Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÍLVIO SOUSA | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR CONSTITUCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 06/25/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O documento que titula um contrato de mútuo, concedido pela Caixa Geral de Depósitos e assinado pelo devedor, constitui título executivo; este título atípico não falseia a concorrência entre instituições financeiras. Sumário do Relator | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 133/14.6T8ENT.E1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora: Relatório A presente execução comum, na forma sumária, em que é exequente a Caixa Geral de Depósitos, S.A., com sede na avenida João XXI, nº 63, Lisboa, e executados (…) e (…), divorciados, residentes na Quinta da (…), lote (…), Benavente, culminou com despacho a indeferir, liminarmente, o requerimento executivo, “por ser manifesta a falta de título executivo”. Face às conclusões das alegações, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se o documento particular dado à execução é ou não um título executivo.
Fundamentação A - Os factos A exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. deu à execução um contrato, denominado de “mútuo”, celebrado com os executados (…) e (…), em Fevereiro de 2010. B - O direito - O direito de ação executiva “(…) é um direito de carácter público porque se dirige e refere à atividade de órgãos do Estado, e não um direito de carácter privado, tendo em vista a conduta de um particular; é, em suma, um direito contra o Estado ou para com o Estado, representado nos órgãos executivos e não um direito contra o devedor” [1]; - O credor, desde que munido de título executivo, “(…) tem o direito ou o poder de mover a ação executiva, o que significa que os órgãos do Estado, incumbidos de exercer a atividade executiva, são obrigados a praticar os atos necessários, segundo a lei, para dar satisfação ao exequente, uma vez que este dê o impulso necessário” [2]; - Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva 3]; - “O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor”[4]; ou seja: “o título executivo autoriza a execução, porque atesta ou certifica a existência do direito do exequente”, criando, por isso, a acção executiva – “o título tem, quanto a ela, eficácia constitutiva” [5]; - “(….) também podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” [6]; - “O documento que titula um contrato de mútuo, concedido pela Caixa Geral de Depósitos e assinado pelo devedor constitui título executivo (…)” [7]; - A lei geral não revoga a lei especial, exceto de outra for a intenção do legislador [8]; - Na interpretação da lei, o intérprete não pode esquecer “os fins que a lei prossegue, as soluções que tem em vista realizar, e que constituem a sua razão de ser” ou, noutras palavras, “o interesse específico socialmente relevante que a lei pretende tutelar” [9]; ao intérprete é, também, exigido que atenda “às condições específicas do tempo em que é aplicada, isto é, que a interpretação seja coerente com o sistema de valores que a comunidade aceita como fundamento da própria convivência” [10]; - Sempre que a vontade real do legislador não seja clara e inequívoca, importa ter em consideração “critérios de carácter objetivo”, como sejam o da presunção de que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” e o da rejeição de um sentido decisivo da lei, se no texto desta “não se encontrar um mínimo de correspondência verbal” [11]; - A revisão, na reforma de 2013, “do elenco dos títulos executivos”, teve como objetivo fazer “passar pelo crivo da injunção” os ”pretensos créditos suportados em meros documentos particulares”, derivados “do funcionamento um tanto desregrado do crédito ao consumo”, os quais, conjugado com a redução dos “requisitos de exequibilidade dos documentos particulares”, conduziam, por vezes, a “execuções injustas” [12]. C- Aplicação do direito aos factos No seu requerimento executivo, a recorrente Caixa Geral de Depósitos, S.A. alega que “o crédito cuja cobrança coerciva se requer (…) está consubstanciado em título executivo, de harmonia com o disposto no nº 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto”. É, pois, manifesto que a referenciada integra o “pressuposto de carácter formal da acção executiva” – título executivo –, no nº 1, d), do artigo 703.º do Código de Processo Civil, que, por sinal, coincide com a redacção do revogado artigo 46.º, nº 1, d). Assim sendo, a questão colocada a esta Relação – como já se aludiu – está em saber se “o documento particular oferecido constitui título executivo ao abrigo do disposto no art. 9.º, nº 4, do DL nº 287/93, de 2 de Agosto”. A resposta deste Tribunal não pode deixar de ser positiva. Na verdade, a redução “do elenco dos títulos executivos”, operada pela reforma processual de 2013, não teve como objetivo “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” e, sim, “passar pelo crivo da injunção” os ”pretensos créditos suportados em meros documentos particulares”, derivados “do funcionamento um tanto desregrado do crédito ao consumo”. Acresce que, mesmo admitindo “que vontade real do legislador não seja clara e inequívoca”, não se encontra no texto da lei, nomeadamente, nas disposições transitórias, “um mínimo de correspondência verbal”, no sentido da revogação, pelo atual Código de Processo Civil, dos títulos executivos atípicos da recorrente Caixa Geral de Depósitos, S.A. Sucede, por outro lado, que não se vislumbra em que medida a atribuição ao documento que titula um mútuo concedido pela mesma recorrente de “um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor” falseie ou possa falsear a concorrência entre instituições financeiras, uma vez que não existe ação executiva, sem procedimento declarativo de embargos, como, aliás, a mencionada exposição de motivos o refere. Ao fim e ao cabo, tudo se resume em saber em que altura ocorre o procedimento declarativo, se antes da ação executiva ou se depois, com os consequentes reflexos no ónus da prova – a cargo do credor, na primeira hipótese, e do devedor/embargante, na segunda. A Caixa Geral de Depósitos, S.A., com os títulos executivos decorrentes de contrato de mútuo, por si concedido e assinado pelo devedor, apenas beneficia em sede do ónus da prova. Contudo, o dia-a-dia ensina-nos que o momento em que ocorre, na sequência de incumprimento, o procedimento declarativo, com os inerentes reflexos no ónus da prova, não releva para efeitos de concessão ou não de crédito, uma vez que tal figura – desconhecida dos clientes – nem é abordada, nas negociações prévias. Relevantes são, sim, as taxas de juros e prazo de pagamento de juros e capital. Além disso, nada obsta que as demais instituições financeiras se munam, por ocasião da concessão do crédito, de títulos de crédito, como, por norma, o fazem. Procede, assim, a apelação. Decisão Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando a apelação procedente, revogar o despacho recorrido, com o consequente prosseguimento da execução. Custas pela parte vencida, a final. ******* Évora, 25 de Junho de 2015 Sílvio José Teixeira de Sousa Rui Machado e Moura Maria da Conceição Ferreira __________________________________________________ [1] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Processo de Execução, vol. I, 3ª edição, pág. 16. |