Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
931/20.1T8STB-B.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DESPEDIMENTO
SANÇÃO DISCIPLINAR
PROVA PROÍBIDA
VIDEOVIGILÂNCIA
VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
REQUISITOS OBJECTIVOS
CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) as imagens captadas pelo sistema de videovigilância, nos termos da autorização concedida pela CNPD, são proibidas se tiverem por finalidade controlar o trabalhador e a sua prestação, mas são admitidas se tiverem por fim proteger os bens e as pessoas dentro do estabelecimento.
ii) estas imagens não são meio de prova lícito se o empregador não informou o trabalhador da sua realização e finalidade, nem afixou no respetivo local a informação devida.
iii) neste contexto, as imagens obtidas são um meio de prova proibido para efeitos de serem utilizadas em processo disciplinar e judicial para provar factos ilícitos praticados pelo trabalhador com vista à aplicação de sanção disciplinar de despedimento. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: C…, SA (requerida).
Apelado: C… (requerente).
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Setúbal - Juiz 2

1. O requerente, veio, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art.º 34.º e n.º 2 do art.º 98.º- C do CPT, pedir a suspensão do despedimento de que foi alvo por parte da requerida, alegando a inexistência de justa causa e a presunção a que se refere o n.º 3 do art.º 410.º do Código do Trabalho.
Deduziu a requerida a respetiva oposição, apresentada em audiência final e nos autos, de fls. 46 a 151 e um CD, para sustentar a regularidade e a licitude da decisão de despedimento, que se depreende considera justa e adequada ao caso concreto.
Designada data para a inquirição das testemunhas arroladas, foi a mesma realizada com observância das legalidades formais.
De seguida foi proferida a decisão seguinte: não tendo sido afastada a presunção da inexistência de justa causa, decreta-se a suspensão do despedimento.

2. Inconformada, veio a requerida interpor recurso de apelação que motivou, com as conclusões que se seguem:
1. De acordo com o disposto no art.º 39.º do CPT, a suspensão do despedimento será decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probalidade séria da ilicitude do despedimento;
2. Compete no entanto ao tribunal formar a sua convicção com todos os meios de prova carreados aos autos, e uma vez formada, sobre a séria probalidade da verificação dos pressupostos, decidir.
3. As câmaras de videovigilância da recorrente estão licenciadas para os fins que resultam do processo n.º 5225/2018, Autorização n.º 3990/2018, ou seja, de “Proteção de pessoas e bens”.
4. O n.º 2 do art.º 20.º do Código do trabalho, constitui uma exceção ao n.º 1, permitindo que, quando esteja em causa a segurança de pessoas e bens, se justifica a videovigilância e, os comportamentos do trabalhador que atentem contra aqueles valores possam ser provados pelo registo das imagens recolhidas pelas camaras.
5. Na imputação dos factos ao trabalhador requerente, em sede de procedimento disciplinar, não estava em causa o seu desempenho profissional, mas sim, a falta de cumprimento por este, das regras de segurança que poem em risco o produto da empresa, ou seja, os seus bens, sem excluir as razões de segurança no trabalho, factos que vão além do desempenho profissional do trabalhador.
6. As imagens recolhidas pelas Camaras de Videovigilância da recorrente e mencionadas nos autos, não incidiam sobre o desempenho profissional do recorrido.
7. São de admitir as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, assim como de despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados e se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
8. Não há, no caso dos autos, violação do fim para o qual foi concedida a autorização, nem sequer está em causa o disposto no n.º 1 art.º 20.º do Código do Trabalho.
9. Na imputação dos factos ao requerente, em sede de procedimento disciplinar, não estava em causa o seu desempenho profissional, mas sim, a falta de cumprimento por este, das regras de segurança que poem em risco o produto da empresa, ou seja, os seus bens, sem excluir as razões de segurança no trabalho, factos que vão além do desempenho profissional do trabalhador.
10. Desempenho profissional corresponde tão só à execução das suas tarefas profissionais.
11. A função do trabalhador recorrido é de operador de máquina de Vácuo, e nunca esteve em causa o desempenho dessa função.
12. O trabalhador ao não utilizar o equipamento obrigatório a que estava obrigado, com total indiferença às consequências resultantes da sua omissão, constituiu-se como autor ou responsável penal por a sua omissão resultar em perigo para bens patrimoniais importantes para a empresa.
13. Tal omissão, nos termos em que ocorreu e com as possíveis consequências daí resultantes para a entidade patronal, poderá configurar um crime de dano na forma tentada, nos termos do disposto no art.º 212.º n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.
14. É de concluir que a situação dos autos configura uma clara e inequívoca proteção dos bens da entidade empregadora ora recorrente, sendo que as câmaras de videovigilância não visavam controlar o desempenho profissional do trabalhador ora recorrido.
15. Pelo conjunto dos factos supramencionados, e tendo em consideração as funções de delegado e dirigente sindical do recorrido à data dos factos, estamos perante séria probalidade de existência de justa causa para o seu despedimento.
16. Assim, a douta decisão recorrida viola, além das mais aplicáveis, as disposições contidas no n.º 2 do art.º 20.º do Código do Trabalho e o n.º 1 do art.º 39.º do Código de Processo de Trabalho.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a sentença recorrida no sentido de considerar improcedente o pedido de suspensão do despedimento.

3. O requerente respondeu e concluiu que:
1. O Tribunal a quo deu como provado no ponto 7. da matéria de facto que “As câmaras de videovigilância da requerida estão licenciadas para os fins que resultam do Processo n.º 5225/ 2018, Autorização N.º 3990/ 2018, ou seja, de “Proteção de pessoas e bens”
2. Porém, se é verdade que as câmaras estão licenciadas para a “Proteção de pessoas e bens”, não é menos verdade que o tribunal a quo disse menos do que devia, como se retira do doc. 3 junto com o requerimento inicial da providência cautelar de suspensão de despedimento.
3. O documento 3, licencia a utilização das câmaras de videovigilância para proteção de pessoas e bens, mas limita a sua utilização ao estabelecer que as imagens das câmaras não podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar, impondo mesmo que as imagens obtidas só podem ser transmitidas no termos da lei processual penal.
4. Pelo que o ponto 7. dos factos provados deveria ter a seguinte redação: - As câmaras de videovigilância da requerida estão licenciadas para os fins que resultam do Processo n.º 5225/ 2018, Autorização N.º 3990/ 2018, ou seja, de Proteção de pessoas e bens, sendo que as imagens não podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar e só podem ser transmitidas no termos da lei processual penal.
Da resposta à alegação
5. Todos os factos imputados ao recorrido e que constituíram fundamento de despedimento foram adquiridos com recurso ao visionamento de imagens de videovigilância.
6. Visionamento esse que estava vedado à recorrente, não só porque não dispunha de licenciamento válido que lhe permitisse recorrer a essas imagens de videovigilância para instruir um processo disciplinar, como pelo preceituado no n.º 1 e n.º 2 do art.º 20.º do Código do Trabalho, uma vez que as imagens não tratam de questões que se relacionem com a segurança, mas antes com a utilização de uma farda de trabalho.
7. Mas mesmo que estivéssemos na presença de alguma das situações elencadas no n.º 2 do art.º 20.º do Código do Trabalho, a Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, veio concretizar o modo como o referido art.º 20.º deve ser interpretado para efeitos de procedimento disciplinar.
8. Essa disposição legal concretiza no n.º 4 do art.º 28.º sob a epígrafe “Relações laborais”, que as imagens gravadas através da utilização de sistemas de videovigilância, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal, e o n.º 5 do mesmo preceito refere que as imagens obtidas só podem ser utilizadas para efeitos de responsabilidade disciplinar na medida em que o sejam no âmbito do processo penal.
9. Assim, tendo as imagens de video sido a fonte de aquisição de todos os factos imputados ao requerente, e a sua única prova, estes factos, por terem sido levados ao processo de forma ilícita, como se explicou supra, não podem servir de fundamento a uma decisão de despedimento.
10. Confrontada com esta realidade, a recorrente veio agora alegar que a não utilização de máscara, farda, luvas, e proteção de pés, pode configurar a prática de um crime de dano, na forma tentada, punível pela lei penal, o que lhe permitiria fazer uso das imagens.
11. No entanto esta nova alegação só agora aparece em sede de recurso, em momento algum a recorrente imputa ao recorrido a prática de um crime de dano, não o fez na nota de culpa, nem tão pouco na contestação à providência cautelar de suspensão do despedimento.
12. Com este argumento a recorrente quer agora discutir em sede de recurso algo que nunca alegou, algo que nunca sequer sujeitou ao contraditório, o que significa que a recorrente está a inovar em sede de recurso, o que não lhe é permitido.
13. Resulta sim dos factos dados como provados que o recorrido é Delegado Sindical e em virtude desse facto o seu despedimento presume-se ilícito.
Nessa conformidade cabia à recorrente, em sede judicial, ilidir a presunção, o que não fez.
14. Por conseguinte, mesmo admitindo como mera hipótese académica, que a tese do crime de dano na forma tentada seria plausível, o que permitiria à recorrente usar no processo disciplinar as imagens recolhidas pelas câmaras de videovigilância, ainda assim, seria necessário que a recorrente tivesse pedido a alteração da matéria de facto dada como assente, para que dessa forma pudesse ilidir a presunção de ilicitude que corre a favor do recorrido, o que igualmente também não se mostra requerido.
15. Ou seja, mesmo que o recurso às imagens fosse possível, na matéria dada como provada não existem factos que permitam afastar a presunção de ilicitude do despedimento.
16. Resumindo, por um lado o Tribunal a quo não violou o n.º 2 do art.º 20.º do Código do Trabalho, nem tão pouco o n.º 1 do art.º 39.º do Código do Processo de Trabalho, e por outro lado a recorrente não afastou a presunção de ilicitude que corre contra si, sendo que nessa conformidade deve manter-se a decisão recorrida.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, e subsidiariamente ser ampliado o ponto 7. dos factos dados como provados pelo tribunal, nos termos destas conclusões.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
As partes foram notificadas e não responderam.

5. Dispensados os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões, e só por estas, as quais constituem a baliza dentro da qual o tribunal de recurso, neste caso a Relação, pode conhecer das questões aí contidas e não de outras, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir circunscreve-se a apurar se as imagens obtidas através de videovigilância podem constituir meio de prova para sustentar o despedimento.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
1. A requerida instaurou um processo disciplinar ao requerente, o qual visava o seu despedimento, caso se viessem a comprovar os factos que lhe eram imputados.
2. No dia 3 de fevereiro de 2020, o requerente foi notificado da decisão onde lhe comunicaram “que lhe foi aplicada a sanção de despedimento com justa causa sem indemnização ou compensação, a qual produzirá efeitos imediatos”.
3. A requerida considerou provado, nomeadamente, que:
a) 23. Na semana de 16/09/2019 a 20/09/2019, o trabalhador arguido esteve vinculado a um horário correspondente ao turno das 00h as 8h00, afeto à sala de CCS.
b) 24. E no dia 16 de setembro de 2019, o trabalhador arguido encontrava-se a cumprir o horário das 00h às 8h00, tendo saído do seu local de trabalho, na sala CCS, pelas 4h54m e regressado às 5h53m07s, cerca de uma hora depois.
c) 25. Durante esse período de ausência do local de trabalho, o trabalhador entrou duas vezes na área protegida de tratamentos AR, sem os equipamentos adequados e obrigatórios, sem proteção no calçado, sem máscara, sem touca, sem luvas e sem proteção de pés.
d) 26. A primeira vez ocorreu às 5h45m29s e a segunda vez às 5h50m39s.
e) 27. Não existiu qualquer justificação profissional para o trabalhador se deslocar à referida zona protegida.
f) 28. No dia 17 de setembro de 2019, encontrava-se a cumprir o horário das 00h às 8h00, tendo saído do seu local de trabalho, na sala CCS pelas 2h39m41s e regressado às 3h42m51s, cerca de uma hora depois.
g) 29. Durante esse período de ausência no local de trabalho, o trabalhador entrou às 3h39m34s na área protegida de tratamentos AR, sem os equipamentos adequados e obrigatórios, sem proteção no calçado, sem máscara, sem touca, sem luvas e sem proteção de pés.
h) 30. Mais tarde, ainda durante o mesmo turno, o trabalhador voltou a sair do seu local de trabalho às 5h17m30s, tendo voltado às 6h06m42s, quase 50 minutos depois.
i) 31. Às 5h18m17s o trabalhador entrou sem proteção de cabeça (touca) e de boca (máscara) na sala A20 e, às 5h23m16, entrou na sala de CCS sem a proteção a que estava obrigado.
j) 32. Durante a ausência atrás referida no ponto 27, e durante cerca de 10m, o trabalhador manteve-se no corredor a conversar com outro trabalhador, sem que qualquer ocorrência profissional o justificasse.
k) 33. No horário do referido trabalhador estão previstas pausas de 30 (trinta) minutos para tomar uma refeição e intervalos de 15 minutos para descanso, num total de 45 minutos de pausa.”, (Doc. 1).
4. Os factos de a) a k), constantes na Nota de Culpa e no Aditamento à Nota de Culpa, foram obtidos pela Senhora Dr.ª Diretora de Recursos Humanos da Requerida, Dra. C….
5. Para o efeito, visionou imagens dos dias supramencionados, de forma aleatória, através da recolha e processamento de imagens de vídeo recolhidas no local com equipamento devidamente licenciado.
6. Para além da dirigente suprarreferida, com acesso autorizado pelo antigo Administrador Senhor Eng.º C…, à recolha e processamento de imagens, tinham ainda acesso autorizado mais três pessoas.
7. As câmaras de videovigilância da requerida estão licenciadas para os fins o que resultam do Processo n.º 5225/ 2018, Autorização N.º 3990/ 2018, ou seja, de “Proteção de pessoas e bens”.
8. A atividade da entidade empregadora – fabrico de lentes/ótica – carece de especiais cuidados por parte dos trabalhadores envolvidos no processo produtivo, designadamente o escrupuloso cumprimento das normas de higiene e segurança, em concreto, a proteção destes quando se encontram em ambientes protegidos.
9. O desrespeito por estas normas por parte dos trabalhadores, compromete e põe em risco a qualidade do produto, que poderá resultar contaminado ou danificado de forma irreversível, o que poderá determinar avultados prejuízos para a entidade patronal.
10. O controlo da verificação e cumprimento das normas de segurança impõe-se para proteção do produto que é um bem da empresa, e que, se resultar danificado ou inutilizado, determinará acentuados prejuízos, não apenas na sua substituição como também, atrasos nas entregas das encomendas aos clientes, com o inerente prejuízo de imagem e de incumprimento contratual.
11. O requerente é delegado sindical na requerida e dirigente do sindicato dos trabalhadores da indústria vidreira, desde novembro de 2017, como consta no “v-dos factos apurados – da matéria dada como provada, no ponto 8. e 9. da decisão final”.

B) APRECIAÇÃO

B1) De facto

O apelado insurge-se contra a redação do ponto 7 dos factos provados e conclui que: “o ponto 7. dos factos provados deveria ter a seguinte redação: - As câmaras de videovigilância da requerida estão licenciadas para os fins que resultam do Processo n.º 5225/ 2018, Autorização N.º 3990/ 2018, ou seja, de Proteção de pessoas e bens, sendo que as imagens não podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar e só podem ser transmitidas no termos da lei processual penal”.
Analisado o documento em causa, mostra-se fundamentada a pretensão do apelado.
Com efeito, a autorização é concedida nos termos que assinala e não está impugnada.
Assim, o ponto 7 dos factos provados fica com a redação seguinte: “As câmaras de videovigilância da requerida estão licenciadas para os fins que resultam do Processo n.º 5225/ 2018, Autorização N.º 3990/ 2018, ou seja, de Proteção de pessoas e bens, sendo que as imagens não podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar e só podem ser transmitidas no termos da lei processual penal”

B2) De Direito

A questão que se coloca é a de saber se as imagens captadas pelo sistema em causa podem ser utilizadas como meio de prova de factos suscetíveis de integrar justa causa para a aplicação de uma sanção disciplinar, v.g., o despedimento do trabalhador.
O art.º 20.º do CT prescreve que o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador (n.º 1).
A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem (n.º 2).
Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo (n.º 3).
Por sua vez, o art.º 21.º do CT prescreve que a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados (n.º 1).
A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objetivos a atingir (n.º 2).
Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho (n.º 3).
Resulta das normas jurídicas acabadas de citar que:
- O empregador não pode utilizar meios de videovigilância para controlar a prestação do trabalhador;
- Os meios de vigilância a distância são lícitos quando se destinem a proteger a segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem;
- A entidade competente para autorizar meios de vigilância a distância é a Comissão Nacional de Proteção de Dados;
- Os meios de vigilância a distância devem ser instalados nos termos da autorização concedida; e
- O trabalhador deve ser informado sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados e a empregadora deve afixar a informação no local respetivo.
O art.º 20.º n.º 1 do CT proíbe a utilização de meios de vigilância a distância com a finalidade de controlar o trabalhador. O seu n.º 2 permite a vigilância a distância para proteger pessoas, bens ou nos casos em que particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.
Existe a regra geral contida no art.º 20.º n.º 1 do CT e existe a exceção prevista no n.º 2 do mesmo artigo.
A interpretação conjugada dos n.ºs 1 e 2 do art.º 20.º do CT permite-nos concluir que as imagens captadas pelo sistema de videovigilância são proibidas se tiverem por finalidade controlar o trabalhador e a sua prestação, mas são admitidas se tiverem por fim proteger os bens e as pessoas dentro do estabelecimento.
Está provado que a CNPD autorizou a empregadora a utilizar o equipamento de videovigilância. A CNPD estabeleceu, além de outros não aplicáveis ao caso concreto, o limite seguinte ao tratamento de dados: não podem as câmaras incidir regularmente sobre os trabalhadores durante a atividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar.
Está ainda provado que: “8. A atividade da entidade empregadora – fabrico de lentes/ótica – carece de especiais cuidados por parte dos trabalhadores envolvidos no processo produtivo, designadamente o escrupuloso cumprimento das normas de higiene e segurança, em concreto, a proteção destes quando se encontram em ambientes protegidos.
9. O desrespeito por estas normas por parte dos trabalhadores, compromete e põe em risco a qualidade do produto, que poderá resultar contaminado ou danificado de forma irreversível, o que poderá determinar avultados prejuízos para a entidade patronal.
10. O controlo da verificação e cumprimento das normas de segurança impõe-se para proteção do produto que é um bem da empresa, e que, se resultar danificado ou inutilizado, determinará acentuados prejuízos, não apenas na sua substituição como também, atrasos nas entregas das encomendas aos clientes, com o inerente prejuízo de imagem e de incumprimento contratual”.
Estes últimos factos provados poderiam, eventualmente, justificar a utilização do equipamento de videovigilância, nos termos do art.º 20.º n.º 2 do CT, para proteger pessoas, bens ou nos casos em que particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justificassem[1].
No caso concreto, a empregadora omitiu um elemento essencial: a informação do trabalhador da sua existência e finalidade, bem como a respetiva afixação no local onde procedia à recolha das imagens. Esta formalidade visa tornar o trabalhador consciente de que o seu local de trabalho está a ser filmado e permitir-lhe assim adequar a sua conduta em conformidade.
A requerida empregadora deveria ter alegado e provado que informou o trabalhador e afixou a informação no local sujeito a videovigilância, o que não ocorre no caso concreto.
Assim, a prova recolhida através do sistema de videovigilância mostra-se ferida de ilegalidade para efeitos de recolha de prova para fundamentar o despedimento do trabalhador.
Nestes termos, decidimos julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 24 de setembro de 2020.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
_____________________________________
[1] Neste sentido, Ac. RE, de, 16.12.2017, processo n.º 244/17.6T8PTM.E1, www.dgsi.pt/jtrl.