito que é muito, não atendeu ao preceituado no nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, onde se encontra plasmado o princípio da legalidade, impondo que os poderes associados à atividade inspetiva da ACT sejam exercidos no estrito cumprimento da legislação especial que regula o exercício da advocacia e de acordo com o formalismo ai exigido.
k) Da mesma forma ao não aceitar que a diligência a uma trabalhadora num escritório de Advogado, possa ser definida como uma “diligência equivalente” a uma imposição de selos, arrolamentos, buscas ou apreensões, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 75.º do EOA, compromete as prerrogativas e garantias associadas ao exercício da advocacia.
l) A presente questão é prévia à apreciação da factualidade controvertida quanto à prática ou não de ilícitos contraordenacionais e que a sua apreciação poderá afastar a realização de prova na audiência de discussão e julgamento.

Em contra-alegações, o Ministério Público, propugnando pela improcedência do presente recurso, apresentou as seguintes conclusões:
1. É obrigação da “ACT” assegurar a aplicação das normas reguladoras das condições de trabalho e a promoção do respeito das normas de apoio ao emprego e de protecção no desemprego e o pagamento das contribuições para a segurança social.
2. A intervenção dos inspectores do trabalho é uma intervenção social e não policial.
3. Os inspectores têm livre acesso aos locais onde é prestado trabalho por trabalhadores a entidades empregadoras para verificação das condições de trabalho e do cumprimento das normas legais.
4. A “ACT” não apreende documentação solicita-a e na falta dela notifica as entidades empregadoras ou os seus representantes para a apresentarem em prazo a fixar.
5. O que está em causa é a legalidade das relações de trabalho dependentes, estabelecidas em escritórios de advocacia com trabalhadores dependentes e não o exercício da advocacia.
6. Em qualquer local de trabalho, onde prestem trabalho trabalhadores dependentes, as entidades empregadoras devem ter, entre outros, disponíveis: quadro de pessoal, mapa de horário de trabalho, mapa de férias, registo dos tempos de trabalho, são estes os elementos solicitados pela “ACT” e não apreendidos ou objecto de quaisquer buscas.
7. Diferentemente, quando se trata da actuação dum órgão de polícia criminal, no âmbito de uma qualquer investigação, quando essa sim visa a actuação do “Advogado” ou dos seu “Cliente”, em que pode estar em causa a relação entre estes, as buscas e apreensões, devem ser rodeadas de toda a cautela, tendo em conta os interesses em causa.
8. Assim, pugna-se pela manutenção do douto despacho, em que o Mmº Juiz, como habitualmente, procede à análise correcta da situação resultante dos autos.
Mantendo-se o douto despacho recorrido e desatendendo-se ao recurso interposto, será feita a costumada JUSTIÇA.

Tendo o tribunal de 1.ª instância admitido o recurso, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Aplicação do art. 268.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, às acções inspectivas efectuadas pela ACT em escritórios de advocacia;
2) O não cumprimento do n.º 1 do art. 268.º do Código de Processo Penal nessas acções inspectivas implica que tudo o que tenha sido apurado padece do vício da proibição de prova, nulidade/irregularidade nos termos do Código de Processo Penal;
3) As acções inspectivas efectuadas pela ACT em escritórios de advocacia são uma diligência equivalente nos termos do art. 75.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015, de 09-09);
4) Violação pelo despacho recorrido dos princípios da legalidade, lealdade e proporcionalidade, nos termos do art. 266.º da Constituição da República Portuguesa.
III. Matéria de Facto
Mostram-se pertinentes para a análise do presente recurso os factos narrados na decisão administrativa da ACT que infra se descrevem:
1. Que no dia da visita inspetiva realizada pela Inspetora autuante em conjunto com a Inspetora do Trabalho CC no dia 4 de Abril de 2011, pelas 14h40mim, no local de trabalho sito na Avenida …, em Setúbal, a entidade empregadora “BB”, melhor identificada, BB, tinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direção, fiscalização e mediante retribuição, a trabalhadora DD, nascida a 28.04…., de nacionalidade portuguesa, admitida a 04.04…, com a categoria profissional desconhecida.
2. A trabalhadora identificada pela equipa inspetiva, à data e hora da visita, encontrava-se a executar as tarefas para a qual foi contratada, designadamente a atender o telefone do escritório e a fazer marcação de consultas jurídicas.
3. A trabalhadora DD declarou que a sua entidade empregadora era “BB” e que era o seu primeiro dia de trabalho. Declarou ainda que na entrevista de emprego foi acordado o valor de 485€ (RMN) de retribuição base e que iria desempenhar várias tarefas, entre as quais, atendimento telefónico no escritório, marcação de consultas, tarefas relacionadas com o expediente geral do escritório, arquivo e tarefas no exterior como idas ao correio.
4. A existência de uma relação de contrato de trabalho com a trabalhadora supra identificada.
5. No decorrer da visita, a autuada telefonou para o local de trabalho tendo falado por esse meio com a Inspetora CC, que a informou dos poderes de autoridade no exercício das nossas funções como inspetoras do trabalho e ainda que iríamos deixar uma notificação para apresentação de documentos referentes à sua trabalhadora, que se encontrava no local a exercer as funções para as quais tinha sido contratada.
6. Na data da visita, no local de trabalho, não se encontrava afixado qualquer horário de trabalho da trabalhadora em questão.
7. Não existia no local de trabalho registo de tempos de trabalho.
8. Ora, à data da visita inspetiva, no local de trabalho acima referido a trabalhadora DD encontrava-se a desempenhar as suas tarefas desde as 9:00h e a autuada não elaborou nem afixou o horário de trabalho da mesma (Infração 1).
9. A autuada não garantiu a elaboração do registo dos tempos de trabalho, com a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, por forma a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas pela trabalhadora, por dia e por semana (Infração 2).
10. Não comunicou à segurança social, a admissão da trabalhadora (em fase de período experimental), 24 horas antes do início da prestação (Infração 3).
11. Atendendo a que a trabalhadora se encontrava no local de trabalho a desempenhar as tarefas para a qual foi contratada, verifica-se que a autuada não garantiu a transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho relativamente à trabalhadora DD (infração 4).
12. Fica ainda provado que:
a) A trabalhadora identificada pela equipa inspetiva, trabalhou em 2002 no escritório de Advogados, EE, conforme disse quando inquirida. Foi através desse escritório que foi a entrevista para posto de trabalho no escritório da autuada.
b) A trabalhadora à data da visita encontrava-se desempregada e a auferir o subsídio de desemprego, como é feita prova de documento extraído da Base de Dados da Segurança Social, junto ao auto de notícia.
c) A autuada após ação inspetiva passou a entregar relatório único, quando tem trabalhadores (ex: 2011; 2012), sendo que no anexo relativo a prestadores de serviços, declara não ter prestadores de serviços (ao contrário do referido pelas quatro primeiras testemunhas).
d) A trabalhadora identificada no dia 04.04.2011, encontrava-se no período experimental, com admissão em 04 de Abril de 2011.
e) A autuada fez cessar a relação de trabalho com a trabalhadora DD, no dia da visita inspetiva e na sequência da visita inspetiva.
IV – Enquadramento jurídico
1) Aplicação do art. 268.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, às acções inspectivas efectuadas pela ACT em escritórios de advocacia
A recorrente alega que às acções inspectivas efectuadas pela ACT em escritórios de advocacia tem de se dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do art. 268.º do Código de Processo Penal.
Dispõe o art. 268.º do Código de Processo Penal que:
1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:
a) Proceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido;
b) Proceder à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção da prevista no artigo 196.º, a qual pode ser aplicada pelo Ministério Público;
c) Proceder a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos do n.º 3 do artigo 177.º, do n.º 1 do artigo 180.º e do artigo 181.º;
d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 179.º;
e) Declarar a perda a favor do Estado de bens apreendidos, com expressa menção das disposições legais aplicadas, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito nos termos dos artigos 277.º, 280.º e 282.º;
f) Praticar quaisquer outros actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução.
2 - O juiz pratica os actos referidos no número anterior a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente.
3 - O requerimento, quando proveniente do Ministério Público ou de autoridade de polícia criminal, não está sujeito a quaisquer formalidades.
4 - Nos casos referidos nos números anteriores, o juiz decide, no prazo máximo de vinte e quatro horas, com base na informação que, conjuntamente com o requerimento, lhe for prestada, dispensando a apresentação dos autos sempre que a não considerar imprescindível.

Dispõe igualmente o art. 174.º do Código de Processo Penal que:
1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 - Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.
5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou
c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
6 - Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.

Dispõe também o art. 176.º do Código de Processo Penal que:
1 - Antes de se proceder a busca, é entregue, salvo nos casos do n.º 5 do artigo 174.º, a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga.
2 - Faltando as pessoas referidas no número anterior, a cópia é, sempre que possível, entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro ou a alguém que o substitua.
3 - Juntamente com a busca ou durante ela pode proceder-se a revista de pessoas que se encontrem no lugar, se quem ordenar ou efectuar a busca tiver razões para presumir que se verificam os pressupostos do n.º 1 do artigo 174.º Pode igualmente proceder-se como se dispõe no artigo 173.

Dispõe de igual modo o art. 177.º do Código de Processo Penal que:
1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.
2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.
3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal:
a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas;
b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito.
5 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.
6 - Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento ou a quem legalmente o substituir.

Importa citar também o art. 180.º do Código de Processo Penal:
1 - À apreensão operada em escritório de advogado ou em consultório médico é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 177.º
2 - Nos casos referidos no número anterior não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos por segredo profissional médico, salvo se eles mesmos constituírem objecto ou elemento de um crime.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo anterior.

Dispõe ainda o art. 10.º do DL n.º 102/2000, de 02-06, que:
1 - O inspector do trabalho desenvolve a sua actividade com a finalidade de assegurar o cumprimento das disposições integradas no âmbito da competência da Inspecção-Geral do Trabalho, com vista a promover a melhoria das condições de trabalho, podendo:
a) Prestar a entidades patronais, trabalhadores e seus representantes, nos locais de trabalho ou nos serviços da Inspecção-Geral do Trabalho, informações e conselhos técnicos sobre o modo mais adequado de observarem essas disposições;
b) Desenvolver as acções necessárias à avaliação das condições de trabalho;
c) Notificar para que, dentro de um prazo fixado, sejam realizadas nos locais de trabalho as modificações necessárias para assegurar a aplicação das disposições relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores;
d) Notificar para que sejam adoptadas medidas imediatamente executórias, incluindo a suspensão de trabalhos em curso, em caso de risco grave ou probabilidade séria da verificação de lesão da vida, integridade física ou saúde dos trabalhadores;
e) Realizar inquéritos em casos de acidentes de trabalho mortais ou que evidenciem situações particularmente graves, ou de doenças profissionais que provoquem lesões graves, sem prejuízo, neste caso, das competências de outras entidades, com vista ao desenvolvimento de medidas de prevenção adequadas nos locais de trabalho;
f) Promover processos de contra-ordenação ou contravenção, levantando autos de notícia, elaborando participação ou procedendo a inquérito prévio;
g) Realizar vistorias conjuntas e dar pareceres no âmbito de processos de licenciamento relativos à instalação, alteração e laboração de estabelecimentos, tendo em vista a prevenção de riscos profissionais;
h) Promover a colaboração de outras entidades com competência no âmbito das condições de trabalho;
i) Participar a outras entidades situações relacionadas com as condições de trabalho que se enquadrem no âmbito das suas competências.
2 - Se for determinada a suspensão de trabalhos em curso, nos termos da alínea d) do número anterior, os mesmos só podem continuar com autorização expressa do inspector do trabalho.

Dispõe, por fim, o art. 11.º do DL n.º 102/2000, de 02-06, que:
1 - No exercício da sua actividade, o inspector do trabalho pode:
a) Visitar e inspeccionar qualquer local de trabalho, a qualquer hora do dia ou da noite e sem necessidade de aviso prévio, sem prejuízo do disposto no direito processual penal sobre busca domiciliária;
b) Obter a colaboração e fazer-se acompanhar de peritos, técnicos de serviços públicos e representantes de associações sindicais e patronais, habilitados com credencial emitida pelos serviços de inspecção, da qual conste a entidade a visitar e o serviço a efectuar;
c) Interrogar o empregador, trabalhadores e qualquer outra pessoa que se encontre nos locais de trabalho sobre quaisquer questões relativas à aplicação de disposições legais, regulamentares ou convencionais, a sós ou perante testemunhas, com a faculdade de reduzir a escrito as declarações, sem prejuízo do direito de ser assistido por advogado, bem como do disposto no direito processual penal quanto aos arguidos;
d) Solicitar a identificação das pessoas referidas na alínea anterior, a efectuar nos termos previstos na lei geral;
e) Requisitar, com efeitos imediatos ou para apresentação nos serviços da Inspecção-Geral do Trabalho, examinar e copiar documentos e outros registos que interessem para o esclarecimento das relações de trabalho e das condições de trabalho, nomeadamente da avaliação dos riscos profissionais, do planeamento e programação da prevenção e dos seus resultados, bem como do cumprimento das normas sobre emprego, desemprego e pagamento das contribuições para a segurança social;
f) Efectuar registos fotográficos, imagens vídeo e medições que sejam relevantes para o desenvolvimento da acção inspectiva;
g) Solicitar informação sobre a composição de produtos, materiais e substâncias utilizados nos locais de trabalho, bem como recolher e levar para análise amostras dos mesmos, quando sejam relevantes para o desenvolvimento da acção inspectiva, dando do facto conhecimento ao empregador ou ao seu representante;
h) Determinar a demonstração de processos de trabalho adoptados nos locais de trabalho;
i) Adoptar, em qualquer momento da acção inspectiva, as medidas cautelares necessárias e adequadas para impedir a destruição, o desaparecimento ou a alteração de documentos e outros registos e de situações relacionadas com o referido nas alíneas e) a h), desde que não causem prejuízos desproporcionados;
j) Notificar o empregador para adoptar medidas de prevenção no domínio da avaliação dos riscos profissionais, designadamente promover, através de organismos especializados, medições, testes ou peritagens incidentes sobre os componentes materiais de trabalho;
k) Notificar testemunhas, peritos ou outras pessoas que possam dispor de informações úteis sobre a matéria do processo para comparência nos serviços da Inspecção-Geral do Trabalho ou noutro local;
l) Notificar o empregador para que proceda ao apuramento das quantias em dívida aos trabalhadores ou à segurança social;
m) Solicitar a colaboração de autoridades policiais, nomeadamente no caso de impedimento ou obstrução ao exercício da acção inspectiva, ou se for previsível a sua verificação.
2 - No exercício das suas funções, o inspector do trabalho pode efectuar a detenção em flagrante delito, nos termos da lei.

Cumpre decidir.
Nos termos do art. 268.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, durante o inquérito, compete exclusivamente ao juiz de instrução criminal proceder a buscas e apreensões em escritórios de advogado.
Por outro lado, nos termos do art. 174.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a busca traduz-se numa actividade de procura de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova nesse crime ou de pessoa que deva ser detida em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
Já a apreensão significa o apoderamento ou o confisco de determinado objecto, onde se incluem os documentos.
Por fim, a actividade inspectiva levada a cabo pela ACT, nos termos do art. 11.º do DL n.º 102/2000, de 02-06, pressupõe, designadamente, visitar e inspeccionar qualquer local de trabalho, a qualquer hora do dia ou da noite e sem necessidade de aviso prévio, sem prejuízo do disposto no direito processual penal sobre busca domiciliária (al. a); interrogar o empregador, trabalhadores e qualquer outra pessoa que se encontre nos locais de trabalho sobre quaisquer questões relativas à aplicação de disposições legais, regulamentares ou convencionais, a sós ou perante testemunhas, com a faculdade de reduzir a escrito as declarações, sem prejuízo do direito de ser assistido por advogado, bem como do disposto no direito processual penal quanto aos arguidos (al. c); solicitar a identificação das pessoas referidas na alínea anterior, a efectuar nos termos previstos na lei geral (al. d); requisitar, com efeitos imediatos ou para apresentação nos serviços da Inspecção-Geral do Trabalho, examinar e copiar documentos e outros registos que interessem para o esclarecimento das relações de trabalho e das condições de trabalho, nomeadamente da avaliação dos riscos profissionais, do planeamento e programação da prevenção e dos seus resultados, bem como do cumprimento das normas sobre emprego, desemprego e pagamento das contribuições para a segurança social (al. e); e efectuar registos fotográficos, imagens vídeo e medições que sejam relevantes para o desenvolvimento da acção inspectiva (al. f).
Das supra descritas actividades, a única que pode, em concreto, conflituar com a actividade de busca é a de “inspeccionar qualquer local de trabalho”, se tal inspecção se traduzir numa actividade de procura de documentação em locais não expostos, porém, não parece ser esse o real alcance dessa expressão, uma vez que não compete ao inspector do trabalho, na sua actividade inspectiva, apreender documentação, mas tão-somente requisitar (ou seja, requerer) que determinada documentação lhe seja entregue.
E, a ser assim, não faz sentido que tivesse sido concedido ao inspector do trabalho o direito a efectuar buscas em locais onde seja exercida a actividade laboral, porém, ao detectar a documentação relevante, apenas a pudesse solicitar ao empregador, ao invés de a apreender.
Por esse motivo, o real sentido da expressão “inspeccionar qualquer local de trabalho” é o de ter livre acesso ao espaço, e apenas ao espaço (já não aos bens e documentos que constem desse espaço), onde o trabalho é exercido.
Não competindo, assim, ao inspector do trabalho efectuar quaisquer buscas e apreensões na sua actividade inspectiva, não é de aplicar o disposto no art. 268.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando essa actividade inspectiva é exercida em escritórios de advocacia.
Importa ainda mencionar que, também no caso concreto, em face do teor dos factos dados como provados na decisão administrativa da ACT, bem como do que consta do auto de notícia (junto a fls. 5 a 8), as inspectoras de trabalho da ACT não extravasaram as funções que lhes estão atribuídas, pelo que se limitaram a entrar, no dia 04-04-2011, no escritório de advogados, sito na Avenida …, em Setúbal, e a constatar que a trabalhadora DD se encontrava nesse local, à data e hora da visita, a executar as tarefas para a qual fora contratada pela sua entidade empregadora “BB”, designadamente a atender o telefone do escritório e a fazer marcação de consultas jurídicas. Constataram ainda que, nesse local, naquele dia e hora, não se encontrava afixado qualquer horário de trabalho da trabalhadora em questão e não existia no local de trabalho registo de tempos de trabalho. Por fim, após contacto com a recorrente, deixaram uma notificação para apresentação de documentos referentes à sua trabalhadora, que se encontrava no local a exercer as funções para as quais tinha sido contratada.
Aliás, a recorrente também não alega que as referidas inspectoras de trabalho da ACT tivessem realizado buscas e/ou apreensões no dia da visita inspectiva.
Nesta conformidade, improcede a aplicação do n.º 1 do art. 268.º do Código de Processo Penal às actividades inspectivas efectuadas pela ACT em escritórios de advocacia, mantendo-se, neste ponto, a sentença recorrida.
2) O não cumprimento do n.º 1 do art. 268.º do Código de Processo Penal nessas acções inspectivas implica que tudo o que tenha sido apurado padece do vício da proibição de prova, nulidade/irregularidade nos termos do Código de Processo Penal
Apesar de já se ter concluído que o referido art. 268.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não tem aplicação nas acções inspectivas da ACT, desde que elas se mantenham dentro dos limites que lhes estão conferidos por Lei, sempre se procederá a alguns esclarecimentos relativamente ao vício processual penal inerente à violação do disposto no citado artigo.
Conforme supra mencionado, nos termos do art. 177.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, as buscas em escritório de advogado são, sob pena de nulidade, presididas pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.
Dispõe ainda sobre o regime das nulidades, o art. 118.º do Código de Processo Penal que:
1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
3 - As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.

Dispõe de igual modo o art. 119.º do Código de Processo Penal que:
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;
b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º;
f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.

Dispõe também o art. 120.º do Código de Processo Penal que:
1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior;
b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória;
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência;
c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito;
d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.

Dispõe igualmente o art. 121.º do Código de Processo Penal que:
1 - Salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados:
a) Renunciarem expressamente a arguí-las;
b) Tiverem aceite expressamente os efeitos do acto anulável; ou
c) Se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia.
2 - As nulidades respeitantes a falta ou a vício de notificação ou de convocação para acto processual ficam sanadas se a pessoa interessada comparecer ou renunciar a comparecer ao acto.
3 - Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o interessado comparecer apenas com a intenção de arguir a nulidade.

Cita-se ainda o disposto no art. 123.º do Código de Processo Penal:
1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.

E, por fim, cita-se o art. 126.º do Código de Processo Penal:
1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.

A recorrente invoca indiscriminadamente para o vício de violação do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 268.º do Código de Processo Penal, o da prova proibida, da nulidade e da irregularidade.
Ora, em face do disposto no art. 119.º do Código de Processo Penal, não estamos perante uma nulidade insanável, e, em face do disposto no já mencionado n.º 5 do art. 177.º do Código de Processo Penal, quando as buscas em escritório de advogados não são presididas por juiz e nelas não se encontra presente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou um seu delegado, o vício cominado é o da nulidade, pelo que também fica afastado o vício da irregularidade, previsto no art. 123.º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, o n.º 3 do art. 126.º do Código de Processo Penal reporta-se apenas às provas obtidas mediante intromissão no domicílio (já não no domicílio profissional), sendo este entendido, na esteira do Tribunal Constitucional, designadamente do Acórdão n.º 452/89 (consultável no DR n.º 167/1989, série I de 1989-07-22), do modo que se cita:
Por isso mesmo, tal garantia se não limita a proteger o domicílio, entendido este em sentido estrito, ou seja, no sentido civilístico de residência habitual; antes, e de acordo com a interpretação que dela tradicionalmente é feita, tem uma dimensão mais ampla, isto é, e mais especificamente, tem por objecto a habitação humana, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatada e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar.

No caso em apreço, não foi sequer alegado pela recorrente que no espaço onde esta exercia a sua actividade profissional existisse “toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar”, pelo que o disposto no art. 136.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, nunca seria de aplicar nesta situação.
E, assim, caso fosse de aplicar ao escritório de advogados onde a recorrente exerce a sua profissão de advogada o disposto no art. 268.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na presente acção inspectiva – que, como já se esclareceu supra, não é de aplicar –, o vício inerente à inexistência de juiz e de representante da Ordem dos Advogados sempre seria de nulidade, a qual dependeria de arguição, nos termos do art. 177.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, sob pena de ser sanada.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 08-02-1995, no âmbito do processo 047084, consultável em www.dgsi.pt:
I – As provas obtidas através da busca domiciliária levada a cabo sem autorização da competente autoridade judiciária, nem como consentimento do visado, serão nulas.
II – Porém, tal nulidade, porque sanável, fica sujeita à disciplina dos artigos 120 e 121 do C.P.Penal, dependendo, assim, da arguição do interessado.

Cita-se ainda o acórdão do TRL, proferido em 03-12-2008, no âmbito do processo n.º 9479/08, in CJ, 2008, T5, consultável em http://www.colectaneadejurisprudencia.com:
I – A eventual realização pelo MP de uma busca e apreensão que deveria ter sido presidida pelo juiz de instrução integra uma nulidade sanável.
3) As acções inspectivas efectuadas pela ACT em escritórios de advocacia são uma diligência equivalente nos termos do art. 75.º do Estatuto da Ordem dos Advogados
Esta é, aliás, a posição defendida pelo parecer da Ordem dos Advogados junto a fls. 474 a 480.
Para além dos arts. 10.º e 11.º do DL n.º 102/2000, de 02-06, já citados, importa ainda atender:
- ao art. 75.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015, de 09-09), que dispõe:
1 - A imposição de selos, o arrolamento, as buscas e diligências equivalentes no escritório ou sociedade de advogados ou em qualquer outro local onde faça arquivo, assim como a interceção e a gravação de conversações ou comunicações, através de telefone ou endereço eletrónico, utilizados pelo advogado no exercício da profissão, constantes do registo da Ordem dos Advogados, só podem ser decretados e presididos pelo juiz competente.
2 - Com a necessária antecedência, o juiz deve convocar para assistir à imposição de selos, ao arrolamento, às buscas e diligências equivalentes, o advogado a ela sujeito, bem como o presidente do conselho regional, o presidente da delegação ou delegado da Ordem dos Advogados, conforme os casos, os quais podem delegar em outro membro do conselho regional ou da delegação.
3 - Na falta de comparência do advogado representante da Ordem dos Advogados ou havendo urgência incompatível com os trâmites do número anterior, o juiz deve nomear qualquer advogado que possa comparecer imediatamente, de preferência de entre os que hajam feito parte dos órgãos da Ordem dos Advogados ou, quando não seja possível, o que for indicado pelo advogado a quem o escritório ou arquivo pertencer.
4 - Às diligências referidas no n.º 2 são admitidos também, quando se apresentem ou o juiz os convoque, os familiares ou trabalhadores do advogado interessado.
5 - Até à comparência do advogado que represente a Ordem dos Advogados podem ser tomadas as providências indispensáveis para que se não inutilizem ou desencaminhem quaisquer papéis ou objetos.
6 - O auto de diligência faz expressa menção das pessoas presentes, bem como de quaisquer ocorrências sobrevindas no seu decurso.

- ao art. 76.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que dispõe:
1 - Não pode ser apreendida a correspondência, seja qual for o suporte utilizado, que respeite ao exercício da profissão.
2 - A proibição estende-se à correspondência trocada entre o advogado e aquele que lhe tenha cometido ou pretendido cometer mandato e lhe haja solicitado parecer, embora ainda não dado ou já recusado.
3 - Compreendem-se na correspondência as instruções e informações escritas sobre o assunto da nomeação ou mandato ou do parecer solicitado.
4 - Excetua-se o caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido.

- ao art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que dispõe:
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever.

- ao art. 135.º do Código de Processo Penal, que dispõe:
1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 - Nos casos previstos nos n.os 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.

Cumpre decidir.
Nos termos do referido Parecer da Ordem dos Advogados os poderes inspectivos que põem em causa as “prerrogativas e garantias associadas ao exercício da advocacia”, são:
- o inspector do trabalho poder livremente aceder às instalações onde funciona o escritório de advogado, livre acesso esse que colide com o dever de segredo profissional a que o advogado está vinculado no exercício da sua actividade profissional, referindo ainda que “a simples presença do cliente ou potencial cliente no escritório, só por si, já impõe (ou pode impor) ao Advogado total reserva”;
- o inspector do trabalho poder solicitar a identificação das pessoas presentes no local de trabalho objecto da acção inspectiva, o que colide com o dever de reserva;
- o inspector do trabalho ter o direito de apreensão de documentos e objectos de prova, o que levanta o risco, ainda que potencial de “devassa do direito/dever/imunidade de segredo profissional do Advogado”;
- o inspector do trabalho ter o direito de interrogar o trabalhador administrativo que apoia a actividade profissional do advogado, o qual também está sujeito ao dever de segredo profissional, podendo este ser posto em causa;
- o inspector do trabalho ter o direito a efectuar registos fotográficos e imagens de vídeo, o que contende com a imunidade de segredo profissional reconhecida ao advogado no exercício da sua actividade profissional e com a própria natureza do escritório de um advogado.
Vejamos, então.
O facto de o inspector laboral poder ter livre acesso ao local de trabalho dependente que é exercido num escritório de advogados não colide com o dever de segredo profissional a que o advogado está vinculado no exercício da sua actividade profissional, uma vez que, como já se mencionou supra, aquilo a que o inspector laboral tem livre acesso é ao espaço onde a actividade profissional do trabalhador dependente é exercida, já não às gavetas, armários, arquivos, ou seja, aos objectos fechados que se encontrem nesses espaços, nem à documentação que não se mostre voluntariamente exposta nesse local de trabalho.
Por outro lado, importa esclarecer que o segredo profissional do advogado reporta-se a factos, conforme o demonstram as várias alíneas do n.º 1.º do art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, ou a documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo (n.º 3 do art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados); ou seja, só podem ser objecto de segredo profissional factos ou documentos e coisas relacionados com esses factos.
Acresce que o poder concedido ao inspector do trabalho de solicitar a identificação das pessoas que se encontrem nos locais de trabalho objecto da acção inspectiva deverá ter em atenção quer a especificidade dos respectivos locais de trabalho, quera relevância que tais pessoas poderão ter no desenrolar dessa acção inspectiva, pelo que apenas analisando, em concreto, a actuação dos inspectores laborais se poderá apurar se foi, ou não, violado qualquer dever de reserva.
Apesar de no referido Parecer constar que o inspector laboral tem o direito de apreender documentos e objectos de prova, na realidade, no disposto no art. 11.º do DL n.º 102/2000, de 02-06, apenas se menciona que tal inspector tem o direito de requisitar (ou seja, ordenar a entrega), examinar e copiar documentos ou outros registos que interessem para o esclarecimento das relações de trabalho e das condições de trabalho, nomeadamente da avaliação dos riscos profissionais, do planeamento e programação da prevenção e dos seus resultados, bem como do cumprimento das normas sobre emprego, desemprego e pagamento das contribuições para a segurança social (tudo matérias que manifestamente se reportam única e exclusivamente à relação contratual laboral entre o trabalhador dependente e o empregador, o qual, no caso, é um advogado).
Assim, não é verdade que o inspector laboral possa apreender documentos e objectos de prova, sendo que, ao requisitá-los, só terá acesso aos mesmos se estes lhe forem voluntariamente entregues, e, de igual modo, apenas os poderá examinar e copiar, se o empregador lhos entregar.
Dir-se-á ainda que as declarações que o inspector do trabalho pode solicitar ao trabalhador dependente têm necessariamente de se reportar às condições do contrato celebrado entre este e o seu empregador, bem como às condições de trabalho e ao cumprimento dos direitos e deveres inerentes à relação de trabalho, pelo que tais matérias em nada interferem com o sigilo profissional em que este trabalhador também se mostra abrangido, o qual, nos termos do n.º 7 do art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, se reporta única e exclusivamente aos factos descritos no n.º 1 desse mesmo artigo.
Por fim, dir-se-á apenas que os registos fotográficos e imagens de vídeo que o inspector do trabalho está autorizado a realizar, nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 11.º do DL n.º 102/2000, de 02-06, apenas se podem reportar a matérias relevantes para o desenvolvimento da acção inspectiva (ou seja, que se reportem ao esclarecimento das relações de trabalho e das condições de trabalho, nomeadamente da avaliação dos riscos profissionais, do planeamento e programação da prevenção e dos seus resultados, bem como do cumprimento das normas sobre emprego, desemprego e pagamento das contribuições para a segurança social) e, extravasando o inspector os poderes que legalmente lhe são concedidos, actua ilícita e ilegalmente.
De qualquer modo, o que releva é a actuação concreta de cada inspector do trabalho na acção inspectiva que leva a cabo.
E, no caso em apreço, conforme já mencionámos, em face dos factos que foram dados como provados na decisão administrativa da ACT, bem como pelo teor do auto de notícia que foi elaborado, as inspectoras do trabalho que procederam a esta acção inspectiva não realizaram qualquer busca ou apreensão no respectivo local de trabalho; não solicitaram a identificaram de qualquer cliente que se encontrasse nesse local de trabalho (desconhecendo-se, inclusive, que se encontrasse, à data, qualquer cliente no local); as perguntas que efectuaram à trabalhadora que se encontrava naquele local apenas se reportaram a questões relacionadas com o seu contrato de trabalho; e não procederam a qualquer registos fotográficos e de imagens de vídeo; pelo que, e em concreto, ao visitaram, em 04-04-2011, o escritório de advocacia onde a recorrente exerce a sua actividade profissional, as referidas inspectoras, não só não extravasaram os poderes que legalmente lhes são atribuídos nos termos do art. 11.º, n.º 1, do DL n.º 102/2000, de 02-06, como não puseram em causa o sigilo profissional da recorrente, enquanto advogada, nem violaram qualquer dever de reserva.
Assim, e em conclusão, os poderes concedidos aos inspectores do trabalho pelo art. 11.º, n.º 1, do DL n.º 102/2000, de 02-06, em princípio, não se integram na definição de “diligências equivalentes” constantes no n.º 1 do art. 75.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, desde logo, porque neles não se mostram incluídas as buscas e as apreensões, e, essencialmente, na situação em apreço, na actuação levada a cabo pelas duas inspectoras da ACT não foram efectuadas quaisquer acções susceptíveis de se assemelharem a imposição de selos, arrolamento ou buscas, pelo que a diligência efectuada, em concreto, pela ACT, não se enquadra na definição de “diligências equivalentes”, constante do art.º 75.º n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Nesta conformidade, improcede a aplicação do n.º 1 do art. 75.º do Estatuto da Ordem dos Advogados à presente actividade inspectiva efectuada pela ACT no escritório de advogados onde a recorrente exerce a sua actividade, mantendo-se, neste ponto, a sentença recorrida.
4) Violação pelo despacho recorrido dos princípios da legalidade, lealdade e proporcionalidade, nos termos do art. 266.º da Constituição da República Portuguesa
Nos termos das conclusões apresentadas pela recorrente, a sentença recorrida, ao não considerar que a presente acção inspectiva tinha de ser presidida por juiz e estar presente um representante da Ordem dos Advogados, violou os princípios da legalidade, lealdade e proporcionalidade.
Dispõe o art. 266.º da Constituição da República Portuguesa que:
1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

Dispõe também o art. 208.º da Constituição da República Portuguesa que:
A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

Dispõe, por sua vez, o art. 53.º da Constituição da República Portuguesa que:
É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

Dispõe igualmente o art. 59.º da Constituição da República Portuguesa que:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c) A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e) A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f) A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores-estudantes.
3. Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.

Dispõe, por fim, o art. 63.º da Constituição da República Portuguesa que:
1. Todos têm direito à segurança social.
2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.
3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.
5. O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º.

Cumpre decidir.
Ao não resultar da Lei que as acções inspectivas laborais em escritórios de advogados tenham de ser presididas por juiz e tenham de ter presente um representante da Ordem dos Advogados, as inspectoras que efectuaram uma acção inspectiva, no dia 04-04-2011, ao escritório de advocacia onde exercia a actividade de advogada a ora recorrente, limitaram-se a actuar de acordo com a Lei, pelo que não violaram o princípio da legalidade, imposto pelo n.º 2 do art. 266.º da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, sendo os poderes que são atribuídos aos inspectores laborais bastante diversos dos poderes que são atribuídos aos órgãos de polícia criminal, não possuindo aqueles, diversamente destes, designadamente, poderes para realizar buscas e apreensões, focando-se a acção inspectiva da ACT na obtenção de informação de natureza não confidencial, e, concretamente, não tendo a presente acção inspectiva visado obter qualquer informação de natureza confidencial, não era necessária a presença de um juiz e de um representante da Ordem dos Advogados, inexistindo, por isso, violação do princípio da proporcionalidade.
Por fim, em face do âmbito da inspecção efectuada, não se mostrando legalmente previsto qualquer dever dos inspectores laborais informarem previamente a Ordem dos Advogados de que irão proceder a uma acção inspectiva num determinado escritório de advocacia, as inspectoras que, em concreto, realizaram a presente acção inspectiva não violaram o princípio da lealdade.
Sempre se dirá, de igual modo, que as imunidades que o art. 208.º da Constituição da República Portuguesa concede aos advogados não foram colocadas em causa no caso concreto.
Por fim, salienta-se que possuem relevância constitucional, o direito dos trabalhadores à segurança no emprego (art. 53.º da Constituição da República Portuguesa), à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar (al. b) do n.º 1 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa); à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde (al. c) do n.º 1 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa); ao repouso e a lazeres, com um limite máximo da jornada de trabalho, a descanso semanal e a férias periódicas pagas (al. d) do n.º 1 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa); e à segurança social (n.º 1 do art. 63.º da Constituição da República Portuguesa).
Possui ainda assento constitucional a obrigação que recai sobre o Estado de assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito (n.º 2 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa), bem como organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado (n.º 2 do art. 63.º da Constituição da República Portuguesa).
E, a ser assim, as referidas inspectoras da ACT, enquanto autoridades administrativas, apenas se limitaram a actuar de acordo com os ditames legais, em respeito pelas obrigações que constitucionalmente são impostas ao Estado.
Nesta conformidade, a sentença recorrida, ao entender que a referida acção inspectiva não tinha de ser presidida por juiz, nem tinha de estar presente um representante da Ordem dos Advogados, não violou os princípios da legalidade, lealdade e proporcionalidade.
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Évora, 20 de Dezembro de 2018
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Pereira da Silva


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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; Adjunto: Moisés Pereira da Silva.