Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1226/10.4TBBNV-B.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
CRÉDITO AGRÍCOLA DE EMERGÊNCIA
JUROS BANCÁRIOS
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Os juros de mora abrangidos pela hipoteca englobam os juros remuneratórios e moratórios vencidos à data da instauração da execução e os juros de mora vincendos na constância da execução, com o limite global temporal de três anos de juros.
2 - Sendo que a contagem do prazo de três anos se inicia com o incumprimento do devedor, uma vez que outra solução, nomeadamente a da data do registo da hipoteca, traria graves injustiças.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 1226/10.4TBBNV-B.E1
Apelação
Comarca de Santarém (Entroncamento – IC-SE- J1)
Recorrente: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL
Recorridos: ISS-IP e Outros
R15.2015

I. Por apenso ao Processo de Execução que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, move a (…) e Outra, foi instaurada a presente Reclamação de Créditos.

Por sentença de fls. 45 a 52, foi decidido o seguinte:
Nestes termos, decide-se reconhecer os direitos de crédito reclamados pelo Estado, Fazenda Nacional, e pelo Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Santarém (no caso deste último, apenas pelas contribuições relativas aos períodos de Dezembro de 2005 a Maio de 2006, Dezembro de 2006 a Fevereiro de 2007, Abril de 2007 a Abril de 2009 e Junho a Novembro de 2009, julgando-se procedente, nesta parte, a impugnação deduzida pela exequente), graduando-se esses créditos da seguinte forma:
1. em primeiro lugar, crédito reclamado pela Fazenda Nacional (por conta do valor devido a título de IMI);
2. em segundo lugar, crédito exequendo;
3. em terceiro lugar, crédito reclamado pela Segurança Social (relativo aos períodos de Dezembro de 2005 a Maio de 2006, Dezembro de 2006 a Fevereiro de 2007, Abril de 2007 a Abril de 2009 e Junho a Novembro de 2009).
No mais, declara-se a prescrição do direito de crédito reclamado pela Segurança Social relativo aos períodos de Janeiro de 2002 a Novembro de 2004 e Março a Novembro de 2005.
Custas a cargo dos executados e do credor reclamante Instituto da Segurança Social, na proporção do decaimento (art. 446º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil).
…”

Inconformada com tal decisão, veio a Exequente interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
I – Mal andou o Douto Tribunal a quo ao considerar apenas como garantido, o crédito reclamado pela ora Apelante Caixa Agrícola ao abrigo das hipotecas voluntárias, que incidem sobre a fracção “A”, do prédio urbano sito nas Portas do (…), Lote 7, freguesia e concelho de (…), inscrito na respectiva matriz sob o art. (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob a ficha n.º …/…, no montante de € 45.349,31 (quarenta e cinco mil, trezentos e quarenta e nove euros e trinta e um cêntimos), “tout court”.
II – Ora, conforme resulta do Requerimento Inicial Executivo e Títulos Executivos anexos, apresentada pela ora Apelante Caixa Agrícola e, bem assim, das Escrituras Públicas de Abertura de Crédito com Hipoteca e Procuração celebradas entre os Executados e a ora Apelante Caixa Agrícola as hipotecas constituídas sobre o referido imóvel registadas sob Ap. 12 de (…) e Ap. 14 de (…) destinaram-se a garantir o bom e integral pagamento do capital aberto a favor dos Executados, juros remuneratórios e despesas que a Caixa Agrícola tenha de fazer, designadamente com honorários de advogados ou mandatários, tudo até ao montante máximo total de € 161.884,85 (cento e sessenta e um mil oitocentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).
III - Sucede que, ao invés de reconhecer tal facto, a Douta Sentença recorrida apenas considerou como garantido ao abrigo da supra referida hipoteca, o montante de € 45.349,31 (quarenta e cinco mil, trezentos e quarenta e nove euros e trinta e um cêntimos) “ tout court”.
IV - Com efeito, para além do crédito reconhecido e graduado na Douta Sentença, a ora Apelante Caixa Agrícola peticionou no art. 18.º da sua P.I. executiva o reconhecimento e graduação do capital em dívida acrescido de juros até efectivo e integral pagamento, pelo que deveria a Douta Sentença graduar de forma privilegiada o montante de capital e juros moratórios vencidos até à data da P.I. Executiva e ainda os juros de mora vincendos, até ao limite de três anos, nos termos do disposto n.º 2 do art. 693.º do Código Civil.
Termos em que, com o mui douto provimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser a decisão final proferida pelo Douto Tribunal a quo revogada e substituída por outra que reconheça que sobre o produto da venda da fracção “A”, do prédio urbano sito nas Portas do (…), Lote 7, freguesia e concelho de (…), inscrito na respectiva matriz sob o art. (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob a ficha n.º …/…, gradue o crédito da Apelante Caixa Agrícola graduado, de forma privilegiada, no montante de capital e juros moratórios vencidos até à data da P.I. executiva e ainda os juros de mora vincendos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 693.º do C.C., até ao limite de três anos, tudo até ao montante máximo de € 161.884,85 (cento e sessenta e um mil oitocentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).
...”

Cumpre decidir.
II. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber se o Tribunal “a quo”, deveria graduado o crédito da Exequente, explicitando que abrangia os juros de mora vincendos, até ao limite de três anos.

A hipoteca é um direito real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor do bem hipotecado, com preferência sobre os demais credores que não tenham melhor garantia, tanto pela sua qualidade, como pela data da sua constituição (art.º 686º do Cód. Civ.)
Necessitando para produzir os seus efeitos, mesmo em relação às partes, de estar registada (art.º 687º do Cód. Civ.)
Nos termos do disposto no art.º 693º do Cód. Civ., a hipoteca garante, para além do capital devido, os acessórios do crédito que constem do registo, sendo que, se se tratar de juros, quer sejam remuneratórios quer moratórios, abrange apenas os relativos até três anos, tudo até ao limite do valor constante do registo (art.º s 93º e 96º, n.º 1, a), ambos do Cód. Reg. Predial).
No entanto, os juros de mora abrangidos pela hipoteca, englobam os juros remuneratórios e moratórios vencidos à data da instauração da execução e os juros de mora vincendos na constância da execução, com o limite global temporal de três anos de juros (vide neste sentido Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 5ª Ed., págs. 197 e Menezes Leitão, Direitos Reais, 3ª Ed. págs. 442).
Sendo que a contagem do prazo de três anos, se inicia com o incumprimento do devedor, uma vez que outra solução, nomeadamente a da data do registo da hipoteca, traria graves injustiças (vide neste sentido o Ac. do STJ de 30/11/2010, proferido no Proc. n.º 1254/07.7TBGDM-A.P1.S1).
Consequentemente, estando os créditos da Exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, sobre os Executados, garantidos por hipotecas sobre o prédio penhorado, ao capital em dívida à data da instauração da presente Execução, acrescem os juros remuneratórios vencidos e os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa acordada, sobre o capital em dívida, com o limite global de três anos, a contar do incumprimento.
Procede assim o presente recurso.
***
III. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida, nesta parte, passando o crédito da Exequente a ser graduado nos seguintes termos:
1º) … .
2º) O capital em dívida reclamado pela Exequente, acrescido de juros, vencidos e vincendos, relativos a 3 anos, contados desde a data de início do incumprimento.
3º) … .
Custas pelos Apelados.
Registe e notifique.
Évora, 12 de Março de 2015
Silva Rato
Assunção Raimundo
Abrantes Mendes