Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
572/15.5T8LRA.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- O ónus de alegar e provar os factos conducentes à responsabilidade agravada do empregador e à descaracterização do acidente de trabalho por negligência grosseira do sinistrado, recai sobre quem pretende beneficiar do regime legal previsto para as duas situações.
II- A responsabilidade agravada prevista no n.º 1 do artigo 18.º da LAT pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: a) que sobre a empregadora ou qualquer outra das entidades mencionadas no normativo recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que aquela as não haja, efetivamente cumprido; c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente.
III- As regras a que se refere o aludido normativo são normas que consagram deveres especiais de cuidado em matéria de segurança e saúde no trabalho, o que exclui da previsão legal qualquer violação de um dever geral de cuidado.
IV- Para que se verifique a situação que exclui o direito à reparação pelo acidente prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) que se verifique negligência grosseira do sinistrado; (ii) que essa negligência grosseira constitua a causa exclusiva do acidente.
V- A definição de negligência grosseira contemplada pela norma, comporta:
- um comportamento temerário (arriscado, imprudente, perigoso, arrojado);
- em alto e relevante grau (o risco do comportamento é elevado, importante, significativo);
- e que não resulte: da habitualidade ao perigo do trabalho executado (o contacto frequente, normal, com o risco inerente a um determinado trabalho tende a fazer “baixar” as defesas e cautelas do trabalhador); da confiança na própria experiência profissional (o conhecimento adquirido pela prática e a superação das dificuldades que vão surgindo nesse contexto, é geradora de confiança quer no evitar da concretização de riscos quer na obtenção de respostas e soluções para qualquer problema que surja); dos usos e costumes da profissão (práticas habituais, reiteradas ao longo do tempo, de uma forma generalizada e que implicam uma certa convicção da sua obrigatoriedade).
VI- Não tendo a seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade emergente de acidente de trabalho logrado provar que o acidente ocorrido por o trabalhador ter colocado a mão numa pequena abertura que se encontrava por baixo de uma máquina retestadeira para retirar uma tábua que se encontrava a encravar a máquina, foi provocado devido à inobservância das normas de segurança por parte da empregadora ou que o comportamento imprudente do trabalhador consubstancia uma negligência grosseira, a responsabilidade pela reparação do acidente recai sobre a seguradora, nos termos legais.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.572/15.5T8LRA.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado BB, frustrada a tentativa de conciliação realizada pelo Ministério Público, deu-se início à fase contenciosa do processo, por via da apresentação da petição inicial deduzida contra CC, S.A., no âmbito da qual o sinistrado pediu a condenação da R. a pagar-lhe:
- O capital de remição calculado com base na pensão anual no montante de € 1.258,80, com início em 11/02/2015, dia imediato ao da alta;
- A quantia de € 60,00, a título de despesas de transporte;
- Juros de mora sobre as quantias em atraso, calculados à taxa legal.
Alegou, em resumo, que sofreu um acidente de trabalho, em 26/09/2014, que a seguradora demandada, para a qual estava transferida a responsabilidade emergente de acidente de trabalho, não aceita reparar por entender que houve violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora. Mais refere que a seguradora também não aceitou as lesões e as sequelas sofridas em consequência do acidente.
O sinistrado requereu a realização de exame por junta médica, tendo apresentado os seus quesitos.
Contestou a seguradora, invocando, no essencial, que o acidente em causa nos autos, ocorreu ou por violação das regras de segurança por parte da entidade patronal ou por negligência grosseira do sinistrado, o que conduz à descaracterização do acidente. Impugnou a incapacidade permanente parcial (IPP) fixada pelo perito singular que observou o sinistrado na fase conciliatória do processo, requerendo a realização de exame por junta médica, apresentando para o efeito os respetivos quesitos.
Mais requereu a intervenção provocada acessória da entidade empregadora, a sociedade DD, Lda..
Na sequência da defesa oferecida, o sinistrado veio requerer a citação da entidade patronal, nos termos do artigo 129.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo do Trabalho.
Citada a empregadora, veio a mesma apresentar a sua contestação, impugnando que o acidente tenha sido causado por violação de quaisquer regras de segurança pela sua parte ou por negligência grosseira do sinistrado, afirmando que a seguradora deve ser exclusivamente condenada pela reparação do acidente.
Foi proferido despacho saneador tabelar e identificado o objeto do litígio.
Selecionaram-se os factos assentes e elencaram-se ordenadamente as questões factuais controvertidas, mediante o título “Temas da prova”.
A fixação da incapacidade para o trabalho correu por apenso.
No processo principal, após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o dispositivo que se transcreve:
«4.1. Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno:
4.1.1. A Ré CC, S.A., a pagar ao autor BB:
a) O capital de remição de uma pensão anual de € 1.185,04, correspondente a uma IPP de 20,51 %, devida desde 11/2/2015;
b) O montante de € 60 de despesas de transportes; e,
c) O pagamento de juros de mora até ao integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor.
4.1.2. Absolvo as rés do demais que foi peticionado.
4.3. As custas são a suportar ré seguradora (considerando que o seu decaimento é praticamente total).
4.4. Fixo o valor da ação pelo montante das reservas matemáticas, isto é € 14.808,26 – art.º 120.º, do Código de Processo do Trabalho.
4.5. Notifique.»
Não se conformando com esta decisão, veio a seguradora interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«I. Com o devido respeito por diferente opinião, entende a Recorrente que a sentença fez incorreta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos relativamente a duas questões essenciais, a saber, a descaracterização do acidente e a violação das regras de segurança pela entidade empregadora.
II. Perante o factualismo provado nos autos, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido, dúvidas não restam de que o acidente dos autos ocorreu ou por violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora, ou por negligência grosseira por parte do sinistrado;
III. Da factualidade provada, resulta que o sinistrado, no dia 26-9-2014, às 14 horas, em …, estava a operar uma máquina retestadeira, quando meteu a mão direita no seu interior para retirar uma tábua e foi atingido por uma peça dessa máquina; Na data do acidente, o autor encontrava-se a proceder à recolha de réguas que estavam a ser produzidas pela retestadeira e à colocação destas em paletes que seriam depois transportadas por um empilhador; A dado momento, uma das réguas ficou presa no interior da retestadeira, impedindo que as demais réguas que estavam a ser produzidas no interior da retestadeira fossem expelidas para o exterior, para cima da mesa de recolha; O autor apercebendo-se de que a régua se encontrava presa no interior da máquina, e do encravamento da retestadeira, deslocou-se até à parte de trás da máquina (que é o lugar oposto à saída da madeira); Aí chegado, o autor baixou-se e alcançou uma pequena abertura que se encontra por baixo da porta da retestadeira; E, introduziu a mão direita na abertura, com a intenção de retirar a régua que se encontrava presa na retestadeira, e por esse modo, desencravar a retestadeira, Sem ter desligado a máquina, mantendo a retestadeira em funcionamento enquanto procedia nos termos indicados supra; esta máquina retestadeira tem no seu interior um mecanismo automatizado que faz deslocar os troncos de madeira à medida que vão sendo retestados, até à saída, sendo projetados para o exterior; esse mecanismo automatizado é composto por “palas” isto é, peças móveis no interior da retestadeira, as quais são acionadas por um sensor para expelir as réguas para o exterior; A ré empregadora não possuía qualquer manual de instruções da máquina retestadeira, nem esta possuía declaração de conformidade “CE”; Na referida máquina, as portas de encapsulamento são fechadas apenas por um trinco; Não possui mecanismos de bloqueio, nomeadamente através de células fotovoltaicas ou sensores que desliguem automaticamente os motores aquando do encravamento da máquina ou da abertura das portas pelos trabalhadores; Não possuía a máquina quaisquer proteções laterais das portas ou das zonas de acesso à zona superior da máquina, à zona de acerto das medidas das paralelas e à zona oposta do lado de saída da madeira [ressalvando o mencionado trinco];
IV. As fotografias da máquina retestadeira e a descrição do seu modo de trabalhar constam a fls. 46 e ss do processo de inquérito elaborado pelo ACT, pela testemunha interveniente nos autos, o Senhor Inspetor ….
V. Desde logo foi alegado pela Ré/ora Recorrente que a máquina retestadeira não possuía células fotoelétricas, ou sensores equiparados, que bloqueiem todos os motores do equipamento de trabalho quando ocorre uma anomalia ou o trabalhador / operador abre uma das portas.
VI. A Ré /Recorrente, ao contrário do que conclui o Tribunal “a quo” na sentença recorrida, teve a preocupação de enumerar, de forma exaustiva, quais as normas e regras de segurança que não foram devidamente observadas pela entidade empregadora.- cfr artigos 43.º a 67.º da sua contestação
VII. Da análise do articulado da Ré, conclui-se que foram indicadas várias normas e regras de segurança, que não foram, no entender da Ré, respeitadas pela entidade patronal, e que determinam a sua responsabilização.
VIII. Essas regras, resumidamente, referem-se a:- deficientes /inexistentes proteções da máquina retestadeira - deficientes /inexistentes sensores de desligamento da máquina retestadeira- não verificação periódica da máquina retestadeira;- falta de formação dos trabalhadores- inexistência de manual de instruções da máquina
IX. A violação de tais regras resulta, assim, explicitamente invocada pela Ré na sua contestação, e foi demonstrada em sede de audiência e julgamento, nomeadamente pela prova documental junta aos autos – máxime o inquérito realizado pelo ACT e corroborado em sede de audiência pelo seu autor, o Senhor Inspetor ….
X. A fls 51 do referido relatório, consta expressamente a menção ao DL 50/2005 de 25 de fevereiro, acerca das prescrições mínimas de segurança para a utilização pelos trabalhadores dos instrumentos de trabalho.
XI. Acerca das causas para o acidente, ali concluiu o Senhor Inspetor do ACT que “concorreram para o acidente: 1) falta de células fotoelétricas, ou sensores equipados, que bloqueiem todos os motores do equipamento de trabalho quando ocorre uma anomalia ou o operador abre uma das portas(…); 2 – falta de informação adequada sobre o equipamento de trabalho; 3 – falta de formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho”
XII. Não se entende, também, a tese do Tribunal “ a quo” , de que o acidente não se deveu inexistência de portas ou sensores, mas sim à circunstância de ter por outra forma de aceder ao seu interior.
XIII. Caso existissem as portas e sensores que impedissem, uns, o acesso a locais potencialmente perigosos, e outros, que determinassem a paragem imediata dos mecanismos, o acidente não teria ocorrido.
XIV. A inexistência de sensores e de portas, em inobservância das normas supra indicadas e ainda das regras gerais sobre higiene e segurança dos trabalhadores determinou, nesta perspetiva de “descaracterização” do acidente de trabalho (em rigor não se trata de descaracterização de acidente de trabalho como invoca o Tribunal “ a quo” mas um agravamento da responsabilidade da entidade empregadora), que o acidente tenha ocorrido.
XV. Dito de outro modo, tem-se por demonstrado, por raciocínio lógico, que se fossem adotadas as medidas de proteção acima identificadas, o acidente não teria ocorrido.
XVI. O mesmo se diga quanto à falta de formação a ministrar pela Ré “DD” ao sinistrado: se a entidade empregadora tivesse ministrado ao trabalhador a formação sobre segurança e saúde no trabalho consideradas adequadas, o trabalhador estaria certamente mais apto a avaliar os riscos inerentes à sua atividade, e a proceder em conformidade.
XVII. A conduta omissiva da entidade empregadora constitui inobservância das regras sobre segurança e higiene no trabalho, na medida em que a formação aos trabalhadores representa uma componente importantíssima das normas sobre higiene e segurança.
XVIII. A responsabilidade pela implementação, observância e fiscalização do cumprimento das regras de segurança está adstrita à entidade empregadora
XIX. É sobre a entidade empregadora que recaem os deveres e obrigações de cumprimento das regras de segurança, com vista a acautelar a saúde, a integridade e a higiene dos seus trabalhadores.
XX. Note-se que é sobre a entidade empregadora que recaem os deveres e obrigações de cumprimento das regras de segurança, com vista a acautelar a saúde, a integridade e a higiene dos seus trabalhadores.
XXI. Tem-se, assim demonstrado que o acidente ocorreu por inobservância, por parte da co-Ré, das normas sobre higiene e segurança no trabalho, existindo nexo causal entre a inobservância das supra citadas normas e a ocorrência do acidente dos autos.
XXII. Noutra perspetiva, no entender da Ré até mais conforme à factualidade dada como provada e não provada – o acidente deve ter-se por descaracterizado, por negligência grosseira do sinistrado.
XXIII. As respostas dadas pelo Tribunal “a quo” na decisão sobre a matéria de facto, consolida a tese, defendida pela Recorrente, de que, caso não se conclua pela inobservância pela empregadora das regras sobre segurança no trabalho, o acidente se deveu a culpa exclusiva do sinistrado, que determina a descaracterização do acidente e a não reparação do mesmo nos termos da Lei.
XXIV. Acerca da definição da negligência grosseira, que permita a descaracterização do acidente nos termos da Lei 58/2009, é aquela que comporta:- um comportamento temerário (arriscado, imprudente, perigoso, arrojado) - em alto e relevante grau (o risco do comportamento é elevado, importante, significativo) - e que não resulte: - da habitualidade ao perigo do trabalho executado (o contacto frequente, normal, com o risco inerente a um determinado trabalho tende a fazer baixar as defesas e cautelas do trabalhador) - da confiança na própria experiência profissional - dos usos e costumes da profissão
XXV. A este propósito, Carlos Alegre , na Obra “Acidentes de Trabalho”, define a negligência grosseira nos seguintes termos: “(…) é grosseira, parque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo dilligentissimus ou bonus pater-familias”.
XXVI. Sabido que a noção de mera culpa/negligência se traduz na violação de um dever geral de cuidado, evoluindo a mesma da negligência inconsciente para a consciente e esta com estabelecidas gradações dogmáticas (levíssima, leve e grave) em função da intensidade ou grau de ilicitude e da culpa (a culpabilidade por negligência é, no dizer de Wessels, a desatenta ou descuidada posição do agente em face das exigências objetivas de cuidado postuladas pela Ordem Jurídica, fundando-se a sua punição no poder-dever do agente de atuar de outro modo), o apelo da norma interpretanda dirige-se, como se disse, à negligência grosseira, correspondente – como é pacificamente entendido e aceite pela doutrina e Jurisprudência – a uma negligência particularmente grave em que ao inobservado dever objetivo de cuidado se associa, em termos da normal previsibilidade, um real e elevado dano ou perigo de dano.
XXVII. Ora, em face da matéria dada como provada (e também da relevância que possa ter a matéria dada como não provada) afigura-se-nos que o sinistrado, no exercício da atividade que estava a desenvolver aquando da ocorrência do acidente, assumiu uma conduta bastante imprudente e perigosa, desprezando as mais elementares normais de precaução e cautela para assegurar a sua integridade física.
XXVIII. Temos que concluir pelo preenchimento, no caso, da 1.ª parte do n.º2 alínea a) do artigo 14.º da Lei 98/2009, ou seja, de que a conduta do A. sinistrado foi grosseiramente negligente.
XXIX. Isso mesmo reconhece expressamente o Tribunal “a quo”, quando refere, na sentença recorrida, que “houve alguma negligência do trabalhador, mesmo desconhecendo-se o grau de formação ou informação que possuía para operar tal máquina e para representar todos os riscos possíveis associados ao seu funcionamento. Na verdade, um homem médio com os conhecimentos e nas circunstâncias do sinistrado (trabalhador há vários anos) facilmente representaria que introduzir a mão no interior de uma máquina industrial elétrica em funcionamento (com as dimensões evidenciadas nas fotografias do autos, função de retestadeira de pesadas peças de madeira e numerosas partes móveis) não seria o melhor método de desencravamento e que poderia sofrer variadíssimas lesões”.
XXX. O Tribunal “a quo” reconhece que houve negligência do trabalhador, e que essa negligência é de grau elevado. E – atrevemo-nos a concluir neste sentido – diz mesmo que a negligência é temerária, em alto e relevante grau.
XXXI. O que acontece é que, depois, o Tribunal “a quo”, após enunciação de alguns acórdãos, diz que não foi feita prova de que os danos tenham provindo exclusivamente da negligência grosseira do sinistrado.
XXXII. Quer isto dizer que o Tribunal, concluindo que o comportamento é censurável, até para o homem médio, vem depois sublinhar que não pode o acidente descaracterizar-se com base nessa negligência grosseira, por não ter sido feita prova, pela Ré, de que os danos provieram exclusivamente da negligência grosseira, e com o qual não concordamos.
XXXIII. Nos autos, foi feita prova de que, não fora esse comportamento do trabalhador, o acidente não teria ocorrido.
XXXIV. O raciocínio defendido pelo Tribunal “a quo” que compete à entidade responsável a demonstração e prova de que mais nenhuma causa concorreu, a par da negligência grosseira do sinistrado, para o acidente de trabalho, é criar uma regra da probatio diabólica que não é conforme nem com as regras de distribuição do ónus da prova
XXXV. Salvo o devido respeito, a interpretação feita pelo Tribunal “ a quo” impõe à ora recorrente um ónus que ele não tem, nem, em rigor, cabe na condição de procedência da exceção o apuramento das causas, últimas e íntimas, do comportamento ilícito.
XXXVI. No caso dos acidentes de trabalho, e agora como condição de descaracterização, essas duas realidades mostram-se como que agravadas, ou seja, a causalidade tem a ser exclusiva e a negligência tem que ser grosseira; dito de outro modo, a concausalidade não descaracteriza o acidente, como o não descaracteriza a (mera) negligência.
XXXVII. Ora, no caso dos autos, não foi demonstrada qualquer concausalidade para a ocorrência do acidente.
XXXVIII. O próprio Tribunal considerou, na sentença, que não foi nem a máquina, nem a falta de formação, nem a falta de informação, que determinaram o sinistro. O evento resultou exclusivamente da ação do sinistrado e/ou porque este agiu com negligência grosseira.
XXXIX. Salvo melhor entendimento, dos factos apurados resulta que o sinistrado deu origem ao acidente (o acidente proveio do seu comportamento) e só do comportamento dele proveio (acidente ocorreu por sua exclusiva iniciativa e vontade) porquanto não se vê qualquer concausalidade.
XL. A exigência quanto à prova da motivação subjetiva do sinistrado para a atuação ilícita e contra as mais básicas regras de segurança, salvo melhor opinião, nem resulta da letra da lei, nem da respetiva ratio», constituindo uma prova diabólica
XLI. Não existindo qualquer facto minimamente alegado pela Ré entidade empregadora ou pelo Trabalhador, de que o acidente se deveu “a uma decisão de necessidade de retomar a produção” não deve ser à Ré exigido a prova de que o acidente não ocorreu por esse mesmo motivo, para prova da exclusividade do comportamento negligente.
XLII. A aceitar o raciocínio do Tribunal, a Ré / Recorrente teria de equacionar todas as hipotéticas concausas para o acidente, tenham elas sido alegadas ou não, para provar a sua não verificação, em favor da tese da exclusividade da negligência grosseira do sinistrado na ocorrência do acidente, o que não é nem pretende ser esse o alcance da norma de descaracterização do acidente de trabalho por negligência do trabalhador.
XLIII. Entendemos dever concluir que o sinistrado agiu com negligência grosseira e só do seu comportamento (grosseiramente negligente) resultou o acidente, o acidente concretamente apurado.
XLIV. Pelo que, a sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos dados como provados e, consequentemente, uma incorreta aplicação do direito aos mesmos, designadamente dos artigo art.º 14.º n.º 2 al. a) e b) da Lei 98/2009, e do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, devendo, assim, ser revogada.
Termos em que deve conceder-se a apelação e, em consequência:
Deve ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que
a. considere que o acidente se deveu a violação, por parte da entidade empregadora, das normas sobre higiene e segurança no Trabalho
b. em alternativa, descaracterize o acidente como sendo de trabalho, por o mesmo ter ocorrido por negligência grosseira do trabalhador, absolvendo, neste caso, a Ré do pedido».
A R. empregadora, veio oferecer as suas contra-alegações, concluindo que a sentença recorrida deve ser confirmada.
Patrocinado pelo Ministério Público, veio o sinistrado contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se o acidente que se aprecia nos autos foi causado:
a) Por falta de cumprimento das normas sobre segurança e saúde no trabalho por parte da empregadora;
b) Por exclusiva negligência grosseira do sinistrado.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
A) O autor BB nasceu no dia 25/05/1959;
B) No dia 26-9-2014, às 14 horas, em …, o autor estava a operar uma máquina retestadeira, quando meteu a mão direita no seu interior para retirar uma tábua e foi atingido por uma peça dessa máquina;
C) Em resultado, o autor sofreu traumatismo da mão direita;
D) Nesse dia e local, BB trabalhava como como serrador de serra circular de 1ª classe, sob ordens, direção e fiscalização da ré DD, Lda.;
E) A ré DD, Lda., pagava ao autor BB a retribuição total anual de € 8.254,10;
F) A ré CC, S.A., assumiu pelo valor integral dessa retribuição os riscos de danos emergentes de acidentes laborais do autor BB através de apólice de seguro;
G) Em consequência do descrito sinistro, o autor sofreu os seguintes períodos de incapacidade temporária:
- Incapacidade temporária absoluta de 27-09-2014 a 13-01-2015;
- Incapacidade temporária parcial com grau de desvalorização de 50 % de 14-01- -2015 a 10-02-2015;
H) A ré seguradora pagou ao autor a título de It’s € 1.946,64.
I) Em consequência do descrito sinistro, o autor sofreu sequelas de rigidez articular no 2.º e 3.º dedos da mão direita valorizáveis como I.P.P. de 20,51%;
J) O autor despendeu a quantia de € 60 em deslocações obrigatórias da sua residência para exames médicos;
K) A máquina retestadeira tem no seu interior um mecanismo automatizado que faz deslocar os troncos de madeira à medida que vão sendo retestados, até à saída, sendo projetados para o exterior;
L) O referido mecanismo automatizado é composto por “palas” isto é, peças móveis no interior da retestadeira, as quais são acionadas por um sensor para expelir as réguas para o exterior;
M) Na data do acidente, o autor encontrava-se a proceder à recolha de réguas que estavam a ser produzidas pela retestadeira e à colocação destas em paletes que seriam depois transportadas por um empilhador;
N) A dado momento, uma das réguas ficou presa no interior da retestadeira, impedindo que as demais réguas que estavam a ser produzidas no interior da retestadeira fossem expelidas para o exterior, para cima da mesa de recolha;
O) O autor apercebendo-se de que a régua se encontrava presa no interior da máquina, e do encravamento da retestadeira, deslocou-se até à parte de trás da máquina (que é o lugar oposto à saída da madeira);
P) Aí chegado, o autor baixou-se e alcançou uma pequena abertura que se encontra por baixo da porta da retestadeira;
Q) E, introduziu a mão direita na abertura, com a intenção de retirar a régua que se encontrava presa na retestadeira, e por esse modo, desencravar a retestadeira;
R) Sem ter desligado a máquina, mantendo a retestadeira em funcionamento enquanto procedia nos termos indicados supra;
S) A ré empregadora não possuía qualquer manual de instruções da máquina retestadeira;
T) A máquina retestadeira onde ocorreu o acidente de trabalho não possuía declaração de conformidade “CE”;
U) Na referida máquina, as portas de encapsulamento são fechadas apenas por um trinco;
V) Não possui mecanismos de bloqueio, nomeadamente através de células fotovoltaicas ou sensores que desliguem automaticamente os motores aquando do encravamento da máquina ou da abertura das portas pelos trabalhadores;
W) Não possuía a máquina quaisquer proteções laterais das portas ou das zonas de acesso à zona superior da máquina, à zona de acerto das medidas das paralelas e à zona oposta do lado de saída da madeira [ressalvando o mencionado trinco];
X) O autor exercia a profissão de serralheiro há vários anos.
-
E considerou não provados, os seguintes factos:
- A R. DD, Lda., não procedeu à verificação, inicial ou periódica da máquina retestadeira;
- A R. DD, Lda., não ministrou ao A. a formação sobre a utilização daquela máquina;
- O autor não recebeu da ré empregadora instruções no sentido de ser obrigatório desligar a máquina da corrente elétrica, antes de qualquer intervenção na máquina, como seja o desprendimento de tábuas.
*
IV. Enquadramento jurídico
Nos presentes autos mostra-se definitivamente aceite que em 26/09/2014, BB, quando se encontrava a exercer a sua atividade profissional, sob as ordens, direção e fiscalização da recorrida empregadora, operando com uma máquina retestadeira, meteu a mão direita no interior da máquina, para retirar uma tábua (uma régua) que tinha ficado presa e que se encontrava a encravar a máquina, tendo sido atingido na mão por uma peça dessa máquina, o que lhe causou as lesões descritas na fundamentação de facto, que geraram incapacidades temporárias e permanente para o trabalho.
O evento infortunístico descrito que ocorreu no tempo e no local de trabalho e que originou lesão corporal da qual resultou uma redução da capacidade de trabalho ou de ganho, subsume-se diretamente ao conceito de acidente de trabalho previsto no artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, que é a legislação aplicável (doravante designada apenas por LAT).
Na motivação do recurso, a apelante põe em crise a decisão que a condenou, a título exclusivo, pela reparação do acidente, utilizando dois argumentos:
a) O acidente ocorreu porque a empregadora não observou as regras sobre segurança e saúde no trabalho, pelo que sobre a mesma recai a responsabilidade agravada prevista pelo artigo 18.º da LAT.
b) O acidente deve ser descaracterizado, não originando o direito à sua reparação, por ter sido causado por exclusiva negligência grosseira do sinistrado.
Apreciemos cada um dos argumentos de per si.

A) Atuação culposa do empregador
Em síntese, alega a apelante que caso existissem na máquina que o sinistrado estava a operar, células fotoelétricas ou sensores equipados que bloqueassem todos os motores do equipamento de trabalho quando ocorre uma anomalia ou o operador abre uma das portas e se tivesse ocorrido formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho e sobre o concreto equipamento de trabalho, tais medidas, por raciocínio lógico, teriam evitado o acidente.
E, estando a responsabilidade pela implementação, observância e fiscalização do cumprimento das regras de segurança adstrita à entidade empregadora, tendo-se demonstrado que o acidente ocorreu por inobservância, por parte da empregadora, das normas sobre higiene e segurança no trabalho, deve esta ser responsabilizada pela reparação do acidente.
Analisemos.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 18.º da LAT, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares.
No concreto caso dos autos, interessa-nos particularmente apreciar se o acidente ocorrido, resultou da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Este segmento do preceito pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: a) que sobre a empregadora ou qualquer outra das entidades mencionadas no normativo recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que aquela as não haja, efetivamente cumprido; c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente (v.g., entre outros, acórdãos do STJ de 06/05/2015, P. 220/11.2TTTVD.L1.S1; de 14/01/2015, P. 644/09.5T2SNS.E1.S1; de 02/12/2013, P.4734/04.2TTLSB.L2.S1; de 29/10/2013, P. 402/07.1.TTCLD.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, onde estarão acessíveis todos os demais acórdãos que infra se venham a identificar, se nada se for dito em contrário).
Temos entendido que as regras a que o artigo se refere são normas que consagram deveres especiais de cuidado em matéria de segurança e saúde no trabalho, o que exclui da previsão legal qualquer violação de um dever geral de cuidado.
O ónus da alegação e prova dos factos suscetíveis de agravar a responsabilidade do empregador cabe ao respetivo beneficiário (titulares do direito à reparação e, por outro lado, companhias seguradores que pretendam desonerar-se da sua responsabilidade) – cfr. Acórdão do STJ de 29/10/2013, P. 402/07.1TTCLD.L1.S1.
Na sentença recorrida, conheceu-se da questão que agora se reaprecia nos seguintes termos:
«No que diz respeito à descaracterização do acidente por atuação culposa da ré empregadora, a argumentação da ré seguradora é manifestamente insuficiente para preencher os requisitos legais. Tal debilidade revela-se particularmente na invocação do dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança.
Não faz nenhum sentido o sistema apelo à necessidade de sensores de paragem da máquina quando se abrem as suas portas quando o acidente não se deveu à inexistência de portas ou de sensores, mas sim à circunstância do sinistrado ter por outra forma de aceder ao seu interior: baixou-se e acedeu ao interior da máquina por uma pequena abertura por baixo da porta da restadeira. Não se afigura assim que houvesse qualquer problema com as portas da máquina ou com a inexistência de dispositivos de segurança e que possa ser apontado como casual do descrito acidente ou contribuído para o acidente e suas consequências.
Por outro lado, a exiguidade de factos apresentados e comprovados também não nos autoriza a concluir que houve qualquer falha na conceção ou operação da máquina só porque o trabalhador conseguiu aceder ao seu interior, na medida em que o fez de forma fortuita. O trabalhador não alcançou livremente o interior da máquina porque estava facilmente acessível, mas porque, de uma forma que será estranha à sua normal operação, se baixou e assim conseguiu vencer as portas e resguardos da máquina:
- O autor apercebendo-se de que a régua se encontrava presa no interior da máquina, e do encravamento da retestadeira, deslocou-se até à parte de trás da máquina (que é o lugar oposto à saída da madeira);
- Aí chegado, o autor baixou-se e alcançou uma pequena abertura que se encontra por baixo da porta da retestadeira;
- E, introduziu a mão direita na abertura, com a intenção de retirar a régua que se encontrava presa na retestadeira, e por esse modo, desencravar a retestadeira.
Por conseguinte, não é possível concluir que a empregadora não haja, efetivamente, cumprido determinadas normas ou regras de segurança e que que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente.»
A apelante não se conforma com o decidido porque considera que sendo aplicável à máquina em questão nos autos, o Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, resultou demonstrado que a empregadora violou as normas sobre segurança no trabalho consagradas nos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 8.º, 13.º e 16.º do diploma.
O Decreto-Lei n.º 50/2005, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de novembro, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 5 de dezembro, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho, e dispõe sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.
Os dispositivos invocados pela apelante, têm o seguinte teor:
Artigo 3.º - Obrigações gerais do empregador
Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;
d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.
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Artigo 4.º Requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho
1 — Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º
2 — Os equipamentos de trabalho colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores na empresa ou estabelecimento devem satisfazer os requisitos de segurança e saúde previstos em legislação específica sobre conceção, fabrico e comercialização dos mesmos.
3 — Os trabalhadores devem utilizar os equipamentos de trabalho em conformidade com o disposto nos artigos 30.º a 42.º
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Artigo 6.º Verificação dos equipamentos de trabalho
1 — Se a segurança dos equipamentos de trabalho depender das condições da sua instalação, o empregador deve proceder à sua verificação após a instalação ou montagem num novo local, antes do início ou do recomeço do seu funcionamento.
2 — O empregador deve proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos.
3 — O empregador deve proceder a verificações extraordinárias dos equipamentos de trabalho quando ocorram acontecimentos excecionais, nomeadamente transformações, acidentes, fenómenos naturais ou períodos prolongados de não utilização, que possam ter consequências gravosas para a sua segurança.
4 — As verificações e ensaios dos equipamentos de trabalho previstos nos números anteriores devem ser efetuados por pessoa competente, a fim de garantir a correta instalação e o bom estado de funcionamento dos mesmos.
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Artigo 8.º Informação dos trabalhadores
1 — O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.
2 — A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:
a) Condições de utilização dos equipamentos;
b) Situações anormais previsíveis;
c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;
d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afetar os trabalhadores, ainda que não os utilizem diretamente.
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Artigo 13.º Paragem do equipamento
1 — O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem.
2 — Os postos de trabalho devem dispor de um sistema do comando que permita, em função dos riscos existentes, parar todo ou parte do equipamento de trabalho de forma que o mesmo fique em situação de segurança, devendo a ordem de paragem ter prioridade sobre as ordens de arranque.
3 — A alimentação de energia dos acionadores do equipamento de trabalho deve ser interrompida sempre que se verifique a paragem do mesmo ou dos seus elementos perigosos.
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Artigo 16.º Riscos de contacto mecânico
1 — Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
2 — Os protetores e os dispositivos de proteção:
a) Devem ser de construção robusta;
b) Não devem ocasionar riscos suplementares;
c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;
d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;
e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.
3 — Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada.
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O acidente sub judice ocorreu com uma máquina retestadeira que estava a ser utilizada para o corte de madeira.
Trata-se de um equipamento de trabalho ao qual se aplica efetivamente o diploma indicado pela apelante.
Assim, grosso modo, tal equipamento deveria satisfazer os requisitos mínimos de segurança e o trabalhador que com ela operasse deveria estar informado e formado sobre as condições de utilização do equipamento e dos riscos associados ao mesmo.
Infere-se da decisão factual proferida que a seguradora não logrou provar que a empregadora não ministrou ao sinistrado a formação necessária sobre a utilização da máquina (cfr. Factos não provados).
É certo que nas alegações de recurso, a apelante veio invocar que o facto alegado respeitante à formação que foi considerado não provado, deveria ter sido considerado provado. Porém, são as conclusões do recurso que delimitam o objeto recursório e nestas a apelante não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, pelo que não compete a este tribunal reapreciar a decisão factual proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Em suma, face ao acervo factual provado não resultou demonstrado (e sobre a seguradora recaía o ónus probatório) que a empregadora omitiu a formação especifica necessária relacionada com o concreto equipamento de trabalho.
Quanto ao verificado contacto físico do sinistrado com o mecanismo da máquina, o mesmo ocorreu porque o sinistrado se baixou e alcançou uma pequena abertura que se encontra por baixo da porta de trás da máquina, e introduziu a sua mão por essa abertura., sem ter desligado a máquina.
Deveria possuir a máquina algum sistema de bloqueio que perante o encravamento verificado tivesse automaticamente desligado a máquina?
Encontra-se no processo um “Manual de Instruções” de máquina retestadeira, emitido pelo fabricante. Segundo o relatório da ACT constante dos autos, este manual apenas se aplica às retestadeiras produzidas após 1995, referindo a ACT que «[A] retestadeira anterior a 1995, e onde ocorreu o acidente, as portas de encapsulamento são fechadas apenas por um trinco (cfr. Doc. 10), não está obrigada a declaração de conformidade , não possui sensores que boqueiam os sensores aquando do encravamento ou abertura das portas, de modo a evitar o acesso do trabalhador aos elementos móveis da máquina, apenas está obrigada a existência de uma avaliação de riscos que preveja a eliminação/controle dos riscos»
Do acervo factual provado não consta a antiguidade do concreto equipamento de trabalho envolvido no acidente.
Do aludido manual consta, com interesse, e se bem compreendemos, que o único bloqueio automático que a máquina tem de ter relaciona-se com a abertura de qualquer protetor móvel ou porta de acesso com a máquina em funcionamento, fazendo o sistema parar de imediato todos os motores da máquina.
Existem depois botões de emergência que podem ser acionados, em caso de necessidade.
Ora, na concreta situação dos autos, o sinistrado não abriu qualquer protetor ou porta de acesso à máquina. Só em tal caso, teria relevância saber se existia ou deveria existir na máquina o sistema de bloqueio automático anteriormente referido, para estabelecer o nexo causal com o contacto mecânico ocorrido.
Competia à seguradora igualmente demonstrar que a máquina não tinha um dispositivo de paragem de emergência que o sinistrado pudesse acionar (cfr. artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 50/2005), o que não logrou fazer.
Também não resultou provado que no local por onde entrou a mão direita do trabalhador deveria existir uma proteção.
Enfim, não se nos afigura que tenha ficado demonstrado que o acidente ocorrido, resultou da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, por parte da empregadora.
Bem andou, pois, o tribunal recorrido em absolver a empregadora da responsabilidade prevista no artigo 18.º da LAT.
Nenhuma censura nos merece a sentença recorrida quanto à questão analisada.

B) Negligência grosseira do sinistrado
Estipula o artigo 14.º, n.º 1, alínea b) da LAT que não há lugar à responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho prevista neste diploma legal quando o acidente provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
Respeitando a terminologia utilizada pelo legislador, em tal situação, considera-se o acidente “descaracterizado”.
Em primeiro lugar, comecemos por referir que o ónus probatório da situação excludente do direito à reparação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT, recaía, também neste caso, sobre a seguradora, agora apelante. Neste sentido, vejam-se a título meramente exemplificativo, Acórdão do STJ de 10/09/2008, Rec. n.º 1163/08-4: Sumários, Set./2008¸ Acórdãos da Relação do Porto de 13/01/2014, P. 400/11.0TTMTS.P1 e da Relação de Coimbra de 25/03/2004, P. 3654/03)
Em segundo lugar, há que destacar que a utilização da expressão “provier exclusivamente”, utilizada pelo legislador implica a existência de um nexo de causalidade adequada e exclusiva entre o comportamento caracterizável como negligência grosseira, assumido pelo sinistrado, e o evento lesivo. Neste sentido, podem consultar-se, por exemplo, o Acórdão do STJ de 22/06/2005, CJ/STJ, 2005, 2.º, pág. 269 e Acórdão da Relação do Coimbra de 27/01/2005, P. 3591/04).
Relativamente à definição do que seja “negligência grosseira”, é o próprio legislador que refere no n.º 3 do artigo 14.º: «Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.»
Conforme refere Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico”, 2.ª edição, pág. 187: «”Comportamento temerário” e “alto e relevante grau” são conceitos vagos que dificilmente se podem analisar, a não ser ponderando situações concretas, com pessoas concretas e em locais concretos. Significa isto que entendemos que tais conceitos não devem ser “medidos” face ao comportamento ideal do “bónus pater familiae”. Por outro lado, o uso indiscriminado do conceito temerário pode punir atos de abnegação e heroísmo, normalmente caracterizados pela sua temeridade, e não premiá-los como seria de justiça.»
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, na análise dos diversos casos concretos que têm sido submetidos à sua apreciação, tem balizado e enriquecido o conteúdo do conceito geral e abstrato utilizado na lei.
No Acórdão de 21/03/2013, Proc. nº 191/05.4TTPDL.P1.S1, sobre a tema, escreveu-se o seguinte:
«(…) a lei acolheu a figura da negligência grosseira que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.
Trata-se de uma negligência temerária, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares, que deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato de conduta»
No Acórdão de 24/10/2012, Proc. n.º 1087/07.0TTVFR.P1.S1, definiu-se o conceito abstrato utilizado da lei, nos seguintes termos:
«A negligência grosseira é uma modalidade de negligência qualificada.
(…)
A negligência grosseira pressupõe um desrespeito pelo dever de cuidado especialmente censurável, em grau particularmente elevado, centralizado numa indiferença acentuada do agente perante o perigo inerente ao exercício da atividade que prossegue comportando uma dimensão de temeridade, materializado na omissão de cumprimento das precauções e cautelas mais elementares.
No entender de MENEZES LEITÃO, “de acordo com o critério de apreciação da culpa em abstrato, a culpa grave corresponde a uma situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria suscetível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma”.
A negligência grosseira, operativa para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho deve ser apreciada caso a caso, em função das particularidades da situação em causa, tomando como pontos de referência a forma como o sinistrado se posiciona perante o perigo decorrente da sua conduta e a dimensão da censura que a sua indiferença perante a potencialidade de ocorrência do sinistro justifica.
Também aqui o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, no n.º 2 do seu artigo 8.º nos apresenta um critério para o preenchimento do conceito.
Refere-se naquela norma que se entende “por negligência grosseira o comportamento temerário em alto grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”.
Deste modo, afirma-se que a negligência grosseira se materializa num comportamento temerário em alto e elevado grau, mas depois retira-se do espaço daquela forma de negligência as situações em que esse comportamento temerário deriva da «habitualidade ao perigo do trabalho executado», “da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”, elementos que delimitam por sua vez negativamente aquela forma de negligência, tornando-a não censurável, o que leva a que a mesma nestas situações não descaracterize o acidente.
Ao excluir do espaço da negligência grosseira e ao afastar a descaracterização do acidente, a lei contemporiza com elementos desculpabilizantes típicos no mundo do trabalho, tais como a habituação ao risco, a confiança na experiência como fator de controlo do risco inerente à atividade profissional e aos usos e costumes da profissão que poderão em certas situações potenciar alguma dimensão de temeridade causal do acidente e que contribuem por esta via para a ocorrência de acidentes.
A Lei n.º 100/97, substituiu o conceito de conceito de “falta grave e indesculpável da vítima”, que constava da alínea b) do n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo conceito de “negligência grosseira” acima referido, vindo, contudo, depois o legislador do Decreto-Lei n.º 143/99, a utilizar para delimitação negativa do conceito de negligência grosseira que especifica, os elementos que o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, utilizava no seu artigo 13.º para delimitar aquele conceito de falta grave e indesculpável da vítima.
Referia-se naquela norma que “não se considera falta grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”.
A descaracterização do acidente com este fundamento exige, pois, que se demonstre não só que o acidente resultou, de forma exclusiva, de negligência do sinistrado, mas também que tal falta de diligência no cumprimento do dever geral de cuidado, tal como se tenha configurado no caso, é suscetível de permitir a consideração da conduta do sinistrado como um “comportamento temerário em alto e elevado grau” e que se demonstre igualmente que tal forma de agir não resulta da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».
Não obstante, os acórdãos citados se reportarem ao anterior regime de reparação dos acidentes de trabalho, a sua fundamentação continua aplicável ao atual regime vigente.
Tentando sintetizar, de algum modo, o que resulta da jurisprudência citada, é possível afirmar que uma atuação com negligência grosseira é configurável sempre que se verifique:
- um comportamento temerário (arriscado, imprudente, perigoso, arrojado);
- em alto e relevante grau (o risco do comportamento é elevado, importante, significativo);
- e que não resulte: (i) da habitualidade ao perigo do trabalho executado (o contacto frequente, normal, com o risco inerente a um determinado trabalho tende a fazer “baixar” as defesas e cautelas do trabalhador); (ii) da confiança na própria experiência profissional (o conhecimento adquirido pela prática e a superação das dificuldades que vão surgindo nesse contexto, é geradora de confiança quer no evitar da concretização de riscos quer na obtenção de respostas e soluções para qualquer problema que surja); (iii) dos usos e costumes da profissão (práticas habituais, reiteradas ao longo do tempo, de uma forma generalizada e que implicam uma certa convicção da sua obrigatoriedade).
Posto isto, passemos à análise do concreto sinistro que se aprecia.
Temos um trabalhador que exerce a profissão de serralheiro há vários anos, e que no dia 26/9/2014, estava a operar com uma máquina elétrica que tinha um mecanismo sincronizado que permitia produzir réguas de madeira e expulsá-las para o exterior.
Deparando-se com uma régua de madeira presa e com o encravamento da máquina, o sinistrado tomou a decisão de se deslocar até à parte de trás da máquina, baixou-se e alcançando uma abertura a que já fizemos anteriormente alusão, aí introduziu a sua mão direita com a intenção de retirar a régua e normalizar o funcionamento da máquina, quando foi atingido por uma das peças do interior da máquina que se encontrava ligada.
O tribunal de 1.ª instância afastou a “descaracterização” do acidente, utilizando a seguinte fundamentação:
«Será que o menos diligente dos trabalhadores comuns, com os conhecimentos do sinistrado, não teria realizado tal tarefa introduzir a mão na máquina para proceder ao seu pronto desencravamento?
Nos termos do referido n.º 3, no presente foro, só se entende que é negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão. E a descaracterização só opera se os danos do acidente provierem exclusivamente da negligência grosseira do sinistrado.
Ora, esta prova da exclusividade é habitualmente olvidada pelas responsáveis que frequentemente se deslumbram e iludem com a negligência dos sinistrados. A falta de cuidados e da diligência elementar é geralmente causa contributiva para a maioria dos acidentes de trabalho, mas, na prática, é muito difícil demonstrar que foi a sua causa exclusiva. Por outro lado, a descaracterização dos acidentes de trabalho sempre que houvesse negligência simples ou grosseira do sinistrado – abstraindo da questão da sua exclusividade na produção dos danos – constituiria uma denegação da proteção legal aos trabalhadores, pois como é vulgarmente dito: “só não erra quem não trabalha”.
A ré seguradora manifestamente não cumpriu com tal ónus, pois:
- Desconhece-se a motivação do trabalhador, designadamente se foi uma sua decisão exclusiva (ato exibicionista ou temerário) ou se já tinha sido anteriormente chamado à atenção pela empregadora quanto à necessidade de retomar prontamente a produção (o que poderia ter motivado alguma precipitação da sua parte); e,
- Haveria um motivo relevante para a pronta execução daquela tarefa de acordo com as regras da experiência comum, pois permitira retomar prontamente a produção.
Mas a ré seguradora nem sequer alegou que o acidente resultou exclusivamente dessa decisão do sinistrado e é totalmente alheio a qualquer outra causa (vg. agradar à entidade empregadora, demonstrar empenho, garantir a continuidade da laboração, etc., etc.). Logo, não é possível afirmar que tal foi a causa exclusiva do acidente, isto é que razoavelmente nenhuma outra causa contribuiu para o sinistro.
Embora não tenha sido sequer alegado, o que resultou na audiência da audição do antigo colega do autor é que haveria uma certa habitualidade neste tipo de procedimento, nomeadamente porque esta retestadeira era apenas mais uma máquina na linha de produção e a sua paragem momentânea iria possivelmente parar toda a linha e reduzir a produção diária. De qualquer forma, a ré seguradora é que tinha o ónus de alegar e demonstrar que a negligência era grosseira e que nenhuma outra causa contribuiu para o acidente (nomeadamente a necessidade de agradar à entidade empregadora, de assegurar a produção diária, etc.).
Por conseguinte, não há fundamento para proceder à descaracterização do acidente.»
Sufragamos o juízo decisório respeitante à não descaracterização do acidente.
Ainda que o comportamento assumido pelo trabalhador (colocar uma mão no interior de uma máquina ligada), em termos de senso comum, tenha sido imprudente ou negligente, para efeitos da descaracterização do acidente é necessário algo mais.
Como ensina Júlio Gomes, in “O acidente de trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização”, Coimbra Editora, pág. 267-268 «(…) desde a sua génese que os sistemas de reparação dos acidentes de trabalho assentam na normal coexistência entre o risco (ou a responsabilidade objetiva do empregador) e a culpa do sinistrado []: boa parte dos acidentes de trabalho decorre de distrações, inadvertência, imperícia, mas também desatenção e mesmo desrespeito de regras de segurança. Só em casos excecionais é que a responsabilidade do empregador deve ser excluída nestas situações – em suma, a descaracterização do acidente deve restringir-se a situações muito graves também do ponto de vista do juízo de censura ao sinistrado – sob pena de a pessoa que trabalha e que, como pessoa que é, comete erros, com maior ou menor frequência, ficar desprovida de proteção por um erro momentâneo».
Ora, na concreta situação dos autos, a seguradora não logrou provar, como lhe competia, que o sinistrado tenha tido formação especifica sobre a máquina ou que lhe tenham sido dadas instruções de segurança, pela empregadora, no sentido de só aceder ao interior da máquina quando esta estivesse desligada e que o sinistrado atuou com elevada e inaceitável indiferença aos conhecimentos que possuía e/ou às ordens recebidas, motivado por razões alheias ao trabalho que estava executar.
A negligência demonstrada não é grosseira.
Na altura em que o sinistrado decide atuar com intenção de soltar a régua que estava na origem do encravamento da máquina, o equipamento estava sem movimento.
Não obstante, desconheçamos há quanto tempo o trabalhador operava com a máquina em causa, exercendo o mesmo a profissão de serralheiro há vários anos, no contexto factual apurado, este indício permite-nos, admitir a habitualidade ao perigo do trabalho executado e um grau de confiança significativo baseado na experiência profissional, subjacente à conduta assumida.
Em suma, considerando o acervo factual assente, não é possível afirmar que o acidente proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
Por conseguinte, improcede igualmente o fundamento do recurso agora analisado.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 21 de Dezembro de 2017
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes

__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: João Luís Nunes