Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
117/14.4 PAABT.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ACTO DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 11/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Constando da fundamentação da decisão da matéria de facto que para a mesma relevou a confissão integral e sem reservas do arguido, não podia o tribunal subtrair do elenco dos factos provados quaisquer factos que constavam da acusação e que enformavam de forma relevante um dos crimes por que o arguido vinha acusado, pelo que, ao assim agir, incorreu em erro notório na apreciação da prova.

II – Para efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º1, do Código Penal, constitui acto de condução, a acção do agente que, tendo em vista inverter o seu sentido de marcha, empurra na via pública um veículo automóvel, colocado em ponto mortoe com o motor desligado, manobrando o guiador por forma a orientar o seu trajecto, dessa forma invadindo a faixa de rodagem contrária e dando causa a um acidente de viação.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do J1 da Secção Criminal da Instância Local de Abrantes, da Comarca de Santarém, o arguido R. foi, na parte que agora interessa ao recurso, absolvido da prática de:

Ø Uma contra-ordenação grave de inversão do sentido de marcha em lugar proibido, p. e p. pelos art.º 45.º, n.º 1 al.ª d), e 145.º, n.º 1 al.ª f), e 147.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada;

Ø Uma contra-ordenação grave relativa à condições de utilização das luzes, p. e p. pelos art.º 61.º, n.º 1 al.ª b), 145.º, n.º 1 al.ª j), e 147.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada; e

Ø Um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelos art.º 291.º, n.º 1 al.ª a) e b) e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal.

E foi condenado pela prática de:
Ø Dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos art.º 148.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal na pena de 100 dias de multa, por cada um deles, à razão diária de 5,00 €, e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período 6 meses, também por cada um deles;

Ø Um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art.º 353.º, do Código Penal, pena de 120 dias de multa, à razão diária de 5,00 €.

Em cúmulo jurídico, pena única de 250 dias de multa à razão diária de 5,00 €, o que perfaz a quantia total de 1.250,00 €, e sanção acessória única de 9 meses de inibição de conduzir veículos com motor.
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Inconformado com a absolvição pelas duas contra-ordenações e pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, interpôs o M.º P.º o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

A- Ao arguido, R, encontrava-se imputada, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de infrações, a prática de:

- uma contraordenação grave prevista e punida pelos artigos 45º, nº 1, alínea d), e 145, nº1, alínea f); ambos do Código da Estrada e com sanção acessória prevista no artigo 147, nº1 e 2, do Código da Estrada; e

- uma contraordenação grave prevista e punida pelos artigos 61º, nº 1, alínea b), e 145, nº1, alínea j); ambos do Código da Estrada e com sanção acessória prevista no artigo 147, nº1 e 2, do Código da Estrada.

B – As contraordenações imputadas ao arguido foram praticadas em 10.05.2014.

C – Em 03.06.2014, R foi constituído arguido, interrogado nessa qualidade e aplicada medida de coação de termo de identidade e residência – cfr. fls. 47, 48 e 49.

D - Em 15.05.2016, foi o arguido notificado da acusação.

E – As conclusões 3 e 4, são causas de interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional, nos termos do disposto no art.º 28.º, n.º 1, al. a) do Regime Geral das Contraordenações.

F - Pelo que, à data da notificação da acusação, o procedimento contraordenacional não se encontrava prescrito, nem se encontra na presente data.

G - O procedimento contraordenacional atingirá o prazo de prescrição em 10.11.2017.

H – Assim, deve ser revogada a decisão que considerou o procedimento contraordenacional prescrito e, em consequência deverão as mesmas ser julgadas.

I – O arguido deve ser condenado pela prática das contraordenações que se lhe encontram imputadas, atendendo que os factos que consubstanciaram a sua imputação foram dados como provados na sentença ora em crise.

J – O arguido, R, deve ser condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de infrações, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal, e com sanção acessória prevista no artigo 69º, nº1, alínea a), do Código Penal.

K – Foram dados como provados os seguintes factos:

“(…)
1. Por sentença proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo nº --/13.9GAABT, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Mação, datada de 06/03/2014, transitada em julgado em 06/03/2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 6,50€, num montante total de 780,00€, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses e 15 dias, nos termos do artigo 69º, nº1 alínea a) do Código Penal.

2. O arguido iniciou o cumprimento dessa pena acessória em 03/03/2014, encontrando-se a sua carta de condução apreendida à ordem do mencionado processo desde esse dia.

3. Não obstante estar proibido de conduzir veículos a motor e saber que a sua carta de condução se encontrava apreendida, no dia 10 de Maio de 2014, pelas 22h30m, na Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Chevrolet, modelo Chik, de cor preta, com a matrícula -IG-, com destino à localidade do Sardoal.

4. Nas circunstâncias referidas o arguido conduzia o referido veiculo de matrícula -IG- com uma taxa de álcool no sangue de 2,56 g/l deduzido o erro máximo legalmente admissível, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 2,69 g/l.

5. No sentido de trânsito em que o arguido seguia, Sul/Norte, existem duas vias de trânsito, circulando o arguido na via de trânsito da esquerda, e em sentido contrário existe apenas uma via de trânsito, sendo os sentidos de trânsito separados por linha dupla continua.

6. Na referida Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, ao Km 388 e em ato seguido, o arguido apercebe-se que o veículo que conduzia estava a ficar sem combustível, e como o sentido de trânsito em que seguia era ascendente, parou o veículo que conduzia do lado direito, colocou o veículo em “ponto morto”, saiu do veículo e empurrou-o com o intuito de inverter o sentido de marcha do veículo, encontrando-se as luzes do referido veiculo desligadas.

7. Ato contínuo, o arguido empurrando o veículo transpôs a dupla linha contínua e invadiu a fila de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário.

8. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, no sentido de trânsito contrário, no sentido Norte/Sul, o ofendido AF conduzia, em velocidade não concretamente apurada, o motociclo de marca Suzuki, modelo GS500, de cor azul, de matrícula –OG--, e transportava como passageiro o seu filho VF.

9. Nesse momento, quando o veículo do arguido de matrícula --IG-- se encontrava atravessado na via de trânsito destinada aos veículos que seguiam em sentido contrário, surge o motociclo de matrícula -OG, conduzido pelo ofendido AF, sendo que este, ao aperceber-se do veículo ligeiro de passageiros de matrícula -IG--, aciona os travões do motociclo. Contudo tal manobra foi infrutífera, acabando o motociclo por embater na lateral direita do veículo ligeiro de passageiros de matrícula -IG-, junto à porta do passageiro da frente.

10. Após o embate quer o condutor quer o passageiro do motociclo foram projetados para o chão, enquanto que ambos os veículos se imobilizaram quando o veículo ligeiro de passageiros embateu com a frente no rail de proteção lateral no sentido de trânsito em que seguia o motociclo.

11. Como consequência adequada, direta e necessária da colisão e consequente projeção, AF, condutor do motociclo de matrícula QG, sofreu dores, ferimentos e as seguintes lesões: traumatismo crânio-encefálico com perda do conhecimento; ferida inciso-contusa da comissura labial direita; traumatismo da pirâmide nasal com afundamento, fraturas múltiplas do terço médio da face incluindo disjunção crânio facial e intermaxilar; fratura do complexo naso-orbito-fronto-etmoidal; fratura do ângulo esquerdo da mandibula; fratura distal do rádio esquerdo; fratura da 3ª e 4ª vértebras dorsais.

12. Para cura das lesões sofridas por AF foram necessários 283 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional pelo período de 283 dias.

13. Como consequência adequada, direta e necessária da colisão resultou ainda para o ofendido AF como consequência permanente deformação ligeira e simétrica da pirâmide nasal, não o desfigurando grave e permanentemente, resultando ainda como consequência permanente a diminuição da força da mão e a diminuição ligeira da mobilidade do punho, que não afetam de maneira grave a capacidade para o trabalho e de utilização do corpo.

14. Ainda como consequência adequada, direta e necessária da colisão e consequente projeção, VF passageiro do motociclo de matrícula -QG, sofreu dores, ferimentos, e as seguintes lesões: traumatismo crânio encefálico com perda momentânea do conhecimento e fratura da clavícula direita, e cicatriz linear com 2 centímetros de comprimento na pálpebra direita, conforme teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal junta aos autos a fls. 108 a 109 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

15. A consolidação médico-legal das lesões sofridas por VF é fixável em 19/06/2014.

16. No local onde ocorreu o embate a faixa de rodagem apresenta a configuração de uma reta, sendo o limite de velocidade máximo legal de 90km/h para ambos os veículos.

17. Por ocasião do acidente a via estava seca, sendo que o pavimento era de alcatrão, encontrando-se limpo e em regular estado de conservação, não existindo iluminação na referida via.

18. O arguido ao atuar da forma descrita – deslocando manualmente o veículo invertendo o sentido de marcha do veículo ligeiro de passageiros num local onde existia uma dupla linha contínua, e invadindo a via de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário, sabendo que era proibida a realização de tal manobra, e ainda executando tal manobra com as luzes desligadas, num local com ausência de iluminação e durante a noite - agiu de forma livre, executando a manobra de inversão de sentido marcha de forma desatenta e descuidada, não adequando a sua condução às características da via, agindo com falta de cuidado que o dever geral de prudência aconselha, bem como, não observou, também de modo leviano e imprevidente, as precauções exigidas pelas mais elementares regras de circulação rodoviária que era capaz de adotar e que deveria ter adotado para evitar o resultado verificado – lesões sofridas por AF e pelo seu filho VF.

19. Ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo de modo livre e nas circunstâncias concretas, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, sem representar como possível – mas podendo e devendo fazê-lo – a ocorrência do resultado ferimentos sofridos por AF e pelo seu filho VF e, em consequência disso, a realização de tipo legal de crime.

20. Ao que acresce, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que estava proibido de conduzir veículos automóveis com motor, que ainda não havia decorrido o período de inibição de condução, e que tal proibição lhe foi imposta por sentença criminal que não acatou.

21. Assim como sabia o arguido que a determinação que lhe foi imposta era legal e proferida por entidade competente, e que ao não a acatar violava uma proibição judicial, sendo que, apesar disso conduziu o referido veiculo automóvel nas circunstâncias supra descritas, o que o arguido quis e conseguiu.

22. O arguido agiu de forma livre, deliberada, voluntária e consciente bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei penal, não obstante não se coibiu de agir como agiu. (…)”

L –Foi dado como não provado que:
“(…) O arguido ao atuar do modo descrito – violando de forma grosseira as regras de circulação rodoviária relativas à inversão do sentido de marcha fora das povoações, bem como, conduzindo o veiculo ligeiro de passageiros encontrando-se sob influência de álcool e em estado de embriaguez – sabia que potenciava o perigo de colisão com os demais veículos que circulavam na via pública e que, dessa forma, sabia ainda que poderia colocar em perigo a vida e a integridade física dos seus condutores e passageiros, o que sucedeu, pois o arguido com a sua conduta originou a colisão do motociclo, que seguia no sentido contrário, no seu veiculo ligeiro de passageiros.(…)”

M – O art.º 291.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal, estabelece que:
“1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:

a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou

b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em autoestradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em autoestradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;

e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

N – O tipo objetivo consiste na condução de veículo de transporte rodoviário, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando o agente em condições de o fazer com segurança ou violando grosseiramente as regras de condução, tendo esta conduta a consequência adequada da criação de um perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens jurídicos de valor elevado.

O – Para preenchimento do tipo subjetivo do crime ora em causa é necessário o dolo.

P – In casu, constata-se que o arguido, não obstante estar proibido de conduzir veículos a motor e saber que a sua carta de condução se encontrava apreendida, no dia 10 de Maio de 2014, pelas 22h30m, na Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Chevrolet, modelo Chik, de cor preta, com a matrícula -IG-, com destino à localidade do Sardoal, com uma taxa de álcool no sangue de 2,56 g/l deduzido o erro máximo legalmente admissível, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 2,69 g/l.

Q - Ao Km 388 e em ato seguido, o arguido apercebe-se que o veículo que conduzia estava a ficar sem combustível, e como o sentido de trânsito em que seguia era ascendente, parou o veículo que conduzia do lado direito, colocou o veículo em “ponto morto”, saiu do veículo e empurrou-o com o intuito de inverter o sentido de marcha do veículo, encontrando-se as luzes do referido veiculo desligadas, num local que não existe iluminação, transpondo a dupla linha contínua e invadindo a fila de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário.

R - E, em virtude de tais factos, quando o veículo do arguido se encontrava atravessado na via de trânsito destinada aos veículos que seguiam em sentido contrário, surge o motociclo de matrícula -OG, conduzido pelo ofendido AF, o qual veio a embater na lateral direita do veículo ligeiro de passageiros de matrícula IG-, junto à porta do passageiro da frente

S - O que provocou a projeção para o chão quer do condutor quer do passageiro do motociclo, tendo-lhe provocado as lesões que foram dadas como provadas, como consequência direta necessária e adequada face ao comportamento do arguido.

T – Os elementos objetivos estão verificados.

U – O arguido agiu consciente e intencionalmente, conforme o facto 18 dos factos dados como provados e, ainda, afigura-se-nos que deverá ser dado como provado, o facto dado como não provado na sentença ora em crise.

V – O elemento subjetivo está verificado.

W – O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que se encontravam imputados.

X – No sentido das conclusões atrás descritas, vide, a título meramente exemplificativo, Paula Ribeiro de Faria, na anotação ao artigo 291.º do Código Penal, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, 1999, Coimbra Editora, págs. 1079 a 1092.

Y – O arguido agiu de forma consciente e intencional e conhecia a ilicitude da sua conduta.

Z - Pelo que, face ao exposto, apenas se poderá concluir pelo preenchimento integral dos elementos constitutivos do crime de condução perigosa que vinha imputado ao arguido.

AA - E, em consequência deverá o mesmo ser condenado, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de infrações, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal, e com sanção acessória prevista no artigo 69º, nº1, alínea a), do Código Penal.

AB - No entanto, na eventualidade de assim não se entender, terá necessariamente que o mesmo de ser condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado em embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1 e com a sanção acessória prevista no art.º 69.º, n.º 1, l. a) ambos do Código Penal.

AC – Porquanto da sentença ora em crise, resulta como provada que o arguido no dia 10 de Maio de 2014, pelas 22h30m, na Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Chevrolet, modelo Chik, de cor preta, com a matrícula IG-, com destino à localidade do Sardoal, com uma taxa de álcool no sangue de 2,56 g/l deduzido o erro máximo legalmente admissível, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 2,69 g/l.

Termos em que, revogando a decisão na parte recorrida e substituindo-a por outra que, também, condene o arguido, R, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de infrações, de:

- uma contraordenação grave prevista e punida pelos artigos 45º, nº 1, alínea d), e 145, nº1, alínea f); ambos do Código da Estrada e com sanção acessória prevista no artigo 147, nº1 e 2, do Código da Estrada;

- uma contraordenação grave prevista e punida pelos artigos 61º, nº 1, alínea b), e 145, nº1, alínea j); ambos do Código da Estrada e com sanção acessória prevista no artigo 147, nº1 e 2, do Código da Estrada; e de

- um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal, e com sanção acessória prevista no artigo 69º, nº1, alínea a), do Código Penal.

Na eventualidade de não se entender, no que respeita ao crime de condução perigosa, deve o arguido ser condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado em embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1 e com a sanção acessória prevista no art.º 69.º, n.º 1, l. a) ambos do Código Penal.
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O arguido respondeu, concluindo da seguinte forma:

A. Quanto à acusação do arguido pela prática em autoria material na forma consumada e em concurso efetivo, de duas contraordenações graves, previstas e punidas, uma pelo art.º 45 nº1 al. d) e f) e a outra pelo art.º61º nº1 al. b) e 145º nº1 al. J) todos do Código da Estrada, e com sanções acessórias previstas no art.º 147º nº 1 e 2 também do Código da Estrada, entende aquele que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito como doutamente foi decidido pela Meritíssima juiz “a quo”.

B. Pois, os factos dos quais o arguido vem acusado, ocorreram em 10/5/2014.

C. A notificação da acusação ocorreu no dia 15/5/2016, decorridos que estão dois anos dos factos de que vem acusado.

D. O procedimento contraordenacional prescreve no prazo de dois anos nos termos do art.º 188º nº 1 do Código da Estrada.

E. O arguido entende que efetivamente o prazo para o procedimento criminal se encontra prescrito, uma vez que, entre a alegada prática dos factos e a notificação do arguido da acusação, decorreram mais de 2 anos.

F. Entende o arguido que, efetivamente não ocorreu qualquer outra causa de suspensão ou interrupção da prescrição, elencadas no art.º 27-A e art.º 28º do Regime Geral das Contraordenações, anterior à notificação da acusação.

G. Razão pela qual, deve a decisão do tribunal “a quo” manter-se no que se refere à declaração da prescrição do procedimento contraordenacional.

H. Quanto à absolvição do arguido da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art.º 291º nº 1 al. a) e b) do Código Penal, foram dados como provados que o arguido ao verificar que não tinha combustível, saiu do veículo, e empurrou manualmente o mesmo, no sentido de inverter o sentido de marcha daquele.

I. Tais manobras foram realizadas sem que o arguido se encontrasse efetivamente a conduzir o veículo automóvel, uma vez que foram realizadas com o veículo desligado, e com o arguido fora do mesmo.

J. Foi pois em sequência da deslocação do carro por empurrão, com o motor do veículo desligado, tendo este ficado atravessado na faixa de rodagem contrária, que potenciou que posteriormente o motociclo conduzido pelo ofendido viesse a embater no veículo do arguido.

K. O primeiro elemento objetivo para o preenchimento do tipo é precisamente o acto de conduzir veículo automóvel.

L. O acto de o arguido empurrar o veículo não pode ser considerado condução, tanto mais que aquele se encontrava no exterior da viatura, com o motor desligado, razão pela qual o elemento objectivo do tipo, o acto de conduzir, não se encontra preenchido.

M. A manobra de inversão de marcha, da qual, alegadamente potenciou o posterior embate do motociclo, não pode ser considerada acto de condução, uma vez que foi praticada com o motor do veículo desligado, e mediante deslocação manual do veículo, e não no decorrer da condução do veículo pelo arguido.

N. Pelo que, entende o arguido que se deve manter a decisão do tribunal “ a quo”, de absolver o arguido quanto à prática de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por falta de preenchimento do elemento objectivo do tipo.
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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:

1. Por sentença proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo nº --/13.9GAABT, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Mação, datada de 06/03/2014, transitada em julgado em 06/03/2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 6,50€, num montante total de 780,00€, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses e 15 dias, nos termos do artigo 69º, nº1 alínea a) do Código Penal.

2. O arguido iniciou o cumprimento dessa pena acessória em 03/03/2014, encontrando-se a sua carta de condução apreendida à ordem do mencionado processo desde esse dia.

3. Não obstante estar proibido de conduzir veículos a motor e saber que a sua carta de condução se encontrava apreendida, no dia 10 de Maio de 2014, pelas 22h30m, na Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Chevrolet, modelo Chik, de cor preta, com a matrícula -IG-, com destino à localidade do Sardoal.

4. Nas circunstâncias referidas o arguido conduzia o referido veiculo de matrícula -IG- com uma taxa de álcool no sangue de 2,56 g/l deduzido o erro máximo legalmente admissível, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 2,69 g/l.

5. No sentido de trânsito em que o arguido seguia, Sul/Norte, existem duas vias de trânsito, circulando o arguido na via de trânsito da esquerda, e em sentido contrário existe apenas uma via de trânsito, sendo os sentidos de trânsito separados por linha dupla continua.

6. Na referida Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, ao Km 388 e em ato seguido, o arguido apercebe-se que o veículo que conduzia estava a ficar sem combustível, e como o sentido de trânsito em que seguia era ascendente, parou o veículo que conduzia do lado direito, colocou o veículo em “ponto morto”, saiu do veículo e empurrou-o com o intuito de inverter o sentido de marcha do veículo, encontrando-se as luzes do referido veiculo desligadas.

7. Ato contínuo, o arguido empurrando o veículo transpôs a dupla linha contínua e invadiu a fila de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário.

8. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, no sentido de trânsito contrário, no sentido Norte/Sul, o ofendido AF conduzia, em velocidade não concretamente apurada, o motociclo de marca Suzuki, modelo GS500, de cor azul, de matrícula -OG, e transportava como passageiro o seu filho VF.

9. Nesse momento, quando o veículo do arguido de matrícula -IG- se encontrava atravessado na via de trânsito destinada aos veículos que seguiam em sentido contrário, surge o motociclo de matrícula -OG, conduzido pelo ofendido AF, sendo que este, ao aperceber-se do veículo ligeiro de passageiros de matrícula -IG-, aciona os travões do motociclo. Contudo tal manobra foi infrutífera, acabando o motociclo por embater na lateral direita do veículo ligeiro de passageiros de matrícula -IG-, junto à porta do passageiro da frente.

10. Após o embate quer o condutor quer o passageiro do motociclo foram projetados para o chão, enquanto que ambos os veículos se imobilizaram quando o veículo ligeiro de passageiros embateu com a frente no rail de proteção lateral no sentido de trânsito em que seguia o motociclo.

11. Como consequência adequada, direta e necessária da colisão e consequente projeção, AF, condutor do motociclo de matrícula -QG, sofreu dores, ferimentos e as seguintes lesões: traumatismo crânio- encefálico com perda do conhecimento; ferida inciso-contusa da comissura labial direita; traumatismo da pirâmide nasal com afundamento, fraturas múltiplas do terço médio da face incluindo disjunção crânio facial e intermaxilar; fratura do complexo naso-orbito-fronto-etmoidal; fratura do ângulo esquerdo da mandibula; fratura distal do rádio esquerdo; fratura da 3ª e 4ª vértebras dorsais.

12. Para cura das lesões sofridas por AF foram necessários 283 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional pelo período de 283 dias.

13. Como consequência adequada, direta e necessária da colisão resultou ainda para o ofendido AF como consequência permanente deformação ligeira e simétrica da pirâmide nasal, não o desfigurando grave e permanentemente, resultando ainda como consequência permanente a diminuição da força da mão e a diminuição ligeira da mobilidade do punho, que não afetam de maneira grave a capacidade para o trabalho e de utilização do corpo.

14. Ainda como consequência adequada, direta e necessária da colisão e consequente projeção, VF passageiro do motociclo de matrícula -QG, sofreu dores, ferimentos, e as seguintes lesões: traumatismo crânio encefálico com perda momentânea do conhecimento e fratura da clavícula direita, e cicatriz linear com 2 centímetros de comprimento na pálpebra direita, conforme teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal junta aos autos a fls. 108 a 109 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

15. A consolidação médico-legal das lesões sofridas por VF é fixável em 19/06/2014.

16. No local onde ocorreu o embate a faixa de rodagem apresenta a configuração de uma reta, sendo o limite de velocidade máximo legal de 90km/h para ambos os veículos.

17. Por ocasião do acidente a via estava seca, sendo que o pavimento era de alcatrão, encontrando-se limpo e em regular estado de conservação, não existindo iluminação na referida via.

18. O arguido ao atuar da forma descrita – deslocando manualmente o veículo invertendo o sentido de marcha do veículo ligeiro de passageiros num local onde existia uma dupla linha contínua, e invadindo a via de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário, sabendo que era proibida a realização de tal manobra, e ainda executando tal manobra com as luzes desligadas, num local com ausência de iluminação e durante a noite - agiu de forma livre, executando a manobra de inversão de sentido marcha de forma desatenta e descuidada, não adequando a sua condução às características da via, agindo com falta de cuidado que o dever geral de prudência aconselha, bem como, não observou, também de modo leviano e imprevidente, as precauções exigidas pelas mais elementares regras de circulação rodoviária que era capaz de adotar e que deveria ter adotado para evitar o resultado verificado – lesões sofridas por AF e pelo seu filho VF.

19. Ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo de modo livre e nas circunstâncias concretas, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, sem representar como possível – mas podendo e devendo fazê-lo – a ocorrência do resultado ferimentos sofridos por AF e pelo seu filho VF e, em consequência disso, a realização de tipo legal de crime.

20. Ao que acresce, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que estava proibido de conduzir veículos automóveis com motor, que ainda não havia decorrido o período de inibição de condução, e que tal proibição lhe foi imposta por sentença criminal que não acatou.

21. Assim como sabia o arguido que a determinação que lhe foi imposta era legal e proferida por entidade competente, e que ao não a acatar violava uma proibição judicial, sendo que, apesar disso conduziu o referido veiculo automóvel nas circunstâncias supra descritas, o que o arguido quis e conseguiu.

22. O arguido agiu de forma livre, deliberada, voluntária e consciente bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei penal, não obstante não se coibiu de agir como agiu.

DAS CONDIÇÕES PESSOAIS; FAMILIARES, SOCIAIS E ECONÓMICAS

23. O arguido é operário fabril e aufere um ordenado no valor de 530,00 euros.

24. O arguido vive com a mãe.

25. Reside em local com características rurais e sem envolvência de problemáticas relevantes.

26. O arguido beneficia de uma imagem positiva, no meio onde reside, mas associada a algum descontrolo na ingestão de bebidas alcoólicas, sobretudo em contextos sociais e em períodos de lazer.

27. Em relação a eventual problemática aditiva, o arguido não identifica qualquer padrão, atribuindo-lhe caráter pontual.

28. No meio onde reside, é referenciado como um individuo trabalhador e não lhe são atribuídos comportamentos desadequados na sua relação com os outros.

29. Não é conhecida a sua participação em mecanismos de interação pro social, nem hábitos de ocupação organizada dos seus tempos livres.

30. O arguido revelou dificuldades ao nível de raciocínio crítico e resolução de problemas, sobretudo em situações mais complexas, nem sempre reconhecendo e compreendendo as regras sociais.

31. A nível de comunicação apresentou um discurso confuso, eventualmente associado à situação dos presentes autos, mas orientado no espaço e no tempo.

32. Em relação aos presentes autos, o arguido apresenta dificuldade em refletir de forma critica, adotando uma atitude de legitimação de alguns dos seus comportamentos.

33. Com orientação conseguiu identificar a existência de vítimas, mas incluindo-se no seu elenco.

34. O arguido tem o 10º ano de escolaridade.

DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS
35. Por sentença de 01/10/2001 e transitada em julgado em 16/10/2001, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sob a influência do álcool, p. e p. no art.º 292º e artº 69º, nº 1, al. a), ambos do CP, por factos reportados a 16/09/2000, na pena de 90 dias de multa e na pena de proibição de conduzir pelo período de 2 meses, cujas penas foram declaradas extintas.

36. Por sentença de 03/06/2005 e transitada em julgado em 20/06/2005, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no art.º 292º e artº 69º, nº 1, al. a), ambos do CP, por factos reportados a 15/05/2005, na pena de 100 dias de multa e na pena de proibição de conduzir pelo período de 3 meses, cujas penas foram declaradas extintas, por cumprimento.

37. Por sentença de 06/03/2014 e transitada no mesmo dia, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no art.º 292º e artº 69º, nº 1, al. a), ambos do CP, por factos reportados a 07/03/2009, na pena de 120 dias de multa e na pena de proibição de conduzir pelo período de 5 meses e 15 dias, cuja pena de multa foi declarada extinta, por cumprimento.

DOS ANTECEDENTES CONTRAORDENACIONAIS
38. O arguido apresenta registada a prática de uma contraordenação, por factos reportados a 05/01/2008, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 30 dias de inibição e condução de veículos motorizados, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de 180 dias, cujo términus ocorreu em 28/11/2008.
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-- Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos relevantes para a boa decisão da causa:

a) O arguido ao atuar do modo descrito – violando de forma grosseira as regras de circulação rodoviária relativas à inversão do sentido de marcha fora das povoações, bem como, conduzindo o veiculo ligeiro de passageiros encontrando-se sob influência de álcool e em estado de embriaguez – sabia que potenciava o perigo de colisão com os demais veículos que circulavam na via pública e que, dessa forma, sabia ainda que poderia colocar em perigo a vida e a integridade física dos seus condutores e passageiros, o que sucedeu, pois o arguido com a sua conduta originou a colisão do motociclo, que seguia no sentido contrário, no seu veiculo ligeiro de passageiros.
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Fundamentação da decisão de facto:
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo aos dados objetivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e fazendo uma análise das declarações prestadas pelo arguido, perita médica e testemunhas.

Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, destacando-se:

A prova documental, nomeadamente:

Auto de notícia de fls. 7 e 8, o qual permitiu dar como provado o dia e hora dos acontecimentos (facto 3).

No talão de contraprova do aparelho Drager modelo 7110MKIII P, com número de série ARMA-0034, a fls. 9, no que respeita à taxa de álcool no sangue, cujo aparelho foi sujeito a verificação periódica no dia 21/03/2014 (fls. 11) – facto 4.

Relatório fotográfico de fls. 34 a 39, de fls. 310 a 312, as quais concretizam visualmente a posição dos veículos envolvidos após o embate (factos 9 e 10)

Relatório Técnico de acidente de viação de fls. 314 a 329 que relata as circunstâncias em que ocorreu o acidente, as diligências efetuadas e as conclusões retiradas.

Do teor das Perícias de avaliação do Dano Corporal em Direito Penal, datado de 25/09/2014, de fls. 108 a 109 verso e 167 a 168 verso, datado de 23/02/2015 de fls. 187 a 187 verso, datado de 23/03/2015, de fls. 190 a 191 respetivamente, sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º/1 do Código de Processo Penal) conjugado com o teor detalhado do episódio de urgência de fls. 68 a 86, nota alta de cirurgia de fls. 89 a 90, relatório médico de fls. 92, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa e dos quais resultaram provados, as lesões constantes causadas pelo embate nos ofendidos (Facto 11) bem como, as sequelas permanentes relacionáveis com o evento (Facto 13), a data da cura (facto 12), o período de doença e os dias com afetação da capacidade para o trabalho em geral e profissional (facto 12).

Certidão extraída do processo n.º --/13.9GAABT, de fls. 340 a 347, na qual se confirma que o arguido foi condenado em pena acessória de proibição de conduzir pelo prazo de 5 meses e 15 dias, o qual permitiu dar como provado os factos objetivos descritos sob os nºs 1 e 2, cuja entrega da carta de condução ocorreu no dia 03/03/2014;

CRC de fls. 428 e ss, o qual permitiu apurar que o arguido não possui antecedentes criminais (facto nº 35 a 37);

Relatório social de fls. 440 e ss, o qual permitiu apurar as circunstâncias de vida do arguido e sua personalidade, porquanto elaborado de forma objetiva, fundamentada, conseguido através de entrevista com o arguido, consulta de mais peças processuais, permitindo dar como provado os factos nº 23 a 34.

RIC de fls. 64 a 66 que permitiu dar como provado os antecedentes contraordenacionais (facto 38).

As declarações do arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos, apenas reportando pequenas discordâncias sem qualquer relevância penal.

Prestou, igualmente, declarações respeitantes às condições familiares, económicas e sociais, as quais mereceram credibilidade uma vez que foram corroboradas pelo relatório social supra aludido.

Das regras da experiência comum, quanto aos factos18 a 22, quando aliadas à forma como os ocorreram os factos objetivos dados como provados, o que permite inferir que o arguido agiu com a falta de cuidado que lhe era exigível e que poderia ter evitado a produção do acidente, sendo certo que o mesmo confessou saber que a sua conduta constituía a prática de crimes bem como sabia que estava proibido de conduzir quaisquer veículos a motor, naquele dia e hora.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:

1.ª – Que na decisão recorrida foi erradamente entendido encontrar-se extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional relativo às contra-ordenações de que o arguido estava acusado; e

2.ª – Que o ponto a) dos factos não provados deve passar para o acervo dos factos provados e, em consequência, deve o arguido ser também condenado pelo crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1 al.ª a) e b) e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, do qual foi absolvido, ou, em último caso, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.º 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal.

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No tocante à 1.ª das questões postas, a de que na decisão recorrida foi erradamente entendido encontrar-se extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional relativo às contra-ordenações de que o arguido estava acusado:

O tribunal "a quo" fundamentou essa sua decisão do seguinte modo, recorde-se que por sentença proferida em 15-12-2016, sublinhando nós agora as partes que mais interessam ao caso:

Compulsados os autos, verifica-se que os factos em que se radicou o presente procedimento contraordenacional ocorreram no dia 10/05/2014, conforme consta da acusação.

O arguido foi notificado do despacho de acusação no dia 15/05/2016, atendendo que a notificação daquele despacho foi depositado no recetáculo postal no dia 10/05/2016 (vide fls. 375), por força do disposto no artº 113º, nº 3 do CPP ex vi artº 196º, nº 3, al. c) do mesmo diploma legal

Ou seja, quando, em 15/05/2016, o arguido foi notificado da acusação, já se encontravam decorridos cerca de 5 (CINCO) dias sobre a primeira causa de interrupção de prescrição, prevista no artº 28º, nº 1, al. a) do RGCO.

Assim, e porque não ocorreram quaisquer causas de suspensão da prescrição, impõe-se considerar, ao abrigo do disposto no art. 28º, nº 3, do Regime Geral das Contra Ordenações, que o presente procedimento prescreveu em 10/05/2016.

Importa por consequência declarar extinta a responsabilidade contra ordenacional do arguido pela qual vinha acusado.

Mas decidiu mal: a notificação do despacho de acusação não foi a primeira causa de interrupção da prescrição.

Vejamos:

O art.º 188.º, n.º 1, do Código da Estrada, prescreve que o procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contraordenação, tenham decorrido dois anos.

E o art.º 132.º do Código da Estrada:
As contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações.

E o art.º 28.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações:

Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

Que é o caso dos autos, em que há concurso de infracções entre crimes e contra-ordenações.

Assim, o elenco das causas de suspensão e de interrupção da prescrição são as seguintes:

Artigo 188.º, do Código da Estrada:

Prescrição do procedimento
2 - Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória.

Artigo 27.º-A, do Regime Geral das Contra-Ordenações:

Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

Artigo 28.º. do Regime Geral das Contra-Ordenações:
Interrupção da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

Artigo 121.º, do Código Penal:
Interrupção da prescrição

1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:

a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia;
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.

Ora, no caso dos autos, é óbvio que não foi a notificação da acusação a primeira causa de interrupção da prescrição, como se diz na decisão recorrida, mas antes a constituição de arguido a fls. 47, em 3-6-2014: art.º 121.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, "ex vi" art.º 28.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações, e 188.º, n.º 2, do Código da Estrada.

Interrompida a prescrição do procedimento criminal, começa a contar novo prazo de prescrição que no caso era de dois anos e ia até 3-6-2016.

Assim, quando em 15-5-2016 o arguido é notificado da acusação, o procedimento contra-ordenacional ainda não estava prescrito, como se decidiu a sentença recorrida.

No caso dos autos (em que a decisão recorrida foi proferida em 15-12-2016), e tendo em conta que os factos ocorreram em 10-5-2014, a prescrição viria a ocorrer inelutavelmente passados 3 anos e seis meses sobre os factos: 3 anos dos art.º 188.º do Código da Estrada e 28.º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações, mais os 6 meses do art.º 27.º-A, n.º 1 al.ª c) e 2 deste Regime.

Portanto em 10-11-2017. Que na data em que foi proferida a sentença (15-12-2016) ainda não tinha acontecido. Mas agora já aconteceu.

Pelo que, actualmente, se encontra efectivamente prescrito o procedimento contra-ordenacional em referência.

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No tocante à 2.ª questão, a de que o ponto a) dos factos não provados deve passar para o acervo dos factos provados e, em consequência, deve o arguido ser também condenado pelo crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1 al.ª a) e b) e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, do qual foi absolvido, ou, em último caso, pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.º 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal:

Recorde-se que numa sentença em que para a motivação da decisão de facto foram tidas em conta as declarações do arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos, apenas reportando pequenas discordâncias sem qualquer relevância penal[1], veio afinal a ser dado como não provado o seguinte facto que constava da acusação (fls. 360):

a) O arguido ao atuar do modo descrito – violando de forma grosseira as regras de circulação rodoviária relativas à inversão do sentido de marcha fora das povoações, bem como, conduzindo o veiculo ligeiro de passageiros encontrando-se sob influência de álcool e em estado de embriaguez – sabia que potenciava o perigo de colisão com os demais veículos que circulavam na via pública e que, dessa forma, sabia ainda que poderia colocar em perigo a vida e a integridade física dos seus condutores e passageiros, o que sucedeu, pois o arguido com a sua conduta originou a colisão do motociclo, que seguia no sentido contrário, no seu veiculo ligeiro de passageiros.

Ora isto configura, sem mais, o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que alude o art.º 410.º, n.º 2 al.ª b), do Código de Processo Penal.

Na verdade, existe vício de contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico baseado no texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova que fundamentaram a convicção do tribunal – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-99, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,1999, III-184.

Assim, num processo em que, como resulta da sentença, inexistem co-arguidos, nada consta da fundamentação da decisão da matéria de facto que leve a concluir ter o tribunal "a quo" suspeitado do carácter livre da confissão e ter o M.º P.º deduzido acusação fazendo uso do disposto no art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (cf. art.º 344.º, n.º 3, do mesmo código), se na fundamentação da decisão da matéria de facto consta que para a mesma relevou a confissão integral e sem reservas do arguido, não pode do elenco dos factos provados terem sido subtraídos factos que constavam da acusação como enformando de forma relevante um dos crimes por que o arguido vinha acusado.

Mas ao dar como não provado o teor daquele ponto a), o tribunal "a quo" incorreu outrossim em erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2 al.ª c), do Código de Processo Penal).

Há erro notório na apreciação da prova sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-10-01, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.001, III-182.

Ou, na palavra de Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, 3.º vol.-341, erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta (ao ler a sentença ou acórdão).

Erro que se verifica "...quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida" – Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II vol., 2.ª ed., pág. 740.

Ora depois de ter dado como provado, além do mais, que…

(…) no dia 10 de Maio de 2014, pelas 22h30m, na Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Chevrolet, modelo Chik, de cor preta, com a matrícula IG-, com destino à localidade do Sardoal.

4. Nas circunstâncias referidas o arguido conduzia o referido veiculo de matrícula 46-IG-90 com uma taxa de álcool no sangue de 2,56 g/l deduzido o erro máximo legalmente admissível, correspondente à taxa de álcool no sangue registada de 2,69 g/l.

5. No sentido de trânsito em que o arguido seguia, Sul/Norte, existem duas vias de trânsito, circulando o arguido na via de trânsito da esquerda, e em sentido contrário existe apenas uma via de trânsito, sendo os sentidos de trânsito separados por linha dupla continua.

6. Na referida Estrada Nacional nº 2, em Abrantes, no sentido Sul/Norte, ao Km 388 e em ato seguido, o arguido apercebe-se que o veículo que conduzia estava a ficar sem combustível, e como o sentido de trânsito em que seguia era ascendente, parou o veículo que conduzia do lado direito, colocou o veículo em “ponto morto”, saiu do veículo e empurrou-o com o intuito de inverter o sentido de marcha do veículo, encontrando-se as luzes do referido veiculo desligadas.

7. Ato contínuo, o arguido empurrando o veículo transpôs a dupla linha contínua e invadiu a fila de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário.

8. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, no sentido de trânsito contrário, no sentido Norte/Sul, o ofendido AF conduzia, em velocidade não concretamente apurada, o motociclo de marca Suzuki, modelo GS500, de cor azul, de matrícula -OG, e transportava como passageiro o seu filho VF.

9. Nesse momento, quando o veículo do arguido de matrícula -IG- se encontrava atravessado na via de trânsito destinada aos veículos que seguiam em sentido contrário, surge o motociclo de matrícula -OG, conduzido pelo ofendido AF, sendo que este, ao aperceber-se do veículo ligeiro de passageiros de matrícula -IG-, aciona os travões do motociclo. Contudo tal manobra foi infrutífera, acabando o motociclo por embater na lateral direita do veículo ligeiro de passageiros de matrícula -IG-, junto à porta do passageiro da frente.

10. Após o embate quer o condutor quer o passageiro do motociclo foram projetados para o chão, enquanto que ambos os veículos se imobilizaram quando o veículo ligeiro de passageiros embateu com a frente no rail de proteção lateral no sentido de trânsito em que seguia o motociclo.

11. Como consequência adequada, direta e necessária da colisão e consequente projeção, AF, condutor do motociclo de matrícula -QG, sofreu dores, ferimentos e as seguintes lesões: traumatismo crânio- encefálico com perda do conhecimento; ferida inciso-contusa da comissura labial direita; traumatismo da pirâmide nasal com afundamento, fraturas múltiplas do terço médio da face incluindo disjunção crânio facial e intermaxilar; fratura do complexo naso-orbito-fronto-etmoidal; fratura do ângulo esquerdo da mandibula; fratura distal do rádio esquerdo; fratura da 3ª e 4ª vértebras dorsais.

12. Para cura das lesões sofridas por AF foram necessários 283 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional pelo período de 283 dias.

13. Como consequência adequada, direta e necessária da colisão resultou ainda para o ofendido AF como consequência permanente deformação ligeira e simétrica da pirâmide nasal, não o desfigurando grave e permanentemente, resultando ainda como consequência permanente a diminuição da força da mão e a diminuição ligeira da mobilidade do punho, que não afetam de maneira grave a capacidade para o trabalho e de utilização do corpo.

14. Ainda como consequência adequada, direta e necessária da colisão e consequente projeção, VF passageiro do motociclo de matrícula -QG, sofreu dores, ferimentos, e as seguintes lesões: traumatismo crânio encefálico com perda momentânea do conhecimento e fratura da clavícula direita, e cicatriz linear com 2 centímetros de comprimento na pálpebra direita, conforme teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal junta aos autos a fls. 108 a 109 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

15. A consolidação médico-legal das lesões sofridas por VF é fixável em 19/06/2014.
(…)

18. O arguido ao atuar da forma descrita – deslocando manualmente o veículo invertendo o sentido de marcha do veículo ligeiro de passageiros num local onde existia uma dupla linha contínua, e invadindo a via de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário, sabendo que era proibida a realização de tal manobra, e ainda executando tal manobra com as luzes desligadas, num local com ausência de iluminação e durante a noite - agiu de forma livre, executando a manobra de inversão de sentido marcha de forma desatenta e descuidada, não adequando a sua condução às características da via, agindo com falta de cuidado que o dever geral de prudência aconselha, bem como, não observou, também de modo leviano e imprevidente, as precauções exigidas pelas mais elementares regras de circulação rodoviária que era capaz de adotar e que deveria ter adotado para evitar o resultado verificado – lesões sofridas por AF e pelo seu filho VF.

19. Ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo de modo livre e nas circunstâncias concretas, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, sem representar como possível – mas podendo e devendo fazê-lo – a ocorrência do resultado ferimentos sofridos por AF e pelo seu filho VF e, em consequência disso, a realização de tipo legal de crime.

(…)
22. O arguido agiu de forma livre, deliberada, voluntária e consciente bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei penal, não obstante não se coibiu de agir como agiu.

… depois de ter dado como provados estes factos, não podia o tribunal "a quo" ter dado como não provado que…

O arguido ao atuar do modo descrito – violando de forma grosseira as regras de circulação rodoviária relativas à inversão do sentido de marcha fora das povoações, bem como, conduzindo o veiculo ligeiro de passageiros encontrando-se sob influência de álcool e em estado de embriaguez – sabia que potenciava o perigo de colisão com os demais veículos que circulavam na via pública e que, dessa forma, sabia ainda que poderia colocar em perigo a vida e a integridade física dos seus condutores e passageiros, o que sucedeu, pois o arguido com a sua conduta originou a colisão do motociclo, que seguia no sentido contrário, no seu veiculo ligeiro de passageiros.

É que não vindo invocada qualquer outra razão, que este tribunal também não vislumbra, sabido que a intenção se define pela relação à infracção e é uma forma de imputação que se preenche com a representação do facto em alguma das três modalidades de dolo admitidas nos n.º 1, 2 e 3 do art.º 14.°, do C. Penal, pertencendo à vida interior de cada um e sendo, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só sendo possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir (ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum), entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção[2], no caso vertente impõe-se concluir pela verificação da intenção e da consciência da ilicitude tal como foi imputado ao arguido na acusação, pelo que consequentemente aqueles factos (a intenção constitui matéria de facto) devem ser considerados incluídos nos factos provados e excluídos dos não provados.

Resulta do texto da decisão impugnada que o tribunal " a quo" ao dar como não provado o facto relativo ao dolo e à consciência da ilicitude da conduta do arguido em relação à condução perigosa de veículo rodoviário que sem dúvida efectuou, extraiu uma conclusão ilógica, irrazoável e arbitrária e visivelmente violadora das regras da experiência comum, que deve presidir à valoração da prova e à formação da convicção do julgador, incorrendo em erro notório na apreciação da prova (art.º 410.°, n.º 2 al.ª c) do Código de Processo Penal).

Aqui chegados, e de acordo com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-1-04, publicado na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2004, I-176[3], o Tribunal da Relação pode e deve proceder a modificação da matéria de facto sempre que tal seja necessário e constem do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base ou se tiver havido documentação da prova, só devendo determinar o reenvio do processo para novo julgamento quando tal se mostre estritamente inevitável. A renovação da prova só será de decretar quando não seja possível aferir-se da sua correcção a partir da prova já produzida.

É, aliás, o que resulta do disposto no art.º 431.º al.ª a), do Código de Processo Penal.

Ora no caso concreto dos autos, é inegável resultar da acta de julgamento ter o arguido procedido a confissão integral e sem reservas, bem como fora de qualquer coacção, dos factos de que era acusado (cf., de novo, acta do julgamento a fls. 443 e ss.).

Pelo que ao abrigo do disposto no mencionado art.º 431.º al.ª a) se sana o apontado vício descrito no art.º 410.º, n.º 2 al.ª c), do mesmo Código, modificando-se a matéria de facto assente como provada e não provada pela forma seguinte:

O ponto a) dos factos não provados passa para o rol dos factos provados, aonde assume a posição e número 21-A.

Assim se sanando de igual modo o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

Assunto diferente daquele que acabamos de tratar e a que de seguida passamos a prestar atenção, é o de definir se a matéria de facto assente como provada integra ou não os elementos constitutivos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 219.º, n.º 1 al.ª a) e b), do Código Penal, pelo qual o arguido vem (também) acusado.

O tribunal "a quo" entendeu que não e fê-lo com a seguinte fundamentação, citado apenas na parte que agora interessa ao caso:
(…)

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal”, 2ª edição atualizada, anotações nº 5 e 6 ao artº 291º, pág. 826 “A condução é o ato de colocar em marcha, fazer deslocar ou parar um veículo. Não se exige um período mínimo da atividade de condução. A condução implica a colocação em movimento do veículo como meio de transporte, não sendo suficiente a mera ligação do motor do veículo nem a deslocação manual do veículo, que constituem meros atos de execução da tentativa do crime.” (sublinhado nosso)

No caso concreto, ficou provado que o arguido colocou o veículo em “ponto morto”, saiu do veículo e empurrou-o com o intuito de inverter o sentido de marcha do veículo (facto 6).

Como se referiu supra, não constitui ato de condução a deslocação manual de veículo (traduzida na ação de empurrar o mesmo). Mais, tal como consta da acusação, o arguido saiu de veículo, pelo que a manobra por ele efetuada e dada como provada não se deve à condução de um veículo, tal como definida legalmente para efeito de responsabilidade criminal.

Consequentemente e sem mais delongas, não se mostra preenchido o elemento objetivo deste crime e, consequentemente, o elemento subjetivo, pelo que deverá o arguido ser absolvido deste crime.

Depurada de pormenores mais concretos relativos a cada caso em particular, a questão que urge resolver está pois em determinar se um agente que por qualquer razão empurra na via pública um veículo automóvel colocado em ponto morto, manobrando o guiador por forma a orientar o seu trajecto, está ou não a conduzir veículo nos termos e para os efeitos da previsão do art.º 291.º, n.º 1, do Código Penal.

Sendo que no caso particular dos presentes autos, o faz em estado de embriaguez (TAS de 2,56 g/l) e na sequência de, encontrando-se em viagem com o mesmo, estar a ficar sem combustível, tendo, para conseguir inverter o sentido de marcha do veículo, transposto a dupla linha contínua e invadido a fila de trânsito destinada aos veículos que circulavam em sentido contrário, isto de noite e com as luzes do veículo desligadas – altura em que foi embatido por um motociclo.

Ora bem.
Segundo alguma doutrina, citada no "Comentário Conimbricense do Código Penal", 199, tomo II, pág. 1064, pode-se falar de condução a partir do momento em que se coloca o veículo em movimento, dirigindo-se a sua marcha para (ou no) espaço de circulação público.

Para esta doutrina (agora mencionada no Código Penal Anotado e Comentado por Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2008, pág. 741), é condutor quem sob a sua responsabilidade coloca o veículo em movimento através da utilização de forças de propulsão e o dirige.

Na perspectiva desta doutrina, o arguido teria pois, nas circunstâncias descritas, conduzido o veículo.

Para outros, para se poder falar de condução é necessário que se coloque o veículo em funcionamento com o objectivo de o colocar em circulação (põe o motor a trabalhar, soltar o travão).

No entanto, Paula Ribeiro de Faria, no tomo e pág. citada do "Comentário Conimbricense do Código Penal", entende que talvez não seja esta a definição mais correcta sob o ponto de vista do tipo legal em causa, uma vez que dificilmente compaginável com a exigência da criação de um perigo concreto para pessoas e bens decorrentes de uma condução insegura, ou da violação grosseira de regras de condução.

Para outros, ainda, além do controle efectivo da direcção e velocidade do veículo e do domínio dos mecanismos que o fazem movimentar, pressupõe uma actividade com uma certa duração no tempo, não bastando uma actuação acidental.

Na perspectiva desta última posição doutrinal, o arguido também teria nas circunstancias descritas, conduzido o veículo, uma vez que, para efectivar a inversão de marcha, tinha naturalmente que controlar a direcção do veículo manobrando o guiador e que ao empurrá-lo tinha o efectivo domínio dos mecanismos que o permitiam e faziam movimentar, isto durante o tempo necessário a realizar e concluir a pretendida inversão de marcha, numa actuação que não se poderia classificar ainda de meramente acidental no sentido de tão fugaz quanto irrelevante.

Por outro lado, é certo que Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal”, 3.ª edição, anotações 5 e 6 ao artº 291º, a pág. 1023, diz que a condução é o acto de colocar em marcha, fazer deslocar ou parar um veículo. (…) Não se exige um período mínimo da atividade de condução. A condução implica a colocação em movimento do veículo como meio de transporte, não sendo suficiente a mera ligação do motor do veículo nem a deslocação manual do veículo, que constituem meros atos de execução da tentativa do crime.

Sendo certo que antes, na anotação 5 ao art.º 289.º, a pág. 1019, sobre o tema se limitara a dizer que a condução é o acto de colocar em marcha, fazer deslocar ou parar um veículo. Não se exige um período mínimo da atividade de condução.

A questão estaria pois em que, para este autor, a deslocação manual do veículo não seria condução.

Não obstante e com o devido respeito, não defendemos esta restrição de não se poder considerar como condução a deslocação manual do veículo, pela razão de que assim ficaria injustificadamente sem protecção o perigo concreto ou o resultado de actividades como, por exemplo, a de o agente no cimo de uma rua inclinada empurrar o veículo que não pega por falta de bateria e saltar para o lugar do condutor por forma a ele vir pela rua abaixo por inércia para assim conseguir por o motor a funcionar e, ao querer manobrar o guiador, não o conseguir fazer por naquele modelo de carro a direcção ficar trancada no ponto morto, vindo o carro a percorrer várias dezenas de metros por cima de um dos passeios aonde circulavam pessoas que tiveram de fugir, até bater na parede de um prédio.

Ou o caso do condutor que, exasperado por tardar o sinal verde para o condutor numa passadeira de peões, sai do carro e, com ele em ponto morto, o empurra por forma a assim ultrapassar a zona da passadeira, causando susto aos peões que a estavam a usar e a que uma senhora idosa com a atrapalhação de sair da frente do carro tenha caído e fracturado uma perna.

De forma que concluímos em que a actividade do arguido se traduziu num acto de condução do veículo integrável na previsão dos art.º 291.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal.

Posto isto, impõe-se que se escolha e gradue quer a pena principal, quer a acessória, a aplicar ao arguido por este ilícito e de seguida se refaça o cúmulo jurídico já efectuado na sentença recorrida.

Estabelecem os mencionados art.º 291.º, n.º 1 al.ª a) e b) e 69.º, n.º 1 al.ª a):

Art.º 291.º, n.º 1 al.ª a) e b):

Condução perigosa de veículo rodoviário

1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:

a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou

b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;

e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Art.º 69.º, n.º 1 al.ª a):

Proibição de conduzir veículos com motor

1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º;

Acerca da escolha e graduação das penas parcelares e única, bem como das sanções acessórias parcelares e única, já aplicadas pela 1.ª Instância, teceu a mesma os seguintes considerandos, citados apenas na parte que agora interessa ao caso:

DA DETERMINAÇÃO DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
(…)

Tendo em atenção o critério de escolha da pena consignado no artigo 70.º do Código Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Assim, a escolha da pena deve ser feita, dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a ressocialização do delinquente e satisfaça a proteção dos bens jurídicos (artigo 40.º do Código Penal), sendo alheias, neste momento, considerações relativas à culpa que apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.

A aplicação de penas visa, por um lado, reafirmar na comunidade a manutenção da validade das normas violadas, repondo a confiança dos cidadãos na validade e vigência da norma violada sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva ou de integração) e, por outro, a reintegração do agente na sociedade através da “prevenção da reincidência” (prevenção especial positiva).

O Tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade a não ser que razões ligadas à necessidade de ressocialização do arguido ou à defesa da ordem jurídica o desaconselhem.

No presente caso, não poderão perder-se de vista as concretas exigências de prevenção geral na prática de futuros crimes, as quais se revelam muito elevadas, atento o elevado número de acidentes que sucedem por conduções temerárias e que ceifam vidas de pessoas inocentes.

As necessidades de prevenção geral mostram-se consideravelmente elevadas (…), quer no respeitante ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no atinente ao sentimento de segurança face à violação da norma, pois que, cada vez mais, é com uma enorme “ligeireza” que se assiste à prática de crimes desta natureza no país e, em particular, na área desta instância local, (…)

Ao invés, a circunstância de o arguido possuir antecedentes criminais de natureza rodoviária, mas encontra-se familiar, profissional e socialmente inserido, não lhe sendo conhecidas condutas ilícitas após a prática dos factos (pois já decorreram mais de dois anos e meio), sem olvidar que confessou os factos, mas deixar de sublinhar que a sua conduta teve consequências graves para os ofendidos, ainda assim o Tribunal conclui que a pena de multa ainda realiza, de forma adequada e suficiente as referidas finalidades da punição, não se vislumbrando em concreto que as exigências de prevenção especial imponham a aplicação ao Arguido de uma pena privativa da liberdade, pelo que se decide pela aplicação de uma pena multa, a qual constitui um constrangimento financeiro que não poderá deixar de se repercutir na vida do arguido e o afastará da prática de futuros crimes.
*
Nos termos do estabelecido no artigo 71.º, do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

O limite superior da pena é, pois, o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

Daí para cima, a medida exata da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando-lhe só o mal necessário (FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, página 227 e Ac. STJ de 23/10/96, BMJ, 460, página 407).

Relativamente à pena de multa importa proceder primeiramente à fixação do número de dias de multa, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, nos termos supra explicitados, determinando-se em seguida o quantitativo diário, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, de acordo com o disposto no artigo 47.º, n.º 1 do Código Penal.

Nesta decorrência, as exigências de prevenção geral afiguram-se elevadas, conhecidos que são os elevados índices de sinistralidade nas estradas portugueses e o crescente desrespeito dos cidadãos pelos comandos estradais, as mais das vezes na origem de tal sinistralidade.

Quanto ao grau de ilicitude dos factos praticados pelo Arguido, tem-se por considerável a ilicitude dos atos perpetrados pelo arguido ao descurar os seus deveres de cuidado, pois iniciou a deslocação manual de um veículo, para efetuar uma manobra de inversão de sentido de marcha, num local proibido e sem qualquer tipo de iluminação, e tendo conduzido, momentos antes o veículo, quando estava proibido por decisão judicial de o fazer.

Quanto ao grau de culpa do Arguido, atuou de forma conscientemente negligente, pois que não pode senão aceitar-se que o arguido previu o resultado da sua conduta como possível não se conformando com a sua verificação.

Já quanto às exigências de prevenção especial estas não são despiciendas.

Milita a favor do Arguido o facto de estar familiar, social e profissionalmente inserido e de ter confessado os factos que lhe eram imputados e com orientação conseguiu identificar a existência de vítimas, mas incluindo-se no seu elenco.

Contra o arguido milita o facto de possuir antecedentes criminais de natureza rodoviária, praticou os factos quando estava em pleno cumprimento de uma pena acessória, revela dificuldades ao nível de raciocínio crítico e resolução de problemas, sobretudo em situações mais complexas, nem sempre reconhecendo e compreendendo as regras sociais. Em relação aos presentes autos, o arguido apresenta dificuldade em refletir de forma crítica, adotando uma atitude de legitimação de alguns dos seus comportamentos.

Relativamente à gravidade das consequências da conduta do Arguido atentos os factos provados, é por são as que as mesmas são consideráveis (factos11 a 13).
(…)
Quanto ao quantitativo diário da pena de multa, sendo o critério a situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, considerando as suas atuais condições sócio-económicas (dadas como provadas nos factos 23 e ss), por entender adequado, o Tribunal fixa em 5,00€ (cinco euros) o montante diário a pagar pelo Arguido – cfr artº 47º, nº 2 do CP

Do concurso de crimes
Nos termos do art. 77º do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles, é condenado numa pena única.

Fixadas que estão as penas parcelares aplicáveis ao arguido por cada um dos crimes por ele cometidos, cumpre agora apurar a pena única em que o mesmo será condenado em face dos critérios contidos no nº 2 do artigo 77º do Código Penal, o qual estabelece que a mesma terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
(…)
Encontrando-se apurada a moldura abstrata, a pena única é determinada de acordo com a parte final do nº 1 do art. 77º do Código Penal, ou seja, considerando em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo esta última determinante para a aferição da pena unitária.

Ora, apesar do arguido ter antecedentes criminais registados, confessou os factos (o que denuncia existência de alguma capacidade de autocrítica), é certo que beneficia de inserção familiar, social e profissional e, bem assim, que os factos assumem, no seu conjunto, gravidade não despicienda.
(…)
Da Pena de Proibição de conduzir veículos com motor – artº 69º, nº 1, al. a) do CP
(…)
Estipula o art. 69.º, 1, a), do Código Penal, que, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 (três) meses e 3 (três) anos quem for punido, por crime previsto no art. 291.º ou no art. 292.º do Código Penal.

Com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pretendeu dotar-se o sistema sancionatório português de uma verdadeira pena acessória, capaz de dar satisfação a razões “(...) político-criminais (...) por demais óbvias entre nós para que precisem de ser especialmente esclarecidas”, sendo que, “à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si, nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (...) devendo esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, II, p. 165.

A proibição de conduzir assume-se como uma verdadeira pena, de estrita aplicação judicial, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dotado de uma moldura penal própria, permitindo – e impondo – a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso, sendo certo que, não constituindo um efeito automático da pena, ela é, no entanto, ao que parece, um efeito automático da prática de certos crimes, conforme salientou o mesmo Insigne Professor (Ata n.º 41 da reunião da Comissão Revisora do Código Penal de 1982).

A determinação da medida da pena acessória (período de tempo da proibição de conduzir) opera-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71.º do Código Penal, com a ressalva de que, a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a sanção em causa tem em vista, tão só, prevenir a perigosidade do agente - muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.

Segundo a Jurisprudência dominante, tal medida de proibição de conduzir veículos motorizados é de aplicação obrigatória – cfr. o Ac. do TRC, de 07.11.86, in CJ, Tomo V, p. 47, o Ac. do TRC, de 21.12.95, in CJ, Tomo V, p. 79, o Ac. do STJ, de 26.02.97, in CJ, Tomo I, p. 235, e o Ac. do TRE, de 16.04.1996, in CJ, Tomo II, p. 292 –, não podendo ser dispensada, atenuada especialmente, substituída por caução de boa conduta nem suspensa na sua execução – vide, neste sentido, entre muitos outros, o Ac. do TRL, de 20/02/2008, disponível em www.dgsi.pt, Processo nº 183/2008-3.

Tais condicionantes de ordem jurídica encontram o seu fundamento na cada vez maior necessidade de sensibilização dos condutores para uma circulação rodoviária segura para os próprios e para os demais utentes da via, garantindo, assim, uma maior eficácia preventiva.

Conforme se refere no mencionado Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/02/2008 (em análise, nesta sede, de uma situação de condução por arguido portador de uma TAS de 1,81 g/l, sem antecedentes criminais registados), “a qualquer condutor deve exigir-se, cada vez mais, a prática de uma condução segura. Quem conduz com tão elevada taxa de álcool no sangue manifesta um enorme desprezo pela sua própria segurança e, sobretudo, pela segurança dos demais”.
(…)
Com efeito, como se referiu já, a sinistralidade estradal, que entre nós assume proporções drásticas, encontra explicação não despicienda na condução de veículos em estado de embriaguez, a significar que são prementes as necessidades de pôr cobro a comportamentos do tipo do assumido pelo arguido (prevenção geral), comportamento esse que é merecedor de um juízo de censura acentuado, na medida em que o arguido se dispôs a efetuar uma manobra manual de inversão de sentido de marcha, num local sem qualquer iluminação e absolutamente proibido para o fazer, com um veículo sem luzes e ainda com uma taxa de alcoolemia de 2,56 g/l, desconsiderando e postergando os perigos daí decorrentes para terceiros, tanto mais que foi interveniente em acidente de viação do qual resultaram lesões físicas para os ofendidos tal como descritos nos factos provados em 11 a 14.

Destarte, ponderando tudo quanto supra se expôs não podendo deixar-se de considerar a conduta da arguida como gravemente violadora das regras, tenho por certo que a finalidade da punição se alcança pela aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses, a qual se fixa, para cada um dos crimes.

Do concurso de crimes
A proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69º do atual CP consubstancia uma verdadeira pena acessória.

Assim sendo a proibição de conduzir veículos a motor a natureza de uma pena, é suscetível da aplicabilidade do sistema do cúmulo jurídico, porque as penas acessórias não deixam de estar sujeitas às mesmas finalidades das penas principais, plasmadas no art. 40º do CP, bem como aos critérios da determinação da medida da pena previstos no art. 71º do mesmo diploma.

Ora, constituindo a punição do concurso de crimes (no caso, de crimes puníveis com pena acessória) “um caso especial de determinação da pena” [ ], na qual “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (art. 77º nº 1 do CP), não se vê onde os fins das penas acessórias possam colidir com os regras do cúmulo jurídico.

Cremos ainda que a obrigatoriedade da acumulação material das penas acessórias, fundamentada na simples natureza dessas penas, propiciaria a violação do princípio da culpa, hoje inolvidável em qualquer ordenamento jurídico-penal, e colidia frontalmente com as finalidades de prevenção especial.

As razões de política criminal (a “especial censurabilidade” de determinados tipos de conduta) são tidas em conta para fundamentar e legitimar a incriminação (acessória) dessa conduta, não devendo relevar para a determinação da pena a aplicar, como é o caso das regras de punição do concurso (ditadas, também elas, por razões de política criminal).

Concluímos, portanto, que em caso de concurso de crimes puníveis com pena acessória, deve proceder-se a cúmulo jurídico das penas aplicadas, em conformidade com o art. 77º do CP.

Como consequência, impõe-se alterar a sentença recorrida nesse ponto e proceder agora ao cúmulo.

O arguido foi condenado na pena acessória de 6 meses por cada crime de ofensa à integridade física por negligência.

Nos termos do nº 2 do art. 77º do CP a moldura penal do concurso é, assim, de 6 a 12 meses.

Quanto à consideração dos factos e da personalidade do agente preconizada no nº 2 do preceito:

Ponderadas todas as circunstâncias que se indicaram na ponderação do concurso das penas de multa e que aqui se consideram reproduzidos, entende-se ajustado fixar a pena única acessória de proibição de conduzir veículos com motor em 9 (NOVE) meses.

Sobre a escolha e graduação das penas pronunciou-se a sentença recorrida em termos com os quais globalmente concordamos, pelo que não vale a pena estarmos nós agora aqui a dizer o mesmo, embora que por palavras diferentes.

Assim e uma vez que quer as penas parcelares de multa, quer a pena única de multa não foram objecto de recurso, manteremos para a punição da condução perigosa de veículo rodoviário a escolha feita pela 1.ª Instância para os demais ilícitos da pena de multa em detrimento da de prisão, bem como a sua razão diária de 5,00 €.

Termos em que, atentos os considerandos expendidos pela 1.ª Instância e em relação aos quais apenas sublinharemos agora a extrema gravidade do comportamento do arguido em andar, com uma TAS de 2,56 g/l, a empurrar o carro para fazer uma inversão de marcha de noite e com as luzes do veículo apagadas, ocasionando assim um grave acidente aos dois ocupantes do motociclo que embateu no carro do arguido, em virtude do qual cada um deles padeceu da extensa lista de lesões descrita nos pontos 11 a 15 dos factos provados, e temos por justo e adequado fixar a pena e a sanção acessória ao arguido pelo cometimento do mencionado crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos art.º 291.º, n.º 1 al.ª a) e b) e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, em 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de 5,00 (cinco) € e em 10 (dez) meses de inibição de conduzir veículos com motor.

Em cúmulo jurídico com as penas parcelares e as sanções acessórias parcelares aplicadas na sentença recorrida e que estão descriminadas a fls. 1 do presente acórdão, vai o arguido R condenado na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa à razão diária de 5 (cinco) €, isto é, na multa de 2.000,00 (dois mil) € e na sanção acessória única de um ano e seis meses de inibição de conduzir veículos com motor.

IV
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, se decide:

1.º
Declarar que à data em que foi proferida a sentença recorrida ainda não se encontrava extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional relativo às contra-ordenações de que o arguido estava acusado, nessa parte se revogando a decisão recorrida quando decidiu em contrário ao agora estabelecido.

2.º
Declarar que actualmente se encontra extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional relativo às contra-ordenações de que o arguido foi acusado.

3.º
Alterar a matéria de facto por forma a que o teor do ponto a) dos factos não provados passa a integrar o ponto 21-A dos factos provados.

4.º
Julgar a acusação procedente também em relação ao crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. pelos art.º 291.º, n.º 1 al.ª a) e b) e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, pelo qual vai o arguido R condenado em 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de 5,00 (cinco) € e em 10 (dez) meses de inibição de conduzir veículos com motor.

5.º
Em cúmulo jurídico com as penas parcelares e as sanções acessórias parcelares aplicadas na sentença recorrida, vai o arguido R condenado na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa à razão diária de 5 (cinco) €, isto é, na multa de 2.000,00 (dois mil) € e na sanção acessória única de um ano e seis meses de inibição de conduzir veículos com motor.

6.º
Não é devida tributação.

#
Évora, 21-11-2017

(elaborado e revisto pelo relator)

João Martinho de Sousa Cardoso

Ana Barata Brito

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[1] Confissão que levou a que fosse prescindida a prova testemunhal arrolada pelo M.º P.º, uma vez que, como da acta de julgamento a fls. 443 e ss. consta, pelo arguido foi dito que desejava prestar declarações, o que passou a fazer, tendo, inclusivé, confessado de forma livre, integral e sem reservas, bem como fora de qualquer coacção, os factos que lhe são imputados, tendo em consequência o tribunal "a quo" proferido despacho no qual exarou que em face da confissão integral e sem reservas quanto aos factos que o arguido tem obrigação de conhecer e constantes da acusação e atenta a posição do Ministério Publico, considera-se prescindida a prova testemunhal arrolada pela Digna Magistrada do Ministério publico, atendendo que, quanto às lesões sofridas, os mesmos resultam de prova pericial constante dos autos cujo valor presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto no art.º 163.º, n.º 1, do CPP.

[2] Ac. RP de 23-2-1983, BMJ n.º 324-620 e ac. STJ de 25-9-1997, este citado por Leal-Henriques e Simas Santos no seu Código Penal Anotado, 3.ª ed., vol. I, pág. 223.

[3] Cf. também o Código de Processo Penal anotado pelos Magistrados do M.º P.º do Distrito Judicial do Porto, 2009, pág. 1085, em anotação ao art.º 431.º.