Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1271/04-1
Relator: ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA
Descritores: MAUS TRATOS A MENORES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 10/26/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Sumário:
I. Não se justifica a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a um arguido, trabalhador rural, exercendo tal actividade ocasionalmente e nada constando do seu certificado de registo criminal, que bateu cruelmente na sua filha menor, com paus, ferros e pontapés, em momentos diferentes, de forma reiterada, com intenção de lesar a sua integridade física e não ignorando que o seu comportamento poderia também afectar-lhe a integridade psicológica.

II. Desconhecendo-se a conduta do arguido posterior aos factos, nomeadamente actos objectivos de arrependimento, não há garantia de que o recorrente não volte a atentar contra o bem-estar e a saúde da menor, e o facto de nada constar no seu certificado de registo criminal, nada esclarece adequadamente sobre seu comportamento anterior.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em audiência, na Relação de Évora
A- Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº … do 1º Juízo da comarca de …, foi proferida sentença que condenou o arguido A, id. nos autos, como autor material de um crime de maus tratos, previsto e punível pelo artigo 152º nº 1 do Código Penal, na pena de catorze meses de prisão.
Mais foi condenado nas custas.
B- Inconformado, recorreu o arguido, concluindo:
1º - O presente recurso deve-se exclusivamente ao facto do recorrente considerar que a pena que lhe foi aplicada pelo tribunal de 1ª instância é desproporcionada.
2º - O objectivo de recurso é, fundamentalmente, a substituição por suspensão da execução da prisão, da pena fixada em 1ª instância em 14 meses de prisão.
3º - No caso dos presentes autos será de ter em conta e de considerar o comportamento anterior ao crime do recorrente.
4º - As condições pessoais do recorrente que desempenha as funções de trabalhador rural, vivendo em casa emprestada, com o seu filho de 17 anos de idade e desempenhando um papel fundamental na vida e no desenvolvimento do seu filho de 17 anos, ao qual faz agora muita falta por estar em fase de adolescência, necessitando da figura paterna.
5º - O recorrente é um cidadão integrado socialmente, que leva a sua vida trabalhar pacatamente, não tendo até à presente data registo de qualquer problema com vizinhos, entidades patronais, quaisquer autoridades ou mesmo com a justiça.
6º - O recorrente não tem tido qualquer contacto com a menor B, afastando-se desde já qualquer hipóteses da prática de qualquer crime, obedecendo assim às exigências de prevenção de futuros crimes, não podendo o recorrente atentar contra o bem estar e à saúde da menor.
7º - Todo o atrás exposto parece, salvo melhor opinião, permitir concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50º, nº 1 do Código Penal) e assim com o devido respeito crê-se que se justificará a suspensão da execução da pena.
8º - A douta sentença recorrida violou assim o disposto no artigo 50º do Código Penal, ao condenar o recorrente nos termos com que o fez, não decretando a referida suspensão da pena de prisão.
9º - Deve, pois, a sentença recorrida ser alterada suspendendo a pena de prisão aplicada ao recorrente.
C- Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo:
- Nos termos do art. 50. n. 1 do Código Penal sempre que o arguido seja condenado em pena de prisão não superior a três anos o tribunal determina que a execução da mesma fique suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
- A suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e circunstâncias do facto;
- Igualmente nos termos do art. 50. n. 1 a suspensão da execução da pena de prisão deve mostrar-se adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, ou seja, a defesa do ordenamento jurídico que o caso concreto requer;
- No presente caso verifica-se que o arguido agredia frequentemente a sua filha menor com 14 anos, sempre na mesma perna; nunca a chegou a levar ao médico apesar das queixas por parte desta; dizia-lhe frequentemente que ela era filha de um cigano; não admitiu os factos e não demonstrou arrependimento; a menor apenas recebeu tratamento hospitalar depois da sua professora ter visto o estado da perna da menor;
- A favor do arguido milita apenas o facto de ser pessoa de condição modesta e não ter antecedentes criminais;
- Ora, estes factores não são suficientemente indiciadores de que se tratou de um acto isolado por parte do arguido e de que basta a censura do facto e ameaça da pena para prevenir o arguido de cometer mais crimes;
- Além disso, o crime reveste muita gravidade, quer pela intensidade de lesão do bem jurídico, quer pelo meio empregue pelo arguido, pela sua conduta reiterada, pelo facto da menor ser sua filha, ter apenas 14 anos e estar aos seus cuidados, pelo que as exigências de prevenção geral não ficam adequada e suficientemente realizadas com a simples censura do facto e ameaça da prisão;
- Em suma, a douta sentença encontra-se bem elaborada e a sanção aplicada não merece qualquer censura, não tendo sido violado qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida.
D- Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido se o recurso ser julgado improcedente.
E- Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, sem que fosse aduzida resposta.
F- Foi o processo a vistos dos Exmos Adjuntos, após o que o Exmo Presidente designou a audiência que veio a realizar-se na forma legal.
G- Consta da decisão recorrida:
a) Matéria de facto provada
Da discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
- O arguido é pai da menor B, nascida a 18 de Março de 1987.
- Ambos viviam juntos, com a restante família, na Rua…, em …
- Sendo frequentes as agressões do arguido na pessoa desta filha, com paus, ferros, pontapés, com o argumento de que a menor não é sua filha, mas de um cigano.
- Nos dias que antecederam o dia … de … de …., no interior da casa de morada de família, o arguido desferiu, em momentos diferentes, pontapés e bateu com objectos na perna esquerda da menor.
- O arguido não diligenciou por tratamento à menor. Apenas lhe foi desferindo mais pancadas na zona afectada.
- Em consequência, a menor ficou com um hematoma infectado na perna esquerda.
- A menor recebeu tratamento médico quando disse à professora C que não sentia a perna esquerda.
- A menor foi operada no dia … de … de …, no Hospital de…, a hematoma infectado da perna esquerda que exercia compressão nervosa.
- Tendo-lhe resultado 30 dias de doença, com igual período de incapacidade para o trabalho e actividade escolar da menor .
- Das agressões ficaram como sequelas para a menor cicatriz disforme, tipo queloide, na face externa da perna esquerda e zona de fibrose cicatricial formando nódulos.
- A menor quando teve alta foi entregue num centro de acolhimento, tendo o pai autorizado a intervenção da Comissão de Protecção de ...,
- O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com intenção de lesar a integridade física da filha menor e não ignorando que o seu comportamento poderia também afectar-lhe a integridade psicológica.
- Violou, por isso, os seus deveres de pai, não cuidando, como sabia e estava obrigado, da educação, saúde e bem estar da menor, conhecendo bem a idade da filha.
- O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
- O arguido é trabalhador rural, desempenhando tais funções ocasionalmente, com o que ganha € 30,00 por dia.
- Vive em casa emprestada, com um filho de 17 anos de idade, que também trabalha ocasionalmente na agricultura.
- Para além deste filho e da B, tem mais dois filhos (19 e 13 anos), que não vivem com ele.
- Nada consta do certificado de registo criminal do arguido.
b) Matéria de facto não provada
Da discussão da causa resultou provada toda a matéria constante da acusação.
c) Motivação da decisão de facto
Para formar a sua convicção sobre a matéria de facto dada como provada, o tribunal baseou-se na análise crítica da prova produzida, tendo em conta as declarações do arguido, que confirmou ser o pai da menor, convivendo com ela. Disse que ela tinha mau comportamento na escola, subtraindo objectos a colegas, e que se interessava por rapazes. Negou ter agredido a filha, apenas dizendo que lhe deu algumas vezes estalos e chapadas. Tomou conhecimento de que ela sofrera ferimentos na perna, mas tal devera-se a uma queda de uma figueira e a uma posterior queda de uma armação metálica em estado de sucata que se encontrava no quintal da casa onde viviam. Não a levou de imediato ao hospital, porque não teve tempo, mas tencionava fazê-lo. Quando os elementos da Comissão de Protecção se propuseram levar a menor ao hospital, acedeu. Concordou em que a menor deixasse de viver com ele, porque a casa não tinha condições, tendo sido esta a razão adiantada pelas senhoras da Comissão para que fosse proposta a saída da filha. Quanto a ter dito que a menor não era sua filha, mas sim de um cigano, afirmou que apenas costumava dizer à filha que ela parecia ter o comportamento de filha de cigano, pois ela tinha o hábito de subtrair objectos aos colegas da escola. Foi decisivo o depoimento de B, filha do arguido, que, de modo credível e isento, disse que frequentemente o pai chegava embriagado a casa. Recorda-se de o pai lhe bater variadas vezes com paus e ferros nas pernas. O arguido dizia-lhe que ela não era filha dele, mas sim de um cigano. A menor dizia ao pai que necessitava de receber tratamento médico, mas o pai não fazia caso. Recorda-se de um dia uma professora se ter apercebido do grave estado da perna. Nesse momento, disse que tinha dado uma queda, mas tal não correspondia à verdade. Agiu assim porque tinha medo do pai e este dissera-lhe para nunca contar que ele lhe batia. Aliás, nunca caiu de uma figueira nem de uma armação metálica de sucata. Esteve internada durante um mês e meio. A razão pela qual as senhoras da Comissão de Protecção propuseram que ela deixasse de viver com o pai consistia no facto de este a tratar mal. A testemunha C ofereceu um depoimento credível e isento. Era professora da B e esta queixava-se da perna, tendo num dia chegado a sangrar. A B disse que tinha caído e espetado um pau. A testemunha chamou os elementos da Comissão de Protecção que providenciaram pela ida da menor ao hospital. D, da Comissão de Protecção, depôs de modo credível e isento, tendo dito que desde 2001 que acompanhava o caso da B, visto que ela não ia à escola. Reparou que uma vez a menor apresentava a cabeça partida, mas não relacionou tal com nenhuma agressão. Num determinado dia, a Comissão foi contactada pela escola, visto que a perna da menor estava inchada. A menor começou por dizer que dera uma queda e que o pai não queria que ela fosse ao hospital. O pai acabou por concordar em que a menor fosse ao hospital acompanhada pela testemunha e por outro elemento da Comissão. Uma vez no hospital, a B disse que fora o pai que a agredira. A médica informou que se a menor não tivesse recebido assistência naquele dia ou nos dois dias seguintes, a perna teria de ser amputada. O testemunho de E, técnica da Comissão de Protecção mereceu igual credibilidade, tendo-se revelado isento. Acompanhou a menor ao hospital, mas apenas D acompanhou a jovem no interior do banco hospitalar. A perna encontrava-se inchada, tendo a menor dito que o pai não a deixava ir ao hospital. Contactado o pai, este disse que a menor tinha caído. O depoimento de F não mereceu credibilidade. Trata-se do filho de 17 anos do arguido, que vive com este. Ê natural que esteja sob forte influência paterna. Disse que a irmã A tinha caído de uma figueira e de uma armação metálica, quando os dois estavam a brincar à apanhada. O pai ralhava à irmã e por vezes deu-lhe chapadas, mas nunca bateu nas pernas nem pegou em paus. Confirmou que o pai por vezes bebia em excesso, mas disse que nessas ocasiões ele chegava a casa e deitava-se. Analisaram-se atentamente os documentos de fls 5, 16 e 62. Considerou-se o teor do CRC de fls 14.
H- cumpre apreciar e decidir.
O recurso é restrito a matéria de direito nos termos do artigo 428º nº 2 e, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3, ambos do Código de Processo Penal.
Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer.
Dispõe o artº 70º do C.Penal sobre o critério de escolha da pena que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à Segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
“Traduz vincadamente o pensamento legislativo do Código de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas, sempre que os fins das penas possam atingir-se por outra via” – MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, anotado e comentado, 13ª edição, p. 246. Nota 2.
A redacção do artº 70º surge no seguimento da filosofia da preferência fundamentada da pena não detentiva que a versão originária já consagrava, justificando tal preferência “sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime”
Como refere ROBALO CORDEIRO, “Escolha e Medida da Pena”, in Jornadas de Direito Criminal, Publicação do Centro de Estudos Judiciários, págs 237 e segs e, citado por Maia Gonçalves in ob. citada, p. 247, nota 3, “...determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta.”
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção –artº 71º nº 1 do CP.
Quanto às exigências de prevenção, e como se refere na decisão recorrida: “Pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização (ANABELA MIRANDA RODRIGUES,, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, p. 323).”
Na determinação da medida concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as indicadas no artº 71º nº 2 do CP.
In casu foi aplicada pena de prisão (efectiva) ao arguido, pois que como salienta a sentença: “No caso vertente, as exigências de prevenção geral serão em grau relativamente elevado, já que a conduta em causa se enquadra no âmbito de uma criminalidade que põe em questão o bem estar e a saúde dos menores. Torna-se necessário salientar, perante a sociedade, a impropriedade de condutas como a do arguido. Vive-se uma época em que o simples castigo corporal exercido sobre os filhos é posto em causa quer no domínio do Direito quer no campo da Psicologia ( cfr ., no primeiro dos aspectos, Filipe Silva Monteiro, O Direito de Castigo ou o Direito de os Pais Baterem nos Filhos, Braga, 2002 e, no segundo, John Rosemond, Bater ou Não Bater, Lisboa, 2002). Se tal é questionado, maior gravidade assumem os verdadeiros maus tratos.
No que respeita à prevenção especial, o que se tem em vista com a pena é a socialização, a advertência individual, a segurança e a inocuização (Figueiredo Dias, cit., p. 243). Trata-se de atingir o agente com uma pena que possa vir a constituir um ponto de viragem na sua conduta.
Na presente situação, evidenciam-se circunstâncias concretas que revelam necessidades de prevenção especial, já que o arguido adopta repetidamente uma conduta agressiva para com a filha.
O arguido carece de uma punição que conduza à sua ressocialização.
É acentuado o grau de ilicitude da conduta criminosa. Estão em causa agressões graves, praticadas com paus e ferros.”
O quantum da pena de prisão aplicada, não vem aliás discutido, já que o objecto do recurso visa, apenas, a suspensão da execução da pena.
“Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...). A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes(...) – FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 518 e 519.
Na verdade , o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.- artº 50º nº1 do CP.
O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que suspensão seja acompanhada do regime de prova.- nº 2 do artº 50º do CP.
Como se salientou no AC. do STJ de 25 de Junho de 2003, in Col. Jur. Acs do STJ , ano XXI, tomo II, 2003, p. 221, : Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
Assim, a suspensão da execução da pena não depende, obviamente, de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos legais.”
Há que considerar que, “na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.”-FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, §518, p. 343.
Ora analisando e ponderando a matéria fáctica provada, verifica-se que o arguido, apesar de ser o pai da menor ofendida, agredia esta com frequência, com paus, ferros, pontapés, com o argumento de que a menor não é sua filha, mas de um cigano.
Houve uma altura em que o arguido desferiu, em momentos diferentes, pontapés e bateu com objectos na perna esquerda da menor, e não diligenciou pelo tratamento da mesma, outrossim lhe foi desferindo mais pancadas na zona afectada, de forma que, em consequência, a menor ficou com um hematoma infectado na perna esquerda, e a menor só recebeu tratamento médico quando disse à professora C que não sentia a perna esquerda.
A menor chegou a ser operada, a hematoma infectado da perna esquerda que exercia compressão nervosa, tendo-lhe resultado 30 dias de doença, com igual período de incapacidade para o trabalho e actividade escolar da menor, sendo que das agressões ficaram como sequelas para a menor cicatriz disforme, tipo queloide, na face externa da perna esquerda e zona de fibrose cicatricial formando nódulos.
Por outro lado, note-se que a menor quando teve alta foi entregue num centro de acolhimento.
Apesar de nada constar do certificado de registo criminal do arguido, verifica-se que este bateu cruelmente na sua filha B, nascida a 18 de Março de 1987, e de forma reiterada, tendo aliás agido deliberada, livre e conscientemente, com intenção de lesar a integridade física da filha menor e não ignorando que o seu comportamento poderia também afectar-lhe a integridade psicológica.
O arguido que é trabalhador rural, desempenhando tais funções ocasionalmente, vive em casa emprestada, com um filho de 17 anos de idade, que também trabalha ocasionalmente na agricultura, sendo que para além deste filho e da B, tem mais dois filhos (19 e 13 anos), que não vivem com ele.
A personalidade do arguido manifestada, as condições da sua vida, e as circunstâncias do crime, não fazem concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Aliás, desconhece-se a conduta do arguido posterior aos factos, nomeadamente actos objectivos de arrependimento, não há garantia de que o recorrente não volte a atentar contra o bem estar e a saúde da menor, e, o facto de nada constar no seu certificado de registo criminal, nada esclarece adequadamente sobre seu comportamento anterior, (note-se que batia desalmadamente na filha, a qual só recebeu tratamento médico quando disse à professora Raquel que não sentia a perna esquerda).
A actuação do arguido não foi um mero acto isolado e, como bem conclui o Ministério Público na 1ª instância o crime reveste muita gravidade, quer pela intensidade de lesão do bem jurídico, quer pelo meio empregue pelo arguido, pela sua conduta reiterada, pelo facto da menor ser sua filha, ter apenas 14 anos e estar aos seus cuidados, pelo que as exigências de prevenção geral não ficam adequada e suficientemente realizadas com a simples censura do facto e ameaça da prisão.
O recurso não merece provimento.
I- Termos em que
Negam provimento ao recurso e, confirmam a sentença.
Tributam o recorrente em 3 Ucs de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

ÉVORA,26 de Outubro de 2004
Elaborado e revisto pelo Relator.

António Pires Henriques da Graça
Rui Hilário Maurício
Manuel Cipriano Nabais