Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1401/15.5T8TMR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: VEÍCULO AUTOMÓVEL
RETRIBUIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: i) Àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, n.º 1 do CC);
ii) por isso, alegando o Autor determinados direitos decorrentes do contrato de trabalho, como, por exemplo, seguro de saúde para a sua mulher, ou que as deslocações ao serviço da empregadora lhe davam direito ao recebimento de determinada importância a título de ajudas de custo, a ele competia a prova dos factos correspondentes;
iii) a atribuição a um trabalhador de um veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo da entidade empregadora, para o serviço e para o uso particular daquele, constituirá ou não retribuição, conforme se prove que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância;
iv) assume carácter obrigatório essa atribuição, sendo por isso de computar na retribuição do trabalho, se da matéria de facto consta que a empregadora “atribuiu” ao trabalhador viatura para uso profissional e pessoal, sendo as despesas de manutenção, incluindo combustível, suportadas por aquela.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1401/15.5T8TMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (autor/recorrente) intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, S.A., actual …. (Ré/recorrida), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 104.266,82, sendo:
1. € 1.110,40 correspondentes à coima que (o Autor) teve que pagar à Direcção Geral do Tesouro por erro da Ré no processamento da sua retribuição;
2. € 5.002,13 a título de horas extraordinárias, não pagas;
3. € 55.784,30 pelas deslocações que efectuou ao serviço da Ré e que não lhe foram pagas;
4. € 5.050,00 a título de descontos indevidos nas ajudas de custo;
5. € 12.219,99 a título de complemento de vencimento;
6. € 15.000 a título de danos não patrimoniais;
7. € 2.100,00 a título de lucros cessantes;
8. € 8.000,00 pela perda do salário com o não uso do veículo.
Mais pediu a condenação da Ré a pagar-lhe:
9. um seguro de saúde para a sua (dele, Autor) mulher nos termos do contrato de trabalho inicial;
10. um passe vitalício de comboio para si, para a sua mulher e para os seus pais (do Autor), até ao limite de 4.000 Km/ano.

Alegou para o efeito, muito em síntese:
- foi admitido ao serviço da DD em 5 de Agosto de 1991, para exercer funções de chefe de equipa de fiscalização do fabrico de travessas de betão para via-férrea, na fábrica da …, sita no Tramagal;
- posteriormente, em 1993, foi cedido temporariamente à EE, uma vez que o serviço de fiscalização e recepção de materiais de via férrea foi adjudicado a esta, passando a auferir diversos benefícios para além da retribuição base, como por exemplo a atribuição de uma viatura de serviço e outros complementos daquela retribuição;
- entretanto, em 1998, o seu contrato de trabalho transmitiu-se, de forma definitiva, da DD para a CC, mantendo-se, contudo, ao serviço da EE;
- a Ré ao longo da vigência da relação de trabalho não lhe pagou as quantias acordadas, retirou-lhe sem o seu consentimento benefício atribuídos e até lhe reduziu o pagamento de complementos salariais.
Em consequência, peticionou o pagamento das quantias a que se arroga ter direito, a condenação da Ré na reposição de determinados benefícios sociais, bem como o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais por a Ré ter violado o princípio da confiança.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas contestou a Ré, suscitando a excepção de ilegitimidade quanto à cláusula de cumprimento do acordado em matéria de transportes, com a consequente absolvição da instância nesta parte, e, quanto ao mais, a pugnar pela improcedência da acção.

Respondeu o Autor, a afirmar a legitimidade da Ré quanto ao pedido de cumprimento do acordado em matéria de transportes.

Foi dispensada a audiência prevista no artigo 62.º do CPT, fixado valor à causa (€ 104.266,82), proferido despacho saneador – no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade suscitada pela Ré – consignados os factos assentes e dispensada a elaboração de base instrutória.

No prosseguimento dos autos realizou-se a audiência de julgamento, e em 10 de Maio de 2016 foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«I. O A. tinha um emprego estável a cerca de 4 km da sua casa de habitação – residia em … e ia trabalhar para o Tramagal – até tinha tempo para vir almoçar a casa.
II. Dadas as suas reais capacidades e os seus conhecimentos o A. foi convencido a mudar de empresa – foi contrato para desempenhar tarefas especiais – foi para supervisor da empresa.
III. Para tal foi acordado que manteria todos os direitos que tinha na DD:
• horário de 37,50 horas/semanais
• passe de comboio para ele, mulher e pais.
• seguro de saúde para ele e mulher
• carro pra uso profissional e pessoal
• salário acrescido de um valor fixo de ajudas de custo e pagamento das ajudas de custo efetivamente devidas
• formação profissional
IV. Mas, o acordado foi esquecido e daí a Presente ação.
V. Mas, dos factos alegados e já provados pelo Tribunal e dos que agora se propuseram provar não restam dúvidas da veracidade do alegado pelo A. e é pena que a entidade patronal e o Tribunal não reconheçam o mérito do alegado pelo A.
VI. Pois este alegou e provou que:
• Tinha direito a seguro de saúde para si e mulher – e agora não tem.
• Tinha direito a um passe de transporte de comboio para si e mulher -e agora não tem.
• Tinha direito ao uso pessoal e profissional do carro e deixou de o ter.
• Tinha ajudas de custo fixas (complemento de salário) e foram-lhe retirados e deixou de os ter.
• Tinha direito a formação profissional e deixou de a ter.
• Encerraram o seu local de trabalho no Tramagal e obrigaram-no a ir para o Entroncamento (para um local de trabalho sem condições, alterando a sua vida pessoal, pois enquanto estava a trabalhar no Tramagal, podia vir almoçar a casa e a partir daí ficou impedido.
VII. Por força do Processamento dos salários por parte da Ré o A. foi condenado ao pagamento de uma coima e a Ré nada fez relativamente à sua omissão.
VIII. Por último, a Ré violou o principio de confiança estabelecido entre as partes – Pois o A. aceitou ir trabalhar para a Ré, com base nas promessas que lhe foram feitas e que deixam de ser compridas pela Ré.
E daí o pedir-se a revogação da douta sentença, julgando-se a ação totalmente procedente, motivo pelo qual a douta sentença ao ser proferida nos termos em que foi violou o disposto no artigo 615 alínea b) e d) do Código Processo Civil.
Mas, V. Exas farão a costumada Justiça».

Contra-alegou a Ré, a pugnar pela improcedência do recurso, tendo, para tanto, formulado as seguintes conclusões:
«A. O A., ora Recorrente, interpôs o presente recurso de Apelação com o propósito de obter a modificação da quase totalidade das decisões proferidas na sentença do tribunal a quo alegando, para o efeito, a necessidade da modificação da matéria de facto mediante a reapreciação dos elementos de facto que, a seu ver, resultariam no veredicto inverso como, sucintamente, abaixo se elencam;
B. Quanto ao pedido de reembolso da quantia liquidada à Direcção-Geral do Tesouro, por erro no processamento salarial do A. e da coima, entende o A. que a decisão proferida deveria ter sido a inversa com fundamento na matéria que referida no ponto 4, das alegações acima;
C. Quanto ao pedido de pagamento de um seguro de saúde para a mulher do A., entende o A. que a decisão proferida deveria ter sido a inversa com fundamento na matéria que referida no ponto 10, das alegações acima;
D. Quanto ao pedido de concessões de transporte, passe vitalício para o A. e sua mulher e pais até ao limite de 4.000 Km/ano, entende o A. que a decisão proferida deveria ter sido a inversa com fundamento na matéria que referida no ponto 14, das alegações acima;
E. Quanto ao pedido de pagamento das horas extraordinárias não pagas, entende o A. que a decisão proferida deveria ter sido a inversa com fundamento na matéria que referida nos pontos 16 e 17, das alegações acima;
F. Quanto ao pedido do pedido de complemento de vencimento em ajudas de custo, entende o A. que a decisão proferida deveria ter sido a inversa com fundamento na matéria que referida nos pontos 28 e 29, das alegações acima;
G. Quanto ao pedido formulado com base na perda do salário por não uso da viatura, entende o A. que a decisão proferida deveria ter sido a inversa com fundamento na matéria que referida no pontos 36 e 38, das alegações acima;
H. Ora, é manifesto que os elementos e as considerações invocadas pelo A., para obter a modificação da decisão de facto, não se revestem de força probatória obrigue à censura da livre a convicção formada pelo julgador e;
I. Por outro lado, também o modo como foi suscitada essa alteração da matéria de facto não é susceptível de merecer acolhimento por essa Veneranda Relação no plano adjectivo (nem, como já se alegou, no plano material),
J. Sendo, por fim, despropositado o requerimento de nulidade formulado em sede de Conclusões ao abrigo das alíneas b) e c), do artigo 615.º, do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável e com o sempre Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, impetra a confirmação dessas decisões da douta sentença devendo, consequentemente, ser negado provimento ao presente recurso de Apelação»


Admitido o recurso na 1.ª instância, remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, foram os mesmos, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT, presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, que neles emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Ao referido parecer respondeu o recorrente, a afirmar, desde logo, que «(…) a presente intervenção do Ministério Público viola o princípio da igualdade das armas – agravado pelo facto de se situar do lado do empregador»; e quanto ao mais, a reiterar que o recurso deve merecer provimento.

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do CPC, com remessa de projecto de acórdão aos Exmos. juízes desembargadores adjuntos, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Como é consabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (artigos 635.º, n.º 4 e 635.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficiosos, que aqui não se colocam.
Assim, face às conclusões das alegações apresentadas pelo Autor/recorrente, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
1. saber se o Autor tem direito a seguro de saúde para si e para a sua mulher;
2. saber se tem direito a passe de transporte de comboio para si, para a sua mulher e para os seus pais;
3. se tinha direito à utilização de viatura não só para uso profissional como também para uso pessoal e as consequências daí decorrentes;
4. se tem direito a ajudas de custo fixas, como complemento da retribuição, das horas extraordinárias e da transferência do posto de trabalho do Tramagal para o Entroncamento;
5. se tem direito a formação profissional;
6. se tem direito a ser reembolsado do valor da coima que pagou à então Direcção Geral do Tesouro.

Ainda relacionado com as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, bem como sobre o parecer emitido pela Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, importa deixar umas breves notas.
i. Assim, e desde logo, na resposta ao parecer emitido pelo Ministério Público nesta Relação o recorrente afirma que a «(…) intervenção do Ministério Público viola o princípio da igualdade das armas – agravado pelo facto de se situar do lado do empregador», inferindo-se daí que que o recorrente entende que ao Ministério Público estava vedado emitir parecer nos autos.
Ora, não pode olvidar-se que o n.º 3 do artigo 87.º do CPT estatui expressamente que «[a]ntes do julgamento dos recursos, o Ministério Público, não sendo patrono ou representante de qualquer das partes, tem vista no processo para, em 10 dias, emitir parecer sobre a decisão final a proferir, devendo observar-se, em igual prazo, o contraditório».
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-04-2002 (Proc. n.º 3364/01, com sumário disponível em www.stj.pt), a emissão de parecer pelo Ministério Público nos tribunais de recurso funda-se na natureza do direito e do processo laboral (de vertente eminentemente publicista) e nas atribuições constitucionais e legais daquela magistratura (cfr. artigos 219.°, n.° 1 da CRP e 3.°, n.° 1, als. d) e l) do Estatuto do Ministério Público).
Sendo incontroverso que no caso em apreciação o Ministério Público não é patrono nem representa qualquer das partes, em cumprimento do referido normativo legal não podia o processo deixar de lhe ser presente – como foi – para emissão de parecer sobre a decisão final a proferir no recurso.
Encontra-se, pois, a coberto da lei, maxime da lei fundamental, a emissão de parecer pelo Ministério Público junto deste tribunal da Relação.

ii. Uma outra nota que importa deixar expressa prende-se com o facto de o Autor/recorrente terminar as conclusões das alegações de recurso, afirmando que a sentença recorrida «violou o disposto no artigo 615 alínea b) e d) do Código de Processo Civil»: o referido artigo e alíneas reportam-se à nulidade da sentença, por o juiz não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e por omissão ou excesso de pronúncia.
Face a tal alegação suscita-se a dúvida se com a mesma o recorrente pretende arguir a nulidade da sentença com tais fundamentamos.
Ora, estipula o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, que «[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso».
Por sua vez, decorre do n.º 3 do mesmo preceito, que o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.
Sobre a arguição de nulidades, ao abrigo destes preceitos, a jurisprudência dos tribunais superiores sempre foi no sentido de que a mesma deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, sob pena de se considerar extemporânea e não se conhecer das nulidades arguidas somente nas alegações de recurso.
Isto porquanto a exigência em causa se justifica por razões de celeridade e economia processual, que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.
Daí que não sendo cumprida tal exigência, não cumpra ao tribunal superior conhecer da nulidade (veja-se, neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2009 (Recurso n.º 2469/08), de 25-03-2009 (Recurso n.º 2575/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3363/08) de 09-12-2010 (Recurso n.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1) e de 16-06-2015 (Proc. n.º 962/05.1TTLSB.L1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt].
No caso em litígio o recorrente não arguiu qualquer nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso: por isso, se face à referida alegação nas conclusões de recurso o recorrente pretendeu arguir a nulidade da sentença, o certo é que não o fez na forma processualmente devida, o mesmo é dizer que não o fez expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, pelo que não se pode conhecer da (eventual) arguição de nulidade.
Não se conhece, pois, da (eventual) arguição de nulidade da sentença.

iii. Finalmente, uma última nota se impõe, agora no tocante à matéria de facto e sua impugnação.
Ao longo das alegações o recorrente faz referência à necessidade de alteração de alguma matéria de facto, remetendo para tanto, de forma genérica, para os documentos juntos aos autos e para prova depoimentos prestados em audiência, incluindo o depoimento de parte do Autor.
Todavia, lendo e relendo as conclusões das alegações de recurso – e, como se disse, são estas que delimitam o seu objecto – não se localiza que impugne quaisquer concretos factos nos termos previstos na lei.
Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, quando os meios probatórios tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Não basta, pois, que o recorrente se limite a fazer uma impugnação genérica: ele tem de concretizar, e individualizar, qual a matéria que considera incorrectamente julgada, seja matéria que foi dada como provada, seja matéria que foi dada como não provada.
Importa ter presente que o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª instância, estabeleceria os factos provados e não provados; antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
Em tal situação, o tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e, daí, pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Para além da indicação dos factos concretos que impugna, e da resposta que, no seu entender, deve ser dado aos mesmos, o recorrente deve também indicar, em relação a cada um desses pontos/factos quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente, e quando esses meios de prova tenham sido gravados o recorrente terá de indicar ainda quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda.
Sobre esta problemática, cabe referir que entendemos – na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quer no âmbito do anterior Código de Processo Civil quer no âmbito do actual [vide, entre outros, os acórdãos de 08-03-2006 (Proc. n.º 3823/05), de 13-07-2006 (Proc. n.º 1079/06), de 01-03-2007 (Proc. n.º 3405/06), 23-02-2010 (Proc. n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1) e, mais recentemente, os acórdãos de 19 de Fevereiro de 2015, (Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1), de 04 de Março de 2015, (Proc. n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2), de 01-10-2015 (Proc. n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1) e ainda de 14-01-2016 (Proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt] – que impondo seja o artigo 685.º-B, do anterior Código de Processo Civil, seja o artigo 640.º, do actual Código de Processo Civil, um especial ónus de alegação quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, já não exigem os referidos normativos legais que o recorrente leve às conclusões a indicação dos concretos meios probatórios em que se baseia a sua discordância relativamente à decisão de primeira instância.
Quanto à concreta indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância, admite-se que a mesma possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação, sendo a indicação nas conclusões dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto.
Como se observou no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, «enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória».
Porém, volta-se a assinalar, quanto aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos, terão, obrigatoriamente, que constar das conclusões das alegações de recurso.
Pois bem: no caso, como se disse, das conclusões não se extraem quaisquer concretos pontos da matéria de facto que o recorrente impugna e o sentido da resposta a dar aos mesmos: o que parece resultar das conclusões das alegações do recorrente é tão só uma discordância quanto à solução final da acção e a reafirmação de que a mesma deve ser julgada procedente nos termos por ele defendidos, sendo que face à apreciação da prova, rectius testemunhal, feita pelo tribunal recorrido, contrapõe-lhe a sua própria apreciação.
Como faz notar Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 126-127), o novo Código, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, reforçou o ónus de alegação imposto ao recorrente.
Assim, sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
«(…) a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões [].
(…)
d) O recorrente deixará sempre expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».
Logo a seguir (págs. 127-128) afirma o mesmo autor que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento, não só pela letra da lei – artigo 640.º, n.º 1 – ao estatuir “sob pena de rejeição”, como pelo seu espírito, uma vez que «(…) pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas», pelo que o convite ao aperfeiçoamento apenas está reservado para os recursos da matéria de direito.
E mais adiante (págs. 128-129) conclui:
«A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constante do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzem algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo []».
No caso em apreciação, como se disse, não se retira das conclusões das alegações de recurso que o recorrente impugne a matéria de facto e, consequentemente, quais os concretos pontos da matéria de facto que impugna e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os mesmos, não valendo como tal a eventual possibilidade de se intuir que o recorrente discorda da matéria de facto fixada inerente aos diversos pedidos que formulou.
Nesta sequência, e concluindo, uma vez que não resulta das conclusões das alegações de recurso a impugnação de qualquer concreta matéria de facto, se, porventura, nas mesmas conclusões o recorrente pretendeu impugnar a matéria de facto, não se conhece da mesma, por não ter sido observado o ónus que nessa matéria lhe é imposto pelo artigo 640.º do CPC.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. No ano de 1993, atenta a transferência de funções configurada pela adjudicação feita pelos DD, E.P., à EE, S.A. relativamente à recepção de materiais de via, foi feito um acordo entre as duas empresas, no qual se permitia a utilização dos trabalhadores da DD para realizar tarefas abrangidas pela referida adjudicação (alínea A) dos factos assentes).
2. Em 9 de agosto de 1993, foi feito um pedido de cedência temporária de trabalhadores – entre os quais o Autor – ao Presidente do Conselho de Gerência dos DD, E.P., por parte do Conselho de Administração da EE (alínea B) dos factos assentes).
3. Em 22 de outubro de 1993, a DD respondeu ao Conselho de Administração da EE positivamente, anuindo a cedência de vários trabalhadores, entre os quais o Autor (alínea C) dos factos assentes).
4. O Autor iniciou o seu serviço na Ré então denominada EE em 1 de dezembro de 1993 (alínea D) dos factos assentes).
5. A cedência do autor deveu-se ao facto de o serviço de fiscalização e recepção de materiais de via-férrea ter sido adjudicado à EE e, como tal, os colaboradores da DD afectos a esse serviço – como o autor – foram convidados a integrar a EE durante a vigência do contrato de adjudicação (alínea E) dos factos assentes).
6. Aquando da transferência dos trabalhadores ficou decidido abonar ao Autor 10 ajudas de custo mensais (alínea F) dos factos assentes).
7. Após consulta aos trabalhadores cedidos, foi decidido pelas partes que a opção pela afetação a uma ou a outra empresa seria feita na data que terminasse o contrato de prestação de serviços celebrado entre as duas sociedades, ou seja, a 1 de dezembro de 1995 (alínea G) dos factos assentes).
8. Em 14 de março de 1996, foi acordado entre a EE e a DD, que a opção que os trabalhadores teriam de tomar não ocorreria no dia 1 de dezembro de 1995, mas sim no dia 1 de dezembro de 1996 (alínea H) dos factos assentes).
9. Em 29 de abril de 1996, foram os trabalhadores, entre os quais o A., convocados ao Serviço de Cadastro e Salários de Administração Geral e Relação com Terceiros da DD, de modo a assinarem o “Aditamento a Contrato de Cedência Ocasional de Trabalhador” (alínea I) dos factos assentes).
10. Em 31 de maio de 1996, foi feito um aditamento ao contrato de cedência ocasional de trabalhador alteração parcial de contrato de trabalho, entre a DD, a EE e o Autor, tendo sido prorrogado o contrato de cedência até 1 de dezembro de 1996, findo o qual deverá haver um acordo do trabalhador quanto ao regresso à DD ou ingresso nos quadros da EE (alínea J) dos factos assentes).
11. Em 7 de dezembro de 1998, o Autor foi informado da sua transição da DD para a CC, produzindo efeitos a partir de 1 de julho de 1997, contando que na transição “estariam acautelados todos os direitos e regalias decorrentes da Lei, dos instrumentos de regulamentação e contratação coletiva e de contratos individuais de trabalho” (alínea L) dos factos assentes).
12 - No dia 17 de dezembro de 1998, foi o Autor informado que, apesar da sua transição para a CC, dever-se-ia manter ao serviço, ainda assim, da EE, nas condições que à data se encontrava (alínea M) dos factos assentes).
13. Em 26 de agosto de 1998, o Autor recebeu uma comunicação interna da EE a informar no mesmo sentido da transição para a CC (alínea N) dos factos assentes).
14. Pelo menos no ano de 2005 a Ré facultou ao Autor uma viatura automóvel, com a matrícula …, por motivo das funções desempenhadas pelo Autor (alínea O) dos factos assentes).
15. Por decisão da Ré, as ajudas de custo passaram a estar integradas no vencimento desde 1/07/2004 (alínea P) dos factos assentes).
16. O Autor foi promovido à categoria profissional de Técnico B2 II (alínea Q) dos factos assentes).
17. A Ré sempre facultou ao Autor, aquando da realização de deslocações de serviço, viatura da empresa, com combustível fornecido por esta (alínea R) dos factos assentes).
18. Em 29 de dezembro de 2008, foi celebrado entre o Autor, a EE e a CC um contrato de “cessão da posição contratual em contrato de trabalho”, passando o Autor a trabalhador da EE, mantendo a antiguidade que venha da reforma (alínea S) dos factos assentes).
19. Em 1/01/2009, o Autor passou a trabalhador efetivo da Ré, assinando o contrato junto aos autos a fls. 32 v a 33 v. (alínea T) dos factos assentes).
20. Da cláusula 6ª do referido contrato consta o seguinte:
“1 – O Primeiro outorgante assegurará a manutenção do direito às concessões ao Terceiro outorgante, mesmo após a passagem à situação de reforma, debitando o Segundo Outorgante pelos encargos inerentes.
2 – O Segundo Outorgante reconhece o direito à manutenção das concessões de transporte e aceita pagar os valores que comprovadamente lhe venha a ser debitado, neste âmbito, pelo Primeiro Outorgante.
3 – O terceiro Outorgante beneficiará ainda das regalias sociais em vigor no segundo outorgante” (alínea U) dos factos assentes).
21. No referido contrato a CC cedeu a sua posição contratual enquanto empregador para a EE, com o assentimento do Autor, mais ficou estipulado entre as partes e garantido pela CC e EE que o Autor manteria a antiguidade adquirida ao serviço da primeira e tidas as condições que tinha anteriormente, bem como a categoria profissional do A. seria a de Técnico B2 – II, tendo a retribuição de €1.328,00 (alínea V) dos factos assentes).
22. Estipulou-se que a CC asseguraria a manutenção dos direitos adquiridos pelo Autor depois deste passar à situação de reforma, sendo uma das condições para aceitar a transferência (alínea X) dos factos assentes).
23. A EE reconheceu o direito do Autor a manter as concessões de transporte, aceitando “pagar os valores que comprovadamente lhe venham a ser debitados, neste âmbito, pelo Primeiro Outorgante (CC)”, ou seja, manteria acesso a um passe vitalício de transporte ferroviário, para o Autor, mulher e pais dele Autor (alínea Z) dos factos assentes).
24. O Autor beneficiaria também das regalias sociais em vigor na EE (alínea AA) dos factos assentes).
25. No ano de 2011, por força do regime imperativo constante da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 foi efetuado um corte de 20% nas ajudas de custo (alínea AB) dos factos assentes).
26. Em janeiro de 2012, mediante a deliberação interna da EE de 6 de janeiro de 2012, a viatura … passou para um regime de utilização “pool”, leia-se, para uso exclusivo em serviço (alínea AC) dos factos assentes).
27. Por declaração da EE datada de 17 de setembro de 2008, o Autor está ao serviço da empresa desde 1 de dezembro de 1993 e a praticar o horário diário de 8 horas, com início às 8.00 e termo às 17.00 horas (alínea AD dos factos assentes).
28. O Autor foi admitido ao serviço da DD em 5/08/1991, tendo posteriormente transitado para a CC, E.P., com a função de chefe de equipa de obras.
29. Até ao ano de 2001 as horas extraordinárias eram compensadas em ajudas de custo, a partir desse ano as horas extraordinárias passaram a ser pagas efetivamente.
30. No ano de 2002 o Autor pagou uma coima às Finanças, acrescida de IRS em falta, por força de uma auditoria feita por esta última no ano 2000, referente ao ano de 1995, na qual as ajudas de custo foram consideradas complementos do ordenado, sujeitas a IRS.
31. O Autor fiscalizou a recepção de travessas de betão e seus componentes, na fábrica da Vigabloco, sita na Freixianda-Ourém, ai se deslocando semanalmente, pagando-lhe a Ré as deslocações, a título de ajudas de custo nacional.
32. Quando o Autor se deslocava à Freixianda nunca pernoitava no local, efetuando as suas visitas num sistema de ida e volta.
33. Ao longo dos anos em que o Autor esteve ao serviço da EE, foram-lhe sendo atribuídas diversas viaturas, para uso profissional e pessoal.
34. Todas as despesas de manutenção e/ou reparação das diversas viaturas que foram sendo entregues ao Autor eram a cargo da EE.
35. A EE era também quem custeava o gasóleo despendido com tais viaturas.
36. Na altura em que o autor trabalhou por turnos na …, prestou trabalho extraordinário que registou e lhe foi liquidado.
37. Em 2007 cessou o serviço de receção de travessas de betão na …, passando o Autor a deslocar-se para a fábrica da…, na Freixianda.
38. Mais tarde o Autor passa a fazer visitas técnicas – auditorias às fábricas do Tramagal, da Freixianda e do Entroncamento, fazia muitas deslocações e deslocava-se muito de carro.
39. Por fim o Autor foi colocado no Entroncamento, realizando as visitas técnicas a partir dessa localidade.
40. Para justificar o pagamento de ajudas de custo várias vezes o autor preencheu boletins de deslocação, com deslocações e assinalando pernoitas, que nunca por si foram efetuadas.
41. A partir de janeiro de 2012 o Autor passou a ter de assegurar o transporte do colaborador FF, na ida e na volta.
42. O uso de viaturas da Ré pelo autor foi concedido por razões de serviço e no interesse da Ré em face das deslocações que ao longo dos anos o autor teve de realizar para desempenhar as suas funções.
43. O Autor por ser trabalhador oriundo da DD tinha direito a passe para si, para os seus descendentes dependentes, cônjuge e ascendentes do trabalhador até 4000 km por ano.
44. Ao Autor bem como as restantes trabalhadores da Ré foi atribuído por esta um seguro de saúde, que até hoje mantém para os seus trabalhadores.
45. Por força do compromisso assumido para com o Autor aquando da sua passagem da DD para a CC, esta aceitou pagar, o que lhe fosse debitado por aquela empresa no que respeita às concessões nos transportes, o que tem sucedido em conformidade com as restrições que foram impostas à DD nesta matéria, por força dos orçamentos de Estado referentes aos anos 2013 e seguintes.
46. Por imposição do Estado a partir do ano de 2013 deixaram de existir os bilhetes até 4000km para os cônjuges dos trabalhadores e ascendente destes, passando apenas a existir reduções nos preços dos bilhetes, as quais tem variado, entre os 25%, 50% e 75% de desconto no preço dos bilhetes de comboio.

IV. Fundamentação
Delimitadas supra – sob o n.º II – as questões essenciais a decidir, é agora o momento de analisar as mesmas.

1. Do direito do Autor a seguro de saúde para si e para a sua mulher
A sentença recorrida negou direito à pretensão do Autor ao pagamento (pela Ré) de um seguro de saúde à mulher daquele.
Ancorou-se tal decisão na seguinte fundamentação:
«Resulta dos factos provados que ao Autor bem como aos restantes trabalhadores da Ré foi atribuído por esta, um seguro de saúde, que a Ré mantêm para com os seus trabalhadores.
Sendo estes os factos com relevo para apreciação do pedido formulado pelo autor teremos de concluir que o autor não logrou provar que tivesse sido assumido pela Ré a obrigação de liquidar à mulher do autor um seguro de saúde, nem que tal obrigação tivesse entretanto cessado.
Dos factos provados apenas resulta que os trabalhadores da Ré usufruem de um seguro de saúde, não se tendo apurado as circunstâncias e as condições em que tal seguro terá sido atribuído aos trabalhadores, nomeadamente não se provou que a mulher do autor tivesse beneficiado de tal seguro durante determinado período de tempo e depois de forma unilateral tivesse perdido tal benefício.
Não se tendo provado que a Ré tivesse assumido qualquer compromisso referente ao pagamento de um seguro de saúde à mulher do autor é evidente que a pretensão do autor na condenação da Ré assumir o pagamento de um seguro de saúde para com a mulher do autor terá de improceder».
Vejamos.

Na resolução desta questão, bem como das restantes, haverá que ter sempre presente que nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, o que significa que alegando o Autor o direito em causa, bem como os outros direitos que serão analisados infra, a ele competirá a prova dos factos constitutivos desse(s) direito(s).
Ora, a pretensão do Autor na matéria tinha por pressuposto a alteração da matéria de facto, mas, como já se referiu supra, não tendo sido cumprido o ónus imposto por lei quanto à impugnação da matéria de facto não pode alterar-se a mesma.
De resto, o que resulta das alegações do recorrente quanto à eventual alteração da matéria de facto nesta matéria é tão-somente que tinha direito a um seguro de saúde para si e para a sua mulher, matéria de natureza claramente conclusiva.
E o que se provou a tal respeito e que consta da matéria de facto – matéria essa a que este tribunal se terá que ater – foi que o Autor, bem como os restantes trabalhadores da Ré foi atribuído por esta um seguro de saúde, que até hoje mantém para os seus trabalhadores (facto n.º 44).
Porém, nada mais se provou a tal respeito, designadamente as circunstâncias e condições de atribuição desse seguro, incluindo ao cônjuge do aqui recorrente, pelo que não poderia o pedido deixar de improceder, como improcedeu, na 1.ª instância.
Inexiste, por isso, fundamento para alterar o decidido quanto a esta questão.

2. Do direito do Autor a passe de transporte de comboio para si, para a sua mulher e para os seus pais
Sobre esta problemática a 1.ª instância discorreu assim:
«Reclama o Autor a condenação da Ré na atribuição de um passe vitalício de comboio para si e para a sua mulher e seus pais até ao limite de 4000 km/ano.
Dos factos provados resulta que a EE reconheceu o direito do Autor a manter as concessões de transporte, aceitando “pagar os valores que comprovadamente lhe venham a ser debitados, neste âmbito pela CC”, ou seja manteria o acesso a um passe vitalício de transporte ferroviário, para o Autor, mulher e pais do Autor.
O Autor por ser trabalhador oriundo da DD tinha direito a passe para si, para os seus descendentes dependentes, cônjuge e ascendentes do trabalhador até 4000 km por ano.
Por força do compromisso assumido para com o Autor aquando da sua passagem da DD para a CC, esta aceitou pagar, o que lhe fosse debitado por aquela empresa no que respeita às concessões nos transportes, o que tem sucedido em conformidade com as restrições que foram impostas à DD nesta matéria, por força dos orçamentos de Estado referentes aos anos 2013 e seguintes.
Por imposição do Estado a partir do ano de 2013 deixaram de existir os bilhetes até 4.000km para os cônjuges dos trabalhadores e ascendente destes, passando apenas a existir reduções nos preços dos bilhetes, as quais tem variado, entre os 25%, 50% e 75% de desconto no preço dos bilhetes de comboio.
Dos factos provados não resulta que a Ré tenha violada qualquer obrigação no que respeita às concessões nos transportes assumida para com o Autor, pois limita-se a liquidar à DD aquilo que esta lhe debita em conformidade com as concessões nos transportes a que o trabalhador tem direito e que efetivamente foram alteradas/reduzidas por imposição do Estado português, tal como resulta das Leis dos Orçamentos de Estado para 2013, 2014 e 2015.
Improcede assim o pedido formulado pelo autor, deixando consignado que de harmonia com o apurado em audiência de julgamento o autor e os seus familiares diretos continuam a beneficiar das concessões nos transportes nos termos definidos pela DD, com as alterações que lhe foram impostas pelo Estado Português e que terão afetado de forma igualitária todos os beneficiários destas concessões».
Da referida transcrição resulta que a sentença recorrida reconheceu que o Autor tinha direito, por ser trabalhador oriundo da DD, a um passe para si, cônjuge, e ainda para os seus ascendentes: todavia, por força das Leis do Orçamento de Estado (OE) de 2013, 2014 e 2015, tal direito foi “convolado” para reduções no preço dos bilhetes, as quais tê m variado entre 25%, 50% e 75% de desconto no preço destes, o que tem vindo a ser cumprido.
Nas alegações de recurso o recorrente rebela-se contra tal entendimento, continuando a sustentar que tem direito ao passe nos termos peticionados, na medida em que estava sujeito a um «contrato de trabalho privado e não um contrato de trabalho para funções públicas», daí se inferindo que considera que não lhe podem ser aplicáveis as regras que decorrem dos referidos Orçamentos de Estado.
É incontroverso que entre as partes vigorava um contrato individual de trabalho, assim como de acordo com a matéria de facto que assente ficou, o Autor, por ser oriundo da DD, tinha direito a passe para si, para os seus descendentes dependentes, cônjuge e ascendentes de trabalhador até 4.000 Km ano (facto n.º 43).
E por força do compromisso assumido para com o Autor aquando da sua passagem da DD para a CC, esta aceitou pagar o que lhe fosse debitado por aquela no que respeita à concessão de transportes, o que tem sucedido (facto n.º 45).
Todavia, por imposição do Estado, através do OE, a partir de 2013 deixaram de existir os referidos bilhetes até 4.000 Km para os cônjuges dos trabalhadores e ascendentes, passando apenas a existir a redução do preço dos bilhetes nos termos referidos, o que se tem vindo verificar (n.º 46); ou seja, o Autor, e os familiares referidos, continuam a beneficiar do “direito a transportes”, mas com a alteração decorrente das leis do OE.
Com efeito, estabelece o artigo 144.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31-12 (Lei do Orçamento Geral do Estado para 2013):
«1 - É vedada a utilização gratuita dos transportes públicos rodoviários, fluviais e ferroviários.
2 - Ficam excluídos do disposto no número anterior:
a) Os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, juízes do Tribunal Constitucional, oficiais de justiça e pessoal do corpo da Guarda Prisional, para os quais se mantêm as normas legais e regulamentares em vigor;
b) O pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, os militares da Guarda Nacional Republicana, o pessoal da Polícia Judiciária, bem como de outras forças policiais, os militares das Forças Armadas e militarizados, no ativo, quando em serviço que implique a deslocação no meio de transporte público;
c) Os trabalhadores das empresas transportadoras, das gestoras da infraestrutura respetiva ou das suas participadas, que já beneficiem do transporte gratuito, quando no exercício das respetivas funções, incluindo a deslocação de e para o local de trabalho.
3 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos».
Idêntico é o regime que decorre dos OE de 2014 e 2015.
Ora, é certo que, como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil os contratos devem ser pontualmente cumpridos: porém, a mesma norma admite a modificação ou extinção dos contratos por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Assim, mesmo que no caso em apreciação se admita que a atribuição dos “passes” tenha natureza retributiva, por força do disposto na citada norma do OE (assim como de posteriores OE) não parece existir obstáculo à validade de alteração/convolação da atribuição desses passes para redução do preço dos bilhetes.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-06-2014 (Proc. n.º 392/13.1TTPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), em que se apreciou e decidiu da validade e constitucionalidade da retirada de passes de transportes a trabalhadores reformados da DD «(…) mesmo que se defenda que tal atribuição dos passes gratuitos se integra no conceito legal de retribuição e que a sua suspensão, nos termos definidos pela LOE2013, representa uma diminuição no rendimento anual dos associados da Autora, tal não representa uma violação do princípio da irredutibilidade dos salários, conforme se defendeu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 396/2011, de 21 de Setembro de 2011[] «[n]ão consta da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma directa e autónoma, uma garantia de irredutibilidade dos salários. Essa regra inscreve-se no direito infraconstitucional, tanto no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (artigo 89.º, alínea d)), como no Código do Trabalho (artigo 129.º, n.º 1, alínea d)).
Vem arguido que tal garantia, ainda que integrando a legislação ordinária, goza de “força constitucional paralela”, por via do artigo 16.º, n.º 1, da Constituição.
Deve começar por se anotar que tal regra de direito ordinário apenas vale para a retribuição em sentido próprio. Na verdade, ela não abrange, por exemplo, as ajudas de custo, outros abonos, bem como o pagamento de despesas diversas do trabalhador (Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, II, Situações laborais individuais, Coimbra, 2006, p. 564 e 551). Nessa medida, os subsídios de fixação e de compensação de que gozam os magistrados, expressamente equiparados a ajudas de custo, encontram-se, à partida, fora do âmbito da garantia.
Mas importa sobretudo sublinhar que a regra não é absoluta. De facto, a norma que proíbe ao empregador, na relação laboral comum, diminuir a retribuição (artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código de Trabalho) ressalva os “casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho”. Quanto à relação de emprego público, admite-se que a lei (qualquer lei) possa prever reduções remuneratórias (cfr. o citado artigo 89.º, alínea d)). O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo.
Deste modo, não colhe a argumentação de que existiria um direito à irredutibilidade do salário que, consagrado na legislação laboral, teria força de direito fundamental, por virtude da cláusula aberta do artigo 16.º, n.º 1, da Constituição. Se assim fosse, o legislador encontrar-se-ia vinculado por tal imperativo, o que, como vimos, não sucede. Em segundo lugar, não se pode dizer, uma vez garantido um mínimo, que a irredutibilidade do salário seja uma exigência da dignidade da pessoa humana ou que se imponha como um bem primário ou essencial, sendo esses os critérios materiais para determinar quando estamos perante um direito subjectivo que se possa considerar "fundamental" apesar de não estar consagrado na Constituição e sim apenas na lei ordinária (Cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª ed., Coimbra, 2009, p. 79-80).
De resto, o legislador constituinte teve a preocupação de estabelecer uma densa rede protectiva da contrapartida remuneratória da prestação laboral, dando consagração formal, no texto da Constituição, às garantias que entendeu serem postuladas pelas exigências de tutela, a este nível, da condição dos trabalhadores. Assim é que, para além do reconhecimento do direito básico à retribuição, manda-se observar o princípio de que “para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” (alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º), fixa-se como incumbência do Estado “o estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional” (alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo), acrescentando-se, na revisão de 1997, a imposição constitucional de “garantias especiais dos salários” (n.º 3 do artigo 59.º). Não é de crer que o programa constitucional, tão exaustivamente delineado, nesta matéria, só fique integralmente preenchido com a atribuição da natureza de direito fundamental legal ao direito à irredutibilidade da retribuição, qualificação para a qual não se descortina fundamento material bastante.
Direito fundamental, esse sim, é o "direito à retribuição", e direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 620/2007). Mas uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as variáveis económico-financeiras que concretamente o condicionam. Não pode, assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística contida no âmbito de protecção do direito à retribuição do trabalho ou que uma redução do quantum remuneratório traduza uma afectação ou restrição desse direito.
Inexistindo qualquer regra, com valor constitucional, de directa proibição da diminuição das remunerações e não sendo essa garantia inferível do direito fundamental à retribuição, é de concluir que só por parâmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais, em particular os da confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional das soluções normativas em causa.
Tem sido essa, aliás, a orientação constante deste Tribunal, sempre que chamado a julgar questões atinentes, directa ou indirectamente, a reduções remuneratórias. Foi assim no Acórdão n.º 303/90, sobre vencimentos dos ex-regentes escolares, no Acórdão n.º 786/96, sobre alterações ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas, com repercussão no subsídio da condição militar, e no Acórdão n.º 141/2002, referente à fixação de limites de vencimentos a funcionários em funções em órgãos de soberania, a membros dos gabinetes de órgãos de soberania, a funcionários dos grupos parlamentares e a funcionários das entidades e organismos que funcionam juntos dos órgãos de soberania, a qual importou uma efectiva e significativa redução dos vencimentos auferidos por esses sujeitos. Independentemente do sentido das pronúncias, foi exclusivamente à luz do conteúdo normativo desses princípios que elas foram emitidas.».
Assim, revertendo ao caso em apreciação, face ao OE de 2013, que aboliu a atribuição de transporte gratuito a trabalhadores da DD, excepto se destinados ao exercício das funções, nada obstava a que a Ré retirasse ao Autor (e familiares) a atribuição dos passes e que os substituísse pelos descontos nos bilhetes.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Quanto à utilização da viatura para fins profissionais e pessoais, com as consequências daí decorrentes
Na petição inicial o Autor alegou sobre esta matéria, em síntese, que desde 1996 até Dezembro de 2011 beneficiou da utilização de uma viatura do empregador para uso pessoal e profissional e que a partir de Janeiro de 2012 tal viatura passou a ser apenas para uso profissional.
Acrescentou que a atribuição da viatura para uso pessoal configura uma parcela da retribuição, pelo que tendo-lhe sido retirada deve a Ré ser condenada no pagamento de uma importância mensal não inferior a € 250,00 (em que quantificou a perda de tal direito), a que corresponde o montante total (em função dos meses) de € 8.000,00.
Relacionado com esta matéria, mostra-se provado:
- ao longo dos anos em que o Autor esteve ao serviço da EE, pelo menos desde 2005, foram-lhe sendo atribuídas diversas viaturas, para uso profissional e pessoal, sendo as despesas de manutenção, incluindo combustível, suportadas pela EE (factos n.ºs 33 a 35);
- o uso das viaturas pelo Autor foi concedido por razões de serviço e no interesse da empregadora em face das deslocações que ao longo dos anos o Autor teve de realizar para desempenhar as suas funções (n.º 42);
- por deliberação da EE, a partir de Janeiro de 2012 a viatura automóvel atribuída ao Autor passou a sê-lo apenas para uso exclusivo em serviço, tendo ainda o Autor que assegurar o transporte (na viatura) de outro trabalhador (n.ºs 26 e 41);
-no contrato celebrado entre a EE e a Ré foi assegurado que o Autor manteria os direitos e condições de que até aí vinha usufruindo (n.ºs 21, 22).
A 1.ª instância negou direito à pretensão do Autor nesta matéria, com a seguinte fundamentação:
«A utilização destas viaturas pelo autor foi sempre concedida por razões de serviço e no interesse da Ré em face das deslocações que o autor realizou ao longo dos anos para desempenhar as suas funções, sendo certo que a partir de 2012, a Ré determinou que a viatura seria para uso exclusivo em serviço, determinando que o autor passasse a transportar na ida e na volta do serviço um outro funcionário da Ré.
O Supremo Tribunal de Justiça tem seguido a orientação de que a atribuição de uma viatura com despesas a cargo do empregador, para uso profissional e particular do trabalhador, “constitui ou não retribuição conforme se demonstre que essa atribuição é feita com caráter obrigatório ou como um ato de mera tolerância” – ver neste sentido entre outros Ac. STJ de 21/04/2010, disponível em www.dgsi.pt.
Concordamos na íntegra com tal posição, razão pela qual defendemos que a atribuição de viatura ao trabalhador apenas assume natureza retributiva caso o trabalhador demonstre que essa atribuição foi feita com caráter obrigatório.
No caso em apreço, provou-se que, a Ré, por motivo das funções desempenhadas pelo Autor, facultou-lhe ao longo dos anos diversas viaturas, para uso profissional e pessoal. A Ré era quem custeava as despesas relacionadas com tais viaturas. A partir de janeiro de 2012, o autor passou a ter de utilizar a viatura apenas para uso exclusivo do serviço, passando a ter de assegurar o transporte do colaborador FF, na ida e na volta, continuando assim a deslocar-se de e para a sua residência na viatura da Ré. Por fim, apurou-se que o uso de viaturas da Ré pelo Autor foi concedido por razões de serviço e no interesse da Ré em face das deslocações que ao longo dos anos o Autor teve de realizar para desempenhar as suas funções.
Perante a matéria de facto provada, impõe-se concluir que a atribuição ao autor de veículo automóvel não assume natureza retributiva, uma vez que apesar do autor ter logrado provar que o empregador lhe conferiu o direito de utilização do veículo na sua vida pessoal e suportou os respetivos encargos, o certo é que a Ré logrou provar que tudo sucedeu por mera tolerância e no seu interesse e não com caráter de obrigatoriedade, sendo certo que o Autor enquanto manteve a relação laboral com a Ré usufruiu sempre da utilização de viatura, quer nas deslocações em serviço, quer nas deslocações de casa para o serviço e vice-versa, apenas tendo ficado impedido a partir de janeiro de 2012 de utilizar a viatura de serviço ao fim de semana.
Em face do exposto e porque se apurou que o uso o autor apenas utilizou os diversos veículos que lhe foram sendo atribuídos pela Ré, para fins pessoais por mera tolerância da Ré e não com caráter de obrigatoriedade, improcede o pedido formulado pelo autor».

Da matéria de facto referida decorre que pelo menos desde 2005 a EE “atribuiu” ao Autor diversas viaturas, para uso profissional e pessoal, sendo as despesas de manutenção, incluindo combustível, suportadas pela EE; a palavra “atribuir” afigura-se expressiva no sentido de ser um acto vinculativo de concessão de um benefício, e não apenas uma mera tolerância, situação esta que se conformaria com uma diferente expressão linguística, como, por exemplo, “permitiu”.
É certo que de acordo com a mesma matéria de facto, tal “atribuição” foi por razões de serviço e no interesse da Ferbritas, em face das deslocações que ao longo dos anos o Autor teve de realizar para desempenhar as suas funções; todavia, tal referência só pode reportar-se à atribuição por razões profissionais, pois não se alcança qualquer ligação entre, por um lado, a afirmação que que a empregadora atribuiu (também) a viatura para uso pessoal e, por outro, o facto (n.º 42) de se afirmar que o uso de viaturas da Ré pelo Autor foi concedido por razões de serviço: se a viatura é “atribuída” para uso pessoal, assumindo a empregadora as despesas inerentes à utilização da mesma, tal representava para o trabalhador uma vantagem económica, como contraprestação da relação de trabalho, tornando até desnecessária a compra pelo mesmo trabalhador de uma viatura para uso pessoal.
Ou seja, ao se referir que a EE “atribuiu” ao Autor uma viatura também para uso pessoal, tal significa que a referida empregadora se obrigou a fornecer ao trabalhador uma viatura para uso pessoal, e que tal representava para o trabalhador uma vantagem económica decorrente da prestação de trabalho, revestindo, por consequência, natureza de retribuição, que não podia ser retirada sob pena de implicar diminuição desta, o que era vedado à empregadora (cfr. artigo 122.º, alínea d) do CT/2003 e artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do CT/2009).
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado de forma reiterada que o critério a considerar que a atribuição a um trabalhador de um veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo da entidade empregadora, para o serviço e para o uso particular daquele, constituirá ou não retribuição, conforme se prove que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância [por todos, vejam-se os acórdãos de 25-01-2001 (Revista n.º 3108/00), 14-02-2001 (Revista n.º 112/00), de 12-01-2006 (Recurso n.º 2837/05), de 12-09-2007 (Recurso n.º 1513/07), de 23-09-2009 (Recurso n.º 3843/08), de 18-12-2013 (Recurso n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1) e de 30-04-2014 (Recurso n.º 714/11.0TTPRT.P1.S1).
Assim, face a tal atribuição da viatura, e uma vez que se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da empregadora ao trabalhador, competia àquela provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância.
Ora, ao contrário do que parece resultar da fundamentação da sentença recorrida, não se lobriga que possa afastar a referida presunção a mera afirmação de que o uso das viaturas pelo Autor foi concedido por razões de serviço e no interesse da empregadora em face das deslocações que ao longo dos anos o Autor teve de realizar para desempenhar as suas funções.
O Autor alegou que a atribuição da viatura representava para ele uma retribuição de pelo menos € 250,00 mensais, com início em Janeiro de 2012 (data em que lhe foi retirada para uso pessoal passou a ser apenas para uso exclusivo em serviço), formulando a tal respeito o pedido de condenação de € 8.000,00, o que significa que formulou o pedido referente a 32 meses (€ 8.000,00 : € 250,00).
Por isso, e não resultando da matéria de facto qual o valor económico que representava para o trabalhador a utilização para uso pessoal das viaturas – ou, se se quiser, não resultando da matéria de facto qual a retribuição em espécie correspondente à utilização dos veículos pela Autor para uso pessoal – terá que se relegar para incidente de liquidação o apuramento de tal valor, com início em Janeiro de 2012 e durante 32 meses, com o limite do pedido de € 8.000,00 (cfr. artigos 609.º, n.º 2, e 358.º, n.º 2, do CPC).
Procedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

4. Das ajudas de custo fixas como complemento da retribuição, das horas extraordinárias e da transferência do posto de trabalho do Tramagal para o Entroncamento
Na petição inicial, o Autor alegou, de forma algo genérica, que desde Dezembro de 1993 as ajudas de custo lhe eram pagas com recurso a boletins de deslocações fictícias e que até ao ano de 2000 não lhe foram pagas quaisquer horas extraordinárias em dias de descanso semanal ou complementar.
E a final formulou o pedido de condenação da Ré no pagamento, a título de horas extraordinárias, de € 5.002,13.
Relacionado com esta matéria consta da matéria de facto:
- até ao ano de 2001 as horas extraordinárias eram compensadas em ajudas de custo e a partir desse ano as horas extraordinárias passaram, efectivamente, a ser pagas (n.º 29);
- por decisão da Ré as ajudas de custo passaram a ser integradas na retribuição a partir de 01-07-2004 (n.º 15);
- no ano de 2011, por força do regime imposto pela Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, foi efectuado um corte de 20% nas ajudas de custo (n.º 25);
- em 2007 cessou o serviço de recepção de travessas de betão na …, passando o Autor a deslocar-se para a fábrica da …, na Freixianda (n.º 37);
- mais tarde, o Autor passou a fazer visitas técnicas/auditorias às fábricas do Tramagal, da Freixianda e do Entroncamento, fazia muitas deslocações e deslocava-se muito de carro (n.º 38);
- por fim, o Autor foi colocado no Entroncamento, realizando as visitas técnicas a partir dessa localidade (n.º 39);
- para justificar o pagamento de ajudas de custo várias vezes o Autor preencheu boletins de deslocação, com deslocações e assinando pernoitas que nunca foram por si efectuadas (n.º 40).
Sobre esta matéria escreveu-se na sentença recorrida:
«Destes factos resulta desde logo que o autor não logrou provar, tal como lhe incumbia que o seu local de trabalho entre outubro de 2007 a agosto de 2010 era no Tramagal tendo-se deslocado diariamente ao Entroncamento e à Freixianda, nem logrou provar que cada um dessas deslocações por si efetuada dava direito a 1/2 de ajudas de custo no valor de €30,55.
Ao invés dos factos provados podemos concluir que no referido período de tempo o local de trabalho do autor deixou de ser no Tramagal, pois a receção de travessas cessou na …, passando o autor a deslocar-se para a fábrica da … na Freixianda e mais tarde passou a fazer auditorias técnicas às fábricas do Tramagal, da Freixianda e do Entroncamento fazendo muitas deslocações e deslocava-se muito de carro, sendo certo que o transporte era fornecido pela Ré.
Ora não tendo o autor logrado provar que cada uma das deslocações por si efetuadas dariam lugar a ½ ajuda de custo diária no valor de €30,55 e realizando o autor as suas deslocações em transporte fornecido pelo empregador, sendo este quem custeava o combustível, mas sendo certo, porque resulta dos recibos de vencimento referentes a este período de tempo, que mensalmente o autor recebia quantias variáveis a título de ajudas de custo nacionais, considerarmos não ser devido no período alegado pelo autor qualquer quantia a título de ajuda de custo, para além daquelas que efetivamente lhe foram liquidadas pela Ré.
Apesar do autor ter logrado provado que efetuou muitas deslocações em serviço no período compreendido entre outubro de 2007 e agosto de 2010, o certo é que o fez em veículo da empresa e com combustível pago por esta, razão pela qual não tendo logrado provar quer a existência de um acordo de pagamento relativo a estas deslocações e resultando dos autos que mensalmente foram liquidadas ao autor quantias variáveis a título de ajudas de custo, a este título nada mais lhe é devido, improcedendo nesta parte o seu pedido.
Relativamente ao corte de 20% nas ajudas de custo efetuado no ano de 2011, considera o autor que tal o ilegal, pois as ajudas de custo que recebeu nesse ano eram complemento de ordenado, razão pela qual o corte devia ter sido de 3%.
Não tendo o autor logrado provar que as ajudas de custo recebidas no ano de 2011 era complemento do seu vencimento, em conformidade com o acordado com a Ré, e porque efetivamente se provou que o autor neste período de tempo efetuou diversas deslocações ao serviço da Ré, consideramos que as ajudas de custo liquidadas pela Ré ao Autor e que aquela fez constar nos recibos de vencimento, por se tratar de ajudas de custo estavam sujeitas ao corte de 20% em conformidade com o previsto na Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011, razão pela qual improcede o pedido formulado pelo autor relativo a descontos indevidos nas ajudas de custo».
Como já se encontra implícito no que se afirmou supra quanto à alegação pelo Autor de factos apenas genéricos, não resulta claro da petição inicial o fundamento para algumas pretensões ou para o quantitativo de alguns dos pedidos formulados pelo Autor, o que, porventura, teria justificado o convite ao aperfeiçoamento daquela peça processual, situação que já não é possível nesta fase processual (cfr. artigo 27.º, alínea b), do CPT).
Por exemplo: como se deixou referido na análise anterior quanto à retirada do(s) veículo(s) para uso pessoal, sabe-se apenas que o Autor alegou que lhe foi retirada a viatura em Janeiro de 2012 e que tal representou para ele uma perda de rendimento de € 250,00 mensais, formulando daí o pedido indemnizatório de € 8.000,00.
Mas nada alega sobre as características do(s) veículo(s) e qual o período de retirada que se iniciou em Janeiro de 2012: porém, face ao valor do pedido na matéria € 8.000,00) extraiu-se que estavam em causa 32 meses.
Outro exemplo: alegou que de Outubro de 2007 a Agosto de 2010, se deslocou diariamente ao Entroncamento e à Freixianda, quando o local de trabalho era no Tramagal, e que tal deslocação lhe dava direito a ajudas de custo no valor de € 30,55, quantificando o pedido em € 55.784,30 por deslocações não remuneradas.
Mas o Autor nada refere, nem se afigura possível apreender, como alcançou tal valor do pedido.
Tudo isto para afirmar, mais uma vez, que se afigura que a alegação do Autor na petição inicial, reafirmada no recurso interposto, é demasiado genérica, conclusiva, a carecer da necessária alegação e prova dos correspondentes factos.
Seja como for, o certo é que da matéria fáctica que assente ficou não extraímos que o Autor tenha feito prova dos factos correspondentes ao direito de que se arrogou na matéria: não provou que as deslocações lhe davam direito a qualquer recebimento a título de ajudas de custo (e não se olvide que o Autor se deslocava sempre em veículo da empregadora, que suportava os correspondentes custos, e que face ao disposto no artigo 260.º, n.º 1, alínea a) do CT/2009 e, anteriormente, do artigo 260.º, n.º 1, do CT/2003, as ajudas de custo não se consideram retribuição), como não provou que as ajudas de custo recebidas em 2011 eram complemento do vencimento.
Nesta conformidade, só nos resta concluir, também nesta parte, pela improcedência das conclusões das alegações de recurso.

5. Da formação profissional
Nas alegações de recurso, afirma o Autor/recorrente que «sempre gostou de saber mais e de estudar, mas nos últimos anos deixou de ter formação e até deixou de ter trabalho. – Logo, o A. com a não formação foi prejudicado profissionalmente».
E nas conclusões de recurso afirma que «[t]inha direito a formação profissional e deixou de a ter».
Mas da leitura da petição inicial não retiramos qualquer alegação no sentido de a empregadora não lhe proporcionar horas de formação e, bem assim, qualquer pedido correspondente sobre essa matéria.
Também na sentença recorrida não localizamos qualquer análise e decisão inerente à formação profissional do Autor, ou falta dela.
Ora, como é sabido, os recursos destinam-se, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, a apreciar as questões que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não a criar decisões sobre questões novas, entendendo-se estas como aquelas que, colocadas ao tribunal de recurso, não tenham merecido pronúncia por parte do tribunal a quo, sendo indiferente que essa omissão provenha de insuficiência alegatória da parte, nos seus articulados, ou do mero silêncio do tribunal a quo, desde que, nesta última situação, não tenha sido tempestivamente arguido o vício de omissão de pronúncia [cfr. artigos 627.º, n.º 1, 631.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2006 (Recurso n.º 3919/05) e de 22-04-2009 (Recurso n.º 2595/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3441/08) e de 11-05-2011 (Recurso n.º 786/08.4TTVNG.P1.S1) todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt].
No caso em apreço, seja nos articulados, seja na sentença, jamais foi colocada a “questão” do empregadora ter ou não proporcionado ao trabalhador a formação profissional.
Por isso, ao vir agora, pelo menos aparentemente, o recorrente a suscitar tal problemática da falta de formação profissional, está a colocar uma questão nova, estando a este tribunal vedado pronunciar-se sobre a mesma.
Não se conhece, por isso, desta questão.

6. Quanto ao reembolso do valor da coima que (o Autor/recorrente) pagou à então Direcção-Geral do Tesouro
O Autor alegou na petição inicial – artigo 26 – que pagou uma coima ao fisco, no valor de € 1.110,40, por força de uma auditoria feita por este no ano de 2000, referente ao ano de 1995, na qual as ajudas de custo foram consideradas complemento da retribuição e o Conselho de Administração da EE comprometeu-se a pagar tal valor, o que não aconteceu.
E de acordo com a matéria de facto que assente ficou (n.º 30), no ano de 2002 o Autor pagou uma coima ao fisco, acrescida do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) em falta, por força de uma auditoria feita pelo fisco no ano de 2000, referente ao exercício fiscal de 1995, em que concluiu que as ajudas de custo pagas eram complemento do ordenado e, por isso, sujeitas a IRS.
Ora, por um lado, a obrigação de entrega da declaração de IRS, com menção dos respectivos rendimentos, incumbia ao Autor; por outro, ele alegou, mas não provou como lhe competia, que a EE se tinha comprometido a pagar o valor da coima pela não menção de todos os rendimentos sujeitos a IRS, pela que a questão terá, forçosamente, que ser decidida contra ele.

Assim, e em síntese: deve ser julgado parcialmente procedente o recurso, mas apenas na parte referente à utilização pelo recorrente de viatura da empregadora para uso pessoal, devendo esta ser condenada no pagamento do valor económico que representava para o trabalhador a utilização para uso pessoal da(s) viatura(s), com início em Janeiro de 2012 e pelo período de 32 meses, com o limite de € 8.000,00, valor esse a apurar em incidente de liquidação.

7. Da responsabilidade pelas custas
As custas do recurso devem ser suportadas pelo recorrente, excepto quanto ao pedido de € 8.000,00 referente ao valor económico da utilização das viaturas para uso pessoal, que será suportado a final, na proporção do vencido, sendo, todavia, suportado provisoriamente pelo recorrente e pela recorrida em partes iguais (cfr. artigo 527.º do CPC).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por BB e, em consequência, condena-se CC, S.A., a pagar ao mesmo a quantia a apurar em incidente de liquidação corresponde à vantagem económica decorrente da utilização de viatura da empregadora para uso pessoal, com início em Janeiro de 2012 e durante 32 meses, com o limite global de € 8.000,00.
Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, excepto quanto ao valor de € 8.000,00, referente ao valor económico da utilização das viaturas para uso pessoal, que será suportado a final, na proporção do vencido, sendo, todavia, suportado provisoriamente pelo recorrente e pela recorrida em partes iguais.
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Évora, 07 de Dezembro de 2016
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Moisés Pereira da Silva