Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
166/09.4TBALR.E1
Relator: ACÁCIO NEVES
Descritores: REGISTO DA PROVA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A deficiência/inintegibilidade da gravação da prova constitui nulidade processual que tem que ser invocada no prazo de 10 dias a contar da disponibilização da gravação (a ter lugar no prazo de 2 dias), nos termos do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 155º do CPC.
2 - Assim, a menos que a gravação não tenha sido disponibilizada neste prazo de 2 dias, o referido prazo de 10 dias inicia-se dois dias depois da gravação da audiência.
3 - A eventual indevida realização de julgamento sem a presença do mandatário de uma das partes e de testemunhas por esta arroladas constitui nulidade processual prevista no nº 1 do art. 195º do CPC, que tem que ser invocada no prazo geral de 10 dias nos termos do disposto no nº 1 do art. 199º do CPC.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Procº. Nº. 166/09.4TBALR.E1 (1ª Secção Cível)

Acordam nesta Secção Cível os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou, em 18.02.2009, acção declarativa sumária contra (…), pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 4.550,00, a título de indemnização pela ocupação indevida e bem assim no pagamento da quantia de € 9.000,00, a título de indemnização pelos danos causados na casa, no valor total de € 13.550,00, valor este acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Alegou para tanto e em resumo que tendo, na sequência do divórcio entre autora e réu e na subsequente partilha de bens, sido atribuído à autora determinado prédio urbano, foi solicitada pelo réu a sua permanência no prédio, durante 6 meses, para encontrar outra casa, o que foi aceite pela autora, mas que o réu só veio a desocupar a casa 13 meses depois do prazo concedido, o que determinou para a autora prejuízos no montante de € 4.550,00, uma vez que poderia ter arrendado a casa por uma renda no valor de € 350,00 mensais. Mais alegou ainda que o réu veio a entregar a casa completamente destruída, sendo que a respectiva reparação terá que despender € 9.000,00. Citado, contestou o réu, o qual se defendeu por impugnação. Foi proferido despacho saneador e foi dispensada a selecção da matéria de facto, após o que, instruído o processo, teve lugar a audiência de julgamento.

Seguidamente foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada improcedente, sendo o réu absolvido do pedido.

Inconformada, interpôs a autora o presente recurso de apelação, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:

I - O recurso é de facto e de direito, mas não sendo minimamente inteligível a gravação feita da audiência de julgamento, não pode a Autora, servir-se como é de seu direito de tal gravação, para apreciação da matéria de facto, o que constitui desde logo uma nulidade que se invoca.
II - Aliás é entendimento jurisprudencial unânime dos nossos tribunais, que no caso da deficiência na audição e ininteligibilidade do depoimento das testemunhas ou outros intervenientes, ou da gravação, em audiência de julgamento, se deverá proceder à anulação do julgamento e consequente repetição da prova nos termos do anterior artigo 712º do C. P. Civil (actual artigo 612º). (Ex: Acórdão Tribunal Relação do Porto processo n.º PN 6543.07 Reivindicação de António Santos Carvalho). III - Na verdade, como pode a Recorrente/Apelante fazer uma análise crítica desses depoimentos (testemunhas e réu) se a gravação é completamente deficiente e ininteligível?
IV - Sendo certo, que só da análise crítica que seria possível retirar desses depoimentos, podia consubstanciar-se a realidade dos dois princípios fundamentais do processo civil: protocolização da prova – e fundamentação da sentença sobre a matéria de facto.
V - Pelo que, a deficiência da gravação e a sua ininteligibilidade constitui nulidade insuprível, uma vez que desde logo corta à Recorrente/Apelante a possibilidade de um juízo critico sobre a estimativa dos factos que compõem o caso. VI - Com efeito, a documentação e gravação produzida em audiência resulta de uma directiva constitucional que se insere no campo da garantia dos direitos análogos aos direitos fundamentais: cairá, por conseguinte, na aplicabilidade directa constitucional, que se frustrada, só pode traduzir-se numa invalidade da mesma força do acto nulo.
VII - Porque no caso, a deficiência da gravação atinge totalmente a possibilidade crítica do juízo do tribunal acerca da matéria de facto, dada como provada através da ponderação da eventualidade apontada e dos efeitos que possa trazer na apreciação global dos acontecimentos no caso presente, só pode o tribunal do recurso declarar tal nulidade ordenando a repetição do julgamento. VIII - Declarada a nulidade devido à deficiente e ininteligibilidade da gravação, desde logo será inútil a apreciação das demais razões e fundamentos do presente recurso. Todavia, não deixaremos de apontar as conclusões quanto às demais questões.
IX - A falta do Mandatário da Autora sendo a constituição de Advogado obrigatória no presente processo nos termos do artigo 40º do C.P.C., e sendo tal falta devidamente justificada pelos motivos indicados nas presentes Alegações e constantes dos autos, é também motivo de nulidade que invalida o processo quanto à audiência de julgamento, uma vez que a falta do Advogado da Autora, precludiu completamente o princípio do contraditório quer quanto às testemunhas do Réu, quer quanto ao depoimento deste (artigos 462º, 521 º, 522º do C.P.C.).
X - A falta das testemunhas da Autora, não cuidando o tribunal de minimamente saber da sua notificação ou não, e dos motivos da sua ausência e nem sequer se tendo pronunciado sobre a sua falta é também motivo de nulidade, uma vez que o tribunal não se pronuncia sobre a falta de tais testemunhas, não concedendo sequer prazo para justificação das suas faltas, caso tenham sido notificadas, e não estando presente o Mandatário da Autora este não possa pronunciar-se sobre a questão de prescindir das mesmas, ou não prescindir, requerendo a sua notificação para julgamento ou prazo para justificação das suas faltas;
XI - E não tendo sido, como claramente se demonstra nos autos notificada sequer a testemunha da Autora (…), o tribunal face a tal facto evidente, e no caso não sendo culpa nem do Mandatário nem da Autora a não notificação de tal testemunha, não podia o tribunal deixar de relevar tal facto, no sentido de que tal testemunha viesse a ser de facto notificada para oportunamente depor em julgamento. XII - As notificações feitas entre o tribunal e os Mandatários das partes e que levaram à confusão que se gerou, no presente caso, sendo que a lei impunha que tais notificações teriam que ser feitas electronicamente conforme artigo 132º do C.P.C. e artigo 25º da portaria n.º 280/2013, deveu-se ao facto que deveria ter sido levado em conta, como o foi em muitos tribunais, de que o CITIUS não estava em funcionamento, o que deu azo a que as notificações dos requerimentos apresentados pelas partes e os despachos enviados pelo tribunal aos Mandatários, não chegassem em tempo útil e oportuno ao seu conhecimento. Também esta situação deve ser considerada como justificativa e razoável para que o Tribunal de Recurso, entenda como correta a solução de ordenar a repetição do julgamento.
XIII - Tudo o que se deixou dito, para além do mais, vai claramente contra o princípio fundamental do processo civil, que é o princípio do contraditório. Não tendo sido dado à Autora, razoavelmente, qualquer hipótese de fazer vencimento da sua tese, quer pela falta das suas testemunhas, uma das quais nem sequer estava notificada, e pela falta do seu Mandatário, que justamente não teve em tempo oportuno conhecimento da realização do julgamento.
XIV - Além de outras já indicadas, a autora considera violadas as normas seguintes: artigos 40º, 132º, 144º, 462º, 521º, 522º, (anterior 712º) actual 612º, 662º do C. P. C. e artigo 25º da Portaria 280/2013. Termos em que, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso e considerando verificadas as nulidades invocadas pela Recorrente/Apelante, ordenar-se a repetição do julgamento, pois que só assim será feita a devida justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.

Entretanto foi proferido despacho, nos termos do qual se indeferiu, por extemporaneidade, a requerida declaração de nulidade decorrente da falta ou deficiência da gravação.

Dispensados os vistos, cumpre decidir:

Em face do conteúdo das conclusões das alegações da apelante, enquanto delimitadoras do objecto do recurso, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- nulidade resultante da deficiente gravação da prova;

- nulidade resultante da falta do mandatário da autora e de testemunhas da autora na audiência de julgamento.

Factualidade dada como provada na 1ª instância:
1) Por sentença homologatória de partilha, transitada em julgado a 7 de Dezembro de 2006, foi atribuída à A., (…), o prédio urbano sito na Rua das (…), n.º 63, concelho e freguesia de (…), constituído por casa de rés-do-chão para habitação e quintal com 202,21 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº (…) e descrito na respectiva matriz predial sob o art.º (…).
2) Após o trânsito daquela sentença a A. anuiu que o R. permanecesse num anexo que se situa no quintal do referido prédio a título gratuito.
3) Entre as partes foi acordado que o R. devolveria o imóvel logo que a A. lho reclamasse.
4) A A. interpelou o R. para proceder à entrega do prédio em meados de Fevereiro de 2008.
5) O R. entregou o referido imóvel à A. a 29 de Fevereiro de 2008.
Quanto à nulidade resultante da deficiente gravação da prova:

Diz a autora apelante que a gravação da audiência de julgamento não é minimamente inteligível, o que constitui nulidade insanável, pelo que se deve proceder à anulação e consequente repetição do julgamento.

Todavia, desde já se diga que, acompanhamos por inteiro a entendimento seguido no despacho do tribunal “a quo” de fls. 187 e 188 (refª 66035717) que, apreciando tal nulidade, indeferiu a invocação da mesma, com base na sua extemporaneidade.

Não se enquadrando tal irregularidade (ininteligibilidade da gravação da prova) nas nulidades da sentença previstas no nº 1 do art. 615º do CPC, a mesma apenas pode ser considerada como mera nulidade processual, prevista no nº 1 do art. 195º do CPC. Tal irregularidade, relativa à falta ou deficiência da gravação “deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, nos termos do disposto no nº 4 do art. 155º do CPC, sendo certo que, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo acto”.

Sendo certo que nada foi alegado pela apelante no sentido da falta de disponibilização da gravação, nos termos desta última disposição (e nada constando dos autos nesse sentido), tendo a audiência de julgamento tido lugar em 22.09.2014 (vide fls. 160 e sgs), a gravação devia ser disponibilizada até 24.09.2014 – prazo este a partir do qual se iniciou o supra referido prazo de 10 dias – o qual terminou em 06.10.2014 (2ª feira).

Sucede porém que a autora apelante apenas veio arguir tal irregularidade com as alegações de recurso, em 18.11.2014 (vide fls. 186 vº), ou seja, muito para além do prazo legal.

Muito embora no domínio da anterior CPC se suscitasse na jurisprudência, sem uniformidade, a questão de se saber se a nulidade ora em apreço devia ser invocada, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da audiência ou a contar da data em que a gravação foi disponibilizada à parte (e nesta perspectiva a invocação até seria tempestiva, uma vez que conforme se alcança de fls. 176 a gravação da prova foi entregue à apelante em 14.11.2014), é manifesto que, com as disposições supra citadas, o actual CPC (aplicável aos autos) veio tomar posição clara sob tal matéria, nos termos supra enunciados.

Trata-se de uma clarificação a bem da economia processual mas que, naturalmente, exige dos mandatários uma maior atenção, atenção essa que pelos vistos escapou à apelante.

É assim efectivamente extemporânea a invocação da nulidade ora em apreço – razão pela qual a mesma é claramente improcedente.

Improcedem assim nesta parte as conclusões do recurso.

Quanto à nulidade resultante da falta do mandatário da autora e de testemunhas desta na audiência de julgamento:

Conforme se alcança da acta do julgamento (fls. 160 e sgs) o mandatário da autora (bem como a autora e algumas das testemunhas por ela arroladas) não compareceu à audiência de julgamento, tendo esta decorrido na sua ausência.

Muito embora não constem das conclusões, resulta do corpo das alegações, para onde a apelante remete, que tal ausência teve alegadamente a ver com a solicitação, por ambos os mandatários, da suspensão da instância para efeitos de acordo.

Defende a apelante que a falta do seu mandatário, é violadora do princípio do contraditório quer quanto às testemunhas do réu, quer quanto ao depoimento deste e que constitui nulidade, pelo que deve ser ordenada a repetição do julgamento.

E defende ainda que não tendo a testemunha (…), por si arrolada, sido notificada o tribunal não podia deixar de relevar tal facto, requerendo a sua notificação para julgamento ou prazo para justificação das faltas.

Todavia o certo é que, independentemente relevância ou irrelevância de tais razões, estamos uma vez mais perante uma eventual nulidade processual prevista no nº 1 do art. 195º do CPC. Tal nulidade teria que ser invocada, no prazo geral de 10 dias (previsto no nº 1 do art. 149º do CPC), nos termos do disposto no nº 1 do art. 199º do CPC, contando-se tal prazo do dia em que “a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade…”
Ora, conforme se alcança do requerimento remetido pelo mandatário da autora, via fax, em 24.09.2014 (fls.162), a solicitar a cópia da acta do julgamento, o mesmo teve, pelo menos nessa data, conhecimento da realização do julgamento sem a sua presença.

Desta forma, o referido prazo de 10 dias para arguir a eventual nulidade resultante da realização do julgamento, sem a presença do mandatário da autora e sem a audição das testemunhas faltosas por esta arroladas, iniciou-se nessa data e terminou em 06.10.2014. Assim, e uma vez que a nulidade em questão apenas foi invocada, nas alegações de recurso, em 18.11.2014 (vide fls. 186 vº), haveremos de concluir igualmente no sentido da manifesta extemporaneidade da arguição da nulidade ora em apreço.

Improcedem assim, também nesta parte, as conclusões do recurso.

Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida. Custas pela apelante.

Évora, 30 de Abril de 2015

Acácio Luís Jesus das Neves

José Manuel Bernardo Domingos

João Miguel Ferreira da Silva Rato