Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
136/13.8TTEVR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
GRUPO DE SOCIEDADES
INSOLVÊNCIA
DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Para o trabalhador beneficiar da garantia creditícia estabelecida no artigo 334.º do Código do Trabalho, tem, além do mais, que alegar e provar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) a existência das sociedades, Rés na acção, que se encontram entre si numa relação de participação recíproca, de domínio ou de grupo, nos termos previstos no artigo 481.º e segts. do Código das Sociedades Comerciais;
II – É de concluir que se verifica essa relação de domínio, no circunstancialismo em que se apura que uma das sociedades detém uma participação maioritária do capital das outras, sendo que todas mantinham uma direcção unitária, usufruíam e mantinham a direcção da prestação dos trabalhadores/Autores;
III – Resultando um crédito laboral da cessação de um contrato de trabalho promovida pelo administrador da insolvência, o mesmo constitui uma dívida da massa insolvente;
IV – Porém, tal não impede que possam ser responsabilizadas solidariamente pelo pagamento daquele crédito as sociedades coligadas, uma vez que, ainda aí, a entidade que gera o facto que dá origem ao crédito não deixa de continuar a ser a empresa insolvente, com quem os trabalhadores/Autores mantinham os contratos de trabalho e que manteve a sua identidade jurídica e a sua relação de grupo com as outras sociedades.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 136/13.8TTEVR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. B…,
2. C…,
3. D…,
4. E…,
intentaram, no extinto Tribunal do Trabalho de Évora, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra:
1. F…, SA ,
2. G…, S.A ,
3. H…, S.A.,
pedindo a condenação solidária das Rés a pagar (i) ao 1.º Autor a quantia de € 25.128,20, (ii) ao 2.º Autor a quantia de € 31.278,20, (iii) ao 3.º Autor a quantia de € 36.156,15, e (iv) à 4.ª Autora a quantia de € 46.459,93, todas acrescidas de juros de mora.
Alegaram para o efeito, muito em síntese, que foram trabalhadores da sociedade I…, S.A., a qual era detida pela sociedade J…, S.A., ambas entretanto declaradas insolventes.
Por sua vez, a referida J…, S.A. é detida pela Ré F…, S.A., a 100%, e esta a 60,364% pela Ré G…, S.A., a qual é detida a 97,06% pela Ré H…, S.A., sendo que as Rés integram um grupo societário e económico, encontram-se em relação de domínio com a empregadora I…, S.A., integrando um grupo de empresas, com direcção unitária, e com uma estrutura acionista e corpos directivos similares.
Finalmente acrescentaram que na sequência da declaração de insolvência da empregadora I…, S.A., o administrador da insolvência promoveu o seu (deles, Autores) despedimento antes do encerramento definitivo do estabelecimento, com efeitos a 01 de Outubro de 2012, permanecendo por pagar créditos que, não obstante terem sido reclamados no processo de insolvência, não foram ainda liquidados.
Em consequência, e fundando-se no disposto no artigo 334.º do Código do Trabalho – isto é, na responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo – peticionam a condenação solidária das Rés nos referidos pagamentos.

Tendo-se procedido à audiência de partes, e não se tendo logrado o acordo das mesmas, contestaram as Rés, sustentando, muito em resumo, que todos os créditos vencidos emergentes dos contratos de trabalho com os Autores se encontravam pagos na data em que a empregadora I…, S.A., foi declarada insolvente, que nenhuma das Rés tomou, por si ou por intermédio de terceiro, deliberações relativas à insolvência e que na data do vencimento dos peticionados créditos nenhuma das Rés estava em relação de domínio com a I…, S.A., por não exercer sobre ela influência dominante, directa ou indirectamente.
Em conformidade, concluíram pela improcedência da acção.

Responderam os Autores, a reiterar o constante da petição inicial e a pugnar, mais uma vez, pela procedência da acção.
Realizou-se audiência preliminar, foi proferido despacho saneador stricto sensu, consignados os factos assentes, bem como a base instrutória, de que reclamaram, com êxito, as Rés.
Em 13-09-2013 procedeu-se à audiência de julgamento (fls. 153-155), que prosseguiu em 19-09-2013, com resposta à matéria de facto, que não foi objecto de reclamação das partes (fls. 156-159).
Em 11-10-2013 foi proferida sentença, que julgou a acção procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Pelo exposto julgo a acção procedente por provada e em consequência:
a) condeno solidariamente as Rés F…, S.A., G…, S.A., e H…, S.A., a pagar ao A. B…a quantia global de € 25.128,20 (vinte e cinco mil cento e vinte e oito euros e vinte cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
b) condeno solidariamente as Rés F…, S.A., G…, S.A., e H…, S.A., a pagar ao A. C…a quantia global de € 31.278,20 (trinta e um mil duzentos e setenta e oito euros e vinte cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
c) condeno solidariamente as Rés F…, S.A., G…, S.A., e H…, S.A., a pagar ao A. D…a quantia global de € 36.156,15 (trinta e seis mil cento e cinquenta e seis euros e quinze cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
d) condeno solidariamente as Rés F…, S.A., G…, S.A., e H…, S.A., a pagar à A. E…a quantia global de € 46.459,93 (quarenta e seis mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
e) custas pelas Rés.».
Inconformadas com a sentença, as Rés dela interpuseram recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«1ª. As Apelantes recorrem da sentença de fls. , quanto à decisão de facto e de Direito.
2ª. A declaração de que “todas as Rés integravam um grupo de empresas, com direcção unitária, que assim se apresentava” (resposta ao número 1 da base instrutória) constitui matéria conclusiva, que por isso se deve considerar não escrita.
3ª. A prova testemunhal produzida e, em concreto, o depoimento da testemunha L…, não menciona as Recorridas como integrando grupo de empresas, com direcção unitária, pelo que, a sê-lo, o facto não pode considerar-se provado.
4ª. Na declaração do Tribunal a quo, as Rés integravam um grupo de empresas “com uma estrutura accionista e corpos directivos similares” (resposta ao número 2 da base instrutória).
5ª. O que consubstancia matéria conclusiva, devendo considerar-se não escrita.
6ª. Nem dos factos assentes por acordo nos autos, nem da prova neles produzida, se extrai que as Rés integravam um grupo de empresas “com uma estrutura accionista similar”.
7ª. O Tribunal a quo deu como provado que as Rés integravam um grupo de empresas “usufruindo todo o grupo da sua actividade e mantendo a direcção da respectiva prestação de cada Autor” (resposta ao número 3 da base instrutória).
8ª. Por ser conclusivo, esta declaração deve considerar-se não escrita.
9ª. Da prova produzida nos autos e, em concreto, do depoimento da testemunha L…, não resulta assente que as Recorrentes integrassem grupo de empresas, “usufruindo todo o grupo da sua actividade e mantendo a direcção da respectiva prestação de cada Autor”.
10ª. A declaração de que “M… e Dr. N… são vogais do Conselho de Administração da Ré F…(cfr. número 4 da base instrutória) só pode ser provada por certidão de matrícula daquela sociedade que, por referência à data em causa nos autos, não se mostra junta a estes.
11ª. Não se encontra nos autos certidão de matrícula societária que permita considerar assente que “O… é vogal do Conselho de Administração da Ré G…”, ao contrário do declarado na sentença recorrida (resposta ao número 5 da base instrutória).
12ª. Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
13ª. Na data em que se constituíram os créditos peticionados pelos Recorridos, as Recorrentes e a I… não se encontravam em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, situação que não sofreu alteração desde então.
14ª. À data em que se constituíram os créditos peticionados pelos ora Recorridos (e desde então), as Recorrentes e a I… não participavam no capital social umas das outras, pelo que não se encontravam em relação de participações recíprocas.
15ª. O legislador português elencou exaustivamente as formas de constituição de relação de grupo, sendo manifesto que as Recorrentes e a I…nunca tinham estado e não estavam sob contrato de subordinação, de grupo paritário ou domínio total na data em que se constituíram os créditos peticionados nos presentes autos.
16ª. Com a declaração de insolvência, quem determina o destino da sociedade insolvente são os credores e o administrador de insolvência, em vez dos respectivos accionistas e administradores.
17ª. Pelo que, à data do vencimento dos créditos peticionados, nenhuma das Recorrentes estava em relação de domínio com a I…, por não (poder) exercer sobre ela influência dominante, directa ou indirectamente, por não dispor ou poder exercer nenhum dos direitos previstos no número 2 do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais.
18ª. Não se encontram assentes factos que sustentem que à data em que se constituíram os créditos peticionados nos autos (e desde então), entre as Recorrentes e a I… existia relação de controlo de facto ou direcção económica unitária.
19ª. Tal sempre seria incompatível com o facto de a I… ter sido declarada insolvente em momento anterior ao vencimento dos créditos.
20ª. Os créditos peticionados configuram dívida da massa insolvente e não da sociedade insolvente, pelo que por eles nunca poderiam ser responsáveis as sociedades que com a insolvente estivessem em relação de participações recíprocas, domínio ou grupo.
21ª. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 607.º/5 do Código de Processo Civil, 364.º/1 do Código Civil e 334.º do Código do Trabalho.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que absolva as Recorrentes dos pedidos formulados».

Os recorridos responderam ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.
Para tanto, nas contra-alegações que apresentaram formularam as seguintes conclusões:
«1. As Rés integravam um grupo de empresas, com direcção unitária, que assim se apresentava. Tal facto, dado como provado pelo Tribunal a quo, assenta nas provas documental e testemunhal.
2. As Rés integravam um grupo de empresas com uma estrutura accionista e corpos directivos similares. Tal facto, dado como provado pelo Tribunal a quo, assenta, também, nas provas documental e testemunhal.
3. As Rés integravam um grupo de empresas, usufruindo todo o grupo da sua actividade e mantendo a direcção da respectiva prestação de cada Autor.
4. Com o devido respeito, nenhum dos três pontos supra poderá ser considerado como matéria conclusiva (e, como tal, devendo considerar-se não escrita). A ser assim, tudo aquilo dado como provado, pelo Tribunal a quo, ter-se-ia por matéria conclusiva, com a consequência, daí, adveniente.
5. Da prova documental apresentada, resulta, clara e inequivocamente, que M…e N… são vogais do Conselho de Administração da Ré F….
6. O mesmo se diga, quanto a O…. Da prova documental apresentada, resulta, clara e inequivocamente, que O… é vogal do Conselho de Administração da Ré G….
7. Efectivamente, por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (artigo 334º do Código do Trabalho).
8. Da prova testemunhal produzida, resulta, claramente, que na data em que se constituíram os créditos peticionados pelos AA. (ora, Recorridos), as Rés (ora, Recorrentes) e a I… se encontravam numa relação de grupo, nos termos previstos nos artigos 481° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
9. Da prova produzida, resulta, claramente, que à data em que se constituíram os créditos peticionados pelos AA. (ora, Recorridos), as Rés (ora, Recorrentes) e a I… participavam no capital social umas das outras.
10. É irrelevante que a empregadora dos AA (ora, Recorridos) tenha sido declarada insolvente, bem como que tenha sido, nesta sequência, que os créditos versados tenham sido constituídos.
11. Foi, precisamente, a pensar nestes casos de carência de património, que se criou o regime previsto, actualmente, no artigo 334° do Código do Trabalho.
12. Por ter sido declarada insolvente, a I… não perdeu a sua identidade jurídica e manteve a mesma relação de grupo com as Rés (ora, Recorrentes).
13.Os créditos peticionados configuram dívida da massa insolvente. Como vimos, supra III, “(...) o âmbito da massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência (...)“ (vide LUÍS MENEZES LEITÃO, “Direito da Insolvência”, Coimbra, Almedina, 3 Edição, 2011).
14.A sentença jamais violou os artigos 607°/5 do Código de Processo Civil, bem como os artigos 364°/1 do Código Civil e 334° do Código do Trabalho.
Termos em que deve manter-se integralmente a decisão recorrida, com o que se fará a ACOSTUMADA JUSTIÇA».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e efeito suspensivo, atenta a caução prestada.

Neste tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Ao referido parecer responderam as ambas partes: os Autores/recorridos, a manifestar a sua concordância, e as Ré/recorrentes, a manifestar a sua discordância e a pugnar, mais uma vez, pela procedência do recurso.
Entretanto, em 30-11-2015, procedeu-se à redistribuição dos autos nesta Relação, tendo os mesmos sido distribuídos ao ora relator.
Foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos e foram colhidos os “vistos” legais.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam, no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
i. saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto, designadamente para eliminar alguma matéria de facto por a mesma assumir natureza conclusiva;
ii. saber se existe fundamento legal para responsabilizar solidariamente as Rés/recorrentes pelos créditos salariais peticionados que não foram satisfeitos por força da insolvência da empregadora dos Autores/recorridos.
III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. De acordo com o Despacho Ministerial nº … publicado no DR II Série, nº …, a I…, S.A. "é uma empresa do Grupo J…, constituída em 2002 com o fim último de criar, desenvolver e explorar o projecto turístico Parque …", tendo a sua actividade incidido até agora sobre os trabalhos conexos com a fase de planeamento e preparação deste projecto, (alínea a) da matéria de facto assente);
2. Os Autores trabalhavam para esta mesma I…, S.A., a qual era detida pela J…, S.A., ambas entretanto declaradas insolventes, (alínea b) da matéria de facto assente);
3. A Ré F…, S.A., detém 99,96% do capital social da J…, S.A., (alínea c) da matéria de facto assente);
4. A Ré G…, S.A., detém 86,81% do capital social da Ré F… (alínea d) da matéria de facto assente);
5. A Ré H…, S.A., detém 87,06% do capital social da Ré G…, (alínea e) da matéria de facto assente);
6. Todas as Rés integravam um grupo de empresas, com direcção unitária, que assim se apresentava, (resposta ao artº. 1º da base instrutória) [este facto é alterado infra];
7. Com uma estrutura accionista e corpos directivos similares, (resposta ao artº. 2º da base instrutória);
8. Usufruindo todo o grupo da sua actividade e mantendo a direcção da respectiva prestação de cada Autor, (resposta ao artº. 3º da base instrutória) [este facto é alterado infra];
9. M…e Dr. N… são vogais do Conselho de Administração da Ré F…(resposta ao artº. 4º da base instrutória);
10. O…é vogal do Conselho de Administração da Ré G… (resposta ao artº. 5º da base instrutória);
11. O Presidente do Conselho de Administração da Ré F…, S.A. é o Dr. José…, sendo pelo menos vogais Dr. André …, João…, (alínea h) da matéria de facto assente);
12. O Presidente do Conselho de Administração da Ré G… é o Dr. José…, sendo pelo menos vogais Dr. André…, João…, Maria Joana… e Maria Madalena…, (alínea i) da matéria de facto assente);
13. O Presidente do Conselho de Administração da Ré H… é o Dr. José…, sendo pelo menos vogais Dr. André…, João…, Maria Benedita…, Maria Joana… e Maria Madalena…, (alínea j) da matéria de facto assente);
14. A I…, S.A., apresentou-se à insolvência em 7 de Agosto de 2012, (alínea f) da matéria de facto assente);
15. Por sentença do Tribunal Judicial de …, proferida no dia 14 de Setembro de 2012 e no âmbito dos autos nº …a I…, S.A., foi declarada insolvente, (alínea k) da matéria de facto assente);
16. Nessa mesma data, 14 de Setembro de 2012, foi nomeado o administrador de insolvência da I…, S.A. (alínea g) da matéria de facto assente);
17. O administrador de insolvência, Dr…., promoveu o despedimento dos aqui Autores antes do encerramento definitivo do estabelecimento, com efeitos a 1 de Outubro de 2012, (alínea l) da matéria de facto assente);
18. Foi dado por reproduzido o teor dos documentos de fls. 55, 56 e 59 dos autos, (alínea m) da matéria de facto assente)
19. O Autor B…foi contratado no dia 1 de Agosto de 2010 pela I…, S.A., (resposta ao artº. 6º da base instrutória);
20. Auferindo a retribuição base mensal ilíquida de € 4.000,00, acrescida de € 128,20 a título de subsídio de alimentação, (resposta ao artº. 7º da base instrutória);
21. E competindo-lhe desenvolver as funções inerentes à categoria de coordenador de projectos e obras, (resposta ao artº. 8º da base instrutória);
22. O Autor C… foi admitido a 2 de Abril de 2007, pela então P…, S.A., (resposta ao artº. 9º da base instrutória);
23. Sociedade essa que se veio a fundir na I…, S.A., com efeitos a 1 de Novembro de 2009, (resposta ao artº. 10º da base instrutória);
24. Auferindo a retribuição base mensal ilíquida de € 3.560,00, acrescida de € 128,20 a título de subsídio de alimentação, (resposta ao artº. 11º da base instrutória);
25. Desempenhando as funções inerentes à categoria de Marketeer, (resposta ao artº. 12º da base instrutória);
26. O Autor D… foi admitido a 1 de Setembro de 2005, pela então P…, S.A., (resposta ao artº. 13º da base instrutória);
27. Auferindo ultimamente a retribuição base mensal ilíquida de € 3.600,00 acrescida de € 128,20 a título de subsídio de alimentação, (resposta ao artº. 14º da base instrutória);
28. Desempenhando as funções inerentes à categoria profissional de gestor de projectos de arquitectura, (resposta ao artº. 15º da base instrutória);
29. A Autora E… foi admitida com data de 1 de Maio de 2005, pela então P…, S.A., (resposta ao artº. 16º da base instrutória);
30. Auferindo ultimamente a retribuição base mensal ilíquida de € 4.250,00 acrescida de € 128,20 a título de subsídio de alimentação, (resposta ao artº. 17º da base instrutória);
31. Competindo-lhe desempenhar as funções inerentes à categoria de engenheira do ambiente, (resposta ao artº. 18º da base instrutória);
32. Ao Autor B… permanecem por pagar:
a) € 4.000,00 a título de retribuição base mensal ilíquida referente ao mês de Setembro de 2012;
b) € 3.000,00 a título de proporcional de subsídio de férias;
c) € 3.000,00 a título de proporcional de férias;
d) € 3.000,00 a título de subsídio de Natal;
e) € 128,20 a título de subsídio de alimentação do mês de Setembro de 2012;
f) € 12.000,00 a título de compensação de antiguidade, (resposta ao artº. 19º da base instrutória).
33. Ao Autor C… permanecem por liquidar:
a) € 3.560,00 a título de retribuição base mensal ilíquida referente ao mês de Setembro de 2012;
b) € 2.670,00 a título de proporcional de subsídio de férias;
c) € 2.670,00 a título de proporcional de férias;
d) € 2.6700,00 a título de subsídio de Natal;
e) € 128,20 a título de subsídio de alimentação do mês de Setembro de 2012;
f) € 19.580,00 a título de compensação de antiguidade, (resposta ao artº. 20º da base instrutória).
34. Ao Autor D… permanecem por pagar:
a) € 2.760,00 a título de retribuição base mensal ilíquida referente ao mês de Setembro de 2012;
b) € 2.700,00 a título de proporcional de subsídio de férias;
c) € 2.700,00 a título de proporcional de férias;
d) € 2.700,00 a título de subsídio de Natal;
e) € 96,15 a título de subsídio de alimentação do mês de Setembro de 2012;
f) € 25.200,00 a título de compensação de antiguidade, (resposta ao artº. 21º da base instrutória).
35. À Autora E… permanecem por pagar:
a) € 4.250,00 a título de retribuição base mensal ilíquida referente ao mês de Setembro de 2012;
b) € 3.541,67 a título de proporcional de subsídio de férias;
c) € 3.541,67 a título de proporcional de férias;
d) € 3.541,67 a título de subsídio de Natal;
e) € 64,10 a título de subsídio de alimentação do mês de Setembro de 2012;
f) € 31.520,83 a título de compensação de antiguidade, (resposta ao artº. 22º da base instrutória).
36. A Ré F… não teve direito de voto no processo de insolvência da I… (resposta ao artº. 23º da base instrutória).
Estes os factos dados como provados:
Dos mesmos constata-se, entre o mais, que sob a alínea m) da matéria de facto assente foi dado por reproduzido o teor dos documentos de fls. 55, 56 e 59 dos autos, (n.º 18 da matéria de facto).
Como temos vindo repetidamente a afirmar em diversos acórdãos, não se afigura como a melhor técnica jurídica dar por reproduzido na matéria de facto o teor de documentos, uma vez que estes mais não são que meios de prova.
No caso, o que se extrai dos documentos em causa é que por carta datada de 24 de Janeiro de 2013, os Autores, com fundamento no disposto no artigo 334.º do Código do Trabalho, reclamaram das Rés o pagamento dos créditos na sequência da insolvência de I…, S.A, ao que estas responderam, por carta datada de 05 de Fevereiro de 2013, não assumirem qualquer responsabilidade pelo pagamento dos créditos reclamados.
Por tal motivo, acrescenta-se à matéria de facto, sob o n.º 18-A, o seguinte facto:
«Nos termos dos referidos documentos, por carta datada de 24 de Janeiro de 2013, os Autores, com fundamento no disposto no artigo 334.º do Código do Trabalho, reclamaram das Rés o pagamento dos créditos na sequência da insolvência de I…, S.A., ao que estas responderam, por carta datada de 05 de Fevereiro de 2013, não assumirem qualquer responsabilidade pelo pagamento dos créditos reclamados».

IV. Fundamentação
Como se afirmou supra, sob o n.º II, as questões essenciais decidendas, centram-se em (i) saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto e (ii) se são as Rés/recorrentes responsáveis pelos créditos salariais peticionados que não foram satisfeitos por força da insolvência da empregadora dos Autores/recorridos.
Analisemos, de per si, cada uma das questões.

1. Da alteração da matéria de facto
Quanto a esta questão, as recorrentes começam por alegar que a resposta aos n.ºs 1 a 3 da base instrutória – resposta essa que consta supra, sob os factos provados n.º s 6 a 8 – é conclusiva, pelo que deve ser eliminada.
À data em que foi dada a resposta à matéria de facto encontrava-se já em vigor o actual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), que no seu artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, estipula que o juiz declara quais os “factos” que considera provados e não provados.
Também no domínio da anterior Código de Processo Civil, o artigo 646.º, n.º 4, estipula que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.
Assim, objecto de prova são “factos” e não questões de direito ou juízos de valor.
No ensinamento de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição, Coimbra, 1985, págs. 206 e 207): “a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.
Mais adiante (pág. 209) escreve o mesmo autor: “Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os factos ou seres dos homens.
Entendemos por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz das normas e critérios de direito”.
Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 268 a 270) afirma que «(…) são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos(…)», sendo indiferente que a esses factos se possa chegar directamente ou através de regras gerais e abstractas (através das regras da experiência).
E acrescenta que são de equiparar a factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido, ou seja, os que contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum: neste caso, remata o referido autor (pág. 269), «[s]ão (…) de equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que, contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como “pagar”, “emprestar”, “vender”, “arrendar”, “dar em penhor, etc.».
Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 407) entendem que «[d]entro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes) cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem (…), mas também eventos do foro interno, da vida psíquica ou emocional do indivíduo (v.g. a vontade real do declarante: art. 236°,2, do cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratário (…); as dores fisicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria: art. 496°, 1, do Cód. cit.)».
Acrescentam ainda os mesmos autores (pág. 408) que embora a área dos factos cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as "ocorrências virtuais” (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros “juízos de facto".
Manuel de Andrade escreve (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 194) que podem ser objecto de prova tantos os factos do mundo exterior (factos externos), como os da vida psíquica (factos internos), tanto ao factos reais, como os factos hipotéticos, tanto os factos “nus e crus”, como os juízos de facto.
No caso, as respostas aos n.ºs 1 a 3 da base instrutória são do seguinte teor:
artigo 1.º : «Todas as Rés integravam um grupo de empresas, com direcção unitária, que assim se apresentava»;
artigo 2.º: «Com uma estrutura accionista e corpos directivos similares»
artigo 3.º: «Usufruindo todo o grupo da sua actividade e mantendo a direcção da respectiva prestação de cada Autor».
A referida expressão “grupo de empresas” pode conduzir directamente ao conceito jurídico de “sociedades em relação de grupo”: ou seja, a referida expressão constitui (um dos) thema decidendum da acção, de saber se estão em causa sociedades em relação de grupo, envolvendo, por isso, uma questão de direito que não pode ser directamente resolvida através da matéria de facto.
Por isso, face ao disposto no artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, tem-se aquela expressão (“grupo de empresas”) constante da resposta ao artigo 1.º por não escrita, mantendo-se, todavia, a restante matéria da resposta.
Em relação à resposta aos artigos 2.º da base instrutória, embora numa solução não isenta de dúvidas entende-se que a mesma não assume cariz conclusivo: com efeito, o afirmar-se que as Rés tinham estrutura acionista e corpos directivos similares mais não representa que uma constatação de facto, que se extrai, de resto, de vária factualidade que não vem impugnada (por exemplo, n.ºs 2 a 5 e 11 a 13).
Já em relação à resposta ao artigo 3.º, face ao que se referiu anteriormente não pode manter-se a expressão “grupo”; no entanto a expressão em causa mais não visa que reportar-se às Rés.
Por isso, substitui-se a referência a “grupo” por “Rés”: ou seja, na resposta ao artigo 3.º da base instrutória, substitui-se “usufruindo todo o grupo da sua actividade” por “usufruindo todas as Rés da sua actividade”.
Isto sem prejuízo, como se analisará infra, de saber se a prova produzida permite tais respostas.
(…)
Assim, e em síntese, quanto à alteração da matéria de facto:
i. por assumir natureza conclusiva, elimina-se da resposta ao artigo 1.º da base instrutória a expressão “grupo de empresas”;
ii. substitui-se a referência a “grupo”, constante da resposta ao artigo 3.º da base instrutória por “Rés”.

2. Da responsabilização das Rés pelos créditos salariais peticionados
A 1.ª instância condenou solidariamente as Rés no pagamento aos Autores dos créditos salariais peticionados.
Para tanto considerou, em síntese, que as «(…) sociedades tinham uma direcção unitária com uma estrutura acionista e corpos directivos similares e que embora não houvesse um domínio havia uma relação de controlo manifestado na composição das suas administrações e participação que detinham sobre a sociedade empregadora, as sociedades Rés».
As recorrentes rebelam-se contra tal entendimento, com dois argumentos essenciais: por um lado, não eram, directa ou indirectamente, titulares da totalidade do capital social da I…, pelo que não se verifica uma relação de domínio total; por outro, com a declaração de insolvência os poderes de administração e de disposição de bens passaram a competir ao administrador da insolvência, pelo que tendo este feito cessar os contratos de trabalho as dívidas daí resultantes são da responsabilidade da massa insolvente.
Cumpre decidir.
O artigo 334.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo», estipula:
«Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artºs 481º e sgs. do Código das Sociedades Comerciais.».
Do referido preceito extrai-se que constitui pressuposto fundamental da sua aplicação que estejam em causa sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.
Para além disso, é necessário que esteja em causa um crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, e que esse crédito se encontre vencido há mais de 3 meses.
Como faz notar Joana Vasconcelos (Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e Outros, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 710-712) «O objectivo desta solução – que envolve o afastamento excepcional e circunscrito a dada categoria de créditos (os “emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação” pertencentes ao trabalhador) da regra da limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais e a consequente atribuição àquelas que com a sociedade empregadora tenham relações especialmente intensas ou significativas, de uma responsabilidade por dívidas desta – é intensificar a garantia patrimonial de tais créditos, obviando a que a inclusão do empregador em determinado tipo de coligação intersocietária redunde em prejuízo dos seus trabalhadores.
(…)
A responsabilidade das sociedades coligadas com a sociedade empregadora prevista neste artigo é uma responsabilidade patrimonial ou de garantia, cuja finalidade é essencialmente prevenir e tutelar: do que se trata é de fazer, em geral, recair sobre tais sociedades (e não sobre os trabalhadores daquela) o risco de eventual falta de consistência do seu património. Por isso esta responsabilidade se funda na mera existência de uma relação de coligação intersocietária relevante, sem necessidade de alegação e de prova, pelo trabalhador, de qualquer situação irregular ou patológica ocorrida no seu contexto».
E mais adiante (pág. 715) escreve a mesma autora: «[A] sociedade que por força da responsabilidade solidária nela estabelecida venha a satisfazer créditos laborais de trabalhadores de uma outra tem direito de regresso contra a sociedade-empregadora, e pela totalidade do montante que pagou, atenta a finalidade essencialmente garantística desta solidariedade (…)».
Maria do Rosário Palma Ramalho escreve, no âmbito da correspondente norma (artigo 378.º) do Código do Trabalho de 203 (Grupos Empresariais e Societários - Incidências Laborais, págs. 314-315), que «embora o art. 378º do CT pareça ter a sua fonte no regime da responsabilidade solidárias das sociedades em relação de grupo para com os credores da sociedade subordinada (regime que consta no art. 501º do CSC, e que também se aplica às relações societárias de domínio total, por força do art. 491º do CSC), fica patente que ele tem um âmbito de aplicação muito mais vasto do que o regime correspondente do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que se aplica não só às relações de grupo em sentido próprio, constituídas por domínio total ou por contrato de subordinação (arts. 501º e art. 491º do CSC) mas também às relações societárias de domínio (art. 486) e às relações de participação societária recíproca (art. 485º do CSC).
(…)
Este regime é estruturalmente diferente do regime correspondente ao Código das Sociedades Comerciais, porque não é apenas um regime de responsabilidade da sociedade directora ou dominante pelas dívidas da sociedade dirigida ou dominada (tal como é configurado no art. 501º do CSC), mas é antes um regime de responsabilidade solidária de todas as sociedades em situação de coligação (exceptuada a relação de simples participação) ou de grupo, pelos créditos laborais que possam existir relativamente a qualquer elas.».
Ou seja, a referida norma visa o reforço da garantia de cumprimento dos créditos laborais através da responsabilização de outras sociedades que não a empregadora, nas situações de coligação societária.
Ou, como se observou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-06-2012 (Proc. n.º 595/10.0TTBCL.P1, disponível em www.dgsi.pt), «[o] artigo 334º do CT tem como finalidade a protecção dos trabalhadores, procedendo ao reforço da tutela dos mesmos quando se encontram num contexto de grupo, que determina a sujeição das sociedades do grupo ao regime da responsabilidade solidária dos créditos laborais[]. Nestes casos, o trabalhador pode, se assim o desejar, accionar directamente qualquer uma das empresas pertencentes ao grupo, apesar de não serem os seus empregadores e sem passar previamente pelo seu próprio empregador».
Mas, como resulta do preceito, e se volta a acentuar, para que possa ser responsabilizada uma sociedade que não seja a empregadora, mister é, desde logo, que se invoque que a mesma se encontra numa relação de participação recíproca, de domínio ou de grupo.
Isto é: o trabalhador para beneficiar da garantia creditícia estabelecida no preceito em causa terá, desde logo, que alegar e provar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) a existência das sociedades, Rés na presente acção, que se encontram entre si numa relação de participação recíproca, de domínio ou de grupo, nos termos previstos no artigo 481.º e segts. do Código das Sociedades Comerciais (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-11-2011, Proc. n.º 1332/07.2TTVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, ressalvado o devido respeito por diferente interpretação, entende-se que no caso em apreciação essa relação, mais concretamente de domínio, se mostra verificada.
Como resulta do disposto no artigo 482.º do Código das Sociedades Comerciais, considera-se a existência de sociedades coligadas, as sociedades em relação de participação, simples ou recíprocas [alíneas a) e b)], as sociedades em relação de domínio [alínea c)] e as sociedades em relação de grupo (alínea d)].
Quanto às sociedades em relação de participação, estipula o artigo 483.º do diploma legal em referência, que a relação de uma sociedade com outra é de simples participação quando aquela é titular de participações sociais (acções ou quotas) desta de montante igual ou superior a 10% do capital desta e desde que não se verifique qualquer das situações previstas no artigo 482.º, ou seja que não ultrapasse 50% do capital, pois neste caso considera-se que se trata de uma relação de domínio; já quanto às sociedades em relação de participação recíproca, embora a lei não defina expressamente tal situação, face ao disposto no artigo 483.º terão que se entender como tal as situações em que cada uma das sociedades participa no capital social da outra, desde que o montante da participação seja de montante igual ou superior a 10%, mas sem que ultrapasse 50%, pois neste caso, face ao disposto no artigo 486.º, considera-se que as sociedades se encontram em relação de domínio.
Já quanto às sociedades em relação de domínio, de acordo com o n.º 1 do artigo 486.º considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas (a dominante) pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no n.º 2 do artigo 483.º, sobre a outra (a dependente) uma influência dominante; e, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, presume-se que uma sociedade é dependente de outra se esta, directa ou indirectamente:
a) detém uma participação maioritária no capital;
b) dispõe de mais de metade dos votos;
c) tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão da administração ou do órgão de fiscalização.
Ora, no caso, como resulta da matéria de facto (n.º 1) a I… S.A., é uma empresa do grupo J… constituída com o fim de desenvolver e explorar o projecto turístico do ….
Esta sociedade era detida pela J, S.A., que por sua vez era detida em 99,96% pela Ré F…, S.A; esta Ré era detida em 86,81% pela Ré G…, S.A.; e, finalmente, a Ré H…, S.A., detinha 87,06% da Ré G…, S.A. (n.ºs 2 a 5).
Todas as Ré tinham uma direcção unitária, que assim se apresentava, com uma estrutura acionista e corpos directivos similares, usufruindo todas as Rés da actividade e mantendo a direcção da prestação de cada Autor (n.ºs 6 a 8).
Ou seja, as sociedades em causa apresentavam-se como um grupo de facto: de resto o próprio despacho ministerial n.º… (n.ºs 1 da matéria de facto) identifica a empregadora como fazendo parte de um “grupo” empresarial.
Daqui decorre que a sociedade H…, S.A, “empresa superior do grupo” no dizer da testemunha L…, e a quem o mesmo “prestava contas”, tinha um poder direcional sobre outras empresas, maxime das restantes Rés e sobre a I…, S.A., que se manifestava através de uma direcção unitária, e, por sua vez, essas restantes Rés encontravam-se também em relação de domínio com a mesma I…, S.A..
Dito de outro modo: através da H…, S.A., havia não só um controlo de facto das outras sociedades, como até uma direcção económica unitária, o que significava para a empregadora uma perda de autonomia em termos de gestão em geral.
Por isso, e face ao disposto no artigo 486.º é de concluir pela verificação de uma relação de domínio das Rés em relação à empregadora dos Autores, I…, S.A.

Verificada a relação de domínio das sociedades Rés em relação à empregadora, a questão que ora se coloca consiste em saber se tendo sido decretada a insolvência da empregadora e tendo sido o administrador da insolvência a declarar a cessação dos contratos de trabalho, ainda assim é possível responsabilizar solidariamente as Rés pelas consequências dessa cessação.
Recorde-se que a insolvência da empregadora foi decretada em 14 de Setembro de 2012 (n.º 15 dos factos provados), que o administrador da insolvência promoveu o despedimento dos Autores antes do encerramento definitivo do estabelecimento, com efeitos a 01 de Outubro de 2012 (n.º 17) e que se mostra em dívida aos autores a retribuição de Setembro de 2012, bem como o respectivo subsídio de alimentação, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal desse ano e a compensação de antiguidade (n.ºs 32 a 35).
Ou seja, considerando o disposto nos artigos 278.º, 245.º, n.º 1, alínea b), 263.º, n.º 2, alínea b) e 366.º do Código do Trabalho, todos os créditos salariais, lato sensu, peticionados se venceram posteriormente à insolvência.
Como é sabido, e resulta do disposto no n.º 1 do artigo 347.º do Código do Trabalho, a declaração judicial de insolvência do devedor não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado; mas antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa (n.º 2 do mesmo artigo).
Não pode olvidar-se que é, além do mais, da competência do administrador da insolvência «[p]rover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica» [artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)]”.
Como observam Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, pág. 347), «[o]s poderes do administrador têm em vista a satisfação de interesses que não são próprios: corresponde-lhes, por isso, a natureza de verdadeiros poderes funcionais, que ele não só pode como, sobretudo, deve desempenhar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (…).
Mesmo quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesses dos credores».
É, pois, nesta linha, ao fim e ao resto de realização do fim próprio da insolvência, traduzido na defesa e satisfação dos interesses dos credores, que o administrador da insolvência se deve mover.
Por isso, como se assinalou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-03-2014 (Proc. n.º 713/12.4TTMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt), «[n]este pressuposto, o crédito laboral emergente dum contrato de trabalho cessado após a declaração de insolvência não é igual a um crédito laboral resultante duma cessação ocorrida anteriormente a tal declaração».
Assim, resultando um crédito laboral da cessação (lícita ou ilícita) de um contrato de trabalho praticado pelo administrador da insolvência, o mesmo constitui uma dívida para a massa insolvente.
Com efeito, como estabelece o artigo 51.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, são dívidas da massa insolvente as dívidas emergentes dos actos de administração da massa insolvente, daí resultando um regime distinto das dívidas da própria insolvência, designadamente no que se refere ao seu pagamento prioritário em relação a todos os credores da insolvência, titulares de créditos anteriores à sentença (cfr. artigos 47.º, n.º 1 e 46.º, n.º 1 do CIRE).
Dito ainda de outro modo: por força do que estipula o artigo 51.º do CIRE, os créditos sobre a massa insolvente são os créditos constituídos no decurso do processo; já face ao que estipula o artigo 47.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE, os créditos sobre a insolvência são os créditos existentes à data da declaração de insolvência.
Aqui chegados, e regressando ao caso que nos ocupa, pergunta-se: tendo os contratos de trabalho dos Autores/recorridos cessado por determinação do administrador da insolvência e resultando os créditos por aqueles peticionados dessa cessação, sendo, por isso, uma dívida da massa insolvente, ainda assim é possível responsabilizar solidariamente as Rés/recorrentes pelo seu pagamento?
A nossa resposta, adiante-se, é afirmativa.
Expliquemos porquê.
Desde logo, importa atentar que o artigo 334.º do Código do Trabalho alude a “crédito” do trabalhador emergente do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação: centra-se, pois, na perspectiva de defesa de garantia de pagamento do crédito do trabalhador e não tanto da dívida do empregador.
Aliás, por isso mesmo, como já se deixou sublinhado, o que se visa com a norma em causa é garantir o cumprimento dos créditos laborais através da responsabilização, solidária, do empregador e sociedade(s) que com ele se encontre(m) em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.
Os Autores/trabalhadores até à cessação dos vínculos laborais continuaram a manter a sua relação laboral com a empregadora insolvente.
E o administrador da insolvência, ao proceder à cessação dos vínculos laborais, mais não fez do que evitar a degradação da situação económica da empregadora e, enfim, defender os interesses dos credores.
Isto é, a administração da empregadora foi legal e judicialmente substituída pelo administrador de insolvência, o qual passou a zelar pelos interesses da empresa: e ao assim proceder pode-se até afirmar que está também a actuar na defesa das sociedades a que alude o artigo 334.º do Código do Trabalho, não se detectando, ao contrário do que parece resultar da posição das recorrentes, que tivesse que ouvir as mesmas sobre o concreto acto gestionário de cessação dos contratos de trabalho em causa.
Como se observou no acórdão da Relação do Porto de 30-11-2015 (Proc. n.º 775/12.4TTMTS.P3, disponível em www.dgsi.pt), «importa ter bem presente que apesar da massa insolvente estar dotada de autonomia patrimonial [], o certo é que a mesma não constitui um ente jurídico distinto do próprio insolvente, a quem os bens/direitos integrantes daquela massa continuam a pertencer, apesar de poder estar privado dos correspondentes poderes de administração e de disposição que são transferidos para o administrador nos termos impostos pelo art. 81º/1 do CIRE (…).
Estamos, assim, perante um património de afectação [] cuja constituição não implica a extinção da personalidade jurídica do insolvente, mesmo nos casos em que este assuma a natureza de sociedade comercial, cuja personalidade apenas se extingue com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º/2 do CSC)[].
Aliás, note-se, verificados determinados pressupostos, a administração da empresa até pode ficar confiada ao próprio devedor (cfr. artigo 224.º do CIRE), a significar que independentemente de quem no momento exerce os poderes de administração, o que está sempre em causa são actos da empresa devedora: e é com ela que se mantêm os contratos de trabalho até então existentes, ela mantém a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação.
Daí que ainda que o crédito dos Autores resulte de um acto do administrador da insolvência, no âmbito dos seus poderes de administração da empresa insolvente e, por isso, que seja uma dívida da massa insolvente, a entidade que gera o facto que dá origem ao crédito não deixa de continuar a ser a empresa insolvente, com quem aqueles mantinham os contratos de trabalho, entidade essa que continua a ter personalidade jurídica até ao registo do encerramento da sua liquidação.
Por isso, e verificados os pressupostos do artigo 334.º do Código do Trabalho, as sociedade coligadas continuam a responder solidariamente por esses créditos.
De outro modo, afigura-se que facilmente seriam anulados os objectivos visados com a norma em causa: bastaria, por exemplo, que as várias sociedades em grupo, domínio ou participação actuassem de forma a que uma delas, a empregadora, não tivesse bens em seu nome, os quais se encontrariam todos em nome das outras sociedades, e decretada a insolvência da empregadora e tendo o respectivo administrador da massa insolvente, nos seus poderes de gestão, feito cessar os contrato de trabalho, as outras sociedades não responderiam pelos créditos decorrentes dessa cessação; tal constituiria uma forma, diremos simples, de anular as consequências em termos de créditos laborais previstas no artigo 334.º do Código do Trabalho para as outras sociedades e, assim, conduzir a que os trabalhadores não vissem satisfeitos os seus créditos, seja através da massa insolvente seja através das sociedades coligadas.
O que está em causa, como se disse e reafirma, é que ainda na situação de insolvência da empregadora, esta não perde a sua identidade jurídica, inclusive na sua relação de grupo com as outras sociedades para efeitos do artigo 334.º do Código do Trabalho, e os trabalhadores não deixam de o ser daquela até à cessação dos contratos, sendo que o crédito dos mesmos decorre precisamente dessa cessação, o que justifica que se mantenha a responsabilidade solidária das outras sociedades.
Nesta sequência, somos a concluir que as Rés/recorrentes devem responder solidariamente pelos créditos dos Autores/trabalhadores decorrentes dessa cessação do contrato com a empregadora.
Improcedem, pois, as conclusões das alegações de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Vencidas no recurso, as recorrentes deverão suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Isto tendo em conta que a alteração da matéria de facto não interfere com a decisão final.

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
i. alterar a matéria de facto nos termos que constam de IV. 1.;
ii. negar provimento ao recurso interposto por F…, S.A., G…, S.A. e H…, S.A., e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelas recorrentes.

Évora, 28 de Janeiro de 2016
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (adjunto)
José António Santos Feteira (adjunto)