Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1820/16.0T8STR.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A conduta de um Banco que, na comercialização de produtos financeiros, presta aos seus clientes informação errónea, afirmando que garantia o capital investido e que o restituiria logo que solicitado, assim levando-os a subscrever aqueles produtos, viola os ditames da boa-fé a que se encontra sujeito, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
2. Tal conduta constitui o Banco em responsabilidade contratual, por violação do dever de informação.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível de Santarém, (…) demandou Banco (…) Português, S.A., pedindo, a título principal, a condenação no pagamento de capital e juros vencidos e garantidos, no valor de € 165.000,00, bem como os vincendos desde a citação.
Após instrução e discussão da causa, foi proferida sentença julgando este pedido parcialmente procedente e o R. condenado no pagamento da quantia de € 150.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde 09.05.2016 e até integral pagamento.

Inconformado, o R. recorre e conclui:
I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 4, 10, 11, 14, 16.
II. Não pode ainda o Banco Recorrente concordar com a matéria de facto dada como não provada e descrita no ponto 7.
III. A matéria facto deveria assim ser alterada no seguinte sentido:
a. Deverá ser retirada a referência “com capital garantido pelo então BPN” no facto provado nº 4.
b. Deverá ser dado como não provado o facto provado nº 10.
c. Deverá ser retirada a frase “cuja responsabilidade de reembolso era do banco réu e que este lhe restituía logo que o solicitasse” do facto provado nº 11.
d. Deverá ser dado como não provado o facto provado nº 14.
e. Deverá ser retirada a frase “e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido” do facto provado nº 16.
f. Em consequência deverá ainda ser considerado como provado o facto não provado nº 7.
IV. A modificação da matéria de facto impõe-se pelos depoimentos da testemunha … (ficheiro 20170606145624_2656445_2871697) nos momentos e passagens acima devidamente identificados e ainda pelo depoimento da testemunha … (gravado no sistema citius com a referência 20170606142504_2656445_2871697) bem como pela análise do boletim de subscrição do produto.
V. De nenhum destes meios de prova resulta a prestação por parte do Banco Réu de uma garantia de cumprimento das obrigações decorrentes do empréstimo obrigacionista lançado pelo SLN denominado SLN 2006.
VI. A Autora intentou a presente acção apresentando uma causa de pedir muito clara - artigos 20º e 21º da Petição Inicial - “Deste modo, o Banco Réu é depositário de 150.000,00€ que mantém aplicados em Obrigações SLN 2006, dinheiro que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis semestralmente”.
VII. Esta causa de pedir, seja ela entendida com contratação em erro, seja entendida como aplicação não autorizadas do dinheiro da Autora, num produto que não o pretendido - o depósito a prazo - não resultou de forma alguma provada.
VIII. A prova desta causa de pedir, ou seja, de que a Autora contratou com o banco um depósito a prazo cabia à Autora. Era essencial à sua alegação, constituindo, na senda do caminho trilhado pela sentença recorrida, o facto ilícito consubstanciador da eventual responsabilidade do banco - a venda de obrigações da SLN como depósitos a prazo do banco.
IX. Esta realidade não resultou provado e como tal deveria o Banco ter sido absolvido.
X. Entende o Banco Recorrente não ter sido prestada qualquer garantia do banco relativamente ao reembolso do produto em causa.
XI. Ora caindo esta prestação de garantia, cairá também a responsabilidade do Banco Recorrente.
XII. Entre Recorrente e os subscritores estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira.
XIII. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objecto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução.
XIV. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado directamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objecto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
XV. As exteriorizações do dever de informação podem também ser categorizadas consoante as mesmas estejam relacionadas com o negócio de cobertura ou, por outro lado, relacionadas com os negócios de execução, ou até mesmo com os instrumentos financeiros que são objecto desses negócios de execução.
XVI. O dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos!
XVII. Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º, nº 1, do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura, ou seja ao próprio serviço neste caso disponibilizado pelo Banco Réu de colocação das Obrigações SLN 2006.
XVIII. O art. 323º do CdVM trata dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos (por exemplo: deveres de informação no âmbito da execução de ordens, deveres de informação no âmbito da gestão de carteiras, etc.).
XIX. O risco de incumprimento da obrigação assumida, o pagamento das obrigações pela entidade emitente, ou até à insolvência do obrigado, não é nem pode ser considerado um risco especial.
XX. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
XXI. O funcionário que colocou o produto informou o cliente de todas as características essenciais do produto. Nomeadamente no que diz respeito aos seus riscos.
XXII. O produto em causa era entendido efectivamente à data como um produto seguro, emitida pela entidade que detinha o banco e que o tinha como seu principal activo, entidade esta que não tinha no seu histórico qualquer situação de incumprimento.
XXIII. A informação de que o produto tinha capital garantido era também ela uma informação correcta. O produto tinha efectivamente como característica essencial a devolução da totalidade do capital, e respectiva remuneração, no final do prazo contratado, distinguindo-se assim de outros produtos na altura comercializados no mercado que não previam a possibilidade logo de início de perda do capital investido.
XXIV. Se o intermediário financeiro estivesse obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento de terceiro, por maioria de razão, estaria também obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento (ou até de insolvência) dele próprio!
XXV. A versão do CVM vigente à data da colocação das obrigações era a redacção resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99, de 13/11 até ao D.L. 52/2006, de 15/03.
XXVI. Sendo também certo que o art. 312º, por exemplo, apenas foi alterado com o D.L. 357-A/2007, de 31/10, mantendo até então a sua redacção original, decorrente do D.L. 486/99, de 13/11.
XXVII. À data da contratação, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E, nº 2, alínea a)!
XXVIII. À data, a subscrição de obrigações, em geral, é de per se, podia ser considerada como um investimento ou aplicação bastante conservador.
XXIX. Desde logo, por um tal produto apenas implicar o reembolso do capital “emprestado” e bem assim a remuneração acordada,
XXX. Sendo que o único risco efectivo de um tal produto é o risco de incumprimento da sociedade emitente, risco este que, no entender da Recorrente, não tinha em 2006 ou 2007 que ser sequer mencionado pelas razões acima expostas.
XXXI. As obrigações foram ainda emitidas pela SLN, SGPS, S.A. sociedade titular, ainda que por interposta sociedade, de 100% do capital social do Banco Recorrente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.
XXXII. Foi esta segurança que foi transmitida pelos funcionários do Banco Recorrente aos clientes, como aliás resulta dos seus depoimentos.
XXXIII. Como vem sendo defendido (Cf. Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do banco por informações à luz do artº 485º do CC, RDE 14, pág. 135 e segs, mormente 140 e seg.), no que toca ao dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXXIV. No que toca a informação que contém juízos ou valorações, como sucede com informação sobre solvabilidade de terceiro, não se pode exigir a prestação de informação infalível, bastando-se que o banco faça uma avaliação correcta dos dados que possui.
XXXV. E os dados disponíveis em 2006 apontavam sem sombra de dúvida para a segurança do produto em causa.
XXXVI. São de três tipos os deveres que sobre o Banco Réu impendiam: i)- de protecção dos legítimos interesses dos clientes, impondo-se ao intermediário financeiro o dever de averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste (cliente) a recepção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento; ii) - dever de evitar conflitos de interesses; iii) - deveres de informação e publicidade, realçando-se, quanto a esta, o dever de observar as regras relativas ao anúncio de lançamento da operação e do prospecto.
XXXVII. Nenhum destes deveres foi violado pelo Banco Recorrente.
XXXVIII. A circunstância de ter sido referido aos autores que se tratava de produto “garantido”, no sentido de ser um produto seguro, com retorno assegurado, também não consubstancia no entender do Banco Réu, qualquer acto ilícito.
XXXIX. À data em que foi prestada, tratava-se de informação verdadeira, actual, clara e objectiva: em 2007, ninguém alvitrava ou existiam indícios da insolvência da emitente, a SLN (posteriormente Galilei) que, de resto, apenas veio a ser declarada insolvente em 2015 e sempre pagou os cupões das obrigações que emitiu, durante mais de 10 anos, sem que os autores reclamassem qualquer irregularidade na subscrição das Obrigações.
XL. Não resultou demonstrada qualquer ilicitude na actuação do Banco Recorrente.
XLI. A falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência do emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro.
XLII. As obrigações são valores mobiliários representativos de direitos de crédito ao reembolso da quantia emprestada (valor nominal da obrigação).
XLIII. Os AA. mediante a subscrição de obrigações no montante de € 150.000,00, emprestaram esse valor à “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” (entidade emitente dessas obrigações), a qual, por seu turno detinha o Banco Réu a 100%, daí que na data de 2007 não fosse equacionável que aquela poderia um dia vir a falir.
XLIV. Não poderá assim ser assacada qualquer responsabilidade ao Banco Réu relativamente ao incumprimento verificado no pagamento das obrigações pela entidade emitente.
XLV. Não haverá também lugar à responsabilidade do Banco Réu em sede de responsabilidade civil por falta de verificação dos seus requisitos essenciais e pelas razões acima expostas.
XLVI. Deverá assim o Banco Réu ser absolvido dos pedidos contra si deduzidos na presente acção.
XLVII. O Tribunal recorrido efectuou uma incorrecta aplicação dos artigos 595º, 762º, 227º do Código Civil, 289º, 291º, 304º, 312º e 323º do CVM e 75º RGICSF.

Na resposta sustenta-se a manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
A reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Entrando na análise da impugnação de facto, o Recorrente discute essencialmente pontos da matéria de facto associados à subscrição pela A. do produto financeiro apenas porque lhe foi dito que o capital era garantido pelo BPN – assim pretendendo que se retire do ponto n.º 4 a referência “com capital garantido pelo então BPN”, do ponto n.º 11 a frase “cuja responsabilidade de reembolso era do banco réu e que este lhe restituía logo que o solicitasse”, e do ponto n.º 16 a frase “e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido”.
Nessa sequência, pretende ainda o Recorrente que se considere não provado que “a A. apenas autorizou a realização da aplicação porque o Gerente da Agência de Ourém do Banco R. lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo Banco e devido às condições constantes dos pontos 4 e 6” – ponto n.º 10 – e que “se a A. se tivesse apercebido que estava a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006 e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria” – ponto n.º 14 – devendo, em contrapartida, declarar-se provado que “nunca o réu disse à autora que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das Obrigações SLN 2006” – ponto n.º 7 dos factos declarados não provados na primeira instância.
De acordo com a argumentação do Recorrente, as declarações da testemunha (…) sempre imporiam uma decisão diferente no que se refere “à suposta garantia prestada pelo Banco BPN à emissão das obrigações da SLN…”, e ainda que o boletim de subscrição assinado pelo cliente consta apenas que o produto em causa era apenas garantido pela SLN.
No entanto, ouvidos todos os depoimentos, outra é a realidade que transparece.
Em especial, no que concerne ao depoimento da testemunha (…), ao tempo gerente da agência de Ourém, o que avulta é que a A. era uma cliente avessa ao risco, que pretendia realizar um depósito a prazo com uma taxa superior, e que lhe foi oferecida a possibilidade de subscrição das obrigações SLN, porque “vendíamos isso como um equivalente a um depósito a prazo do próprio (Banco) visto a SLN ser a dona do Banco… não havia diferenciação entre uma coisa e outra, portanto, podemos entender, digamos, era risco Banco”, e sendo a SLN “a dona do Banco não víamos distinção entre uma coisa e outra”, tendo sido isso mesmo que foi dito à A., “disse-lhe que relativamente à problemática da taxa que se conseguia melhorar a taxa, que tinha um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido e taxa garantida, pagava juros de seis em seis meses, que se tratavam de obrigações da SLN, com um prazo de dez anos e que se houvesse necessidade de disponibilizar o valor se conseguia” e que “as pessoas confiavam em nós, obviamente.”
Por outro lado, a intenção de subscrição de um produto sem risco de capital e que proporcionasse uma melhor taxa de juro é bem patente do depoimento da testemunha (…), a filha da A. e que a acompanhou e aconselhou nesta subscrição, de resto em versão confirmada pelo gerente da agência de Ourém, a testemunha (…), ao referir que apenas se pretendeu renovar com uma taxa de juro mais atractiva um depósito a prazo que a A. já tinha constituído no Banco, e que a cliente não pretendia qualquer risco de capital, mas apenas uma mera rentabilidade do mesmo.
Acompanha-se, pois, a decisão recorrida, quando afirma que do depoimento da testemunha (…) «decorre, sem dúvida, o convencimento da autora (…) de que o banco réu garantia a restituição do dinheiro investido e o pagamento de juros e deriva, ainda, a nosso ver, com mediana clareza, que em face do clima de confiança existente entre a autora (e a filha desta), e o Gerente da Agência de Ourém, à data, a testemunha (…), as mesmas aceitaram como boa a informação daquele de que o produto em causa era equivalente a um Depósito a Prazo e que o mesmo não tinha riscos.»
Em suma, acompanha-se a decisão recorrida quando declara provado que foi dito à A. que o produto financeiro em causa tinha o seu capital garantido pelo BPN e que a responsabilidade de reembolso era do Banco e que seria restituído logo que solicitado, tendo sido essa a condição essencial que levou a A. a realizar a aplicação.
Improcede, pois, a pretendida impugnação da matéria de facto.

O elenco fáctico fica assim estabelecido:
1- O R., até 2012 denominado BPN – Banco Português de Negócios, S.A. e daí em diante com a actual denominação, dedicava-se e dedica-se ao exercício da actividade bancária com intuitos lucrativos.
2- A A. era cliente da Agência de Ourém do Banco R., com a conta n.º (…), na qual movimenta, tanto a crédito como a débito, parte dos seus dinheiros e possuía as suas poupanças.
3- No Banco R., a A. aplicou as suas poupanças em Depósitos a Prazo e em UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário, conforme documento de fls. 29 verso a 31 verso, cujo teor se dá por reproduzido.
4- Em data não concretamente apurada, mas pouco tempo antes do dia 9 de Maio de 2007, a A. foi contactada pelo Gerente – (…) – da Agência de Ourém para oferta da possibilidade de subscrever o produto em tudo igual a um Depósito a Prazo, com capital garantido pelo então BPN e com rentabilidade assegurada.
5- O Gerente da Agência de Ourém do Banco R. sabia que a A. não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, tendo um perfil conservador no que respeita ao seu dinheiro.
6- Apresentou-lhe as condições do produto, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente a um Depósito a Prazo, a sua segurança e a garantia do reembolso do capital investido.
7- Com data de 9 de Maio de 2007, a filha da A. subscreveu o documento de fls. 29, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual foi aplicada a quantia de € 150.000,00 de que a A. era titular em Obrigações SLN 2006.
8- As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco R., participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada.
9- A obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos era possível apenas pela via do endosso, o que à data era extremamente fácil porquanto a procura superava muitas vezes a oferta.
10- A A. apenas autorizou a realização da aplicação porque o Gerente da Agência de Ourém do Banco R. lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo Banco e devido às condições constantes dos pontos 4 e 6.
11- A A. agiu convicta de que estava a investir o seu dinheiro numa aplicação segura, em tudo semelhante a um Depósito a Prazo, cuja responsabilidade de reembolso era do Banco R. e que este lho restituía logo que o solicitasse.
12- O Gerente da Agência de Ourém do Banco R. assegurou à A. que a aplicação em Obrigações SLN 2006 tinha uma garantia semelhante a um Depósito a Prazo, mas não explicou à A. o que eram obrigações subordinadas, em concreto, o que eram obrigações subordinadas SLN 2006.
13- Donde a convicção da A. na segurança da aplicação cujos juros foram sendo semestralmente pagos pelo menos até 2015.
14-Se a A. se tivesse apercebido que estava a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006 e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.
15- Na data do vencimento – 09 de Maio de 2016 – o Banco R. não restituiu à A. o montante de € 150.000,00 que esta lhe havia confiado.
16- A Direcção Comercial do Banco R. e os seus comerciais e funcionários repetiam internamente e junto dos seus clientes, tal como fizeram junto da A., que se tratava de um investimento seguro e rentável e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros.

Aplicando o Direito.
Da responsabilidade do intermediário financeiro por violação do dever de informação
A questão em causa nos autos, nomeadamente as que rodearam a subscrição das “Obrigações SLN” por parte dos clientes do BPN, já tem sido longamente tratada nos Tribunais Superiores, inclusive nesta Relação de Évora, em Acórdãos de 21.12.2017 e de 11.01.2018, intervindo o ora relator e a 1.ª adjunta como adjuntos no último deles.[2]
Uma vez que as alegações do Recorrente são praticamente uma cópia das oferecidas naqueles processos, poderia fazer-se mera remessa para a argumentação desenvolvida naqueles arestos, nos termos do art. 663.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
De todo o modo, em mero reforço da argumentação, diremos sucintamente o seguinte.
De acordo com o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários (CVM), na versão em vigor à data dos factos[3], nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
Não está em causa o mero padrão médio de conduta, mas um elevado padrão de diligência, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.[4]
Dispunha ainda o art. 314.º do CVM, na mesma versão, que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, e ainda que a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Está aqui em causa uma responsabilidade contratual, enquadrada nos termos dos arts. 798.º e 799.º do Código Civil, onde se estabelece uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. Como escreve Menezes Cordeiro[5], «perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa».
Escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016, que «no domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância.»[6]
No caso em apreço, sendo evidente que a A. é uma investidora não qualificada, a declaração do Banco no sentido de garantir o capital investido e que este seria restituído logo que solicitado, deve ser encarada como a assunção pelo Banco de um autêntico compromisso contratual, tanto mais que “a confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor colectivo da segurança jurídica.”[7]
Escreve Menezes Leitão[8], «que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799.º do Código Civil que como entidade especializada na matéria se compromete à prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua».
Ponderando que a A. foi informada que o capital era garantido pelo Banco, que o restituiria logo que solicitado, mostram-se reunidos os pressupostos da responsabilidade contratual, por violação do dever de informação, assim se justificando a condenação decidida na exaustiva e bem fundamentada decisão recorrida.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação da decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Évora, 8 de Março de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Os referidos Acórdãos foram proferidos, respectivamente, nos Procs. 2695/16.4T8STR.E1 e 1821/16.8T8STR.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] A anterior ao DL 357-A/2007, de 31 de Outubro.
[4] Neste sentido, Gonçalo André Castilho dos Santos, in “A responsabilidade civil do intermediário financeiro”, pág. 201.
[5] In Direito Bancário, 5.ª ed., págs. 431/432.
[6] Aresto proferido no Proc. 70/13.1TBSEI.C1.S1, igualmente publicado em www.dgsi.pt.
[7] Citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2016.
[8] In Informação Bancária e Responsabilidade, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II, pág. 230.