Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
248/12.5TAELV-B.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: ADVOGADO
QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
ORDEM DOS ADVOGADOS
IMPRESCINDIBILIDADE
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 05/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Se o advogado pretende solicitar à sua Ordem a dispensa do segredo profissional rege o nº 4 do artigo 92º do actual EOA, não havendo aí qualquer intervenção de um tribunal por incompetência, dada a patente desnecessidade, face à ausência de qualquer interesse público supra profissional a acautelar e a lei é clara na atribuição à OA de competência decisória exclusiva.

2 - Mas se existe um interesse público a acautelar o incidente próprio para fazer operar um juízo valorativo supra profissional sobre a quebra de sigilo profissional dos advogados é da exclusiva competência dos Tribunais que forem material e territorialmente competentes. Ou seja, a ponderação dos valores a fazer no âmbito do artigo 135º - quebra do segredo – está muito para além das competências da Ordem dos Advogados.

3 -As decisões da OA obtidas no âmbito decisório do artigo 92º do EOA que forem juntas aos autos não têm valor decisório no processo judicial, sem prejuízo de a sua fundamentação poder ter valor argumentativo.

4 - O parecer emitido pela OA nos termos do artigo 135º do C.P.P. não tem valor vinculativo já que isso seria a negação do papel dos tribunais.

5 - O nº 5 do artigo 92º do EOA é claro na afirmação de que os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo. Tais depoimentos, são em absoluto, proibidos mesmo se prestados sem prévio abordar da eventual escusa, não valendo para neles se basear a decisão no incidente de quebra de sigilo.

6 - A procedência total ou parcial do incidente de quebra de sigilo não pode ter como efeito o repristinar do seu conteúdo.

7 - A leitura conjunta do nº 4 do artigo 92º da Lei 145/2015 (que aprova o actual EOA) com o disposto no artigo 4º, nº 2 e 3 do Regulamento nº 94/2006 da OA que regulamenta a dispensa de segredo profissional (D.R.-II SÉRIE, nº 113, de 12 de Junho de 2006, pag. 8588) demonstra que a expressão absolutamente necessário veio a ser complementada com as expressões inequívocamente necessária e essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade.

8 - Tais citérios não são aplicáveis no incidente do artigo 135º do C.P.P. onde se estabelece de forma clara que a quebra será decretada nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. O que induz necessariamente que são estes três os parâmetros valorativos que, todos, devem ser apreciados.

9 - Sendo que a gravidade do crime é sempre aferida pela sua moldura penal abstracta, a necessidade de protecção de bens jurídicos demonstra-se pela qualidade dos crimes praticados. A prevaricação de titular de cargo político e a corrupção passiva de titular de cargo político demonstram, por si sós, a premência de resguardo da sociedade que deve confiar nos seus eleitos para uma boa e saudável representação. A sã representação é essencial pressuposto de uma sã democracia. A representação conspurcada é a derrota da política e a morte da polis.

10 - O conceito de imprescindibilidade não pode assumir o significado de que o depoimento a prestar seja o “único” ou “exclusivo” elemento de prova existente no sentido de não haver outros a prestar ou já prestados. Imprescindível quer apenas significar que existe algo de que se não pode prescindir, que é indispensável, insubstituível, necessário.

11 - A análise da imprescindibilidade da prova só pode ser feita, tendo em mente a acusação deduzida, o pedido formulado e os fundamentos factuais e probatórios aduzidos pelo requerente. (sumário do relator)

Decisão Texto Integral:
1 - Se o advogado pretende solicitar à sua Ordem a dispensa do segredo profissional rege o nº 4 do artigo 92º do actual EOA, não havendo aí qualquer intervenção de um tribunal por incompetência dada a patente desnecessidade face à ausência de qualquer interesse público supra profissional a acautelar e a lei é clara na atribuição à OA de competência decisória exclusiva.

2 - Mas se existe um interesse público a acautelar o incidente próprio para fazer operar um juízo valorativo supra profissional sobre a quebra de sigilo profissional dos advogados é da exclusiva competência dos Tribunais que forem material e territorialmente competentes. Ou seja, a ponderação dos valores a fazer no âmbito do artigo 135º - quebra do segredo – está muito para além das competências da Ordem dos Advogados.

3 -As decisões da OA obtidas no âmbito decisório do artigo 92º do EOA que forem juntas aos autos não têm valor decisório no processo judicial, sem prejuízo de a sua fundamentação poder ter valor argumentativo.

4 - O parecer emitido pela OA nos termos do artigo 135º do C.P.P. não tem valor vinculativo já que isso seria a negação do papel dos tribunais.

5 - O nº 5 do artigo 92º do EOA é claro na afirmação de que os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo. Tais depoimentos, são em absoluto, proibidos mesmo se prestados sem prévio abordar da eventual escusa, não valendo para neles se basear a decisão no incidente de quebra de sigilo.

6 - A procedência total ou parcial do incidente de quebra de sigilo não pode ter como efeito o repristinar do seu conteúdo.

7 - A leitura conjunta do nº 4 do artigo 92º da Lei 145/2015 (que aprova o actual EOA) com o disposto no artigo 4º, nº 2 e 3 do Regulamento nº 94/2006 da OA que regulamenta a dispensa de segredo profissional (D.R.-II SÉRIE, nº 113, de 12 de Junho de 2006, pag. 8588) demonstra que a expressão absolutamente necessário veio a ser complementada com as expressões inequívocamente necessária e essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade.

8 - Tais citérios não são aplicáveis no incidente do artigo 135º do C.P.P. onde se estabelece de forma clara que a quebra será decretada nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. O que induz necessariamente que são estes três os parâmetros valorativos que, todos, devem ser apreciados.
9 - Sendo que a gravidade do crime é sempre aferida pela sua moldura penal abstracta, a necessidade de protecção de bens jurídicos demonstra-se pela qualidade dos crimes praticados. A prevaricação de titular de cargo político e a corrupção passiva de titular de cargo político demonstram, por si sós, a premência de resguardo da sociedade que deve confiar nos seus eleitos para uma boa e saudável representação. A sã representação é essencial pressuposto de uma sã democracia. A representação conspurcada é a derrota da política e a morte da polis.

10 - O conceito de imprescindibilidade não pode assumir o significado de que o depoimento a prestar seja o “único” ou “exclusivo” elemento de prova existente no sentido de não haver outros a prestar ou já prestados. Imprescindível quer apenas significar que existe algo de que se não pode prescindir, que é indispensável, insubstituível, necessário.

11 - A análise da imprescindibilidade da prova só pode ser feita, tendo em mente a acusação deduzida, o pedido formulado e os fundamentos factuais e probatórios aduzidos pelo requerente.

Acordam, em conferência, na secção criminal do tribunal da Relação de Évora:


A – Relatório:

No decurso da audiência de julgamento nos autos principais e finda a produção da restante prova, o Ministério Público provocou, ao abrigo do disposto no artigo 135.º, n.ºs, 3 e 4 do CPP, o incidente de quebra de sigilo profissional dos Srs. Advogados C… e B…, com o fito de o remeter para decisão a este Tribunal da Relação, devidamente instruído com certidão da acusação, dos depoimentos prestados em inquérito pelas testemunhas em causa e de outros documentos.


*

A.1 - Fundamentou o Ministério Público, nas partes mais relevantes (transcrição parcial):

Na acusação deduzida pelo Ministério Público nestes autos foram indicadas como testemunhas, para além de outras, C… e B…, ambos advogados.

Na Audiência de Discussão e Julgamento que teve lugar no dia 27-09-2018, a propósito da inquirição de C…, consta o seguinte da respectiva acta Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse conhecer o arguido M… por ter sido advogado da FSCD entre 2003 e 2012; teve também relações profissionais com a sociedade MRG e com o arguido F…. Conhece o arguido R… por ter tido uma ligação profissional à Universidade de Évora, onde aquele trabalha. Não tem nenhuma relação com a Câmara de Campo Maior. (…)

Na mesma Audiência de Julgamento, e no que concerne à inquirição de B… pode ler-se na mesma acta Questionada a testemunha nos termos do art.º 348º, n.º 3 do C. P. Penal, disse que conhece o arguido M… porque enquanto advogado prestou serviços à FSCD; conhece o arguido F… porque a empresa da qual é gerente prestou serviços à empresa MRG, e conhece os arguidos R… e J…, por ter estabelecido com um e outro, relações meramente institucionais. (…)

No dia 12-10-2018 (referência n.º 1248821) C… veio dar conta da decisão do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional, da seguinte forma:

Nestes termos, não se mostrando devidamente preenchidos os pressupostos inerentes ao regime excecional da dispensa, de acordo com o disposto no artigo 92.º, n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, e nos artigos 3.º e 4.º do Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional – Regulamento n.º 94/2006, de 12 de junho, DR, II Série, ainda em vigor por força do disposto no artigo 3.º, n.º 7 da lei preambular do Estatuto, indefere-se o requerido e, por conseguinte, fica o Senhor Advogado Dr. C… impedido de depor, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo-crime pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Criminal de Elvas – Juiz 1, sob o n.º 248/12.5TAELV.

No dia 12-12-2018 (referência n.º 1294392) B… veio comunicar a decisão do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados do Porto, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional, nos seguintes termos: Em face do exposto, por não se verificarem os pressupostos de que depende a concessão de dispensa do dever de guardar segredo profissional, indefere-se o pedido de levantamento do segredo profissional.

Todavia, em nosso entender, e depois de produzida a restante prova, a inquirição de tais testemunhas em audiência de julgamento revela-se muito importante, essencial, fundamental e mesmo imprescindível para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.

Na verdade, conforme decorre do teor da acusação, C… e B… possuem conhecimento privilegiado de parte da factualidade aí descrita (designadamente no âmbito da implementação de PPPs institucionais, mormente da PPP Institucional para construção do Complexo de Piscinas de Campo Maior e da sua prestação de serviços à FSCD) bem como colaboraram na elaboração de peças documentais juntas aos autos, sendo essencial que se pronunciem, em julgamento, sobre os factos do seu conhecimento, designadamente sobre a aplicabilidade às PPPs institucionais do princípio da concorrência, forma de publicação e prazos de apresentação de propostas e procedimentos de concurso respectivos, âmbito da prestação de serviços à FSCD no que concerne à PPP Institucional relacionada com o Município e Empresa Municipal de Campo Maior, concretamente qual a sua participação no concurso para selecção da empresa construtora do Complexo de Piscinas e contactos com a CGD (ver a título de exemplo, os artigos 10.º a 25.º, 30 a 39.º, 48.º, 50.º a 65.º e 73.º a 111.º da acusação).

Surge, também, como fundamental, o confronto destas testemunhas com determinados documentos, nomeadamente daqueles que constam a fls. 290 e ss. do Apenso XIV, 2.º vol., a fls. 45, 50 e ss. do Apenso I, vol. 1.º, a fls. 100 a 103 do Apenso XV, a fls. a 2 a 26 do Apenso I, vol. 3.º, a fls. 543 e ss. do Apenso I, 2.º vol., a fls. 136 e 137 do Apenso VII, vol. 2.º e a fls. 279 a 282 do Anexo Informação Bancária e Fiscal Objectivo Único e FSCD.

Desta sorte, entendemos que, in casu, deverá ocorrer quebra do sigilo profissional dos Srs. Advogados C… e B… (…)

Ora, atendendo à necessária, determinante e mesmo imprescindível inquirição dos Srs. Advogados para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, tendo em conta a gravidade dos crimes em apreciação (crimes de prevaricação de titular de cargo político, corrupção e branqueamento de capitais) e a evidente necessidade de protecção dos bens jurídicos postos em causa (assumindo natureza pública a tutela dos bens subjacentes), concluímos que o interesse público de salvaguardar o sigilo profissional (que não é um interesse absoluto) deve juridicamente ceder perante os valores da ordem pública e social e perante os interesses da realização da justiça e superior interesse público da procura da verdade para uma decisão adequada e justa, valores e interesses que, a nosso ver são preponderantes em confronto com os interesses que subjazem à reserva profissional.

Em conclusão, afigura-se-nos que, na ponderação dos interesses presentes, impõe-se determinar a quebra do sigilo profissional em questão.


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A.2 - Notificados, responderam os arguidos essencialmente (transcrições parciais):

A.2.a) – R…

2)- Como se pode ver, aliás, a fls. [Ref.1248821 e Ref.1294392] dos autos, a Ordem dos Advogados, pronunciou-se no sentido de indeferir o pedido de levantamento de segredo profissional, daqueles Ilustres Advogados.

Aliás, sempre se dirá – a propósito – que, face à independência do advogado, é, pois, insustentável, que o mesmo actue, em qualquer circunstância, com violação do segredo profissional.

Na nossa modesta opinião, afigura-se-nos, pois, que a quebra do segredo profissional (para além de ser de competência do Tribunal Superior), exige especial justificação, ponderação e fundamentação, que no caso em apreço – a nosso ver – não se verifica.

3)- Ora, na nossa modesta opinião, entendemos, pois, que no caso dos autos, atenta a prova produzida, inexiste o alegado principio de prevalência do interesse preponderante que justifique a imprescindibidade de tais depoimentos para a descoberta da verdade.

4)- Acresce, ainda, que atento o prazo decorrido da junção aos autos dos pareceres da Ordem do Advogados, estes constituem, pois, caso julgado formal, nos termos do disposto no art.620º do Cód.Proc.Penal ex-vi do art.4º do Cód.Proc.Penal.

Pelo que, nestes termos e, salvo melhor opinião contrária, sempre deverá indeferir-se o douto requerimento do Digníssimo Magistrado do Ministério Publico.


*

A.2.b) – J…

I – Da extemporaneidade do requerido:

5º - No dia 12-10-2018 (referência n.º 1248821) C… veio juntar decisão do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional.

6º - No dia 12-12-2018 (referência n.º 1294392) B… veio comunicar a decisão do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados do Porto, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional.

7º - Ora entendendo o Ministério Público que a inquirição de tais testemunhas em audiência de julgamento se revela muito importante, essencial, fundamental e mesmo imprescindível para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, deveria ter suscitado o incidente de quebra do sigilo até 10 dias após ter tido conhecimento do indeferimento do seu levantamento.

8º - Não o tendo feito em prazo, a decisão da Ordem dos Advogados, constitui caso julgado, devendo considerar-se o requerido pelo M.P. em 4 de Fevereiro de 2019, extemporâneo.

A não se considerar dessa forma, sempre se dirá:

II – Da quebra do sigilo profissional

9º - O nº 3 do art. 135º do Código de Processo Penal visa tão só assegurar uma 2ª instância, suscitável residual e oficiosamente, eventualmente para lá do prazo de interposição do recurso que couber, para as hipóteses em que o tribunal, embora pendendo para o reconhecimento da legitimidade formal e substancial da escusa, tenha fundadas dúvidas quanto a ela.

10º - O segredo profissional do advogado, revestindo interesse e ordem pública, é, todavia, relativamente disponível, por iniciativa do advogado ou do tribunal, nos termos do art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (adiante designado EOA), quando se mostre absolutamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos desse advogado ou cliente ou dos seus representantes.

11º - O que no caso não se verifica. (…)

14º - Tendo a Ordem dos Advogados indeferido o pedido de levantamento de sigilo profissional aos senhores advogados, atento o seu carácter vinculativo, não deve ser deferido o requerido pelo M.P.

Também a não se considerar assim, sempre se dirá:

III – Da imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade material

15º - O princípio que rege a decisão a proferir, de determinação da prestação de depoimento com quebra do segredo profissional ou do indeferimento do pedido, é o da prevalência do interesse preponderante, que se aferirá, nomeadamente, por reporte à imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, à gravidade do crime e à necessidade de protecção de bens jurídicos.

16º - Nem sempre o interesse do Estado em realizar a justiça penal, com observância de todos os princípios jurídico-constitucionais que o integram, prevalece.

17º - Nos casos em que prevaleça, ainda assim deverá verificar-se o requisito da imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade material.

18º - In casu, e salvo o devido respeito, o requerido pelo Digníssimo Procurador, padece de falta de fundamentação, pois, na parte respeitante ao requisito da imprescindibilidade do depoimento destas testemunhas, deveria o Exmo. Senhor Procurador ter referido no seu entender que, pese embora a prova documental e a prova testemunhal já produzida, elencando-a, esta revelou-se insuficiente para prova de factos concretos da acusação e só com o depoimento destas testemunhas, tais factos poderem vir a ser provados.

19º - Com efeito, e salvo o devido respeito, o requerido pelo Exmo. Senhor Procurador circunscreve-se à mera remessa para artigos da acusação, aliás, referidos, a título meramente exemplificativo, o que significa poderem abranger outros, desconhecendo-se quais, assim como, do confronto destas testemunhas com documentos juntos aos autos, incluindo declarações das mesmas em sede de inquérito, as quais, para além de não terem sido prestadas perante Magistrado, também o foram em violação do sigilo profissional, porquanto,

20º - Não o tendo feito conforme se refere no artº 18º, não se encontra preenchido o requisito da imprescindibilidade do depoimento destas testemunhas. (…)

Nestes termos, face ao exposto, deve ser indeferido o requerido pelo Digníssimo Senhor Procurador.


*

A.2.c) - F… e M…

6.º Não basta, portanto, que o depoimento seja importante, como alega o Ministério Público no seu requerimento, não basta que seja essencial, como continua a alegar o Ministério Público, nem basta que seja fundamental, como prossegue o Ministério Público. É mesmo necessário que seja imprescindível, como, por último, lista o Ministério Público.

7.º É aqui, precisamente, que, ao que se pensa, se encontra a resposta à questão levantada e requerida pelo Ministério Público.

8.º Pois, na verdade, o Ministério Público não requereu a quebra do sigilo profissional dos Senhores Advogados por tal ser imprescindível para a descoberta da verdade, mas apenas porque tem interesse em que seja produzida tal prova, ao lado de outras que já existem nos autos.

9.º Veja-se que o que o Ministério Público revela é que lhe parece essencial [não imprescindível] que se pronunciem, em julgamento, sobre os factos do seu conhecimento, designadamente sobre a aplicabilidade às PPPs institucionais do princípio da concorrência, forma de publicação e prazos de apresentação de propostas e procedimentos de concurso respectivos (…) (realçado e sublinhado próprios).

10.º Ou seja, desde logo, o que o Ministério Público pretende é que os Senhores Advogados sejam chamados para falar sobre aspectos jurídicos, para dar resposta às dúvidas de regime que as Parcerias Público-Privadas suscitam.

11.º Ora, tal pretensão do Ministério Público de se esclarecer sobre o enquadramento jurídico de tal regime é claramente insuficiente para fundamentar um pedido de quebra de sigilo profissional, que obedece a apertadas exigências legais e só se deve colocar caso haja, com base em razões indicadas logo no próprio pedido de incidente, um fundamento sério no sentido da imprescindibilidade de prova para a descoberta da verdade material.

12.º Continuando a apreciar o requerimento do Ministério Público, o que se constata é que o pedido de quebra de sigilo é ademais estabelecido para que se perceba qual a concreta participação dos Senhores Advogados no concurso para selecção da empresa construtora do Complexo de … com a CGD (ver a título de exemplo, os artigos 10.º a 25.º, 30 a 39.º, 48.º, 50.º a 65.º e 73.º a 111.º da acusação).

13.º Ora, ao aludir a esta concreta factualidade da escolha do parceiro privado no âmbito do concurso para a construção do Complexo de …, o Ministério Público não poderia ter sido mais certeiro na indicação de matéria factual que, nos presentes autos, está pejada de prova documental.

14.º É, aliás, o Ministério Público que indica no seu requerimento (e, diga-se, de forma não exaustiva) fls. 290 e ss. do Apenso XIV, 2.º vol., a fls. 45, 50 e ss. do Apenso I, vol. 1.º, a fls. 100 a 103 do Apenso XV, a fls. a 2 a 26 do Apenso I, vol. 3.º, a fls. 543 e ss. do Apenso I, 2.º vol., a fls. 136 e 137 do Apenso VII, vol. 2.º e a fls. 279 a 282 do Anexo Informação Bancária e Fiscal Objectivo Único e FSCD.

15.º Ao que acresce o facto de a mesma matéria ter sido já, ao longo de um Julgamento que teve início no passado mês de Setembro de 2018, objecto de inquirições de testemunhas várias, realçando-se, nesta parte que a Acusação indicou, ao lado dos Senhores Advogados, a existência de outras 21 testemunhas, das quais a maioria foi ouvida às mesmas matérias agora seleccionadas e referidas no pedido de quebra de sigilo profissional.

16.º Resulta, pois, claro, que o Ministério Público não apresentou um pedido de quebra de sigilo profissional com base na imprescindibilidade para a descoberta da verdade material dos depoimentos dos Ilustres Advogados sobre factos de que tiveram conhecimento no exercício e por causa das suas funções, mas sim porque, finda a produção de prova em sede de Julgamento, revela tão-só interesse em ouvir estes profissionais sobre aspectos jurídicos, sobre factos relativamente aos quais já foram ouvidas várias testemunhas e sobre prova documental exaustiva já constante dos autos (!).

17.º Nessa medida, requer-se o indeferimento do pedido de quebra de sigilo profissional, atenta a evidente ausência de preenchimento dos pressupostos legalmente exigidos no artigo 135.º do Código de Processo Penal.

18.º Caso, todavia, tal pedido seja admitido, desde já se requer a V. Ex.as que o incidente seja instruído, não só com os elementos cuja certidão foi requerida pelo Ministério Público, mas igualmente com as respostas dos arguidos a tal requerimento e com todos os elementos de prova já produzidos em sede do presente Julgamento.

19.º Cremos que só assim estará o Venerando Tribunal da Relação de Évora em condições de aferir da imprescindibilidade legalmente exigida dos depoimentos solicitados, sob pena de violação indevida e injustificada de uma garantia deontológica basilar da profissão de advogado e que constitui, simultaneamente, um valor social de elementar relevância para todos os cidadãos.


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A.2.d) – M… e outros

I - Da extemporaneidade do pedido de quebra de sigilo profissional

No dia 12.10.2018 o Advogado C… veio dar conta da decisão do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional.

No dia 12.12.2018 o Advogado B… veio juntar aos autos a decisão do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados do Porto, a qual indefere o seu pedido de levantamento de sigilo profissional.

Em face das decisões tomadas pela Ordem dos Advogados e comunicadas aos presentes autos, respectivamente em 12 de Outubro e 12 de Dezembro de 2018, não houve qualquer reacção por parte do Tribunal, nem por parte dos Arguidos que haviam arrolado as referidas testemunhas, nem por parte do Exmo. Procurador do Ministério Público.

O que significa que todos se conformaram com o pedido de escusa apresentado pelos Advogados e asseverado pela Ordem dos Advogados, legitimando a sua decisão de não prestar depoimento.

Decorridos vários meses sobre o pedido de escusa sem que qualquer dos intervenientes processuais tivesse invocado a ilegitimidade da escusa apresentada ou requerido a apreciação da sua justificação por parte do Tribunal superior, formou-se caso julgado relativamente a esta decisão.

Assim, no entender da defesa dos ora Arguidos é manifestamente extemporâneo o presente incidente de quebra de sigilo requerido, devendo sem mais ser rejeitado.

Em todo o caso, sempre se dirá que,

II - Da falta de fundamentação do pedido de quebra de sigilo profissional

Sucede que, do requerimento apresentado o Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público ficaram por indicar os factos susceptíveis de demonstrarem a absoluta necessidade ou imprescindibilidade do seu depoimento dos Advogados.

É que apesar da sua extensão e das inúmeras citações, não é possível retirar do requerimento do Ministério Público que factos são esses tão imprescindíveis, necessários e impossíveis de obter por qualquer outra via, cuja importância seja susceptível de fazer cair por terra o que a jurisprudência da ordem dos advogados chama de timbre da advocacia (leia-se, o sigilo profissional).

Inexistindo quaisquer outros elementos dos autos passíveis de demonstrar a imperatividade do depoimento dos Advogados, ter-se-á de concluir que o Ministério Público alicerça a sua pretensão de quebra de sigilo em dois fundamentos distintos e por si indicados no requerimento: - Respostas dos Advogados nos termos do artigo 348, n.º 3 do CPP; - Do teor da acusação

Se a questão colocada é duvidosa, o mesmo se deverá dizer da fundamentação do requerimento do Ministério Público.

O que nos leva para a análise do segundo fundamento considerado como mesmo imprescindível para justificar a inquirição dos advogados mediante a quebra de sigilo profissional.

De acordo com o requerimento do Ministério Público, a alegada importância e imprescindibilidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa funda-se no facto de, na acusação, decorrer que C… e B… possuem conhecimento privilegiado de parte da factualidade aí descrita (designadamente no âmbito da implementação de PPPs institucionais, mormente da PPP Institucional para construção do Complexo de … de Campo Maior e da sua prestação de serviços à FSCD) bem como colaboraram na elaboração de peças documentais juntas aos autos, sendo essencial que se pronunciem, em julgamento, sobre os factos do seu conhecimento, designadamente sobre a aplicabilidade às PPPs institucionais do princípio da concorrência, forma de publicação e prazos de apresentação de propostas e procedimentos de concurso respectivos, âmbito da prestação de serviços à FSCD no que concerne à PPP Institucional relacionada com o Município e Empresa Municipal de …, concretamente qual a sua participação no concurso para selecção da empresa construtora do Complexo de … e contactos com a CGD (ver a título de exemplo, os artigos 10.º a 25.º, 30 a 39.º, 48.º, 50.º a 65.º e 73.º a 111.º da acusação)

Ora, finda a produção de prova, surgem agora alguns factos considerados como imprescindíveis para a descoberta da verdade material pelo Ministério Público e relativamente aos quais os Advogados possuem alegadamente conhecimentos privilegiados, o que justificaria a sua inquirição como testemunhas ao arrepio do direito ao invocado sigilo profissional.

Salvo melhor opinião, tais argumentos não podem proceder. Em primeiro lugar, ter conhecimento privilegiado sobre determinados factos não é igual a ser a única pessoa com conhecimento sobre os mesmos – realidade que não é alegada pelo MP.

Em segundo lugar, parte da prova que o Ministério Público pretende obter parece prender-se com uma análise do regime jurídico das PPP’s institucionais e da sua implementação, análise essa que deveria ter solicitado a um perito ou a um consultor técnico, caso sentisse essa necessidade, e não a uma testemunha.

Em terceiro lugar, parte da argumentação apresentada prende-se com a necessidade de confrontação das testemunhas com documentos juntos aos autos, fundamento que não nos parece de todo essencial a ponto de justificar a quebrar de sigilo profissional.

Ou seja, não é invocado um fundamento suficiente para ser per si passível de sacrificar o princípio deontológico basilar e reconhecido como direito e dever fundamental e primordial dos advogados, cuja ratio assenta em razões de interesse público como a administração da justiça e a defesa dos interesses dos clientes.

Pelo que é imperativo que tal dever beneficie de uma protecção especial por parte do Estado (e, evidentemente, do sistema judicial) e não, como aparentemente pretende o Ministério Público, legitimar a sua quebra de sigilo para tentar provar um facto por si alegado e relativamente ao qual poderia ter produzido uma qualquer outra prova.

(…)

Acresce que o Ministério Público não invoca a imprescindibilidade da inquirição destas testemunhas para prova de factos concretos da acusação, relativamente aos quais não existam outros meios de prova.

III - Dos elementos dos autos a remeter para o tribunal da relação de évora – certidão dos depoimentos prestados em inquérito pelos advogados

Independentemente da decisão do Tribunal Colectivo quanto ao incidente suscitado pelo Ministério Público, a defesa do ora Arguido não pode deixar de se pronunciar quanto aos documentos indicados e que deverão instruir a subida do incidente para o Tribunal superior.

Se o pedido do Ministério Público é manifestamente infundado, o que se dirá dum pedido instruído com prova em violação da obrigação de segredo profissional?

(…)

Ora, na nossa lei adjectiva vigora o princípio da legalidade dos meios de prova, distinguindo a doutrina regras de produção da prova e proibição de prova.

As primeiras (regras de produção de prova) têm por objecto disciplinar o modo e o processo de obtenção da prova, não determinando se, infringidas, a proibição de valoração do material probatório.

As segundas (regras de proibição de prova), por sua vez, dão lugar a provas nulas (art. 38.º, n.º 2 da CRP), sendo consideradas como proibidas as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente as provas que violem ilicitamente a privacidade.

Ora, de acordo com a nossa lei (não só adjectiva mas, no caso concreto, constitucional) todos e quaisquer actos e diligências probatórias realizadas em sede de inquérito que representem, directa ou indirectamente, uma violação do segredo profissional, não poderão ser aproveitados nem servir em juízo.

Constituindo uma prova ilícita cuja valoração é, como se referiu, proibida.

As regras de proibição de prova constitucionalmente definidas ou concretizadas pelo legislador ordinário na legislação processual penal, servindo a tutela dos direitos fundamentais, dirigem-se em primeira mão às instâncias formais de controle, designadamente aos investigadores, ministério público e juiz de instrução.

Pelo que é com facilidade que se conclui que os depoimentos prestados pelos Advogados em sede de inquérito em manifesta violação do sigilo profissional – e sem que para tal se encontrassem devidamente autorizados pela respectiva ordem profissional – constituem uma prova ilícita e, consequentemente, uma prova nula.

Relembre-se que a valoração de provas ilícitas – como é o caso dos depoimentos dos Advogados prestados em sede de inquérito – implica a invalidade de toda e qualquer prova obtida na sequência da primeira (teoria do efeito à distância ou ‘fruit of the poisonous tree doctrine).

Donde se conclui que a instrução do requerimento de quebra de sigilo juntamente com uma prova proibida implicará a nulidade de toda e qualquer decisão e/ou prova produzida subsequente.

Pelo que, a admitir-se o presente incidente de quebra de sigilo – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona – requer-se a V. Ex.a se digne a indeferir a instrução do requerimento com a certidão dos depoimentos dos Advogados (conforme requerimento pelo Ministério Público) prestados em sede de inquérito por os mesmos constituírem uma prova proibida.

Subsidiariamente,

Por questões de economia processual e na sequência do referido quanto à nulidade dos autos de inquirição dos Advogados, requer-se a V. Ex.a se digne a proceder ao desentranhamento dos mesmos.

Termos em que o incidente de quebra de sigilo apresentado deve ser rejeitado por manifestamente extemporâneo e infundamentado.

Bem como desentranhados os depoimentos prestados pelos Advogados em sede de inquérito, por configurarem uma prova nula.


*

Foram juntos aos autos pelos mandatários objecto de pedido de quebra de sigilo extractos decisórios da delegação de Lisboa da OA. Ambos negam o pedido de dispensa de sigilo, sem junção de fundamentação.

Por acórdão lavrado na sessão da audiência de julgamento de 18-02-2019 o tribunal colectivo decidiu deferir o incidente suscitado pelo Ministério Público e ordenou a subida do presente apenso nos termos do artigo 135º, nº 3 do Código de Processo Penal.

O exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do deferimento da quebra do segredo profissional.


*

B – Fundamentação:

B.1 - É o seguinte o teor do acórdão do tribunal de Portalegre:

«Veio o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 135.º, n.ºs, 3 e 4 do Código de Processo Penal, suscitar incidente de quebra de sigilo profissional dos Srs. Advogados C… e B…, a remeter ao Tribunal da Relação de Évora para decisão, fundamentando tal pretensão na circunstância daquelas testemunhas não terem prestado declarações em audiência por terem invocado, respetivamente, sigilo profissional e depois de produzida a restante prova se afigurar que os seus depoimentos se revelam importantes, essenciais, fundamentais, mesmo imprescindíveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Diz, para tanto, o Ministério Público, que C… e B… possuem conhecimento privilegiado de parte da factualidade contida na acusação pública, designadamente no âmbito da implementação de parcerias público-privadas institucionais, mormente da PPP institucional para construção do complexo de piscinas de … e da sua prestação de serviços à arguida F…, e terão colaborado na elaboração de peças documentais juntas aos autos, sendo essencial que se pronunciem, em julgamento, sobre os factos do seu conhecimento, designadamente sobre a aplicabilidade às PPP institucionais do princípio da concorrência, forma de publicação e prazos de apresentação de propostas e procedimentos de concurso respetivos, no âmbito da prestação de serviços à F… no que concerne à PPP Institucional relacionada com o Município e Empresa Municipal de …, concretamente qual a sua participação no concurso para seleção da empresa construtora do complexo de piscinas e contactos com a CGD, enumerando, a título de exemplo a matéria da facto vertida nos artigos 10.º a 25.º, 30 a 39.º, 48.º, 50.º a 65.º e 73.º a 111.º da acusação, bem como a documentação elencada no requerimento em referência.
Acrescenta, que em consequência da gravidade dos crimes em apreciação e a evidente necessidade de proteção dos bens jurídicos postos em causa, justifica-se a cedência do interesse público de salvaguardar o sigilo profissional, que não é um interesse absoluto, face aos valores da ordem pública e social e os interesses da realização da justiça e superior interesse público da procura da verdade para uma decisão adequada e justa, que se mostram preponderantes em confronto com os interesses que subjazem à reserva profissional.
Aos arguidos foi conferido o exercício do direito do contraditório.
O arguido R… disse, em síntese, que a quebra do segredo profissional (para além de ser de competência do Tribunal Superior), exige especial justificação, ponderação e fundamentação, que no caso em apreço não se verifica, além de que, e atento o prazo decorrido desde a junção aos autos dos pareceres da Ordem do Advogados, estes constituem caso julgado formal, nos termos do disposto no art. 620º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do art. 4º, do Código de Processo Penal.
Termina, propugnando pelo indeferimento da pretensão do Ministério Público.
O arguido J… veio opor-se ao deferimento do incidente, invocando, em primeiro lugar, a extemporaneidade do requerido, dizendo, para tanto, que entendendo o Ministério Público que a inquirição de tais testemunhas em audiência de julgamento se revela muito importante, essencial, fundamental e mesmo imprescindível para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, deveria ter suscitado o incidente de quebra do sigilo até 10 dias após ter tido conhecimento do indeferimento do seu levantamento por parte da Ordem dos Advogados, sendo que não o tendo feito, deve considerar-se o ora requerido como extemporâneo.
Diz, ainda, que tendo a Ordem dos Advogados indeferido o pedido de levantamento de sigilo profissional aos senhores advogados, atento o seu carácter vinculativo, não deve ser deferido o requerido pelo Ministério Público.
No que tange à invocada imprescindibilidade do depoimento das sobreditas testemunhas diz, em síntese, que o Ministério Público não fundamenta devidamente o peticionado, tendo-se limitado a invocar alguns artigos da acusação, a título meramente exemplificativo, bem como documentos e mesmo as declarações que cada uma das referidas testemunhas prestou em sede de inquérito em violação do sigilo profissional.

*
Os arguidos F… e M…, no exercício do direito do contraditório dizem, em síntese, que o Ministério Público não requereu a quebra do sigilo profissional dos Srs. advogados por tal ser imprescindível para a descoberta da verdade, mas apenas porque tem interesse em que seja produzida tal prova, ao lado de outras que já existem nos autos, tendo interesse que as testemunhas sejam chamadas para falar sobre aspetos jurídicos, para dar resposta às dúvidas de regime que as parcerias público-privadas suscitam, o que é insuficiente para fundamentar um pedido de quebra de sigilo profissional, sendo certo que com referência aos artigos da acusação invocados no requerimento em referência, o processo está pejado de prova documental, a que acresce a prova testemunhal já produzida sobre tal factualidade.
Terminam, pedindo o indeferimento do pedido de quebra de sigilo profissional, atenta a evidente ausência de preenchimento dos pressupostos legalmente exigidos no artigo 135.º do Código de Processo Penal.
Para o caso de ser deferido o incidente, requerem que o mesmo seja instruído com os elementos cuja certidão foi requerida pelo Ministério Público, e também, com as respostas dos arguidos a tal requerimento e com todos os elementos de prova já produzidos em sede do presente julgamento.
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O arguido M…, por si, e enquanto representante das sociedades arguidas F…., e O…, propugnaram, também, pelo indeferimento do incidente suscitado pelo Ministério Público, dizendo, em síntese, que o incidente é extemporâneo e que não está devidamente fundamentado.
A propósito da extemporaneidade dizem que em face das decisões tomadas pela Ordem dos Advogados e comunicadas aos presentes autos em 12 de outubro e 12 de dezembro de 2018, não houve qualquer reação por parte do tribunal, dos arguidos - que haviam arrolado as referidas testemunhas -, nem por parte do Ministério Público, o que significa que todos se conformaram com o pedido de escusa apresentado pelos advogados e asseverado pela Ordem dos Advogados, legitimando a sua decisão de não prestarem depoimento, tendo-se formado caso julgado relativamente à decisão da Ordem.
A propósito da falta de fundamentação, dizem os arguidos que o Ministério Público não indica os factos suscetíveis de demonstrarem a absoluta necessidade ou imprescindibilidade do depoimento das testemunhas em causa, nem invoca que as testemunhas sejam as únicas pessoas com conhecimento sobre os factos, aparentando pretender que um e outro façam uma análise do regime jurídico das parcerias público privadas institucionais e da sua implementação, análise essa que deveria ter solicitado a um perito ou a um consultor técnico, caso sentisse essa necessidade, e não a uma testemunha.
Dizem, ainda, que o julgamento conta já com vinte e uma sessões, no âmbito das quais foram inquiridas mais de quarenta testemunhas, sendo que para além das que inicialmente foram inquiridas, o Tribunal requereu a inquirição de outras tantas, tendo sido produzida prova mais do que suficiente no âmbito do presente processo abrangendo a totalidade da acusação, nada tendo sido referido em concreto quanto aos factos que o Ministério Público vem agora considerar como imprescindíveis para a boa decisão da causa, sendo, aliás, de notar, que os factos agora considerados como imprescindíveis pelo Ministério Público, não foram (ou poucas foram as vezes) objeto de inquirição às testemunhas.
Para o caso de ser atendido o incidente dizem, ainda os arguidos, que o mesmo não pode ser instruído com cópia das declarações prestadas por cada uma das testemunhas em sede de inquérito, uma vez que trata-se de prova obtida em violação da obrigação de segredo profissional e como tal ilícita e nula, pelo que a instrução do requerimento de quebra de sigilo juntamente com uma prova proibida implicará a nulidade de toda e qualquer decisão e/ou prova produzida subsequentemente.
Subsidiariamente, por questões de economia processual e na sequência do referido quanto à nulidade dos autos de inquirição dos advogados, pedem aqueles arguidos que os mesmos sejam desentranhados.
*
Cumpre decidir.
O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos M…, pela indiciada prática, em coautoria material, de dois crimes de corrupção ativa de titular cargo político, p. e p. pelo art.º 18º, n.º 1, em articulação com os arts.º 1º, 2º e 3º, n.º 1, al.ª i), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); de dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10 do Código Penal, por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16º, n.º 1 e 18º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); F…, pela indiciada prática, em coautoria material, de dois crimes de corrupção ativa de titular cargo político, p. e p. pelo art.º 18º, n.º 1, em articulação com os arts.º 1º, 2º e 3º, n.º 1, al.ª i), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07), e de dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10 do Código Penal, por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16º, n.º 1 e 18º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); J…, pela indiciada prática, em coautoria material, de um crime de prevaricação de titular cargo político, p. e p. pelo art.º 11º, em articulação com os arts.º 1º, 2º e 3º, n.º 1, al.ª i), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07), e de um crime de corrupção passiva para ato ilícito de titular cargo político, p. e p. pelo art.º 16º, n.º 1, em articulação com os arts.º 1º, 2º e 3º, n.º 1, al.ª i), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07), de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10 do Código Penal, por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16º, n.º 1 e 18º, n.º1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); R…, pela indiciada prática, em coautoria material, de um crime de prevaricação de titular cargo político, p. e p. pelo art.º 11º, em articulação com os arts.º 1º, 2º e 3º, n.º 1, al.ª i), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07), de um crime de corrupção passiva para ato ilícito de titular cargo político, p. e p. pelo art.º 16º, n.º 1, em articulação com os arts.º 1º, 2º e 3º, n.º 1, al.ª i), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07), e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10 do Código Penal, por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16º, n.º 1 e 18º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); M…, pela indiciada prática, em concurso real e efetivo, de dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10, em articulação com o art.º 11º, ns.º 1, 2, al.ª a), 4, 9 e 10, todos do Código Penal (na redação então vigente e anterior à Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto), por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16, n.º 1 e 18º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); F…, pela indiciada prática de dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10, em articulação com o art.º 11º, ns.º 1, 2, al.ª a), 4, 9 e 10, todos do Código Penal (na redação então vigente e anterior à Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto), por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16, n.º 1 e 18º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); O…, pela indiciada prática em concurso real e efetivo, de dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10, em articulação com o art.º 11º, ns.º 1, 2, al.ª a), 4, 9 e 10, todos do Código Penal (na redação então vigente e anterior à Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto), por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16, n.º 1 e 18º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07); R…, pela indiciada prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368º - A, ns.º 1, 2 e 10, em articulação com o art.º 11º, ns.º 1, 2, al.ª a), 4, 9 e 10, todos do Código Penal (na redação então vigente e anterior à Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto), por referência aos crimes p. e p. pelos arts.º 16, n.º 1 e 18º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n.º 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n.º 30/2008, de 10.07).
C… e B…, advogados, foram indicados como testemunhas na acusação pública, e também arrolados como testemunhas pela defesa dos arguidos M…, e das sociedades arguidas F… e O…, que aquele representa.
Nas sessões de julgamento a que compareceram para prestarem declarações, informaram, uma e outra das testemunhas, que pretendiam depor, mas que, para tanto, necessitavam de solicitar à Ordem dos Advogados o levantamento do sigilo profissional, sendo que na sequência do pedido que respetivamente formularam junto daquela associação, foi-lhes comunicado que por força do sigilo profissional a que estavam vinculados, encontravam-se impedidos de depor em audiência na qualidade de testemunhas.
Em 12 de outubro de 2018 (cf. referência 1248821) e 12 de dezembro de 2018 (cf. referência 1294392), foram juntos aos autos extratos das decisões da Ordem dos Advogados, dando conta que tinham sido indeferidos os pedidos de levantamento do segredo profissional que haviam sido formulados por aquelas testemunhas.
Deste modo, e perante tais decisões, só o recurso ao procedimento previsto no art. 135º, do Código de Processo Penal pode determinar a convocação das testemunhas para prestarem declarações em audiência.
Dispõe o artigo 135.º do Código de Processo Penal:
1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 - Nos casos previstos nos n.os 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que esse organismo seja aplicável.
(…).
No p. p. dia 4 de fevereiro, no decorrer da audiência de julgamento e depois de produzida a prova indicada na acusação, nas contestações apresentadas pelos arguidos, e bem assim, da prova produzida ao abrigo do disposto no art. 340º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público veio suscitar o incidente previsto no dito normativo legal, requerendo o levantamento do sigilo profissional dos senhores advogados atrás identificados.
Opondo-se à pretensão do Ministério Público, dizem os arguidos R…, J… e M…, que o incidente é extemporâneo, por terem decorrido mais de dez dias desde a comunicação das decisões da Ordem dos Advogados, defendendo mesmo os arguidos R… e M… que as decisões da Ordem formaram caso julgado.
O art. 135º do Código de Processo Penal não contém qualquer norma sobre o prazo de dedução do incidente.
Nos termos do disposto no art. 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Como decorre do citado art. 135º, do Código de Processo Penal, um dos pressupostos a ter em consideração na ponderação da necessidade de determinar a quebra do segredo profissional é o da imprescindibilidade do depoimento da testemunha para a descoberta da verdade, pelo que, existindo mais prova que deva ser produzida em audiência de julgamento, e tendo em conta a excecionalidade do levantamento do segredo profissional, afigura-se-nos que o juízo sobre a necessidade de suscitar o incidente em causa pode ser relegado, precisamente, para o momento em que se mostra concluída a produção de prova indicada ou determinada em sede de julgamento, sendo que as decisões da Ordem dos Advogados não têm qualquer força de caso julgado no processo como decorre expressamente do disposto no art. 620º, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no art. 4º, do Código de Processo Penal.
Deste modo, dada a inexistência de prazo para dedução do incidente a que se reporta o art. 135º, do Código de Processo Penal, o disposto no art. 340º, nº 1, do mesmo Código, e bem assim, o juízo que deve ser feito sobre a imprescindibilidade do depoimento de testemunha vinculada a segredo profissional, entendemos que o incidente pode ser deduzido em qualquer fase de produção de prova, tendo como limite o início das alegações finais.
Em face do exposto, conclui-se pela tempestividade do incidente deduzido pelo Ministério Público.
Os arguidos opõem-se, ainda, à pretensão do Ministério Público com o fundamento de que o incidente não se mostra devidamente fundamentado, nomeadamente, no que diz respeito à invocada imprescindibilidade do depoimento de cada uma das testemunhas.
De acordo com o Ministério Público, e independentemente dos conhecimentos que cada uma das testemunhas possui sobre parcerias público privadas institucionais – que não assume, de facto, especial relevância nos autos -, uma e outra, por força da colaboração com a arguida F…, possuem conhecimento direto sobre os procedimentos que foram tomados e que culminaram na contratação da parceria público privada institucional referente à construção das piscinas de ….
Dos arguidos, só F… prestou declarações em audiência de julgamento, sendo que relativamente às questões ora apontadas pelo Ministério Público não prestou esclarecimentos relevantes, alegadamente por desconhecimento.
E as testemunhas arroladas (e já inquiridas), alegaram e/ou revelaram não ter conhecimento direto sobre as questões factuais assinaladas, não sendo, pois, de estranhar, que não tenham sido instadas a depor circunstanciadamente sobre a factualidade em questão.
A consulta dos elementos probatórios indicados pelo Ministério Público no requerimento em apreciação evidencia que cada uma das testemunhas terá conhecimento direto sobre factos que nenhuma das restantes testemunhas possui, e que tais conhecimentos são fundamentais e imprescindíveis ao cabal esclarecimento sobre a intervenção da arguida F… no procedimento de contratação da parceria público- privada institucional para a construção das piscinas de … e de que emergem os crimes imputados aos arguidos, pelo que os testemunhos dos Srs. Drs. C… e B… são imprescindíveis à descoberta da verdade material.
Acresce a gravidade dos ilícitos indiciados e imputados a cada um dos arguidos, a necessidade de proteção de bens jurídicos relevantes, de natureza pública, e a consequente necessidade de alcançar a verdade material, o que tudo ponderado, nos leva a concluir pela necessidade efetiva de obter a quebra do segredo profissional, já que o interesse na realização da justiça tem de ser acautelado, devendo sobrepor-se aos interesses referentes à reserva profissional e que justificam o sigilo profissional.
Não relevam aqui os argumentos do arguido M… no que diz respeito ao número de sessões de julgamento já realizadas – serão realizadas as que forem necessárias - nem ao número de testemunhas já inquiridas. A este propósito, assinala-se que o tribunal inquiriu as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, que não foram prescindidas em audiência, tendo convocado oito testemunhas ao abrigo do disposto no art. 340º, do Código de Processo Penal, três a pedido dos arguidos F… e M… (que depuseram, apenas, sobre a matéria de facto contida no art. 210º da acusação pública), as outras cinco, por decisão oficiosa do tribunal. Dessas cinco, três escusaram-se a prestar declarações nos termos do disposto no art. 134º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, a restantes (duas), pronunciaram-se, apenas, sobre factos que eram do seu conhecimento direto, designadamente, com a respetiva intervenção na comissão de análise das propostas apresentadas para seleção do parceiro privado para constituição de sociedade de capital maioritariamente privado, a quem caberia a obtenção do financiamento e a construção das piscinas.
Ou seja, nenhuma das testemunhas em questão se pronunciou ou revelou ter conhecimento sobre as situações fácticas relativamente às quais já se afirmou a imprescindibilidade dos depoimentos de cada um dos senhores advogados, arrolados como testemunhas na acusação pública.
Por último, e salvo o devido respeito por opinião contrária, é descabido nesta sede e neste momento, apreciar qualquer pedido de desentranhamento de prova produzida em sede de inquérito, designadamente de declarações prestadas por qualquer testemunha.
O tribunal só valora a prova validamente produzida em audiência e tal tarefa é realizada em sede de fundamentação da matéria de facto.
Os Srs. Drs. C… e B… prestaram declarações em inquérito, não tendo qualquer deles invocado segredo profissional aquando da respetiva inquirição, nomeadamente, quanto a factos que por ele fossem abrangidos, nos termos previstos no nº 1, do citado art. 135º, do Código de Processo Penal.
Assim, inexiste a nosso ver fundamento para que não se instrua o incidente com cópia de tais declarações para que no conjunto com os demais elementos probatórios se possa decidir sobre a quebra do segredo profissional, única questão que está em causa.
Pelo exposto, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 135º, nºs 1, e 3, do Código Processo Penal, acordam os juízes que constituem este tribunal coletivo em deferir o incidente suscitado pelo Ministério Público.
Instrua o incidente em separado com certidão deste despacho, da acusação, do requerimento do Ministério Público, das respostas de cada um dos arguidos, dos extratos das decisões da Ordem dos Advogados que se encontram nos autos, dos elementos probatórios elencados pelo Ministério Público no requerimento em apreciação, facultando-se, ainda, no processo a instruir, o acesso à gravação de toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, e, após, remeta ao Tribunal da Relação de Évora, para decisão. D.N.
Oportunamente – logo que se mostre decidido o incidente – designar-se-á data para continuação da audiência de julgamento.»
*

Cumpre conhecer

B.2 – Antes de abordar o objecto do processo impõe-se tornar claro que não se cumpriu o contraditório quanto aos dois ilustres causídicos cuja quebra de sigilo é pedida na medida em que os mesmos já procederam à junção das decisões da O.A. e, portanto, a sua Ordem profissional já tomou e tornou pública a sua posição sobre esse mesmo objecto.

Apesar dessa decisão ser, para nós, um mal entendido processual, os dois causídicos vêm-se pessoalmente numa posição de melindre e sem margem de manobra para livremente tornarem pública uma posição diversa que os não colocasse em rota de colisão com algum dever profissional de reserva pós decisória.

Nestas condições o cumprimento do contraditório seria mero formalismo que correria o risco de ser desconfortável e arriscado para os notificados. E, em nosso entender, o princípio da lealdade no processo implica um dever ético de não proceder a tal notificação.


*

As questões suscitadas organizam-se da seguinte forma: o Ministério Público entende estarem verificadas as condições que permitem a quebra de segredo profissional; os arguidos invocam razões várias que obstaculizam tal pretensão. Estas são, indicadas por arguidos:

A – R…

1 - a formação de caso julgado da decisão da Ordem dos Advogados;

2 - a inexistência de imprescindibilidade;

B – J…

1 - a extemporaneidade do requerido;

2 - a formação de caso julgado da decisão da Ordem dos Advogados;

3 - a existência do artigo 135º do C.P.P justifica-se para a existência de um recurso da decisão do tribunal recorrido;

4 - a inexistência de imprescindibilidade;

C – M…

1 - a extemporaneidade do requerido;

2 - a formação de caso julgado da decisão da Ordem dos Advogados;

3 - a falta de fundamentação do pedido;

4 - a legalidade do meio de prova e sua junção aos autos;

D – F… e M…

1 - a inexistência de imprescindibilidade.

E passamos a conhecer das questões colocadas em função da sua natureza estritamente processual ou de maior pendor substantivo e pela seguinte ordem, tendo presente que no último ponto se analisará a pretensão do MP:

- a função do artigo 135º do C.P.P.;

- a extemporaneidade do requerido;

- a formação de caso julgado da decisão da Ordem dos Advogados;

- a falta de fundamentação do pedido;

- a legalidade do meio de prova e sua junção aos autos;

- a existência de imprescindibilidade.


*

B.3.1 – A função do artigo 135º do C.P.P..

Este parece ser um incidente processual de significado claro mas tem apresentado ao longo da nossa vida judicial surpresas de monta que se vêm agravando à medida que o mundo judiciário se vê invadido no cerne dos processos por um certo espírito reivindicativo próprio da alma sindical ou corporativa e confunde papéis sociais das organizações declaradas de interesse público, aqui na necessária regulamentação de profissões que o Estado, saudavelmente, não quer regular directamente, como o é a Ordem dos Advogados (OA).

Num caso que nos ficou na memória – pelo burlesco - já fomos notificados por um vice-presidente de uma delegação da Ordem dos Advogados de uma sua decisão (ilícita, por sinal, por usurpar poderes judiciais) com a advertência de que este Tribunal da Relação tinha dez dias para recorrer dela para a bastonária da dita Ordem. Enfim, manifestações de algum voluntarismo entusiasta.

Centremo-nos, pois, no papel do artigo 135º do C.P.P..

Surgindo como excepção a um dever geral de prestar depoimento previsto no C.P.P. no artigo 131º, n. 1, in fine, o segredo profissional de advogado coloca-se a par de outros deveres de sigilo e impedimentos previstos nos artigos 133º a 139º daquele diploma.

O sistema de protecção do segredo profissional do advogado, tutelado pela ordem jurídica, assente que verificados os seus pressupostos, consagra a obrigatoriedade de prestação de depoimento como uma situação excepcional, definida casuísticamente em função dos interesses que, em cada caso, devam ser acautelados por se reconhecer preponderância valorativa ao resguardo dos conhecimentos obtidos no exercício da profissão, desde que o objecto do depoimento esteja relacionado com esse conhecimento.

Isto é, o não depoimento pode ser (pelo que se exporá infra, será) a regra geral, a obrigação de depor a excepção.

Mas porque algo parece sempre olvidar-se nesta matéria impõe-se um percurso explicativo prévio antes de abordarmos a questão central do incidente, de forma a tornar claros os três níveis – ao menos - em que se pode colocar a questão do depoimento de advogado quanto aos factos de que tomou conhecimento em virtude do exercício da profissão.


*

a) - Nesta sequência e num primeiro nível – e quando o fundamento é a tutela dos interesses dos clientes – deixa de haver sujeição ao dever de sigilo se é o próprio cliente do advogado a dispensá-lo da vinculação a tal dever.

Não por acaso no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) a primeira alínea de vinculação do artigo 92º (correspondente ao artigo 87º, nº 1, al. a) do anterior Estatuto, aprovado pela Lei nº 15/2005) prevê os interesses dos clientes nesse primeiro nível. Dispõe o artigo 92º, al. a) do novo EOA aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 09-09: «1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: (a) a factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste.»

Aqui não ocorre – por óbvia ausência de competência – intervenção do tribunal,.

A questão de tal cessação de vinculação operar imediatamente ou se ainda dependente de decisão da OA é irrelevante no caso sub examine, referindo-se por curiosidade que o STJ em acórdão de 09-12.2004 já entendeu que (IV) O direito ao sigilo do advogado está na plena disponibilidade da parte que dele pode beneficiar (proc. 04B2076, sendo relator o cons. Bettencourt de Faria) e que a doutrina expressa em obras e pareceres institucionais refere entendimento diferente por parte da OA.

Quer-nos parecer, no entanto, que fora do âmbito meramente disciplinar regem as normas de direito civil e penal sobre consentimento, o que tende a confirmar aquela asserção do Supremo.


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b) - Não sendo esse o caso (no pressuposto de que o caso anterior não implica intervenção da OA) e num segundo nível pode o advogado solicitar à sua Ordem a dispensa do segredo profissional.

Para tanto rege o nº 4 do artigo 92º do actual EOA que discorre: «O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento», sendo certo que, mesmo dispensado, pode manter o dito segredo (nº 6 do preceito).

Aqui também não há qualquer intervenção de um tribunal por incompetência dada a patente desnecessidade face à ausência de qualquer interesse público supra profissional a acautelar e a lei é clara na atribuição à OA de competência decisória exclusiva.

Estas duas situações são irrelevantes para os autos e apenas se referem para mostrar a gradação de respostas da ordem jurídica ao conflito que subjaz à necessidade de acautelar os equilíbrios de valores que estão presentes na necessidade de resguardar o sigilo ou, ao invés, de o dar como findo através da figura da dispensa de sigilo.

Mas, note-se, é nesta segunda hipótese que a OA tem, competência para decidir (se a tem na primeira e em que medida é, como dito, irrelevante para os autos).


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c) - Uma terceira circunstância factual e normativa faz surgir algo de profundamente diverso, o incidente processual de quebra do segredo profissional, regulado no art. 135º do C. P. P., o qual visa equilibrar os valores subjacentes ao segredo em contraposição com os valores acautelados pelos direitos constitucional, penal e processual penal, ou seja, com valores de ordem pública e social que extravasam a competência para decidir em matéria essencialmente corporativa e profissional.

Aqui a escusa a depor do obrigado ao sigilo é legítima mas a ordem jurídica manda apreciar/valorar esse dever de sigilo com outros valores que se podem, no caso, sobrepor àquele, matéria da exclusiva competência dos tribunais.

De que falamos em concreto? De uma ponderação de valores entre os interesses que sustentam a existência de sigilo (maioritariamente profissionais e/ou particulares) e valores que se concretizam na imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos, bens essencialmente públicos e de grande relevo social e político.

E isso obtém-se usando como ferramenta o princípio da prevalência do interesse preponderante (a habitual ponderação de valores), como decorre do nº 3 do dito artigo 135º do C.P.P.. E essa ferramenta irá determinar qual dos valores, qual dos interesses em conflito, prevalecerá no caso que estiver em apreciação concreta. Essa, para o caso concreto, é a questão a analisar a final e em função dos dados existentes nos autos.

Fique-se, no entanto, com a ideia de que não compete à Ordem dos Advogados emitir este juízo valorativo de quebra do segredo. Se assim fosse o artigo 135º do C.P.P. estaria no Estatuto da Ordem dos Advogados e esta substituiria os tribunais nos artigos 202º e ss. da Constituição da República Portuguesa.

Por isso que as decisões da OA que os recorrentes invocam e cujos extractos decisórios foram juntos aos autos sejam uma inexistência jurídica para estes autos. Cá ficam apenas para demonstração de que era inútil pedir novos pareceres já que, também, são inúteis os pareceres cujos fundamentos se não querem tornar públicos (mesmo que, naturalmente, sem revelação de factos atinentes ao segredo).


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B.3.2 – Depois impõe-se reconhecer que a escusa a depor por parte dos dois ilustres causídicos era legítima. E só assim se justifica este incidente, pois que o n.º 3 do artigo 135º do C.P.P. só actua nas hipóteses em que o tribunal de primeira instância reconheça a legitimidade da escusa a depor. É esse o seu papel e a sua competência, determinar se é legítima a escusa a depor e agir em conformidade: determinar a prestação de depoimento se a entender ilegítima; autuar o pedido como incidente e enviá-lo a este Tribunal da Relação para decisão valorativa se a entender legítima.

Caso, no entender do tribunal de Portalegre, a escusa fosse ilegítima operaria o n.º 2 do preceito e impunha-se ordenar a prestação do depoimento, não havendo então incidente a decidir por esta Relação, sem prejuízo da existência de eventual recurso dessa decisão, também em sede – eventual – de ilicitude de meio de prova ou de imputação da prática de crime.

Por isso que o incidente está sub-dividido em dois: primeiro a análise da licitude da escusa a depor; depois, sendo legítima a escusa (o reconhecimento da existência de um dever profissional de sigilo), o envio dos autos a esta Relação, a processar como Quebra de Sigilo, incidente que aqui é julgado em primeira instância e apenas para ponderar os valores em presença.

Isto é, neste incidente a Relação não conhece em sede de recurso.

Respondida está, portanto, a questão 3 colocada pelo recorrente João Burrica, a invocação de que o artigo 135º se reserva para os casos de recurso para a Relação.


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B.4 – A extemporaneidade do requerido.

Não por acaso nenhum dos recorrentes que aborda este tema da extemporaneidade do requerido pelo Ministério Público – J… e M… – indica a ou as normas de onde se possa inferir a existência de um prazo para deduzir o incidente nas circunstâncias dos autos, em audiência de julgamento.

Isto apesar de o primeiro dos indicados recorrentes ter indicado o prazo de 10 dias desde o momento do conhecimento do indeferimento do seu levantamento. Ora, como ainda não houve indeferimento do seu levantamento – o que só pode ocorrer com esta decisão – presume-se (com o apoio do fundamentado para tal conclusão nos pontos 4º a 6º da resposta do primeiro recorrente indicado) que o recorrente se está a referir à decisão emitida pela Ordem dos Advogados nos dois casos e está a tentar fazer aplicação a este incidente do normativo constante do nº 4 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, regulado pelo artigo 7º do Regulamento n.º 94/2006, de 12 de Junho (Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional da AO, 2ª Série, de 25 de Maio de 2006), recurso da Delegação para o Bastonário da Ordem dos Advogados.

Ora, tais normativos têm aplicação na Ordem dos Advogados e nos respectivos incidentes de Dispensa de Segredo Profissional nos casos referidos na al. b) do ponto B.3.1, não aqui!

Aqui estamos em sede de audiência de julgamento e ao Ministério Público era lícito suscitar o incidente enquanto pudesse requerer e/ou produzir os indicados depoimentos.

Naufraga este motivo de inconformidade.


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B.5 – A formação de caso julgado da decisão da Ordem dos Advogados.

Como se disse supra – ponto B.3 - a dispensa ou levantamento do segredo profissional é uma competência exclusiva da Ordem dos Advogados nos termos estatuídos pelo artigo 92º do seu Estatuto.

Mas coisa radicalmente diversa é o incidente de quebra do segredo profissional, a seguir o processamento incidental do artigo 135º do Código de Processo Penal (o nº 3 do preceito: … pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional …).

Ali pondera-se a necessidade de resguardo do segredo profissional tendo em vista a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes», matéria que está no âmbito de competência da Ordem dos Advogados. Trata-se de uma questão contratual, corporativa ou de ofício.

Aqui, ao invés, ponderam-se outros valores societários que assumem relevo supra mesteiral - muito para além da natureza quase estritamente corporativa dos citados interesses de ofício ou a eles ligados. São esses valores a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. Brigam eles com a definição da política criminal do Estado e com a defesa social.

Este incidente próprio para fazer operar um juízo valorativo supra profissional é da exclusiva competência dos Tribunais que forem material e territorialmente competentes. Ou seja, a ponderação dos valores a fazer no âmbito do artigo 135º - quebra do segredo – está muito para além das competências da Ordem dos Advogados. Ainda não é a OA a equilibrar tais valores!

No entanto são várias na doutrina as tentativas de neutralizar o artigo 135º do C.P.P. que, ao que parece, incomoda.

A argumentação usada para defender que a O.A. tem competência exclusiva para decidir nestes casos ou que o seu parecer é vinculativo é elucidativa do desrespeito pelo papel dos tribunais. A aplicação do artigo 163º, nº 2 do C.P.P ao parecer da O.A. e a consideração do E.O.A como norma especial que revoga o C.P.P. são já manifestações malsãs de desagregação do Estado de Direito.

É necessário nunca olvidar que a Ordem dos Advogados é uma associação pública representativa dos profissionais que, …, exercem a advocacia – artigo 1º, nº 1 do referido Estatuto – em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. Não é um tribunal.

E sobre este ponto, de tão óbvio, nada mais se diz, por haver risco de se dizer demais.

Sempre se acrescentará, no entanto, que a postura dos indicados causídicos em julgamento no momento em que foram chamados a depor se bastava pela afirmação da existência de um segredo profissional, com a sequente afirmação da escusa a depor, incumbindo ao tribunal de Portalegre apurar logo da existência desse segredo e da legitimidade da escusa, remetendo os autos a este tribunal em caso de constatação da legitimidade da escusa a depor.

Pedir, nesse momento, a autorização da Ordem dos Advogados para a dispensa de sigilo foi uma forma de atribuir à Ordem dos Advogados um poder judicial para regular a produção de prova em audiência, que naturalmente não tem. Trata-se, em termos estritamente técnicos, de usurpação de poderes.

Por isso as decisões da OA constantes dos autos quanto à possibilidade de os indicados causídicos prestarem depoimento valem nada, para além de serem o seu posicionamento antecipado enquanto pareceres emitidos face à possibilidade de ser ouvida para os efeitos do disposto no artigo 135º do Código de Processo Penal.

Sabemos que a Ordem é contra a prestação dos depoimentos - e com efeitos para estes autos - na medida em que o pedido feito pelos advogados o foi no âmbito do processo principal, um processo de natureza criminal. Irão, portanto, servir de conclusão final do posicionamento da dita Ordem para o caso concreto, dispensando-nos de a notificar para emitir parecer que já se sabe qual é. Negativo! Mas não se sabe porquê dada a confidencialidade atribuída a toda a fundamentação, mesmo a que necessariamente tem que basear o parecer sem revelação do segredo.

Se a Ordem emitiu “decisão” em matéria de produção de prova em audiência de julgamento, para mais com fundamentação secreta, tem ora o ónus de ver dispensada a análise dos fundamentos de um possível parecer neste apenso, que este tribunal conjectura fortemente que viria de novo sem fundamentação por se poder presumir que o que era sigiloso no processo criminal principal continua a ser no apenso.

E aqui o que releva é a fundamentação, não uma jurídicamente inexistente decisão. De outra banda, a consideração de reserva total nos fundamentos da decisão retira-lhe o relevante papel de convencimento argumentativo.

Questão diversa diz respeito à força vinculativa desse parecer.

Argumentação vária pode ser brandida para a defesa da tese da vinculação resultante de um parecer emitido mas a natureza de defesa corporativa entusiasta e excessiva retiram-lhe credibilidade, não na defesa da excepcionalidade da autorização, sim na pretensão de erigir a OA a órgão judicial na matéria através de um expediente processual racionalmente criticável, a equiparação do Parecer a uma perícia para usufruir de um regime de excepção supostamente consagrado no artigo 163º, nº 2 do C.P.P.. Aliás, neste mesmo sentido F. Sousa Magalhães (in EOA Anotado, Almeina, 2010, pags. 139-140, anotações 19, 20 e 23), restringindo a pretensão à definição da existência de segredo profissional e legitimidade de escusa, que nos parece ser o entendimento correcto.

Aliás, a consequência da defesa daquela tese acaba por sustentar, de forma não explícita, a revogação do artigo 135º do C.P.P. no que à advocacia diz respeito. Sem pensar nos efeitos nefastos, em tese, em áreas como a criminalidade organizada ou que ponha em causa a integridade do Estado. É este tipo de tese e prática subsequente que acaba por justificar o nascimento de normas jurídicas quase abusivas como a defunta Lei nº 25/2008.

Pensamos não ser já necessário fundamentar de forma explícita a inexistência de caso julgado. Isso seria a consagração da OA como órgão judicial.

Soçobra, pois, este ponto de desagrado dos recorrentes.


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B.6 – A legalidade do meio de prova e sua junção aos autos.

Que há certos meios de prova que são ilícitos ou assim se tornam é uma evidência que se pode concretizar nestes autos. Aqui a análise surge facilitada porque o nº 5 do artigo 92º do EOA é claro na afirmação de que os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

Mas, como bem salienta o Exmº PGA, suscita-se a interessante questão de saber se os depoimentos dos ilustres causídicos são, em absoluto, proibidos por terem sido prestados sem prévio abordar da eventual escusa a depor ou se isso ficará dependente da decisão a tomar nestes autos sobre a quebra do segredo profissional. Questão conexa diz respeito à possibilidade de apenas os usar para aferir da imprescindibilidade dos depoimentos.

Balizando a apreciação diríamos que a existência ou não de escusa de depoimento cede perante o teor do dito. Isto no sentido de afirmar que, não obstante a inexistência do pedido de escusa, o tribunal dará relevo à circunstância de o depoimento ter existido e centrar a questão na eventualidade da existência de vinculação ao segredo.

Em suma, deverá o tribunal atender ao que foi dito para a apreciação deste incidente? Esta é matéria que não se pode reservar para final na medida em que supõe uma clara resolução sobre a possibilidade de atender aos depoimentos para fundar a decisão neste apenso.

Porque, é necessário não olvidar, esta Relação está a conhecer deste incidente e apenas dele, não se podendo pronunciar quanto à legalidade do depoimento já prestado nos autos em inquérito no processo principal nem, consequentemente, sobre o seu destino. Em breve, não pode esta Relação ordenar o desentranhamento desses depoimentos no processo principal por inexistência, nele, de um recurso.

Retomando o ponto inicial, se os actos não podem fazer prova em juízo, não podem, igualmente, fazer prova quanto ao destino deste apenso. Logo, o destino deste apenso, a sua decisão, não está dependente daqueles depoimentos já prestados. Não valem como prova, nem o tribunal os examinará para apurar da existência de segredo, matéria que já foi apreciada pelo tribunal de Portalegre.

Isto é, entendemos que tais depoimentos, são em absoluto, proibidos apesar de terem sido prestados sem prévio abordar da eventual escusa. Em consequência e em função destes dois vectores – os depoimentos são prova proibida e esta decisão não pode atender ao seu teor – a procedência total ou parcial deste incidente não pode ter como efeito o repristinar do seu conteúdo, não fica dependente da decisão a tomar nestes autos sobre a quebra do segredo profissional.


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B.7 – A falta de fundamentação do pedido.

Argui o recorrente M… com a inexistência de fundamentação do pedido por o Ministério Público, essencialmente, não indicar os factos susceptíveis de demonstrarem a absoluta necessidade ou imprescindibilidade do … depoimento dos Advogados.

Outras razões são indicadas mas por ora estas nos bastam para concluir que esta matéria ganha importância não pela falta de invocação de factos em si, mas sim pela consideração da existência dos pressupostos do deferimento, o que tudo nos conduz para o ponto seguinte, sob pena de nos vermos obrigados a repetir argumentos, o que parcialmente já ocorreu supra.


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B.8 – A inexistência de imprescindibilidade.

Na essência vem alegado que este incidente deve ser declarado improcedente por inexistir – ou não ser invocada - imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade.

Naturalmente que outros interesses devem aqui ser atendidos para além dos que apresentam um cariz de defesa da profissão. Não de defesa da profissão em si mas daquilo que ela representa para a sociedade política.

Recordamos que o exercício da profissão de advogado tem a relevância que lhe é dada pela Constituição da República Portuguesa no artigo 208.º (Patrocínio forense), onde os advogados são resguardados com as imunidades necessárias ao exercício do mandato determinando que a lei regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.

Assim como pelo artigo 12.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) na medida em que o patrocínio forense por advogado é reconhecido como um elemento essencial na administração da justiça e, no exercício do mesmo, “os advogados devem agir com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão”.

Sem olvidar que o exercício do mandato com o privilégio do sigilo é contrapartida do princípio da confiança do cliente e que, ambos, assumem uma relevância pública indesmentivel numa sociedade democrática, num Estado de Direito.

Também o afirma o Código Deontológico do Advogado Europeu no seu artigo 2.3-1 ao asseverar que “Sem a garantia de confidencialidade não pode haver confiança. O segredo profissional é, pois, reconhecido como direito e dever fundamental e primordial do advogado” (publicado no D.R. 2ª série, nº 249, de 27-12-2007, pag. 37720 e ss.).

Daí que só excepcionalmente o sigilo deva ser quebrado. E o legislador indica os parâmetros gerais que constituem os limites do sigilo. Isto impõe, portanto, uma ponderação casuística que estabeleça um equilíbrio entre o sigilo e estes valores indicados pela norma.

De que falamos em concreto? De uma ponderação de valores entre os interesses que sustentam a existência de sigilo e valores outros de relevo através da habitual ponderação de valores.

De notar que se entende não deverem ser aqui contrapostos os critérios indicados pela leitura conjunta do nº 4 do artigo 92º da Lei 145/2015 (que aprova o actual EOA) com o disposto no artigo 4º, nº 2 e 3 do Regulamento nº 94/2006 da OA que regulamenta a dispensa de segredo profissional (D.R.-II SÉRIE, nº 113, de 12 de Junho de 2006, pag. 8588). Naquele a expressão absolutamente necessário veio a ser complementada com as expressões inequívocamente necessária e essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade.

Nesta leitura conjunta a afirmação do nº 1 do artigo 4º daquele Regulamento ao dispor que A dispensa do segredo profissional tem carácter de excepcionalidade tem, consoante as perspectivas, uma natureza excessivamente pessimista ou optimista.

Mas tal rigor e raridade (mais que excepcionalidade) será justificável no confronto a fazer entre o dever de sigilo e os interesses particulares contidos nas alíneas do nº 1 do artigo 92º dos Estatutos e que referimos supra em B.3.1.b). Mas cessa aí o seu papel. Aliás a norma do Regulamento rege os poderes da OA como se afirmou supra, nesta área de actuação. Trata-se sempre de casos em que o advogado solicita à sua Ordem a dispensa do segredo profissional e esta, nos poderes directamente concedidos por Lei, os aprecia em confronto com a natureza do processo a que interessa, naturalmente, e sempre de origem ou relevo profissional e, neste, institucional, a saber:

a) factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente;

b) factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c) factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

Ora, nestes autos do que se trata, bem ao invés, é de contrabalançar a importância de preservar estas fontes do dever de sigilo com uma realidade que está muito além da competência da Ordem dos advogados – na perspectiva de poderes decisórios e de apreciação de uma realidade social – que a Constituição da República Portuguesa reserva aos tribunais no seu artigo nº 202º, nº 2, ao determinar que “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.

E os interesses a carrear para esse juízo valorativo são os de manutenção da própria sociedade e do Estado de Direito e na medida em que estas realidades sociais, jurídicas e políticas podem ser postas em causa pelo acto ilícito praticado.

Nestes casos, sem negar o interesse público do sigilo e a sua relevância na defesa da sociedade, maior preponderância poderá ter o valor de defesa social supra profissional, o acautelar dos valores tutelados pela ordem normativa penal, aqui com peso acrescido se o depoimento for charneira para se entender o ilícito, sendo certo que naqueles três casos - imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos - o privilégio reconhecido à profissão não pode correr o risco de ser entendido como protecção da actividade ilícita a todo o custo sem uma ponderação de outros valores que se devam impor.

Produzindo tal apreciação relembramos que são três os parâmetros valorativos a ter em conta e não apenas um, a imprescindibilidade. A expressão usada no nº 3 do artigo 135º do C.P.P. é clara: a quebra será decretada nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. O que induz necessariamente que são estes três os parâmetros valorativos que, todos, devem ser apreciados.

Quanto à gravidade do crime e à necessidade de protecção de bens jurídicos é claro que a acervo de crimes elencados faz desde logo ressaltar a sua gravidade. Assim:

O arguido J…:
§ um crime de prevaricação de titular cargo político, p. e p. pelo art.° 11°, em articulação com os arts. 1º, 2° e 3°, n. 1, a1. i), todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008, de 10.07);
§ um crime de corrupção passiva para ato ilícito de titular cargo político, p. e p. pelo art. 16°, n. 1, em articulação com os arts. 1°,2° e 3°, n. 1, al. i), todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redaçào introduzida pela Lei n. 108/2001, em confronto com a Lei n. 30/2008, de 10.07);
§ um crime de branqueamento de capitais, p: e p. pelo art. 368° - A, ns. 1, 2 e 10 do Código Penal, por referência aos crimes p: e p. pelos arts. 16°, n. 1 e 18°, n. 1 todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (com a Lei n. 30/2008, de 10.07);
O arguido R…:
§ um crime de prevaricação de titular cargo político, p. e p. pelo art.° 11°, em articulação com os arts. 1º, 2° e 3°, n. 1, al. i), todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 31/2008;
§ um crime de corrupção passiva para ato ilícito de titular cargo político, p. e p. pelo art. 16º, n. 1, em articulação com os arts. 1º, 20 e 30, n. 1, al. i), todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei 30/2008;
§ um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.° 3680 - A, ns. ° 1, 2 do Código Penal, por referência aos crimes p. e p. pelos arts. 160, n. 1 e 180, n. 1, todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008;
O arguido F…:
§ dois crimes de corrupção ativa de titular cargo político, p. e p. pelo art.° 18º, n. 1, em articulação com os arts. 1º, 2° e 3º, n. 1, al. i), todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008, de 10.07);
§ dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368° - A, n. 1, 2 e 10 do Código Penal, por referência aos crimes p. e p. pelos arrs. 16°, n. 1 e 18°, n. 1, todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008;
O arguido M…:
§ dois crimes de corrupção ativa de titular cargo político, p. e p. pelo art.° 18°, n. 1, em articulação com os arts. 1°, 2° e 3°, n. 1, al. i), todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008);
§ dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.° 368° - A, ns.? 1, 2 e 10 do Código Penal, por referência aos crimes p. e P: pelos arts. 16°, n. 1 e 18°, n. 1, todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008, de 10.07);
A arguida M… - dois crimes de branqueamento de capitais, p. c p. pelo art. 368° - A, ns. 1,2 e 10, por referência aos crimes p. e p. pelos arts. 16, n. 1 e 18°, n. 1, todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redaçâo introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008, de 10.(7).
A arguida F… - dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368° - A, ns. 1, 2 e 10, por referência aos crimes p. e p. pelos arts. 16°, n. 1 e 18°, n. 1, todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008, de 10.07).
A arguida O… - dois crimes de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368° - A, ns. 1, 2 e 10, por referência aos crimes p. e p. pelos arts. 16°,11.° 1 e 18°,11.° 1, todos da Lei n. 34/87, de 16 de Julho (na redacâo introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008.
A arguida R...a - um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368° - A, ns. 1, 2 e 10, por referência aos crimes p. e p. pelos arts. 16°,11.° 1 e 18°,11.° 1, todos da Lei 11.° 34/87, de 16 de Julho (na redação introduzida pela Lei n. 108/2001, de 28.11, em confronto com a Lei n. 30/2008.

Sendo que a gravidade do crime é sempre aferida pela sua moldura penal abstracta, a simples leitura do nº 2 do artigo 368º-A do Código Penal demonstra essa gravidade.

A necessidade de protecção de bens jurídicos demonstra-se pela qualidade dos crimes praticados. A prevaricação de titular de cargo político e a corrupção passiva de titular de cargo político demonstram, por si sós, a premência de resguardo da sociedade que deve confiar nos seus eleitos para uma boa e saudável representação. A sã representação é essencial pressuposto de uma sã democracia. A representação conspurcada é a derrota da política e a morte da polis, do Estado de Direito.

E, com estes considerandos ficam demonstrados, cremos, a gravidade do crime e a premente necessidade de protecção de bens jurídicos.

Resta saber se existe o primeiro pressuposto, a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade.

Para bem analisar este requisito temos que fazer o percurso de análise da prova indicada pela acusação e das razões que o Digno magistrado requerente adiantou como “causa de pedir” no incidente.

A análisa da prova indicada pela acusação é simples, basta reproduzi-la, o que se faz:

«Da Prova (comum à acusação e perda de vantagens do facto ilícito):
A) Documental: todos os documentos juntos aos autos nomeadamente a 11s. 21 a 29, 99 a 146, 158 a 201, 272 a 274, 306, 319 a 321, 478 a 484 (autos de apreensão), 619 a 624, 655 a 736, 769 a 721, 808 a 8l1, 829, 862, 863, 872, 873, 899 a 907, 1002, 1003, 1032 a 1072, 1081 a 1109,1134 a 1192 a 120~, 1204 a 1228, 1252 a 1256, 1285 a 1289, 1310 a 1310 a 1318, 1557 a 1560,1576,1622,1623,1641 a 1684, 1721 a 1804, 1844, 1845,1911 a 1926, 1977 verso a 1989, 2030 a 2045, 2127 a 2145, 2170, 2171, 2476, 2477 a 2503, 2507 a 2549, 2554 a 2566.
e bem assim:
- Apenso 1 - Volumes 1 e 2: documentação remetida pela CMCM - Termo de Apensação a 11s. 79 e 278.
- Apenso 1 - Volumes 3 e 4: documentação relativa as Atas de CMXXI e Campiscinas SA - Termo de Apensação a fls. 81 e 278.
- Apenso 2: documentação remetida pela CMCM - Termo de Apensação 11s. 278.
- Apenso 2 - 2° Volume (FIs. 1113).
- Apenso 3: documentação remetida pela CMXXI - Termo de Apensação a fls. 253 e 278.
- Apenso 4: certidão de despacho de arquivamento de 364/10.8TAELV - Termo de Apensaçâo a fls. 63 a 65 e 278.
- Apenso 5: certidão extraída de Inquérito 2579/10.0TACBR - Termo de Apcnsação a fls. 278.
- Apenso 6: relatório de Auditoria Tribunal de Contas relativo ao Inquérito 2142/11.8TDLSB - Termo de Apensação fls. 278.
- Apenso 7 (4 Volumes): certidão de Inquérito 2579/10.0TACBR - Termo de ­Apensação a fls. 459,460.
- Apenso 8: CD do Volume 34 do Apenso 11 do NUIPC 2142/11.8TDLSB Termo de Apensação a fls, 609.
- Apenso 9 (5 Volumes:) buscas CGD - Termo de Apensação a fls. 772 e 1282.
- Apenso 10 (4 Volumes): buscas a JVC…. Termo de Apensação a fls, 812 e 1281.
- Apenso 11: buscas M… (contém DvTIR) - Termo de Apensação a f1s.840.
- Apenso 12: buscas I… - Termo de Apensação a fls. 864.
- Apenso 13 ~2 Volumes): buscas M…, Termo de Apensação a fls, 874.
- Apenso 14 (2 Volumes): buscas. M… - Termo de Apensação a fls. 1017.
- Apenso 15: correio eletronico - Termo de Apensação a fls. 1451.
- Apenso Tramitação Polis …, - Termo de Apensaçào a fls. 610. Anexo 1- fls. 853; Anexo 2 - fls. 874.
- Apenso NUIPC 364/10.8TAELV - 1 Volume; Apenso 1, l-A, l-R (contém disco rígido) e lC - Termo de Apensaçâo a fls. 761 e 1282.
- Apenso Livro de Obras - Termo de Apensaçâo a fls. 1148, 1165.
- Apenso Disco Rígido Toshiba s/n Z4EATRHPT3FB - Termo de Apensaçâo a fls. 1150.
- Apenso Informação n. 35/NAT /2015 - termo de Apensação a fls. 1244.
- Apenso Informação n. 3/NAT/2017 - termo de apensação a fls. 1842.
- Apenso informação n. 29/NAT /2017 - termo de apensação a fls. 2466.
- Anexos bancários: fls. 257, 259, 583, 981, 1294; Anexos 1, 2 (2 volumes), 3 (4 volumes) e 4 (fls. 285 a 296 e 298 - Anexo Elementos Bancários Campiscinas SA e CMX.L'CI); Anexo V -Fls. 1509; Anexo informação bancária Projetos em Cad…. - fls. 1713.
- Anexos Informação Bancária e Fiscal: Anexo J…, Anexo R…, Anexo A… e Anexo L… - 11s. 1148; Anexo Informação Bancária e Fiscal R…. - 11s. 1518; Anexo Informação Bancária e Fiscal O… e F… - fls. 1541, 1704; Anexo Informação Bancária e Fiscal P…, - fls. 1712.
- Apenso de tramitação: Polis ….
- Apenso Draft de relatórios de gestão e demonstrações financeiras da sociedade F… - 2007/2008.
- Apenso contendo DVD 1, com a denominaçào Correio elerrónico aberto (saco prova /PJ com selo n. 29(38).
B) Testemunhal:
1. Ri… - id. a fls, 2473.
2. Jo… - id. s fls. 1114.
3. Is… - id. a fls. 1625.
4. Ca… - id. a fls. 1456.
5. Lu… (arr. 133°, nº 1, al: a) do Código de Processo Penal «a contrario sensu»).
6. Na… (art.° 133°, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal «a contrario sensu»).
7. Est… - id. a fls. 1462.
8. Ru… - id. a fls. 1119.
9. C… - id. a fls. 1964.
10. B… - id. a fls. 2009.
11. Jo… - id. a fls. 1881.
12. Ri… - id. a fls. 1126.
13. Joa… – id. a fls. 1972.
14. Car… - id. a fls. 2017.
15. RuM… - id. ° a f1s. 1077.
16. Nu… - id. a fls. 1026.
17. Lui… - id. a fls. 1522.
18. Fra… - id. a fls. 1473.
19. Vít… - id. a fls. 1478.
20. Mar… - id. a fls. 1874.
- Ao abrigo do disposto no art. 283°, n. 7, do Código de Processo Penal requer-se ainda a inquirição das seguintes três testemunhas: (…)»

À primeira vista e, naturalmente sem dispor de uma visão substantiva da prova existente e da necessária para a procedência da acusação, não parece exagero afirmar-se que prova é coisa que não falta ao Ministério Público.

Mas se a análise dos outros dois requisitos se basta com uma apreciação a partir dos concretos factos mas que assume uma maior dose de abstracção e de análise de matéria de direito, aqui a análise a fazer, a iniciar-se no que é pedido pelo magistrado requerente, deve ter uma maior dose de concretude, essencialmente referida aos factos, à prova e à envolvente que caracterize a necessidade do depoimento.

Acresce que o conceito de imprescindibilidade não pode assumir o significado de que o depoimento a prestar seja o “único” ou “exclusivo” elemento de prova existente no sentido de não haver outros a prestar ou já prestados. Mas, convenhamos, também se não aceita a jurisprudência que aceita a quebra de sigilo quando ouve falar em crime. Estas são posições extremadas que se justificam mutuamente e, ao que parece, convivem bem no seu desentendimento.

Imprescindível quer apenas significar que existe algo de que se não pode prescindir (Morais dixit, Livros Horizonte/Confluência, vol. III), que é indispensável, insubstituível, necessário.

Mas, e aí os requerentes têm razão, não vale aceitar um depoimento para discutir matéria de direito, por muito complexa que seja, ou uma indicação, um arrolamento das testemunhas, por matérias genéricas sem alavancagem na matéria de facto ou prova a esclarecer de forma concreta e especificada.

Naturalmente que a análise a efectuar por este tribunal não pode assentar numa pesquisa da prova a produzir em confronto com toda a prova já produzida ou constante dos autos em documentos ou perícias, que esse seria um julgamento da causa.

A análise da imprescindibilidade da prova só pode ser feita, tendo em mente a acusação deduzida, o pedido formulado e os fundamentos factuais aduzidos pelo Digno magistrado do Ministério Público requerente e esses são:

Na verdade, conforme decorre do teor da acusação, C… e B… possuem conhecimento privilegiado de parte da factualidade aí descrita (designadamente no âmbito da implementação de PPPs institucionais, mormente da PPP Institucional para construção do Complexo de … e da sua prestação de serviços à F…) bem como colaboraram na elaboração de peças documentais juntas aos autos, sendo essencial que se pronunciem, em julgamento, sobre os factos do seu conhecimento, designadamente sobre a aplicabilidade às PPPs institucionais do princípio da concorrência, forma de publicação e prazos de apresentação de propostas e procedimentos de concurso respectivos, âmbito da prestação de serviços à F… no que concerne à PPP Institucional relacionada com o Município e Empresa Municipal de …, concretamente qual a sua participação no concurso para selecção da empresa construtora do Complexo de P… e contactos com a CGD (ver a título de exemplo, os artigos 10.º a 25.º, 30 a 39.º, 48.º, 50.º a 65.º e 73.º a 111.º da acusação).
Surge, também, como fundamental, o confronto destas testemunhas com determinados documentos, nomeadamente daqueles que constam a fls. 290 e ss. do Apenso XIV, 2.º vol., a fls. 45, 50 e ss. do Apenso I, vol. 1.º, a fls. 100 a 103 do Apenso XV, a fls. a 2 a 26 do Apenso I, vol. 3.º, a fls. 543 e ss. do Apenso I, 2.º vol., a fls. 136 e 137 do Apenso VII, vol. 2.º e a fls. 279 a 282 do Anexo Informação Bancária e Fiscal O… e F….

Ora, o primeiro parágrafo acabado de citar assume uma natureza de generalidade que se não pode aceitar quer em sede de factos, quer em sede de fundamentos para justificar um depoimento que é prestado com carácter de excepcionalidade.

Mas, assente que os ilustres causídicos “possuem conhecimento privilegiado de parte da factualidade aí descrita”, como se invoca no requerimento, o segundo parágrafo citado já surge de forma mais delimitada e com uma pretensão probatória aceitável no âmbito do indicado significado de não prescindibilidade.

Desta forma entendemos que deve ser acautelado o interesse de realização da justiça e secundarizados os interesses que subjazem à reserva profisional, mas com a limitação de que os depoimentos só podem incidir sobre a prova concretamente indicada e por, nessa área, os depoimentos se revelarem imprescindíveis considerando o conhecimento dos ilustres causídicos e a complexidade das questões abordadas.

Em função do que se expôs, somos a decidir em declarar parcialmente procedente o presente incidente, deferindo a quebra do segredo profissional mas apenas para que os depoimentos recaiam sobre os documentos que constam a fls. 290 e ss. do Apenso XIV, 2.º vol., a fls. 45, 50 e ss. do Apenso I, vol. 1.º, a fls. 100 a 103 do Apenso XV, a fls. a 2 a 26 do Apenso I, vol. 3.º, a fls. 543 e ss. do Apenso I, 2.º vol., a fls. 136 e 137 do Apenso VII, vol. 2.º e a fls. 279 a 282 do Anexo Informação Bancária e Fiscal O… e F….


*

C - Dispositivo

Nesta conformidade acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em decretar no processo a quebra de sigilo profissional dos Srs. Drs. C… e B… para que os seus depoimentos recaiam sobre os documentos que constam a fls. 290 e ss. do Apenso XIV, 2.º vol., a fls. 45, 50 e ss. do Apenso I, vol. 1.º, a fls. 100 a 103 do Apenso XV, a fls. a 2 a 26 do Apenso I, vol. 3.º, a fls. 543 e ss. do Apenso I, 2.º vol., a fls. 136 e 137 do Apenso VII, vol. 2.º e a fls. 279 a 282 do Anexo Informação Bancária e Fiscal O… e F….

Sem tributação.

Notifique.

Évora, 07 de Maio de 2019

João Gomes de Sousa (relator)

António Condesso

Ana Bacelar