Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1342/15.6T8TMR.E2
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: VIOLAÇÃO DO DIREITO A FÉRIAS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Sumário: I – Como facto constitutivo do direito à indemnização por violação do direito a férias, ao trabalhador compete alegar e provar factos consubstanciadores de um comportamento culposo do empregador que obste ao gozo das férias;
II – Para tal é necessário que se prove que houve um efectivo impedimento ao gozo de férias, não sendo, por isso, suficiente a simples não marcação das férias para concluir que o empregador obstou ao seu gozo;
III – Em conformidade com as proposições anteriores, provando-se apenas que a trabalhadora não gozou a totalidade das férias a que tinha direito, face à cessação do contrato de trabalho apenas tem direito ao pagamento da retribuição correspondente a essas férias não gozadas.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1342/15.6T8TMR.E2
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autora/recorrente) intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC (Réu/recorrido), pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 97.262,87, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, e ainda que se declare a ilicitude do seu despedimento, promovido pelo Réu, e que se condene o mesmo a pagar-lhe as retribuições devidas desde 30 dias antes da propositura da acção até integral pagamento.
Alegou para o efeito, muito em síntese:
- foi admitida ao serviço do Réu em 1 de Abril de 2001, tendo a partir dessa data passado a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Réu, como empregada de mesa, num estabelecimento de café e snack-bar explorado por este;
- em Maio/Junho de 2011 o Réu transmitiu o estabelecimento e deu ordens à Autora para passar a trabalhar na sua casa (dele, Réu), o que, efectivamente, passou a fazer, exercendo as funções de limpeza da casa, lavagem de roupa, cozinhar, etc, e ainda o cultivo de uma horta doméstica;
- em 10-05-2015 o Réu comunicou-lhe que “estaria despedida, dizendo-lhe que a porta da rua era a serventia da casa e que ia mudar as fechaduras para ela não voltar a entrar”;
- tal situação configura um despedimento ilícito, pelo que tem direito às consequências legais daí decorrentes;
- além disso, são-lhe devidos créditos salariais vários, seja por trabalho suplementar prestado, seja por férias não gozadas, subsídio de férias e de Natal, seja ainda por diferenças salariais, tendo em conta que existiu apenas um contrato de trabalho e sempre manteve a mesma categoria profissional – de empregada de mesa –, não obstante a partir de Maio/Junho de 2011 ter passado a desempenhar outras funções.
Tendo-se procedido à audiência de partes, e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou o Réu, alegando, também muito em resumo, que em 1 de Abril de 2001 celebrou contrato de trabalho com a Autora, data a partir da qual esta passou a desempenhar ao seu serviço as funções correspondentes à categoria de empregada de mesa/balcão num estabelecimento por si explorado; todavia, em 01-01-2011 cedeu a exploração do estabelecimento a um terceiro, tendo todos os trabalhadores que aí exerciam a actividade aceitado continuar a nele trabalhar, com excepção da Autora, que manifestou vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.
A Autora propôs-lhe então trabalhar para ele (Réu) como empregada doméstica, uma vez que tinha a esposa doente e precisava de assistência: aceitou a proposta da Autora, pelo que esta passou a trabalhar na sua casa, prestando assistência à sua esposa e desenvolvendo a actividade relacionada com a lide da casa e jardim, habitando, inclusive, na sua (dele, Réu) casa.
Entretanto, após o falecimento da sua esposa, disse à Autora que já não precisava dos seus “serviços”: no entanto, ela manteve vontade de continuar a trabalhar para si, até que mais tarde, em 10-05-2015, a Autora lhe disse que se “despedia”, que já não queria trabalhar mais para ele, tendo desde essa altura deixado de prestar a actividade.
Negou dever à Autora os créditos salariais peticionados e afirmou que entre as partes existiram dois contratos de trabalho distintos – um em que a Autora exerceu as funções no estabelecimento, como empregada de mesa/balcão, outro como empregada doméstica –, pugnando em conformidade pela improcedência da acção.
Em reconvenção pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 706,99, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da peça processual em causa até integral pagamento, a título de indemnização por falta de aviso prévio na resolução do contrato de trabalho.

Respondeu a Autora, a reiterar o alegado na petição inicial e a pugnar pela improcedência da reconvenção.

Foi admitido o pedido reconvencional, proferido despacho saneador e fixado valor à acção (“€ 97.262,87 + € 706,99”).

No prosseguimento dos autos, procedeu-se à audiência de julgamento em 10-12-2015, que continuou em 04-02-2016 e em 12-02-2016: todavia, por despacho de 04-03-2016 foi julgada procedente a arguida (pela Autora) nulidade por deficiente gravação de depoimentos e, em consequência, ordenada a repetição dos depoimentos de parte do Réu e da Autora, bem como de todas as testemunhas inquiridas na sessão de julgamento de 10-12-2015.
Procedeu-se então, em 21-04-2016, à repetição dos depoimentos em causa.

Em 10-06-2016 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«4.1. Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e condeno o réu CC a pagar à autora BB a quantia total de € 2.460,32 (€ 1.787 + € 673,32), acrescida dos juros de mora desde a data em que eram devidos tais pagamentos e até integral pagamento.
4.2. Absolvo o R. de tudo o mais que foi peticionado pela A..
4.3. Julgo o pedido reconvencional totalmente improcedente e dele absolvo a A..
4.4. A A. e o R. vão condenados a suportar as custas da acção na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário.
4.5. O R. vai condenado a pagar integralmente as custas da reconvenção, por ter decaído na totalidade.
4.6. Notifique».

Inconformada com a decisão, a Autora dela interpôs recurso para este tribunal, que por acórdão de 16-02-2017, no que ora importa, anulou a sentença recorrida, a fim de, no essencial, se apurarem e se fixarem os factos inerentes ao recebimento ou não pela Autora do subsídio de férias e de Natal ao longo da vigência da relação laboral e, bem assim, se fundamentar a resposta à matéria de facto que consta da alínea J) da matéria de facto provada («A A. gozava, pelo menos, 22 dias úteis de férias por ano, no período em que trabalhou para o R.).

Tendo os autos baixado à 1.ª instância, aí se proferiu nova sentença, em 05-07-2017, cuja parte decisória é igual à da sentença inicial, supra transcrita.
Inconformada, também com esta sentença, a Autora dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
(…)

O Réu respondeu ao recurso, mas sem extrair síntese conclusiva, sustentando, em síntese, que deve rejeitar-se o recurso quanto à impugnação das alíneas I) e K) da matéria de facto, por a tal respeito a recorrente não ter cumprido o ónus que a lei lhe impõe, que deve improceder qualquer pretendida alteração da matéria de facto e, em qualquer caso, que deve negar-se provimento ao recurso.

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta para efeitos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, neles veio apôr o “visto”.

Remetido projecto de acórdão aos Exmos. juízes desembargadores adjuntos, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso são as seguintes as questões colocadas à apreciação deste tribunal:
1. saber se deve alterar-se a matéria de facto, o que envolve as sub-questões de saber (i) se a recorrente cumpriu o ónus que a lei lhe impõe quanto à impugnação da matéria de facto e (ii) se há lugar a inversão do ónus da prova quanto à prestação de trabalho suplementar;
2. se deve ser condenado o Réu/recorrido a título de férias não gozadas, violação do direito a férias, por trabalho suplementar prestado pela Autora e por despedimento ilícito.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
A) A autora BB e o réu CC acordaram que, a partir do dia 1 de Abril de 2001, aquela exerceria para este as funções de encarregada de mesa, no estabelecimento de café e snack-bar denominado “DD”, em Tomar, mediante o pagamento da remuneração mensal de € 350;
B) A partir do ano de 2003, o R. passou a pagar à A. a quantia mensal de € 360;
C) A partir de Janeiro do ano de 2007, o R. passou a pagar à A. a quantia mensal de € 427,50;
D) A partir de Janeiro do ano de 2008, o R. passou a pagar à A. a quantia mensal de € 464;
E) A partir do ano de 2010, o R. passou a pagar à A. a quantia mensal de € 475;
F) A partir do mês de Abril do ano de 2011, o R. passou a pagar à A. a quantia mensal de € 485;
G) A partir do mês de Outubro de 2014, o R. passou a pagar à A. a quantia mensal de € 505;
H) Com início a 1 de Maio de 2011, o R. e a sua mulher cederam um imóvel e o estabelecimento de café e snack-bar denominado “DD” que aí funcionava, à firma EE, Lda., assumindo esta a continuação dos contratos dos respectivos trabalhadores, incluindo a aqui autora;
I) Não obstante, a autora BB e o réu CC acordaram que a partir dessa altura (Maio de 2011), aquela exerceria para este as funções de empregada doméstica, limpando, cozinhando e lavando a roupa do autor, na casa deste;
J) A A. gozava, pelo menos, 22 dias úteis de férias por ano, no período em que trabalhou para o R. (este facto é alterado infra);
K) O R. pagou à A. os subsídios de férias e de Natal com os valores de remuneração indicados nas alíneas A) a G), com excepção do montante global de € 504,99 do ano de 2015 [expressamente confessado no art.º 111.º da douta contestação].

A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:
1. Os horários de trabalho da A. eram até 2011 das 6,30-8 horas, 11-15 horas e 19-24 horas (ou quaisquer outros em concreto);
2. Os horários de trabalho da A. eram desde Maio de 2011 das 9-21horas (ou quaisquer outros em concreto);
3. No dia 10/5/2015 o R. disse à A. que estava despedida, para ela não voltar ou comunicou à Segurança Social a cessação do contrato de trabalho (seja por iniciativa de quem for);
4. O R. ordenou à A. que passaria a trabalhar na casa deste e a cultivar a horta doméstica;
5. No dia 10/5/2015 a A. disse ao R. que se despedia e que não queria mais trabalhar para ele;
6. A A. trabalhava aos sábados ou aos domingos para o R..

IV. Fundamentação
1. Da impugnação da matéria de facto
1.1. Quer nas alegações quer nas respectivas conclusões a Autora/recorrente afirma impugnar a resposta à matéria de facto que consta das alíneas I) a K).
Considera também que os factos dados “não provados”, que constam sob os n.ºs 1 a 4 e 6, e que identifica como factos n.ºs 1 a 5, devem ser considerados “provados”.
Finalmente entende que devia ser dado como provado que “prestou trabalho suplementar durante todos os dias de duração do contrato, não lhe tendo sido pago qualquer valor a esse título”.
Nas conclusões das alegações de recurso indicou o sentido em que esses factos devem ser dados como provados e os meios de prova (testemunhal ou outra) em que se funda para a pretendida alteração em relação a cada um dos factos, com excepção do referente à alínea K) que quer nas alegações quer nas conclusões não se detecta qualquer indicação quanto ao sentido da resposta que deve ser dada ao mesmo, bem como qualquer meio de prova em que se baseia para tanto.
O recorrido, como já se afirmou supra, defende que deve rejeitar-se a impugnação da matéria de facto quantos aos factos I) e K) e, em qualquer caso, negar-se provimento à pretendida alteração da factualidade dada como provada na 1.ª instância.
Vejamos.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, quando os meios probatórios tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Não basta, pois, que o recorrente se limite a fazer uma impugnação genérica: ele tem de concretizar, e individualizar, qual a matéria que considera incorrectamente julgada, seja matéria que foi dada como provada, seja matéria que foi dada como não provada.
Para além da indicação dos factos concretos que impugna, e da resposta que, no seu entender, deve ser dado aos mesmos, o recorrente deve também indicar, em relação a cada um desses pontos/factos quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente, e quando esses meios de prova tenham sido gravados o recorrente terá de indicar ainda quais os depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda.
Sobre esta problemática, cabe referir que, como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender de forma uniforme [vide, entre outros, os acórdãos de 19 de Fevereiro de 2015, (Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1), de 04 de Março de 2015, (Proc. n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2), de 01-10-2015 (Proc. n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1), de 14-01-2016 (Proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1), de 11/2/2016, (Proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1 e de 03-11-2016 (Proc. n.º 342/14.8TTLSB.S1), disponíveis em www.dgsi.pt], o referido artigo 640.º do Código de Processo Civil, não exige que o recorrente leve às conclusões a indicação dos concretos meios probatórios em que se baseia a sua discordância relativamente à decisão de primeira instância: quanto à concreta indicação dos meios de prova em que o recorrente sustenta a sua discordância, admite-se que a mesma possa ter lugar nas alegações, pois que consubstancia matéria relativa à correspondente fundamentação, sendo a indicação nas conclusões dos pontos de facto que se pretendem ver julgados de modo diferente imprescindível para que estas cumpram a sua função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de facto.
Como se observou no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, «enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória».
Pois bem: no caso, quer nas alegações de recurso, quer nas respectivas conclusões a recorrente afirma impugnar a matéria de facto que consta da alínea K) (“O R. pagou à A. os subsídios de férias e de Natal com os valores de remuneração indicados nas alíneas A) a G), com excepção do montante global de € 504,99 do ano de 2015”): todavia, seja nas alegações seja nas conclusões a recorrente guardou absoluto silêncio sobre a resposta que deve ser dada a tal alínea, bem como sobre os meios de prova para fundamentar uma (eventual) alteração.
Por isso, em relação a tal facto não se mostra cumprido pela recorrente o ónus imposto pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que do mesmo não se conhece.
Aliás, deve referir-se que se afigura que a referência feita pela recorrente à impugnação da alínea K) só deve ter ficado a dever-se a lapso: com efeito, por um lado, enquanto em relação aos outros factos impugnados referiu o sentido da resposta que deve ser dada e os meios de prova, concretizados nas alegações, em relação ao facto K) nada disse; por outro, não se vê, designadamente dos articulados, que tal facto seja objecto de discordância da Autora e que colida com as suas pretensões na acção, tanto mais que na sentença recorrida o Réu já foi condenado a pagar à Autora as diferenças em falta no subsídio de férias, bem como a referida importância de € 504,99.
Note-se no que, a este respeito, se escreveu na sentença recorrida para motivar a resposta a tal facto:
«Relativamente à questão do recebimento ou não pela Autora do subsídio de férias e de Natal ao longo da vigência da relação laboral, o tribunal considerou vários elementos, de que se destacam os seguintes:
- O R. excepcionou expressamente o pagamento de subsídios de férias e de Natal (vg. art.º 76.º da douta contestação);
- Com a contestação, o R. também juntou vários documentos a indicar o pagamento de subsídio de férias (vg. fls. 47). Ulteriormente juntou cópias legíveis de outros documentos que indicam o processamento de subsídios de férias (vg. fls. 62).
- A A. explicitamente reconheceu o pagamento dos subsídios de férias e claramente expôs a sua pretensão quanto ao pagamento das reclamadas diferenças entre os montantes que lhe foram processados e os montantes a que se arroga o direito por via da aplicação da C.C.T. que invocou. Veja-se o art.º 20.º da douta resposta da autora: ”Não podemos deixar de referir que, relativamente ao gozo de férias e dos documentos que estão legíveis, constata-se apenas que foram pagos subsídios de férias, sendo que a A. nunca disse que não lhe tinham sido pagos, apenas reclamou as diferenças que entende são devidas por força da lei”.
Assim sendo, pareceu a este tribunal que, quanto ao pagamento dos subsídios de férias, nem sequer haveria qualquer controvérsia factual entre as partes, pois ambas reconhecem que o réu pagou à autora os subsídios de férias - pelos montantes indicados nas alíneas A) a G) – e esta reclama o pagamento das diferenças relativamente aos montantes que constam da C.C.T. e que descriminou no art.º 15.º da douta petição. Isto é, o cerne da questão não é de facto (A. e R. estão de acordo que os subsídios de férias foram pagos em determinados montantes), mas de direito (pois a A. entende que lhe deviam ter sido processados e pagos os subsídios de férias de acordo com a C.C.T. que invocou).
Naturalmente, há que ressalvar os valores expressamente confessados no art.º 111.º, da douta contestação.
No que diz respeito ao pagamento dos subsídios de Natal, o R. também juntou vários documentos que corroboram o seu processamento, com a indicação de datas, de montantes e a assinatura da autora (vg. fls. 91 verso ou fls. 106 verso, entre outros). A autora no requerimento de fls. 138 insurgiu-se quanto à idoneidade da documentação apresentada (exigindo variadíssimas outras formalidades), mas não impugnou os factos que os documentos visam atestar, nem tão pouco as assinaturas de quitação (ressalvando naturalmente o doc. n.º 41). Apreciando livremente tais documentos e a descrição geral de várias testemunhas ouvidas na audiência quanto à aparente normalidade da relação laboral ao longo de muitos anos, entendeu-se que tal dificilmente seria concebível sem que o réu pagasse à autora os subsídios de Natal, pelo que se considerou que o CC cumpriu com o respectivo ónus».
Ou seja, não estava em causa o pagamento dos subsídios, mas apenas que esse pagamento devia ser feito pelo valor constante do CCT aplicável.
E a sentença condenou o Réu nas diferenças dos subsídios tendo em conta o CCT em causa (veja-se para tanto o mapa de apuramento das diferenças salariais, com referência a 14 meses ano, constante da sentença recorrida) e ainda o valor de € 504,99 constante da confissão do Réu, no artigo 111.º da contestação, de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano de cessação do contrato – 2015).
Assim, volta-se a afirmar, para além de a Autora não ter impugnado o facto nos termos legais (isto é, de acordo com o n.º 1 do artigo 640.º do CPC) – o que é fundamento para não se conhecer da impugnação quanto ao mesmo – no contexto da acção nem sequer se vislumbra que o facto seja objecto de discordância sua.
Em relação aos restantes factos impugnados, designadamente ao referido na alínea I) da matéria de facto, entende-se que a Autora cumpriu o ónus imposto no referido n.º 1 do artigo 640.º do CPC: com efeito, não só a Autora mencionou especificamente os factos que impugnava, como indicou a resposta que deve ser dada em relação a cada um deles, como ainda indicou os meios de prova (melhor concretizados nas alegações: e, como se disse, tais meios de prova não têm, necessariamente, que constar das conclusões) para fundamentar a alteração.
Nada obsta, pois, que se conheça da impugnação em relação a tais factos.

1.2. Importa então apurar se a prova produzida impõe a pretendida alteração à matéria de facto.
Para tanto revisitamos a prova produzida, designadamente documental e testemunhal.
Na análise e ponderação a efectuar não poderá deixar de se ter (sempre) presente que o recurso em matéria de facto para a Relação constitui apenas um remédio jurídico destinado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada: em tal situação, o tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (e quanto ao segmento indicado, se for o caso) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e, daí, pela alteração ou não da factualidade apurada (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Além disso, não deverá olvidar-se, por um lado, que, ao contrário da 1.ª instância, este tribunal não dispõe da imediação e da oralidade, não tendo perante si as testemunhas, mas apenas o registo áudio da gravação, e, por outro, que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 414.º do CPC).
(…)
Assim, em bom rigor, tendo em conta o depoimento de parte do Réu e das testemunhas que trabalharam para o Réu, nem sequer parece estar em causa que a Autora apenas gozava anualmente 15 dias de férias: o que se se questiona é se os restantes dias não gozados lhe eram pagos “à parte”.
E quanto a esta matéria afigura-se manifestamente insuficiente dar como provado com base na afirmação genérica do Réu, bem como das testemunhas que para ele trabalharam, que as férias não gozadas foram pagas à Autora.
Se o Réu efectivamente pagou as férias não gozadas à Autora impunha-se que apresentasse alguma outra prova mais consistente para além das suas declarações genéricas nessa matéria, sendo que do afirmado pelas testemunhas que para ele trabalharam – no sentido de que a elas, testemunhas, lhes foi pago, à parte, férias não gozadas – não permite concluir, com o mínimo de segurança, que tal tenha também sucedido com a Autora.
Já quando a Autora foi trabalhar para casa do Réu, segundo este afirmou nunca a impediu de ir de férias, «ia para onde ele ia», querendo significar que se o Réu fosse de férias a Autora também ia consigo de férias.
Mas o próprio Réu reconheceu que nessa altura apenas terá ido um dia ou outro até S. Pedro de Moel.
Entende-se, por isso, que o Réu não provou ter a Autora gozado todas as férias ao seu serviço.
Contudo, nos articulados (vide, designadamente, artigos 25.º e 26.º da petição inicial) a própria Autora confessa que até ao ano de 2010 gozou 12 dias úteis de férias em cada ano, o que, de resto, é também afirmado pelas testemunhas que trabalharam para o Réu.
Por isso, e tendo em conta que o ónus da prova quanto ao gozo das férias por parte da Autora competia ao Réu, e que a dúvida sobre a realidade de um facto se decide contra a parte a quem o facto aproveita, impõe-se alterar a alínea J) da matéria de facto, a qual passará a ter a seguinte redacção:
«Até ao ano de 2010, inclusive, a Autora gozou 12 dias úteis de férias em cada ano».

1.2.3. Quanto aos factos não provados sob os n.ºs 1 a 4 e n.º 6 (n.ºs 1 a 5 indicados pela Autora) e ao facto que a Autora pretende que seja aditado, no sentido de que “prestou trabalho suplementar durante todos os dias de duração do contrato, não lhe tendo sido pago qualquer valor a esse título”.
Reportam-se tais factos, que se deixaram supra transcritos, aos horários de trabalho da Autora, à comunicação de despedimento por parte do Réu e ao alegado trabalho suplementar, incluindo o trabalho prestado aos sábados e domingos.
Alguns depoimentos, designadamente o depoimento de parte da Autora e o depoimento da testemunha …, apontam no sentido por si pretendido.
Todavia, são depoimentos vagos, pouco consistentes e até não conformes com a realidade e a experiência da vida: por exemplo, como se assinala na motivação da resposta à matéria de facto da 1.ª instância, não se afigura razoável que cuidando a Autora da lide doméstica e sendo o agregado familiar constituído apenas pelo Réu e pela sua mulher, a Autora tivesse que despender para realizar tal trabalho 12 horas por dia.
Além disso, como também resulta de diversos depoimentos, designadamente das partes, é de notar que a Autora vivia na mesma casa do agregado familiar do Réu, saía com ele e com a mulher (em vida dela) juntos, passava com eles férias no estrangeiro (Cabo Verde, Tunísia, etc.), enfim, o que parece resultar dos depoimentos é que a Autora era tratada como membro da família constituída pelo Réu e mulher, «era como se fosse família», usufruindo em lazer livremente de bens destes, como por exemplo da piscina e do computador.
Assim, não é possível afirmar o pretendido horário de trabalho prestado pela Autora, bem como o trabalho suplementar prestado.
Aliás, deve notar-se que nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24-10, tratando-se de trabalhadores alojados, como é o caso, apenas são considerados, para efeitos de período normal de trabalho, os tempos de trabalho efectivo.
Ainda a este propósito, a Autora/recorrente parece sustentar que seja dado como provada a factualidade em causa, por inversão do ónus da prova, uma vez que o Réu não juntou determinados documentos solicitados.
Também quanto a esta matéria não podemos acompanhar a recorrente.
Expliquemos porquê.
Constitui princípio geral que àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Mas de acordo com o disposto no artigo 344.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal, há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.
Daqui resulta que dois requisitos se exigem para que se verifique a inversão do ónus da prova:
a) Que a conduta da parte tenha sido culposa;
b) Que tenha tornado impossível a prova ao onerado.
Desta forma se procura evitar que a parte a quem cabe o ónus da prova fique impossibilitada de a produzir por culpa da outra parte, o que não seria justo.
Mas, como tem sido entendido pela jurisprudência [neste sentido, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.02 (Proc. n.º 1411/02), de 26-02-03 (Revista n.º 2084/02), e de 12-01-2006 (Recurso n.º 2655/05), todos da 4.ª secção] e pela doutrina [entre outros, Manuel de Andrade (obra citada, pág. 203), de acordo com o qual a dificuldade da prova de um facto não altera a repartição do ónus das prova, e Vaz Serra (RLJ 106-315), que considera haver inversão do ónus da prova quando «...a prova não for possível ou for extremamente difícil àquele que, segundo as regras do artigo 342.º, teria de a fazer (...)»], só a impossibilidade de prova dos factos pela parte com ela onerada, determina a sua inversão, nos termos do art.º 344, n.º 2, do CC.
Ora, no caso, a Autora alegou a prestação de trabalho suplementar em determinado período: como facto constitutivo do pagamento desse trabalho suplementar competia-lhe provar a prestação desse trabalho suplementar.
A lei não determina que tal facto apenas possa ser provado por escrito, não afastando, por isso, a prova testemunhal (cfr. artigo 607.º, n.º 4,do Código de Processo Civil e 392.º e 393.º do Código Civil).
Por isso, da circunstância de o Réu não ter junto os, ou alguns, documentos requeridos pela Autora, não decorre que esta esteja impossibilitada de fazer prova por outros meios do trabalho suplementar prestado: poderá, tão só e eventualmente, dificultar a prova.
Mas tal não determina a inversão do ónus da prova.
Consequentemente, não tendo a Autora feito a prova do trabalho prestado em determinado período, fora do período normal de trabalho, e não havendo lugar a inversão do ónus da prova, bem andou o tribunal a quo ao dar como não provado o alegado trabalho suplementar prestado no período em causa.
Deve, de resto, acrescentar-se que o facto que a Autora pretende ver aditado (“prestou trabalho suplementar durante todos os dias de duração do contrato, não lhe tendo sido pago qualquer valor a esse título”) é conclusivo, pelo que jamais podia ser dado como provado nesses termos, já que objecto de prova são factos e não conclusões jurídicas (cfr. artigo 607.º, n.º 4, n.º 4, do CPC).
(…)
1.2.4. Assim, e em síntese, quanto à impugnação da matéria de facto:
i) altera-se o facto que consta da alínea da alínea J) da matéria de facto, o qual passará a ter a seguinte redacção:
«Até ao ano de 2010, inclusive, a Autora gozou 12 dias úteis de férias em cada ano».
ii) em relação aos restantes factos impugnados, improcede a pretendida alteração.

2. Quanto à condenação do Réu/recorrido a título de férias não gozadas, por trabalho suplementar prestado pela Autora e por despedimento ilícito
Face à matéria de facto que ficou definitivamente assente tem-se por incontroverso que inexiste fundamento legal para a pretendida (pela Autora/recorrente) condenação do Réu por alegado trabalho suplementar prestado e por despedimento.
Com efeito, não resultando da matéria assente que a Autora prestou trabalho suplementar e/ou que foi despedida – e, recorde-se, a ela competia a prova de tais factos – consequentemente inexiste qualquer pretenso direito da Autora nesta matéria.
E quanto às férias não gozadas?
Já se afirmou que ao Réu, como facto impeditivo do direito da Autora, competia provar que a Autora gozou férias.
Todavia, apenas se provou – tendo em conta a própria confissão da Autora na matéria – que até ao ano de 2010, ou seja, até a cessão da exploração do estabelecimento, a Autora apenas gozou por ano 12 dias úteis de férias.
Impõe-se, por isso, tendo em conta o disposto no artigo 245.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, condenar o Réu pelas férias em falta não gozadas até ao ano de 2010, assim como pelas férias posteriores, vencidas até 1 de Janeiro de 2015 (em relação ao proporcional de férias do ano de cessação do contrato já resulta da condenação constante da sentença recorrida).
Em relação ao ano de 2001, a Autora alegou ter gozado 12 dias de férias.
Ora, tendo em conta que a Autora foi admitida ao serviço do Réu em 1 de Abril de 2001 e que nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28-12, então em vigor, quando a prestação de trabalho ocorrer no primeiro semestre do ano civil, o trabalhador tem direito, após um período de 60 dias de trabalho efectivo, a um período de férias de oito dias úteis, tal significa que não se encontram quaisquer férias por gozar nesse ano.
Em relação ao ano de 2002, a Autora teria direito a gozar 22 dias úteis (artigo 4.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei): como só gozou 12 dias úteis encontram-se em falta 10 dias úteis de férias.
Assim, e não vindo posto em causa que, de acordo com a sentença recorrida, a retribuição mensal da Autora era de € 364,00, é-lhe devido referente a esse ano, por férias não gozadas, a importância de € 165,45 (€ 364,00:22x10).
Em relação aos anos de 2003 a 2010 também apenas gozou 12 dias úteis de férias em cada um deles quando devia gozar 22 dias úteis, pelo que se encontram em falta 10 dias úteis por cada ano (cfr. o referido artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 874/76, artigo 213.º, n.º 1, do CT/2003 e artigo 238.º, n.º 1, do CT/2009).
Por isso, são devidas à Autora as seguintes importâncias, por férias não gozadas em relação a cada um desses anos:
i) 2003: € 165,45 (€ 364,00:22x10);
ii) 2004: € 168,18 (€ 370,00:22x10);
iii) 2005: € 172,73 (€ 380,00: 12x10);
iv) 2006: € 194,32 (€ 427,50:22x10);
v) 2007: € 194,32 (€ 427,50:22x10);
vi) 2008: € 210,91 (€ 464,00:22x10);
vii) 2009: € 210,91 (€ 464,00:22x10);
viii) 2010: € 257,05 (€ 565,50:22x10).
Assim, no total e nos anos de 2002 a 2010, a título de férias não gozadas, é devida à Autora a importância de € 1.573,87 (€ 165,45 + € 168,18 + € 172,73 + € 194,32 + € 194,32 + € 210,91 + € 210,91 + € 257,05).
Em relação aos anos de 2011 a 2015 verifica-se que não se provou que a Autora tenha gozado férias (e, recorde-se, ao Réu, como facto impeditivo do direito daquela, competia provar que a Autora gozou férias).
Por isso, em relação a cada um desses anos é-lhe devida a importância correspondente à retribuição de férias, ou seja, € 485,00 no ano de 2011, € 485,00 no ano de 2012, € 485,00 no ano de 2013, € 505,00 no ano de 2014 e € 505,00 no ano de 2015 (em relação às férias vencidas em 1 de Janeiro desse ano, sendo que os proporcionais de férias pelo trabalho prestado nesse ano de cessação do contrato de trabalho já constam da condenação da 1.ª instância).
Assim, em relação a estes anos é devido à Autora, por férias não gozadas, a retribuição de € 2.465,00 (€ 485,00 + € 485,00 + € 485, 00 + € 505,00 + € 505,00).
No total, referente aos anos de 2002 a 2015 é devido à Autora, por férias não gozadas, a retribuição de € 4.038,87 (€ 1.573,87 + € 2.465,00).
Algumas observações complementares se justificam nesta matéria.
Em primeiro lugar, quanto ao cálculo das importâncias devidas a partir de 2011 atendeu-se aos valores das retribuições que o Réu pagava à Autora e fixados na 1.ª instância, considerando que essa matéria não vem concretamente posta em causa.
Com efeito, na 1.ª instância decidiu-se, sem que tal venha concretamente posto em causa no recurso, que a partir de Maio de 2011 a Autora não tinha direito a reclamar as retribuições estabelecidas no CCT celebrado entre a ARESP e a FETESE (publicado no BTE n.º 27, de 22-07-1999, com alterações posteriores), «(…) na medida em que, por um lado, deixou de desenvolver uma actividade (empregada de mesa) no âmbito dessa convenção colectiva de trabalho e, por outro, nada consta em como acordou com o réu que este lhe pagaria os valores reclamados (…)».
Além disso, não pode olvidar-se que foi por acordo entre as partes que a Autora foi exercer para o Réu funções totalmente distintas das que exercia anteriormente, pelo que quer se considere a existência de um novo contrato de trabalho (neste caso de trabalho doméstico – Decreto-Lei n.º 235/92, de 24-10), quer se considere a convolação do anterior – questão que não cabe aqui analisar uma vez que não vem colocada à apreciação deste tribunal –, o certo é que face à actividade que a Autora passou a desenvolver não se vê como poderia continuar a aplicar-se à relação de trabalho um CTT que nada tem a ver com essa actividade.
Uma outra observação prende-se com os pedidos que a Autora formulou na petição inicial por férias não gozadas.
Em todos esses pedidos (v.g. artigos 19.º, 22.º, etc.) a Autora calculou o valor apurado, multiplicando por três.
Julga-se que para tal a Autora terá partido do entendimento que houve violação do direito a férias (isto uma vez que em relação aos subsídios de férias e de Natal não foi posto em causa que não tenham sido pagos, sendo que a Autora apenas reclama diferenças em dívida referentes aos mesmos).
Estipula o n.º 1 do artigo 246.º do Código do Trabalho (com sentido algo semelhante estabelecia o artigo 222.º do CT/2003, e, mais anteriormente, o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28-12; também o DL 235/92, consagra no artigo 21.º as consequências da violação do direito a férias), que caso o empregador “obste culposamente” ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição, correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de Abril do ano civil subsequente.
Assim, como facto constitutivo do direito à indemnização, o trabalhador terá que alegar e provar factos consubstanciadores de um comportamento culposo do empregador que obste ao gozo das férias (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, o direito indemnizatório em causa pressupõe que o trabalhador tenha pretendido exercer o seu direito e que este lhe tenha sido negado, sem fundamento válido, pelo empregador: ou seja, é necessário provar que houve um efectivo impedimento ao gozo de férias, não sendo, por isso, suficiente a simples não marcação das férias para concluir que o empregador obstou ao seu gozo [neste sentido, entre outros, os acórdãos de 27-04-2005 (Recurso n.º 3583/04), de 19-10-2005 (Revista n.º 1761/05), de 12-02-2009 (Recurso n.º 2583/08) e de 16-12-2010 (Recurso n.º 314/08.1TTVFX.L1.S1), disponíveis, com excepção do primeiro, em www.dgsi.pt).
Ora, no caso que nos ocupa o que se verifica nesta matéria é tão só que o Réu não provou que a Autora tivesse gozado os períodos de férias referidos; porém, face ao que se deixou referido, esse não gozo de férias é insuficiente para se poder concluir que o Réu/recorrido obstou ao gozo das férias (em falta) da Autora.
De resto, como já resulta do afirmado no anterior acórdão proferido nos autos, caso estivesse em causa o crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, em relação ao vencido há mais de 5 anos sempre a Autora teria que o provar por documento idóneo, o que manifestamente não se verifica no caso.
Nesta sequência, e em jeito de síntese, é devido à Autora, por férias não gozadas nos anos de 2002 a 2015 a importância total de € 4.038,87.
Sobre tal importância são devidos juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento (artigos 804.º, 805.º, n.º 2, alínea a) e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil).

3. As custas, em ambas as instâncias, deverão ser suportadas por cada uma das partes, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. alterar o facto constante da alínea J) da matéria de facto nos termos referidos supra;
2. Julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, condenar o Réu a pagar à Autora, para além da quantia que consta da sentença recorrida, ainda a quantia de € 4.038,87, por férias não gozadas nos anos de 2002 a 2015, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
4. em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, pela Autora e pelo Réu, na proporção do respectivo decaimento.
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Évora, 15 de Março de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.