Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3103/13.8TASTB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA
REFORMATIO IN PEJUS
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I - A publicitação da decisão condenatória num jornal de expansão local ou nacional, a expensas do infrator, não faz parte da sanção (propriamente dita), não é matéria de condenação, sendo apenas uma decorrência normal da condenação pela prática da contraordenação em causa nestes autos, conforme art. 9.º, nº 4, do D.L. n.º 156/2005, de 15/09.

II - Essa publicitação só ocorre, como é evidente, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, e pode até ser objeto de despacho (que a determine) posterior a tal decisão condenatória, não necessitando sequer de constar da decisão condenatória propriamente dita.

III - A esta luz, a ordem de publicitação da decisão, constante da sentença revidenda, não viola o princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 72º-A do RGCO).

IV – Tendo a recorrente praticado a infração contraordenacional em causa nos presentes autos a título doloso (ainda que na forma de dolo eventual), não se pode considerar ser reduzida a sua culpa, para efeitos de aplicação da sanção de admoestação.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO.

Por decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, foi aplicada a “A..., Ldª”, uma coima de € 15.000,00 (quinze mil euros), por, em 07-03-2010, um dos seus colaboradores ter recusado entregar o livro de reclamações a umas clientes.

A arguida impugnou judicialmente essa decisão, impugnação que foi remetida ao Tribunal Judicial de Setúbal (1º Juízo Criminal) onde, como recurso de contra-ordenação, recebeu o nº 3103/13.8TASTB.

Admitida a impugnação, e feito o julgamento, foi proferida pertinente sentença, a qual julgou tal impugnação totalmente improcedente e manteve a decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
*
Inconformada com a sentença, recorreu a arguida “A..., Ldª”, extraindo da sua motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

“a) Por Sentença de fls…, que julgou improcedentes as invocadas nulidades da decisão administrativa foi a Recorrente condenada no pagamento de uma coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) pela prática de uma (1) contraordenação, p. e. p al. b) do n.º1 do art. 3º e al. a) do n.º1 e n.º 3 do art. 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro e, após trânsito em julgado, a publicitar a decisão nos termos do n.º4 do art. 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro.

b) Sucede porém que a aludida sentença padece de vicissitudes que importam a sua nulidade, pois, por um lado, viola o Principio da proibição da Reformatio in Pejus - art. 72º-A do RGCO, uma vez que não assiste poder jurisdicional ao Tribunal a quo para, acessoriamente, à condenação em coima, ordenar a publicação de decisão, a expensas da aqui Recorrente, na medida em que condena para além da condenação em decisão administrativa e em prejuízo da Arguida aqui Recorrente.

c) Por outro, de vicissitudes quanto à apreciação da prova e consequente fundamentação da decisão - O erro de julgamento e o erro notório na apreciação da prova ocorrem quando: “ (…) um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. (…).Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez dito melhor, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e da experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). (…).”

d) O Tribunal a quo motivou a decisão quanto à matéria de facto e consequente consolidação da mesma na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e em determinados elementos documentais, fazendo prevalecer o depoimento da testemunha JR – agente da PSP sobre o depoimento de RG prestado em audiência de julgamento, como aliás se pode atestar do texto da própria Sentença, maxime aquando da motivação da matéria de facto.

e) Com efeito, mal andou o Tribunal a quo ao fundamentar a sua decisão de facto (cfr. quadro factológico reproduzido supra) em detrimento do aludido depoimento quanto aos esclarecimentos de que, à data dos factos não era colaborador da aqui Recorrente, apenas convidado como DJ para, aleatoriamente por música nos seus estabelecimentos.

f) Mercê do Principio da Livre Apreciação da Prova o juiz, de facto não se encontra sujeito às rígidas regras de prova tarifada, contudo o mesmo não lhe permite a valoração de prova de forma arbitrária, mas sim vinculada e limitada às regras da experiência comum e por restrições legais - assim, resulta evidente que, não tendo o Tribunal promovido diligências adicionais de prova, no que tange à vinculação de RG, em 07 de Março de 2010 à aqui Recorrente, não pode descurar o seu depoimento quando o próprio esclareceu que apenas a partir de 08 de Novembro de 2011, com a cessão de quotas e assunção de nova gerência (factos estes documentados e juntos ao autos a fls…) passou a ser funcionário da aqui Recorrente.

g) Motivos pelos quais, mal andou o Tribunal ao entender como preenchidos os elementos objetivos da contraordenação, por, entender que RG era funcionário da Recorrente, em violação das regras da experiência comum, bem como do próprio Principio in dubio pro reo.

h) Nesta conformidade, a Sentença de que ora se recorre é nula, porquanto apenas ao prestador de serviço e aos seus colaboradores e/ou funcionários pode ser assacada responsabilidade quanto ao (in)cumprimento das regras e preceitos inerentes ao Livro de Reclamações.

i) O Tribunal a quo, no pressuposto da responsabilidade contraordenacional da aqui Recorrente pela prática de uma (1) contraordenação decidiu condená-la, a título de dolo eventual, numa coima de € 15.000,00 (quinze mil euros), porquanto concluiu, em face da factualidade provada que se encontram preenchidos os elementos do tipo objetivo e subjetivo das contraordenações.

j) Ora, como alegado supra no caso em apreço não se encontram preenchidos os elementos do tipo objetivo da contraordenação, designadamente quanto ao agente, pois Raul Gonçalves não assume a qualidade de fornecedor de bens e/ou prestador de serviços, cfr. al. b) do n.º1 e 4 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 156/2005 de 15 de Fevereiro.

k) No que respeita aos elementos do tipo subjetivo, entende o Tribunal que, resultou provado que ao recusar a entrega do livro de reclamações, mesmo na presença da PSP, a recorrente, através do seu colaborador RG, representou como possível que tal consubstanciava a prática de uma contraordenação, mantendo o seu comportamento conformada com essa realidade, agindo com dolo eventual.

l) Com efeito, o dolo é constituído pelo elemento intelectual (conhecimento dos factos constitutivos do tipo de ilícito) e pelo elemento volitivo (direção de uma vontade para um determinado comportamento) e, esta, face ao disposto no art. 14º do CP, aplicável ex vi art. 32º do RGCO divide-se em três modalidades: dolo direto, dolo eventual e dolo necessário.

m) No caso concreto, a contrario do preconizado na Sentença de fls… não resulta apurada qualquer factualidade que permita concluir que a Arguida pretendeu desrespeitar voluntariamente a norma contraordenacional aqui em causa e que se tenha conformado com esse resultado, pois, à data dos factos RG não era colaborador e/ou funcionário da Recorrente, apenas prestava, de forma esporádica serviços de DJ, pelo que, não se alcança que a aqui Recorrente tenha sequer praticado o facto – recusa de entrega do livro de reclamações, porquanto nem a ela, nem aos seus funcionários, lhe foi solicitado e, muito menos com a intenção e conformada com o fim, ou seja, com dolo eventual, logo, em consequência, a aqui Recorrente, não agiu ao contrário das instruções das autoridades, nem o quis, voluntariamente fazer.

n) Acrescente-se ainda que, também não agiu negligentemente, pois verifica-se negligência sempre que o agente atue com omissão dos deveres de cuidado a que está obrigado, segundo as circunstâncias, os seus conhecimentos e capacidades pessoais e, nos termos do art. 15º do CP, pode revestir duas modalidades, ou seja negligência consciente ou, negligência inconsciente - segundo Figueiredo Dias, a negligência consubstancia-se na censurabilidade ou no “(…) elemento revelador de que no facto se exprimiu uma personalidade leviana ou descuidada perante um dever jurídico-penal (…)”, ou seja, o que está em causa é a existência de um “(…) critério subjetivo e concreto, ou individualizante, que deve partir do que seria razoavelmente de esperar de um homem com as qualidades ou capacidades do agente.(…).”

o) Donde se alcança que, haverá uma conduta de negligência sempre que o agente atua com omissão dos deveres de cuidado, diligência ou perícia a que estava obrigado para evitar o dano, segundo as circunstâncias concretas, os seus conhecimentos e capacidades pessoais, não se compaginando a conduta da aqui Recorrente com uma conduta negligente, quer na modalidade consciente, quer na modalidade inconsciente, tanto mais que o aludido RG não era colaborador da aqui Recorrente.

p) Conclui-se que inexiste violação do dever de cuidado, logo não se encontram preenchidos, à semelhança do que sucede quanto aos elementos do tipo objetivo, os elementos do tipo subjetivo.

q) No que tange à publicidade da decisão condenatória, e naturalmente sem conceder face ao alegado supra, a verdade é que o Tribunal olvidou a alteração verificada na sociedade aqui Recorrente, quer quanto ao capital social, quer quanto à gerência cfr. docs. fls…, bem como a inexistência de antecedentes contraordenacionais, que, por si arredariam a sua aplicação.

r) Nesta conformidade, mal andou o Tribunal a quo ao concluir pela verificação de infração ao disposto n.º1 do art. 3º e al. a) do n.º1 e n.º 3 do art. 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro e, em consequência a condenar a aqui Recorrente numa coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) e, após trânsito em julgado, a publicitar, a suas expensas, a decisão nos termos do n.º4 do art. 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro.

s) Para apuramento da sanção, importa chamar à colação o disposto no n.º1 do art. 18º do RGCO que estabelece que a medida da coima se determina em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação, logo, impõe-se referir que a gravidade da infração resulta da respetiva ilicitude que se define em função da maior ou menor desconformidade dos factos relativamente às normas do ordenamento jurídico, a qual terá que ser ponderada a partir de um conjunto de circunstâncias subjacentes à prática dos factos, incluindo as características decorrentes do modo de execução dos factos, na parte em que se refiram ao desvalor. No que tange à culpa, esta integra um juízo de censura dirigido ao agente, pelo facto de tendo podido agir em conformidade com os deveres e no cumprimento das normas o não ter feito.

t) Especificando, resulta do quadro factológico provado, entre outros que a conduta da aqui Recorrente se resumiu à não entrega do livro de reclamações por RG, logo a conduta da aqui Recorrente nem sequer poderia ser integrada como negligente, na medida em que a mesma não importou a violação de qualquer dever de cuidado legalmente imposto, tanto mais que o aludido RG não era, à data funcionário da Recorrente, nem com ela mantinha qualquer vinculo contratual.

u) Contudo e por mera cautela, para o caso de se entender que a conduta da aqui Recorrente se integra no tipo subjetivo negligente, a verdade é que a mesma apenas se poderá compaginar com a modalidade de negligência inconsciente e, concluindo-se que a Recorrente agiu negligentemente, violando o dever de cuidado, porquanto não se assegurou que um mero prestador de serviços facultasse o livro de reclamações aos clientes, não poderá deixar de se concluir, também que a culpa é reduzida.

v) Aliás, do quadro factológico provado não constam quaisquer factos que evidenciem a integração da conduta da aqui Recorrente como gravemente culposa, nem que da mesma tenham resultado, em concreto danos para as consumidoras e terceiros, assim como não se apurou que a Recorrente tivesse antecedentes contraordenacionais e que tivesse retirado qualquer benefício económico da aludida conduta.

w) Nesta conformidade e coligidos os elementos e pressuposto do art. 18º RGCO, concluímos que, mal andou o Tribunal a quo aquando da determinação da sanção aplicável, optando pela aplicação de uma coima ao invés de uma sanção de Admoestação – art. 51º do RGCO, pois o grau de culpa é reduzido - motivos pelos quais, importaria ponderar, ao invés da aplicação de uma coima e sanção acessória a determinação de uma sanção de admoestação, tanto mais que, no caso concreto não se encontra demonstrado nem quantificado qualquer benefício económico, a gerência e o corpo societário da Recorrente não é o mesmo da data dos factos - resulta evidente do circunstancialismo descrito que a aplicação de uma Admoestação se apresenta como adequada, satisfazendo os fins de prevenção especial e geral.

x) Sem embargo do que se alegou supra, do que não se prescinde, é certo que não se encontram preenchidos os pressupostos para o agravamento do valor da coima nos termos do n.º3 do art. 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, 15 de Setembro, tanto mais que a Recorrente não tem antecedentes contraordenacionais, não retirou qualquer beneficio da aludida infração e, de facto, a data mantinha uma estrutura societária e gerência totalmente diferente da atual e, o RJ não era seu funcionário e/ou colaborador.

y) Donde, resulta evidenciado que a aplicação de uma coima no valor de €15.000,00 (quinze mil euros) vai para além das regras e fins de prevenção da norma.

z) Assim e sem conceber, caso o Tribunal entenda que a conduta da aqui Recorrente deverá ser sancionada com coima, a mesma deverá respeitar os limites mínimos para a negligência, atenta toda a factualidade e fundamentação que antecede, sem agravamento.

Pelo que Vossas Excelências, dando provimento ao presente recurso declarando a nulidade e revogando a sentença recorrida substituindo-a por outra que absolva a Arguida; caso assim se não entenda, substituindo-a por outra que aplique uma admoestação ou, em alternativa reduza a coima ao limite mínimo para a negligência, farão a costumada Justiça”.
*
O Ministério Público apresentou resposta, pugnando para que seja mantida a decisão recorrida.
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se também no sentido de ser mantida a decisão recorrida.
*
Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, nada foi dito.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

A DECISÃO RECORRIDA.

A fundamentação (de facto) da decisão revidenda é a seguinte:
“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Discutida a causa, apuraram-se, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos:

Factos Provados:
1. No dia 7.3.20010, pelas 4h00, no estabelecimento da recorrente denominado R., sito na Avenida..., em Setúbal, foi pedido o livro de reclamações por umas clientes ao colaborador da recorrente RG.

2. O mesmo recusou a entrega do livro, tendo as clientes chamado ao local a PSP.

3. Já na presença da PSP, foi explicado pelo agente que o livro tinha que ser apresentado, tendo o colaborador da recorrente mantido essa recusa.

4. Ao recursar a entrega do livro de reclamações, mesmo na presença da PSP, a recorrente, através do seu colaborador RG, representou como possível que tal consubstanciava a prática de uma contraordenação, mantendo o seu comportamento conformada com essa realidade.

5. Mais sabendo que a sua conduta estava prevista e era legalmente sancionada.

Não provados:
Com relevância para a boa decisão da causa inexistem.

O demais explanado na decisão administrativa e na impugnação judicial apresentada porque relativa a matéria de direito, conclusiva ou sem interesse para a boa decisão da causa, não foi incluída na factualidade supra.

Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resulta da conjugação e análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e da prova documental constante dos autos, analisada à luz das regras de experiência comum, designadamente:

Quanto ao local, data e hora em que os factos ocorreram o tribunal atendeu à conjugação do depoimento prestado pelo agente da PSP que se deslocou ao local da ocorrência, JR, com o conteúdo do auto de notícia de fls.3.

Na verdade, a testemunha prestou depoimento de forma clara, espontânea, sem grandes hesitações ou contradições, narrando a forma e sequência dos acontecimentos e fundando no tribunal a convicção de que eram verdadeiros os factos que narrava.

Não teve dúvidas ao afirmar que foi chamado a uma ocorrência e que ai chegado umas senhoras estavam no exterior do estabelecimento.

Fizeram-lhe um breve relato do sucedido e o agente entrou, então, no estabelecimento com as senhoras e dirigiu-se ao individuo que estava atrás do balcão e que manteve a recusa da entrega do livro, mesmo após o agente lhe ter dito para o apresentar.

Quanto a quem se tratava desse individuo, também não restaram dúvidas ao tribunal de que se tratava de RG.

Este foi igualmente ouvido como testemunha, tendo explicado que à data dos factos era colaborador da recorrente e que colocava música nos estabelecimentos explorados por esta.

Relativamente aos factos, apenas referiu não ter recordação de nenhuma situação passada com ele.

Ora, a verdade é que no dia dos factos, tal como decorre do depoimento do agente da PSP e fundamentalmente do auto de notícia onde se verifica que no dia e hora dos factos esta testemunha foi identificada no campo do infrator.

Veja-se que a identificação não foi fornecida verbalmente, o que significa que foi pedido e exibido pelo próprio documentos de identificação, o qual ou os quais foram fornecidos.

Em suma, dúvidas não subsistiram ao tribunal de que RG estava presente no estabelecimento da recorrente, no dia e hora dos factos, atrás do balcão, tendo recusado a entrega do livro de reclamações; mesmo depois do agente da PSP lhe ter dito para apresentar o livro.

Sendo a recorrente uma sociedade exploradora de um estabelecimento comercial não pode desconhecer das obrigações legais que sobre si impedem e que neste caso são conhecidas de qualquer cidadão comum. A existência e a pronta apresentação do livro de reclamações quando solicitado.

Pelo que, quando através do seu colaborador a recorrente recusou a apresentação do livro e manteve tal comportamento mesmo perante o agente da PSP teve necessariamente que representar como possível que estaria a praticar uma infração, conformando-se com essa realidade”.

APRECIAÇÃO DO RECURSO.
O regime dos recursos de decisões proferidas em primeira instância, em processo de contra-ordenação, está definido nos artigos 73º a 75º do Regime Geral das Contra-Ordenações (doravante designado de RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com as sucessivas alterações - pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro -, mormente seguindo a tramitação dos recursos em processo penal - cfr. nº 4 do seu artigo 74º -, decorrente do princípio da subsidiariedade a que alude o seu artigo 41º.

Em conformidade, de acordo com jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, e atento o disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no art.º 410º do mesmo Código.

No âmbito dos recursos em apreço, constituindo desvio ao princípio geral que as relações conhecem de facto e de direito - cfr. artigo 428º do Código de Processo Penal -, apenas se conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida ou de anulação e devolução do processo ao mesmo tribunal, conforme dispõe o artigo 75º do RGCO.

Porém, em razão da indicada subsidiariedade do regime processual penal, cumprirá sempre conhecer de vícios a que o legislador impõe a apreciação, desde logo os enunciados naquele artigo 410º do C. P. Penal.
*
Feitos os antecedentes esclarecimentos, e voltando ao caso destes autos, são cinco as questões que a recorrente suscita e que pretende que sejam apreciadas:

1ª - Invoca que a sentença revidenda é nula, por violação do princípio da reformatio in pejus (quando ordena a publicitação da decisão).

2ª - Alega que ocorre erro notório na apreciação da prova, por indevida valoração da prova testemunhal e documental.

3ª - Entende que não se configura in casu nenhum dos tipos de dolo previstos no artigo 14º do Código Penal, nem sequer uma qualquer atuação a título de negligência.

4ª - Sustenta estarem reunidos os pressupostos que permitem que lhe seja aplicada a admoestação a que se refere o nº 1 do artigo 51º do RGCO.

5ª - Considera excessivo o montante da coima que lhe foi aplicada.

Há que apreciar tais questões.

1 - Da violação do princípio da “reformatio in pejus.

Alega a recorrente que, na sentença revidenda, é violado o princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 72º-A do RGCO), uma vez que o tribunal a quo, acessoriamente à condenação em coima, ordenou a publicação da decisão, a expensas da recorrente (condenando, assim, para além da condenação proferida pela autoridade administrativa e em prejuízo da recorrente).

Há que apreciar e decidir.

Na sentença recorrida não ocorre qualquer agravamento da coima aplicada em sede de decisão administrativa.

O que se verifica é, isso sim, a determinação da publicitação da decisão em jornal de tiragem a nível local.

Ora, esta publicitação da decisão condenatória não faz parte da sanção (propriamente dita), não é matéria de condenação, sendo apenas uma decorrência normal da condenação pela prática da contraordenação em causa nestes autos.

É o que decorre, manifestamente, do disposto no artigo 9º, nº 4, do D.L. nº 156/2005, de 15/09: “a violação do disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 3º dá lugar, para além da aplicação da respetiva coima, à publicidade da condenação por contraordenação num jornal de expansão local ou nacional, a expensas do infrator”.

Ou seja, em caso de condenação pela prática da contraordenação provada nos autos, há lugar, sempre, à publicitação da decisão em jornal de tiragem local ou nacional.

Essa publicitação só ocorre, como é evidente, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, e pode até ser objeto de despacho (que a determine) posterior a tal decisão condenatória.

Tal publicitação decorre, assim, e sem mais, da própria lei, não necessitando sequer de constar da decisão condenatória propriamente dita.

A esta luz, a ordem de publicitação da decisão, constante da sentença revidenda, não viola o princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 72º-A do RGCO), ao contrário do que alega a recorrente.

Improcede, face ao exposto, esta primeira vertente do recurso.

2 - Do erro notório na apreciação da prova.
Invoca a recorrente diversas vicissitudes quanto à apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo (alegando existir “erro de julgamento” e “erro notório na apreciação da prova”).

A recorrente discute, neste ponto, a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como determinados elementos documentais, concluindo que mal andou o tribunal a quo no tocante à decisão fática proferida (tendo sido violados o princípio da livre apreciação da prova, as regras da experiência comum e o principio in dubio pro reo).

Cabe apreciar.
Em primeiro lugar, e como acima já assinalámos, no âmbito do presente recurso apenas se pode conhecer da matéria de direito (artigo 75º, nº 1, do RGCO).

Em segundo lugar, será possível apreciar da existência dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, mas, para isso, é necessário que as alegações da recorrente se possam enquadrar no âmbito de tais vícios (e não no mero âmbito de uma impugnação alargada da decisão fáctica tomada pelo tribunal de primeira instância).

Ora, dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.

Deste preceito resulta, pois, que estes vícios da matéria de facto têm de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimento exarados no processo e não podendo basear-se em documentos juntos ao processo.

Os vícios da matéria de facto em referência não podem, designadamente, ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pela recorrente sobre a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e aquela convicção que, nos termos do disposto no artigo 127º do C. P. Penal, e com respeito, além do mais, pelo estabelecido no artigo 125º do mesmo diploma legal, o tribunal a quo alcançou sobre os factos.

Ao alegar o que consta da motivação do recurso quanto à questão das provas, a recorrente está apenas a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal de primeira instância sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aquela adquiriu na audiência de discussão e julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127º do C. P. Penal.

Ou seja, e concluindo: da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não decorre a existência de qualquer um dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal.

Nestes termos, e nesta parte, é de improceder o recurso.

3 - Do dolo e da negligência.
Entende a recorrente que o tribunal a quo, concluindo pela prática da contraordenação em causa a título de dolo eventual, decidiu erradamente.

Mais: segundo a recorrente, não estão preenchidos os elementos do tipo subjetivo da contraordenação dos autos, quer a nível de uma atuação com dolo, quer mesmo a nível de uma atuação meramente negligente (a recorrente não agiu sequer negligentemente).

Cabe apreciar.
Constata-se, neste ponto, mais uma vez, que a recorrente discute a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada, pois que, em seu entender, na situação dos autos não ocorre uma atuação com dolo (ou sequer com negligência).

Só que, nessa sua alegação, a recorrente não atentou, como devia (com o devido respeito), ao disposto no artigo 75º, nº 1, do RGCO (o Tribunal da Relação só conhece de direito, funcionando como tribunal de revista - face aos factos que foram apurados em primeira instância).

Ou seja, a matéria de facto que ficou assente na sentença proferida em primeira instância (com base na prova aí apreciada e valorada) tem de considerar-se fixada, salvo se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, se verificarem alguns dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal (vícios esses que, como acima decidimos, não ocorrem in casu).

Nesta vertente, a recorrente parece esquecer (sempre com o devido respeito) que a questão do dolo e/ou da negligência respeita (antes do mais) a matéria de facto.

Como muito bem salientam Simas Santos e Leal Henriques (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Rei dos Livros, pág. 136), “matéria de facto ou questão de facto e matéria de direito ou questão de direito são temáticas de melindrosa caracterização, que não têm logrado consenso sólido quer na Doutrina quer na Jurisprudência”.

O Prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, III, págs. 206 e 207) refere que “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.

Sobre esta matéria Simas Santos e Leal Henriques (ob. citada, pág. 141) escrevem quepoderemos assentar em que haverá uma questão de facto quando procuramos reconstituir uma situação concreta, um evento do mundo real; e uma questão de direito quando submetemos a tratamento jurídico a situação concreta reconstituída”.

Ora, face a estas considerações, entendemos que a culpa (o dolo e a negligência) assenta, primordialmente, em matéria de facto.

A questão de saber se alguém atuou com dolo ou com mera negligência tem a ver com uma ocorrência da vida real, com um evento material, sendo, assim, na sua essência, uma questão de facto.

O tribunal a quo, a este propósito, deu como provado o seguinte: “ao recursar a entrega do livro de reclamações, mesmo na presença da PSP, a recorrente, através do seu colaborador RG, representou como possível que tal consubstanciava a prática de uma contraordenação, mantendo o seu comportamento conformada com essa realidade. Mais sabendo que a sua conduta estava prevista e era legalmente sancionada”.

Ora, tais factos constituem matéria de facto claramente consubstanciadora de dolo (dolo eventual).

E, atentos estes mesmos factos, outra não podia ser a conclusão obtida pelo tribunal a quo relativamente à conduta dolosa da recorrente.
Entendemos, pois, tal como consta da decisão recorrida, que a conduta da arguida, além de preencher os elementos objetivos da contraordenação em causa, preenche também o seu elemento subjetivo, na modalidade de dolo eventual.

Nestes termos, e nesta parte, é de improceder o recurso.

4 - Da aplicação de admoestação.
Alega a recorrente que a culpa é reduzida, que da sua conduta não resultaram danos para as consumidoras ou para terceiros, que não possui antecedentes contraordenacionais, e que não retirou qualquer benefício económico da prática da contraordenação em causa.

Nesta conformidade, entende a recorrente que mal andou o tribunal a quo ao optar pela aplicação de uma coima, em detrimento de uma sanção de admoestação (artigo 51º, nº 1, do RGCO) - admoestação que se apresenta como adequada, satisfazendo os fins de prevenção especial e geral.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no artigo 51º, nº 1, do RGCO, “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.

Como bem refere Sérgio Passos (in “Contraordenações”, Almedina, 2ª ed., 2006, pág. 365), “a admoestação só será de aplicar às infracções qualificadas como leves ou simples, em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente àquelas em que há actuação por negligência ou, noutros casos, em que hajam circunstâncias que atenuem a culpa”.

Mais acrescenta este autor (ob. e local citados) que “a admoestação deve ser afastada nas infracções que sejam passíveis de possível aplicação de sanções acessórias ou nas que o sujeito infractor tenha retirado um benefício económico da prática contraordenacional”.

Conforme esclarecem de Simas Santos e Lopes de Sousa (in “Contraordenações - Anotações ao Regime Geral”, Vislis, 4ª ed., 2007, pág. 392), a admoestação, não deixando de revestir uma sanção, traduz medida alternativa à coima, devendo apenas ser aplicada “se a culpa do agente o justificar”, e em casos de “reduzido grau de ilicitude”, relevando particularmente “a existência de circunstâncias externas que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos ou que, à face da lei, permitam uma atenuação especial”.

Em suma: exige-se uma reduzida gravidade da infração e um reduzido grau de culpa.

Ora, in casu, e no que concerne à culpa, verifica-se que a infração foi praticada a título de dolo eventual (não tendo havido uma atuação por negligência, nem existindo quaisquer circunstâncias que atenuem a culpa).

No que tange à gravidade da infração, também não podemos considerar a mesma como de gravidade reduzida (a norma violada respeita a direitos dos consumidores, e, além disso, como acima referido, a própria lei estabelece que as condenações pela prática de contraordenação por recusa de apresentação do livro de reclamações serão publicitadas, a custas do infrator, num jornal de expansão local ou nacional).

Em jeito de síntese: de modo algum se pode considerar a infração cometida pela recorrente de “reduzida gravidade”, e, por outro lado, e como acima exposto, a recorrente praticou a infração contraordenacional em causa nos presentes autos a título doloso (ainda que na forma de dolo eventual) - por isso também não se podendo considerar ser reduzida a sua culpa.

Em face do exposto, entendemos que não estão verificados os pressupostos da admoestação previstos no artigo 51º, nº 1, do RGCO.

Por conseguinte, também esta vertente do recuso não merece provimento.

5 - Do montante da coima aplicada.
Finalmente, alega a recorrente que a aplicação de uma coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) é excessiva, devendo a mesma respeitar os limites mínimos para a negligência.

Há que decidir.

Ao contrário do alegado na motivação do recurso, a recorrente não atuou a título de negligência, mas sim a título de dolo (dolo eventual).

Logo por aqui, falece a pretensão da recorrente de que a coima seja reduzida “ao limite mínimo para a negligência”.

Por outro lado, e conforme é evidenciado na sentença sub judice (tal resulta, aliás, expressamente, do texto legal - e não vem sequer questionado na motivação do recurso), o limite mínimo da moldura abstrata da coima é, no caso em apreço (em que a recorrente agiu com dolo), precisamente de € 15.000,00 (quinze mil euros).

Ora, tendo a coima sido fixada no seu limite mínimo, e como é óbvio, não se mostra excessiva ou desadequada.

Assim sendo, a coima aplicada pelo tribunal a quo à recorrente não é merecedora de qualquer reparo - na decisão recorrida foi fixada coima correspondente ao mínimo da moldura abstrata (€ 15.000,00).

Termos em que, e também neste último aspeto, nenhuma censura nos merece a sentença sub judice.

Posto tudo o que precede, improcede, pois, totalmente, o presente recurso.

III - DECISÃO.
Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão revidenda.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 4 (quatro) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 03 de Junho de 2014.
__________________________________
(João Manuel Monteiro Amaro)
_____________________________________
(Maria Filomena de Paula Soares)