Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
246/10.3JAFAR.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
EXAME CRÍTICO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I – Não enferma de nulidade a sentença que contém os elementos suficientes e necessários para se poder apurar (e sindicar) o modo de formação da convicção obtida pelo tribunal a quo.

II - Em matéria de crimes sexuais, com os contornos dos crimes destes autos, não existe qualquer prova imposta por lei (qualquer prova científica, ou prova tarifada), pelo que não faz qualquer sentido a alegação do recorrente segundo a qual se impunha a realização de “prova pericial” aos menores, para saber se falam ou não verdade.

III – Considerando a idade do arguido ao tempo dos factos (50 anos), o tempo já decorrido, desde então (6 anos), a ausência de antecedentes criminais do arguido, aliada à ausência de notícia da prática de novos delitos por parte do mesmo, a suspensão da execução da pena de prisão ainda satisfaz as necessidades de prevenção.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 246/10.3JAFAR, da Comarca de Faro (Faro - Instância Central - 1ª Secção Criminal - Juiz 5), em que é arguido J., foi decidido, mediante pertinente acórdão (datado de 30-01-2012):

“- Absolver o arguido da prática, em autoria material, de dois crimes de atos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173º do CP;

- Absolver o arguido da prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171º do CP;

- Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171º, nº 1, do CP, nas penas, respetivamente, de 3 anos e 10 meses de prisão, e de 3 anos e 6 meses de prisão, em concurso real com a prática de 3 (três) crimes de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170º, nº 1, do CP, nas penas, respetivamente, de 10 meses de prisão, 9 meses de prisão e de 9 meses de prisão;

- Proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, fixando a pena única em seis anos e nove meses de prisão.

- Custas criminais a cargo do arguido, fixando a taxa de justiça em 7 Uc's e demais encargos legais (art. 513º, nº 1, do CPP)”.

Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1ª - O acórdão recorrido está ferido de nulidade, porquanto nele não foi efetuado o pertinente exame crítico das provas, conforme é imposto por lei (artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a), do C. P. Penal).

2ª - Essa falta de exame crítico das provas viola ainda o disposto no artigo 127º do C. P. Penal (o princípio da livre apreciação da prova - livre apreciação que não pode ser meramente intuitiva -), e o estabelecido no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

3ª - O arguido foi julgado na sua ausência, não tendo prestado declarações, mas o silêncio é um direito que lhe assiste, não podendo ser prejudicado por isso.

4ª - Como prova documental existente nos autos temos apenas o certificado de registo criminal do arguido.

5ª - Como prova testemunhal, temos apenas as declarações dos lesados e dos seus representantes legais.

6ª - O tribunal a quo fundou a sua convição tão-só com base nas declarações dos lesados e dos seus representantes legais, sendo que estes últimos não possuem conhecimento direto dos factos.

7ª - Não foi feita prova pericial aos menores, por forma a averiguar da sua personalidade e condições psíquicas, e, assim, por forma a saber se falam ou não verdade.

8ª - A prova, assim configurada, é insuficiente para condenar o arguido, pois se resume às declarações das vítimas, não existindo qualquer outro elemento de prova que sustente tais declarações.

9ª - Essa prova não é isenta de dúvidas, e, por isso, o arguido deve ser absolvido, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

10ª - Caso assim não se entenda, a medida concreta das penas (penas parcelares e pena única) estabelecida pelo tribunal a quo mostra-se exagerada, devendo ser aplicadas ao arguido penas próximo dos respetivos limites mínimos.

11ª - E, além disso, nunca o arguido pode ser condenado numa pena de prisão efetiva, devendo a pena única a aplicar ser suspensa na sua execução (nos termos disposto no artigo 50º do Código Penal).

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu, entendendo que o recurso não merece provimento, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“1 - Por Acórdão de 30/01/2012, proferido de fls. 196 a 206 dos autos à margem supra referenciados, foi decidido pelo Tribunal Coletivo condenar o arguido J.:

- Pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança (p. e p. pelo artigo 171º, nº 1, do Código Penal), nas penas respetivas de 3 anos e 10 meses de prisão e 3 anos e 6 meses de prisão;

- Pela prática de três crimes de importunação sexual (p. e p. pelo artigo 170º, nº 1, do Código Penal), nas penas respetivas de 10 meses de prisão, 9 meses de prisão e 9 meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena conjunta de 6 anos e 9 meses de prisão.

2 - O Tribunal Coletivo valorou ainda corretamente todos os elementos de prova constantes dos autos e produzidos em audiência de julgamento, nomeadamente o depoimento dos menores ofendidos, FS, CC e TL, bem como a restante prova testemunhal apreciada em audiência.

3 - Motivo pelo qual o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura na apreciação que fez dos supra mencionados elementos de prova, tendo o Tribunal apreciado a prova segundo a sua livre convicção, sem extravasar os limites consagrados no artigo 127º do C.P.P.

4 - Não se verificando pois qualquer erro na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo.

5 - Pelo que o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura no tocante à fixação da matéria de facto dada como provada, feita com base na correta apreciação que fez dos elementos de prova constantes dos autos.

6 - Além de que na determinação das penas parcelares e da pena conjunta de 6 anos e 9 meses de prisão que aplicou a J, o Tribunal Coletivo valorou todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime, depunham a favor ou contra o arguido.

7 - Nomeadamente, a intensa atuação dolosa do arguido, o elevado grau de ilicitude do facto, o número de ofendidos e a especial vulnerabilidade dos mesmos, a falta de assunção da sua responsabilidade, as suas condições pessoais e a ausência de antecedentes criminais por parte do mesmo.

8 - Pelo que, o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura na apreciação que fez das circunstâncias relevantes para a determinação da medida das penas parcelares e da pena conjunta de 6 anos e 9 meses de prisão que aplicou a J.

9 - O mesmo Acórdão não padece da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. a), do C.P.P., já que contêm todas as menções do nº 2 do artigo 374º do C.P.P.
Nestes termos deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido J, confirmando-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos”.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer (fls. 327 a 329), concluindo pela procedência parcial do recurso, com redução das penas aplicadas em primeira instância (penas parcelares e pena única), e com suspensão da execução da pena única (que deve ser fixada em 5 anos de prisão).

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto do recurso.
Quatro questões, em breve síntese, são suscitadas no recurso interposto pelo arguido, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - Nulidade do acórdão, por falta de exame crítico das provas.
2ª - Impugnação alargada da matéria de facto.
3ª - Medida concreta das penas (penas parcelares e pena única).
4ª - Suspensão da execução da pena única.

2 - A decisão recorrida.

O acórdão revidendo é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):

“II. OS FACTOS
Do julgamento resultam provados os seguintes factos:

O arguido, em data não concretamente apurada mas que abarcou o período de 20 a 24 de Janeiro de 2010, pernoitou durante uma semana na casa do amigo FL (sita na Urbanização… Quarteira), com o consentimento deste.

Tal residência tem a tipologia T3, sendo um dos quartos nela existentes ocupado por FL e mulher, um outro pelo filho mais novo deles TL de 17 anos de idade, e o terceiro quarto era ocupado, esporadicamente, pelo sobrinho do casal, FS, de 10 anos de idade.

Durante o período em que permaneceu nessa residência o arguido partilhou quarto com o menor FS, dormindo cada um numa cama individual.

No dia 20.06.10, aproveitando-se da proximidade do mesmo FS, o arguido entrou na casa de banho onde aquele tomava banho despido, desviou a cortina de banho e ficou a olhar o menor despido durante algum tempo, observando o mesmo, tentando tirar com o telemóvel fotografias dele, até que o menor se insurgiu e o mandou sair dali.

Na noite desse mesmo dia, estando o mesmo menor FS no quarto do primo TL a jogar Playstation, o arguido pediu que lhe cedesse o lugar, o que FS fez, sentando o menor no seu colo e começando a mexer-lhe na perna, desistindo de o fazer porque FS se opôs a que o fizesse.

Acabando ainda assim o arguido por colocar as mãos sobre os genitais de FS, dizendo "assim é que eu estou a ver bem, assim é que estou a aprender", acabando o menor por sair dali devido a isso.

Na noite de 21 de Junho de 2010, aproveitando-se do facto de o menor FS se encontrar a dormir, o arguido dirigiu-se para junto da cama daquele e deitou-se a seu lado começando a desapertar-lhe os calções, baixando-lhe as cuecas e acariciando-lhe o pénis com movimentos de fricção.

O menor acordou e insistiu para o arguido deixar de lhe mexer, ao que acabou por aceder, saindo o menor do quarto onde já não voltou nessa noite.

No dia 22 de Junho de 2010, cerca das 06h30m, TL dormia quando sentiu que lhe mexiam na perna, sacudindo o braço e tocando no arguido que ali estava, ajoelhado junto à sua cama, acariciando-lhe a perna junto aos genitais.

TL repeliu as carícias, tendo-se o arguido afastado mas voltando logo de seguida, retomando a posição junto ao menor e repetindo as carícias, até que o menor acordou e lhe deu um pontapé que o afastou, dizendo-lhe "para com isso, caralho", o que fez o arguido sair dali com receio de ser descoberto.

Em data não apurada mas ainda compreendida no período em que o arguido pernoitou nessa casa, deslocou-se ali um colega dos menores, com 16 anos de idade e portador de deficiência auditiva e mudez, a fim de estar com os amigos TL e FS.

Aproveitando-se de um momento em que ficou a sós com CC num dos quartos, o arguido perguntou a este se queria brincar às lutas, ao que o menor respondeu negativamente, ainda assim o arguido tendo agarrado o menor por trás, roçando-lhe os genitais nas nádegas e simulando desse modo que com o mesmo tinha relações de sexo anal.

Apesar disso, o menor acabou por se libertar, altura em que entrou no quarto o menor TL.

Em dia não concretamente apurado mas no período compreendido entre 20 e 24 de Junho de 2010, o arguido deslocou-se à praia de Quarteira, frente ao Hotel D. José, onde sabia estarem os referidos TL e CC.

Encontrando-os, o arguido juntou-se a eles dentro de água, propondo que jogassem a um jogo que consistia em passarem sucessivamente por entre as pernas uns dos outros, debaixo de água, ao que os menores acederam.

Sucede que quando era a vez de o menor CC passar por entre as pernas do arguido, este afastava para o lado a perna do respetivo fato de banhar de modo a ficar com os seus órgãos genitais expostos para roçar-se naquele.

Ao atuar da forma acima descrita, o arguido fê-lo sempre com intenção de satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos.

O arguido atuou de forma persistente, revelando uma personalidade mal fornada, sabendo que levava os menores a sofrerem atos que ofendiam a sua intimidade e autodeterminação sexual.

Bem sabendo que ofendia a honra e dignidade moral e sexual dos menores, cujas idades e sexo conhecia, ofendendo ainda os sentimentos gerais de pudor sexual.

O arguido atuou de forma livre, deliberada e conscientemente em todas estas circunstâncias, conhecendo a reprovabilidade das suas condutas e conhecendo a punibilidade penal das mesmas.

Não tem antecedentes criminais.

Foi julgado na ausência.

Não se apurou modo de vida, integração familiar ou social, tendo sido impossível ao IRS contactar o arguido, que nunca respondeu às tentativas de contacto.

Os ofendidos recordam ainda todos os factos que lembram com sofrimento, continuando a reagir aos mesmos com rejeição absoluta; mostrando, no entanto, estarem a ultrapassar o sofrimento emocional e desconforto provocado pelo comportamento do arguido.

NÃO RESULTARAM QUAISQUER FACTOS POR PROVAR.

III. OS MEIOS DE PROVA E AS RAZÕES DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

A liberdade de apreciação da prova, que conforma o nosso sistema penal e processual penal, refere-se a uma liberdade que não é meramente intuitiva. Trata-se de um critério de justiça que não prescinde da verdade histórica das situações nem do contributo dos dados psicológicos, sociológicos e científicos para a certeza e segurança da decisão.

Atento o disposto no arte 374º, nº 2, do CPP, importa fundamentar a decisão do Tribunal relativa à matéria de facto, não bastando a fundamentação genérica ou enunciação dos meios de prova considerados.

A convicção do tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, com apreciação crítica dos suportes documental e testemunhal, meios de prova disponíveis, com apelo às regras de experiência comum e de normalidade - art. 127º do CPP.

Foram ponderados os documentos juntos, designadamente a fls. 138 e 159 dos autos.

O arguido não compareceu à audiência e, com isso, não prestando declarações.

Quanto aos menores ofendidos, todos ouvidos em julgamento, prestaram declarações muito claras, coerentes, com um rigor impressionante para a respetiva idade, ao mesmo tempo evidenciando que as declarações não eram estudadas ou ensaiadas, persuadindo o Tribunal na convicção de que tudo se tinha passado como acima descrito.

De facto, todos confirmaram a factualidade vertida na acusação, com as alterações já operadas oportunamente, portanto, provando sem dúvidas os factos e tendo os depoimentos, quando confrontados entre si, demonstrado uma coerência notável.

Também por confronto com os depoimentos das restantes testemunhas, os pais, estas já não presenciais, mas na parte que pôde ser vivida conjuntamente com a família, os depoimentos mantiveram a lógica interna e integridade.

Os ofendidos descreveram com pormenor as ocorrências, deixando transparecer uma rejeição absoluta daquilo que aconteceu, notando-se que, muito embora vivam ainda com lembrança delas, tentam ultrapassar o sofrimento causado pela perceção dos acontecimentos.

Os ofendidos identificaram o arguido em audiência, atenta a ausência do mesmo, e sem qualquer hesitação, pela fotografia junta aos autos”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da nulidade do acórdão.
Alega o recorrente que o acórdão revidendo está ferido de nulidade, na medida em que, nele, não foi efetuado o exame crítico das provas (artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a), do C. P. Penal).

Na opinião do recorrente, essa falta de exame crítico das provas viola ainda o preceituado nos artigos 127º do C. P. Penal e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Cumpre decidir.
Sob a epígrafe “nulidade da sentença”, dispõe o artigo 379º do C. P. Penal:

É nula a sentença:
a) que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º
(…)”.

Por sua vez, o artigo 374º do C. P. Penal, sobre os “requisitos da sentença”, estabelece:

“1. A sentença começa por um relatório, que contém:
(…).
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
(…)”.

Alega o recorrente que, in casu, não foi devidamente cumprido este preceito legal, ocorrendo insuficiente fundamentação da decisão fáctica (com falta de exame crítico das provas).

Como bem salienta Marques Ferreira (in “Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal”, Livraria Almedina, 1988, pág. 228), o regime legal, quanto à fundamentação da decisão de facto, consagra “um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efetivo controle da sua motivação”.

A razão de ser da exigência da exposição, ainda que concisa, dos meios de prova, é não só permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico e racional que subjaz à formação da convicção do julgador, como assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova; é necessário revelar o processo lógico e racional que conduziu à expressão da convicção.

O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários da decisão (e o homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

É nesta motivação da decisão fáctica que se dá a conhecer e a compreender aos outros o processo lógico do julgamento, da apreciação e da valoração da prova. E é ainda esta motivação que permite a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo o tribunal superior verificar se, na sentença, foi seguido um processo lógico e racional de apreciação da prova.

No dizer de Sérgio Gonçalves Poças (in “Da sentença penal - Fundamentação de facto”, Revista Julgar, ed. da ASJP, nº 3, pág. 37), o tribunal dará cumprimento ao disposto no artigo 374º, nº 2, do C. P. Penal, com indicação e exame crítico das provas, “ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões, de forma objetiva e precisa, por que é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e por que é que outras não serviram”.

Continua o mesmo autor (local citado, págs. 38 e 39): “são as razões - objetivas, necessariamente - que na apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência, levaram o tribunal a dar relevância a determinadas provas e irrelevância a outras, que devem ser expostas na motivação. De facto, é a exposição clara destas razões que permite o exame do processo lógico-mental subjacente à formação da convicção do juiz. (…) Em cada caso, o tribunal, de acordo com os conhecimentos científicos e técnicos convocados pelo caso, e na observância das regras da lógica e da experiência, apreciará cada prova na sua singularidade e no conjunto da prova produzida. Desta apreciação conjunta da prova (…) o tribunal formará a convicção que determinará a decisão sobre a matéria de facto. (…) Impõe-se que o tribunal explicite as razões pelas quais deu credibilidade a umas provas e não deu a outras; porque decidiu de um modo e não de outro. Ou seja, o tribunal (ao motivar) está obrigado a explicitar as razões concretas por que deu credibilidade a determinados depoimentos e não deu a outros; por que lhe mereceram crédito ou não as declarações do arguido; por que entendeu ser (ir)relevante para a decisão o documento junto aos autos (…)”.

Indo ao acórdão objeto do recurso, na parte reservada à motivação da decisão de facto, verifica-se que, muito embora a fundamentação não seja um modelo (ou um exemplo) de profundidade na explicitação da convicção do tribunal, o certo é que a mesma contém os elementos suficientes e necessários para se poder apurar (e sindicar) o modo de formação da convicção obtida pelo tribunal a quo.

Com efeito, e resumidamente, o tribunal recorrido explica e explicita as razões pelas quais acreditou nos depoimentos prestados pelos menores ofendidos (vítimas das condutas delitivas do arguido), analisando tais depoimentos em si mesmos, e, além disso, de forma conjunta e integrada.

Ou seja, o tribunal de primeira instância pronunciou-se acerca de todos os factos e de todas as provas, explicando, suficientemente, como e em que medida os meios de prova (no essencial os depoimentos dos menores ofendidos) serviram para formar a convicção que determinou a fixação da matéria de facto dada como provada.

No acórdão sub judice está explicitado e devidamente explicado o processo de formação da convicção do tribunal, com o exame crítico das provas em que tal convicção se estribou, nomeadamente constando de tal acórdão qual o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo tribunal para dar relevo ao que foi relatado pelos menores (vítimas das condutas do arguido).

De modo resumido, mas claro e apreensível, o acórdão em apreço pronunciou-se acerca da medida e da extensão da credibilidade probatória que mereceram as declarações dos menores em causa e sobre o porquê dessa credibilidade.

Para chegar a esta nossa conclusão, basta ler, a título exemplificativo, o seguinte pequeno excerto do acórdão revidendo, na motivação da decisão de facto: “quanto aos menores ofendidos, todos ouvidos em julgamento, prestaram declarações muito claras, coerentes, com um rigor impressionante para a respetiva idade, ao mesmo tempo evidenciando que as declarações não eram estudadas ou ensaiadas, persuadindo o Tribunal na convicção de que tudo se tinha passado como acima descrito. (…) Os ofendidos descreveram com pormenor as ocorrências, deixando transparecer uma rejeição absoluta daquilo que aconteceu, notando-se que, muito embora vivam ainda com lembrança delas, tentam ultrapassar o sofrimento causado pela perceção dos acontecimentos”.

Aliás, sintoma inequívoco de que o tribunal a quo analisou a prova, fazendo o exame crítico da mesma, é o facto de o recorrente, na motivação do recurso, discordar dessa análise e desse exame crítico, contestando-os (o que implica que os compreendeu, pois só se pode discordar, fundamentadamente, daquilo que se entende).

O que sucede, neste ponto, mas é coisa diferente da falta de fundamentação, é que o recorrente discorda (melhor: diz discordar) da valoração da prova que foi feita no acórdão em causa.

Em jeito de síntese: o tribunal a quo fez uma apreciação crítica da prova, designadamente com indicação dos motivos que o levaram a dar credibilidade aos depoimentos dos menores ofendidos.

Assim sendo, cumpriu-se o dever legal de fundamentação da decisão fáctica, com exame crítico das provas, incluindo indicação dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido.

Pelo exposto, verifica-se que o acórdão recorrido satisfaz o preceituado no artigo 374º, nº 2, do C. P. Penal.

Por conseguinte, e ao contrário do invocado na motivação do recurso, o acórdão revidendo não enferma da nulidade que lhe vem assacada pelo recorrente (nulidade prevenida no artigo 379º, nº 1, al. a), do C. P. Penal, por violação do disposto no artigo 374º, nº 2, do mesmo diploma legal).

Na opinião do recorrente, o exame crítico das provas que foi efetuado no acórdão revidendo viola o preceituado nos artigos 127º do C. P. Penal e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Dispõe o artigo 127º do C. P. Penal que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

A propósito desse princípio da livre apreciação da prova, refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1981, Vol. I, pág. 202) que “o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida”.

E acrescenta o mesmo autor (ob. citada, págs. 202 e 203) que a liberdade de apreciação da prova tem limites inultrapassáveis: “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo”.

Como bem diz Maia Gonçalves (in “Código de Processo Penal Anotado”, 9ª ed., pág. 322), a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica”.

Ora, no caso destes autos, o tribunal recorrido, para decidir da matéria de facto, ponderou todas as provas de que dispunha, e avaliou-as à luz das regras da experiência comum, de acordo com juízos de normalidade, com a lógica das coisas e com a experiência da vida.

Da leitura do acórdão em causa verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.

Assim, não foi violado o princípio da livre apreciação da prova, improcedendo esta alegação do recorrente.

Do mesmo modo, não se vislumbra (nem, aliás, o recorrente o concretiza na motivação do recurso) como o exame crítico das provas que foi efetuado no acórdão revidendo viole o preceituado no 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

É certo que a essência das “garantias de defesa” (consagradas no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) impõe, claramente, que o juiz tenha de analisar criticamente as provas e tenha de explicitar, nas suas decisões, essa análise.

Porém, essas garantias de defesa não podem implicar, como se nos afigura óbvio, que o juiz tenha de proceder a uma qualquer operação épica na análise da prova, e, sobretudo, que o juiz tenha de decidir de acordo com as visões e as pretensões dos arguidos.

No caso em apreço, não vislumbramos, minimamente, nem o recorrente no-lo diz, quais as provas que não foram devidamente analisadas e apreciadas, ou quais os factos que não foram sopesados (e deviam tê-lo sido), isto é, como e porquê foi prejudicado, nesta sede, a realização do direito de defesa do arguido.

Não sabemos, pois, nem o recorrente nos esclarece na motivação do recurso, como se mostram violadas, in casu, as garantias de defesa do arguido.

Por conseguinte, nada há que seja constitucionalmente ilegítimo na apreciação da prova que foi efetuada pelo tribunal a quo.

Improcede, assim, em toda esta vertente, o recurso interposto pelo arguido.

b) Da impugnação alargada da matéria de facto.

Alega o recorrente que, não existindo prova documental, e resumindo-se a prova testemunhal (de testemunhas com conhecimento direto dos factos) aos depoimentos dos menores ofendidos, a prova é insuficiente para a condenação.

Entende ainda o recorrente que se impunha a realização de “prova pericial” aos menores, para saber se falam ou não verdade.

Mais alega o recorrente que, resumindo-se a prova aos depoimentos das vítimas - não existindo qualquer outro elemento de prova que sustente tais depoimentos -, essa prova não é isenta de dúvidas, e, por isso, o arguido deve ser absolvido, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Há que decidir.
O arguido, na sua motivação do recurso, entende, no fundo e bem vistas as coisas, que houve erro de apreciação das provas produzidas, pretendendo que se considerem incorretamente julgados todos os factos criminalmente relevantes dados como provados na decisão, numa abordagem quase niilista da audiência de discussão e julgamento.

O recorrente, a pretexto de pretender impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, vem, na verdade, colocar em causa a formação da convicção do tribunal recorrido que levou à respetiva fixação.

Neste âmbito, importa ter bem presente o seguinte:

O artigo 412º, nº 3, do C. P. Penal, expressamente refere que, quando se impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, deve o recorrente especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

Ora, o recorrente, na motivação do recurso, não fez qualquer indicação nesse sentido, como lhe competia, limitando-se, em síntese, a afirmar que os depoimentos dos menores não podem constitui prova suficiente para a condenação.

Esquece o recorrente (com o devido respeito pela sua visão destes assuntos):

1º - Não existe aqui (em matéria de crimes sexuais com os contornos dos crimes destes autos) qualquer prova imposta por lei (qualquer prova científica, ou prova tarifada), pelo que não faz qualquer sentido a alegação do recorrente segundo a qual se impunha a realização de “prova pericial” aos menores, para saber se falam ou não verdade.

2º - Nada impõe, como parece entender o recorrente, que se exigisse aqui prova documental, atestando os factos descritos na acusação e dados como provados no acórdão revidendo. A prova, neste tipo legal de crimes, não é catalogada, nem os factos dos autos (abuso sexual de crianças e importunação sexual) necessitam de qualquer prova documental que os sustente.

3º - Nada obsta, por princípio, a que a convicção do tribunal se forme exclusivamente com base no depoimento de uma única testemunha (mesmo que menor), ou até com base nas declarações de um único assistente, ou de um único demandante, ou de um único arguido. Esse depoimento, e estas declarações, como qualquer meio de prova oral, estão sujeitos ao princípio da livre convicção, consagrado no artigo 127º do C. P. Penal. Ou seja, e no caso destes autos: acreditar o tribunal na versão dos menores ofendidos é uma questão de convicção e entronca no princípio da livre apreciação da prova.

4º - Não foi um único menor, desgarradamente, a relatar os factos. Foram três menores, que, na data da audiência de discussão e julgamento, tinham de idade 11 anos (FS), 18 anos (TL) e 17 anos (CC). Mais: os ofendidos, dessas idades (e não da primeira infância), relataram os factos de forma coerente, pormenorizada e convincente, sem a existência de quaisquer divergências relevantes entre os depoimentos por si prestados, e tudo isso, também a nosso ver (como o foi para o tribunal a quo) é sintoma do carácter verídico do conteúdo de tais depoimentos.

5º - O tribunal a quo, ao ouvir os depoimentos dos referidos menores, beneficiou da oralidade e da imediação. Ora, na motivação do recurso nada vem alegado que, fundadamente, nos permita questionar a apreciação que foi feita da prova pelo referido tribunal, nada impondo (ou sequer aconselhando ou sugerindo) que este tribunal ad quem coloque em causa a credibilidade que o acórdão recorrido atribuiu aos relatos dos menores.

6º - O labor deste tribunal de segunda instância, no recurso sobre a matéria de facto, não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir e a reanalisar toda a prova, como se o julgamento em primeira instância não tivesse existido, mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da recorrida. Ora, o recorrente, neste caso, questiona tudo - toda a factualidade relevante e toda a prova que a seu respeito foi produzida -, ou seja, não cumpre os deveres impostos pelo artigo 412º, nº 3, do C. P. Penal, pelo que, assim sendo, não é exigível a este tribunal ad quem que se substitua ao recorrente e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido e exigido, nos termos legais, é apenas que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência a concretas passagens da prova e a concretos factos.

7º - O recurso sobre a matéria de facto não pode implicar um novo julgamento, em que a segunda instância aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como se o julgamento ali realizado não existisse. Mesmo em matéria de facto, os recursos são remédios jurídicos, destinados a colmatar erros de julgamento, erros ocorridos em pontos especificados e devidamente assinalados pelos recorrentes, e erros que devem ser indicados, precisamente, com menção das provas que demonstram esses erros.

8º - Como bem se escreve no Ac. do S.T.J. de 26-01-2000 (in www.dgsi.pt, sob o nº SJ200001260007483),não são os sujeitos processuais (nem os respetivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal, que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção (artigo 127º do Código de Processo Penal), aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.

Em face do que vem de dizer-se, perante o incumprimento pelo recorrente do ónus de especificação imposto pelo artigo 412º, nº 3, do C. P. Penal, olhando ao teor de toda esta vertente recursiva, em que o recorrente se limita a trazer aos autos uma visão global e subjetiva da apreciação da prova, ponderando que não é qui exigida qualquer prova pericial ou qualquer prova documental, e atendendo aos concretos contornos dos relatos dos factos feitos pelos menores ofendidos, este Tribunal da Relação nada tem a apontar à decisão fáctica tomada em primeira instância.

Por isso, o recurso da matéria de facto é, manifestamente, de improceder.

Alega ainda o recorrente que deve proceder-se à absolvição, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

O princípio in dubio pro reo (um dos princípios básicos do processo penal) significa, em síntese, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável, ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse (Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 205).

Quando o tribunal não forma convicção, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia princípio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção da inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa).

Com efeito, dispõe a Constituição da República Portuguesa (no nº 2 do seu artigo 32º) que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, preceito que se identifica genericamente com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Assim, “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa(Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203).

O princípio in dubio pro reo resulta também, em termos práticos, da aceitação e do reconhecimento de que a verdade processual se afasta, em muitos casos, da verdade histórica, por esta ser, em muitas situações, inatingível, ou, pelo menos, não demonstrável.

Como bem escreve, a este propósito, o Prof. Cavaleiro Ferreira (in “Curso de Processo Penal”, 1986, Vol. I, pág. 216), “em processo penal, a justiça, perante a impossibilidade de uma certeza, encontra-se na alternativa de aceitar, com base em uma probabilidade ou possibilidade, o risco de absolver um culpado e o risco de condenar um inocente. A solução jurídica e moral só pode ser uma: deve aceitar-se o risco de absolvição do culpado e nunca o da condenação de um inocente”.

Como é bom de ver, o princípio in dubio pro reo apresenta-se como forma de suprir a ausência de ónus de prova, em sentido próprio, no direito processual penal.

Na verdade, apesar de toda a prova recolhida, é possível que todos os factos relevantes para a decisão não possam ser subtraídos à dúvida razoável do tribunal, e que, assim, não possam considerar-se como provados.

É evidente que as dúvidas do julgador quanto à prova produzida têm de ser racionais, por forma a ilidirem a certeza contrária, jamais podendo assentar na mera existência de versões contraditórias entre si ou na simples negação dos factos por banda dos arguidos.

Importa, isso sim, que, apreciadas ambas as versões à luz das regras da experiência comum, as mesmas revistam o mesmo grau de verosimilhança (sendo contraditórias entre si).

Em tais casos, se, ponderadas as provas, não se consegue obter a certeza de que o facto desfavorável ao arguido realmente ocorreu, tem tal facto de ser dado como não provado, em benefício do arguido, sempre que ao tribunal pareça que existe alguma possibilidade (razoável) ou viabilidade (racional) de esse facto não se ter verificado.

Ora, conforme acima exposto, no presente caso podemos concluir, sem a existência de dúvida (dúvida racional, dúvida razoável), que o arguido praticou os factos ilícitos que lhe são imputados nos autos, por a versão dos menores ofendidos possuir inteira consistência, lógica integral e total verosimilhança.

Assim, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, no acórdão revidendo não se tinha de lançar mão do princípio in dubio pro reo.

Em conclusão: também neste ponto, não merece provimento o recurso interposto pelo arguido.

c) Da medida concreta das penas.
Invoca o recorrente que a medida concreta das penas determinada no acórdão revidendo (quer das penas parcelares, quer da pena única) é excessiva e exagerada, devendo ser aplicadas ao arguido penas próximo dos respetivos limites mínimos.

Cumpre decidir.

O arguido vem condenado pela prática dos seguintes crimes:
- Dois crimes de importunação sexual, praticados sobre o ofendido CC, crimes puníveis com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (cfr. artigo 170º do Código Penal).

- Um crime de importunação sexual, praticado sobre o ofendido TL, crime punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (cfr. artigo 170º do Código Penal).

- Dois crimes de abuso sexual de crianças, cometidos sobre o ofendido FS, crimes puníveis com pena de prisão de um a oito anos (cfr. artigo 171º, nº 1, do código Penal).

E o arguido está condenado nas seguintes penas concretas:
- Como autor dos aludidos três crimes de importunação sexual, nas penas, respetivamente, de 10 meses de prisão, 9 meses de prisão, e 9 meses de prisão.

- Como autor de dois crimes de abuso sexual de crianças, nas penas, respetivamente, de 3 anos e 10 meses de prisão, e de 3 anos e 6 meses de prisão.

Os crimes em apreço estão conexionados com a seguinte factualidade (em breve resumo):

- Dois crimes de importunação sexual sobre o ofendido CC, relativamente aos factos ocorridos aquando do jogo de luta, ocorrido num dos quartos da habitação onde ambos se encontravam e jogo proposto pelo arguido (e em que este agarrou o menor por trás, roçando-lhe os genitais nas nádegas e simulando, desse modo, que mantinha com o mesmo relações de sexo anal), e relativamente aos factos que tiveram lugar na praia (em que arguido e ofendido passavam por entre as pernas um do outro, debaixo de água, atividade durante a qual o arguido expôs os órgãos genitais e se roçou no corpo do ofendido).

- Um crime de importunação sexual sobre o ofendido TL, relativamente às carícias efetuadas pelo arguido numa perna do ofendido (junto aos genitais), quando o ofendido estava na cama (e estando o arguido de joelhos, junto a tal cama).

- Dois crimes de abuso sexual de crianças sobre o ofendido FS, relativamente ao contacto procurado pelo arguido na cama do menor (deitando-se ao seu lado, desapertando-lhe os calções, baixando-lhe as cuecas, e acariciando o seu pénis com movimentos de fricção), e relativamente ao contacto sexual imposto pelo arguido durante um jogo de Playstation (sentando o menor ao seu colo e começando a mexer-lhe na perna).

Assim colocados os termos da questão a decidir (molduras penais abstratas previstas para os crimes praticados, penas concretas determinadas para cada um dos crimes, e factualidade a que respeitam estas penas concretas), cabe avaliar da correção da medida concreta das penas parcelares que foram aplicadas pelo tribunal a quo.

A aplicação das penas e das medidas de segurança, por expressa previsão do artigo 40º do Código Penal, visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 2, do mesmo diploma legal).

Com este preceito legal (artigo 40º do Código Penal), e como muito bem se escreve no Ac. do S.T.J. de 29-05-2008 (in www.dgsi.pt), “fica a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa; a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. A doutrina vem defendendo que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e como limite inferior, o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229); será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social; quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar”.

Valorando o critério exposto, na determinação da medida concreta das penas (parcelares) a aplicar ao arguido há que ter em conta as molduras abstratas das pena aplicáveis aos crimes cometidos, bem como o critério global do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, que impõe que se atenda à culpa do agente e às exigências de prevenção, enunciando, de forma exemplificativa, as circunstâncias vertidas no nº 2 do mesmo normativo legal, relevantes quer para a culpa, quer para a prevenção.

A ponderação deste binómio culpa-prevenção impõe que, na fixação das penas, se tenha em conta que a culpa, enquanto censura dirigida ao agente em virtude das atitudes desvaliosas traduzidas nos factos individualizados, estabelece o máximo da pena concreta, limitação que é consequência do princípio da culpa, subjacente a todo o Código Penal, e segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Além disso, e porque a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos, o limite inferior da medida concreta da pena decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral, entendida esta como prevenção geral positiva ou de integração (contraposta à prevenção geral negativa, ou de intimidação). A pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. A justificação assenta na ideia de sociedade considerada como um macro sujeito ativo, que sente e padece o conflito e que viu violado o seu sentimento de segurança com a violação da norma, tendo, portanto, direito a participar e a ser levada em conta na solução do conflito (cfr., neste mesmo sentido, Mercedes Péres Menzano, in “Culpabilidade Y Prevencion”, ed. da Universidade Autónoma de Madrid, pág. 26).

A questão a decidir consiste, pois, em saber se a medida das penas aplicadas ao ora recorrente no acórdão sub judice (3 anos e 10 meses de prisão, e 3 anos e 6 meses de prisão, pelos crimes de abuso sexual de crianças; e de 10 meses de prisão, 9 meses de prisão, e 9 meses de prisão, pelos crimes de importunação sexual) estão ou não em desacordo com a medida da culpa, e se tiveram ou não em conta as necessidades de prevenção geral e especial.

No caso dos autos, a prevenção geral, no sentido de prevenção positiva (ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, o “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida” (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, § 55, págs. 72 e 73), faz-se sentir de forma premente e clara.

Com efeito, este tipo de criminalidade (crimes de natureza sexual envolvendo vítimas menores) tem sido fonte de grande alarme social, merecendo da comunidade assinalável censura.

Contudo, ao nível da prevenção especial, entendida como dissuasão do próprio delinquente, as necessidades aqui reveladas são pouco significativas (note-se que o arguido, nascido em 1961, não possui quaisquer antecedentes criminais).

Por outro lado, perante a factualidade acima resumida, não é muito elevado o grau de ilicitude dos factos, bem como não difere do habitual, neste tipo de situações, o grau de culpa do arguido.

Ora, ponderando todo esses elementos, atendendo à medida abstrata das penas aplicáveis e olhando à ausência de antecedentes criminais do arguido, afigura-se-nos que as penas parcelares aplicadas em primeira instância o foram em medida algo excessiva, mostrando-se demasiado elevadas.

Assim, a medida concreta das penas de prisão aplicadas ao recorrente pela prática dos dois crimes de abuso sexual de crianças (3 anos e 10 meses de prisão, e 3 anos e 6 meses de prisão) serão reduzidas para, respetivamente, 3 anos de prisão e 2 anos e 6 meses de prisão.

As penas aplicadas pela prática dos três crimes de importunação sexual (10 meses de prisão, 9 meses de prisão, e 9 meses de prisão) serão reduzidas para, respetivamente, 6 meses de prisão, 5 meses de prisão e 5 meses de prisão.

Estas penas, agora decididas (situadas mais próximo do meio das respetivas molduras penais abstratas), e com o devido respeito pelo decidido em primeira instância, mostram-se, a nosso ver, mais adequadas, mais justas e mais equilibradas, respeitando melhor os critérios de prevenção (geral e especial), a intensidade do dolo e o grau de ilicitude, bem como a circunstância de o arguido não possuir antecedentes criminais.

Posto o que precede, e nesta vertente (determinação da medida concreta das penas parcelares), merece provimento o recurso interposto pelo arguido (muito embora se trate, em bom rigor, de um provimento parcial, porquanto na motivação do recurso se pede a aplicação de penas “dentro dos mínimos legais”).

Resta aquilatar da pena a aplicar em cúmulo jurídico.

A moldura abstrata da pena do concurso tem como limite máximo a soma das penas de prisão concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, nº 2, do Código Penal).

No caso destes autos, o limite máximo da pena a ponderar é de 6 anos e 10 meses de prisão (soma das penas parcelares aplicadas ao recorrente), e o limite mínimo dessa mesma pena é de 3 anos de prisão (pena parcelar mais elevada).

Dentro da moldura abstrata assim encontrada, é determinada a pena do concurso, para a qual a lei estabelece que se considere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77º, nº 1, do Código Penal), sem embargo, obviamente, de ter-se também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o artigo 71º, nº 1, do mesmo Código Penal, bem como os fatores elencados no nº 2 deste artigo, referidos agora à globalidade dos crimes (e porque aqui se atende a tais fatores referidos ao conjunto dos factos, enquanto que nas penas parcelares esses fatores foram considerados em relação a cada um dos factos singulares, intocado fica o princípio da proibição da dupla valoração).

Como bem salienta o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, § 421, págs. 291 e 292), tudo deve passar-se, por conseguinte, “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

No caso, não é muito acentuada a gravidade do ilícito global (além do mais, os factos praticados pelo arguido ocorreram num período de tempo relativamente limitado - entre 20 e 24 junho de 2010 -).

No contexto da personalidade unitária do arguido, os elementos conhecidos permitem dizer que a globalidade dos factos é reconduzível a um desvalor que não radica, ao que tudo indica, na personalidade (do arguido).

Na verdade, o arguido, com cerca de 50 anos de idade na data dos factos, não possui anteriores condenações, quer por crimes da mesma natureza da dos crimes agora em julgamento, quer por cometimento de quaisquer outros crimes.

Pelo que fica exposto, tem-se como adequada a pena única de 5 (cinco) anos de prisão (sensivelmente no limite médio da moldura do cúmulo - moldura que vai de 3 anos de prisão até 6 anos e 10 meses de prisão -).

Procede, assim, neste ponto e nesta medida, o recurso do arguido.

d) Da suspensão da execução da pena única.
Com o recurso interposto, o recorrente discute ainda a efetividade da pena de prisão, entendendo que deverá haver lugar à aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução.

Há que decidir.
Dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que agora nos ocupa, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer correção ou melhora das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, § 519, pág. 343).

Como bem esclarece este ilustre professor (ob. citada, § 520, pág. 344), “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (cfr. ainda o Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, § 521, pág. 344).

No referido juízo de prognose, há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.

Revertendo ao caso destes autos:

1º - O facto de não ter sido possível apurar da situação social, familiar e profissional do arguido (porquanto o arguido foi julgado na respetiva ausência, e, além disso, não foi possível aos competentes serviços encontrar ou contactar o arguido, a fim de ser realizado relatório social - como resulta do teor do documento junto a fls. 159 dos autos -), não pode, a nosso ver, prejudicar o arguido.

2º - Ou, por outras palavras: o arguido é pessoa que tem de presumir-se integrada socialmente, pois que, em desfavor desta realidade (presumível), não existe qualquer prova.

3º - Também em sentido oposto à consideração da existência de uma “normal personalidade” por parte do arguido nenhuma prova foi produzida, para além, obviamente, do que resulta da própria natureza dos factos delitivos em apreço nestes autos.

4º - O mesmo acontece relativamente ao comportamento do arguido, anterior e posterior aos factos destes autos, para além, também obviamente, da inexistência de antecedentes criminais por banda do arguido.

5º - A favor do arguido, quanto à personalidade e comportamento anterior, temos, a nosso ver, a sua idade (nasceu em 1961), aliada à ausência de antecedentes criminais, e, quanto ao comportamento posterior, podemos apenas considerar a data dos factos (que ocorreram em 2010), aliada à ausência de notícia da prática de novos delitos por parte do arguido.

6º - Também o lapso de tempo decorrido desde a data da prática dos delitos em causa (os crimes em análise tiveram lugar em junho de 2010 - há já mais de 6 anos -) atenua, em nossa opinião, as exigências de prevenção que in casu se fazem sentir (sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização).

Ponderando todos estes elementos, na sua globalidade complexiva, entendemos que os mesmos são de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes, in casu, para realizarem de forma adequada as finalidades da punição.

Dito de outro modo: quer na perspetiva das necessidades de prevenção especial, quer também na perspetiva das necessidades de prevenção geral positiva (no concernente à manutenção da validade das normas jurídicas violadas e à tutela dos bens que elas visam proteger), entendemos, neste concreto caso, e perante os seus específicos contornos, que a suspensão da execução da pena de prisão, quanto ao ora recorrente, satisfaz essas necessidades.

Por conseguinte, e secundando o parecer emitido, neste Tribunal da Relação, pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto (cfr. fls. 329 dos autos), justifica-se, no presente caso, a substituição da pena de prisão por suspensão da execução da pena.

Com efeito, a suspensão da execução da pena, enquanto medida de substituição, realiza, de modo determinante, um programa de política criminal que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade (como é o caso posto neste processo).

Por isso, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas.

Ora, e conforme acima explanado, ambas estas ressalvas não se aplicam, com suficiente clareza, ao caso destes autos.

Em consequência, é de proceder esta última vertente do recurso.

Perante tudo o que se deixou dito, o recurso do arguido é parcialmente de proceder, operando-se uma redução das penas parcelares aplicadas em primeira instância (nos termos acima assinalados), e uma redução da pena única (para 5 anos de prisão), com suspensão da execução desta pena única (período de suspensão que é de 5 anos, conforme preceituado no artigo 50º, nº 5, do Código Penal).

Além disso, e por imposição legal, tratando-se de pena superior a 3 anos, a suspensão tem de ser acompanhada de regime de prova - conforme disposto no artigo 53º, nº 3, 2ª parte, do Código Penal (“o regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade, ou quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos”).

III - DECISÃO.

Nos termos expostos, concede-se provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido, alterando-se a “Decisão” constante do acórdão revidendo, a qual passa a ter a seguinte redação (na parte relativa às condenações criminais - e mantendo-se tudo o mais aí decidido -):

“- Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171º, nº 1, do CP, nas penas, respetivamente, de 3 anos de prisão, e de 2 anos e 6 meses de prisão, em concurso real com a prática de 3 (três) crimes de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170º, nº 1, do CP, nas penas, respetivamente, de 6 meses de prisão, 5 meses de prisão e de 5 meses de prisão;

- Proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, fixando a pena única em cinco anos de prisão.

- Suspender a execução desta pena (de cinco anos de prisão) pelo período de cinco anos, com sujeição a regime de prova (artigo 53º do Código Penal)”.

Sem custas, por o recurso ter merecido parcial provimento.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 07 de março de 2017

João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares