Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
11/19.2PTBJA.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - A pena de 9 (nove) meses de prisão, a executar em regime de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso o arguido em tal venha a consentir e se mostrem reunidos os demais pressupostos da sua implementação, aplicada ao mesmo pela prática, em autoria material, e pela forma consumada, de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo art.º 353.º do Código Penal, revela-se justa e adequada, atentas as exigências de prevenção geral e especial, porquanto o infrator, muito embora inserido socialmente, tem vindo a delinquir no mesmo tipo de ilícito, condução em estado de embriaguez, ou em ilícitos com este relacionados, desde o ano de 1994, tendo já sofrido ao todo dez condenações.
- Assim, não se justifica que beneficie do instituto de suspensão da execução da pena a que alude o artigo 50º do Código Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

No Processo Abreviado nº 11/19.2PTBJA, do Juízo Local Criminal de Competência Genérica de Beja, da Comarca de Beja, por sentença de 07-07-2019, foi condenado o arguido JMCC, id. a fls. 85, pela prática, em autoria material, e pela forma consumada, de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo art.º 353.º do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, a executar em regime de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso o arguido em tal venha a consentir e se mostrem reunidos os demais pressupostos da sua implementação (consistindo esta na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas).

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, nos termos da sua motivação constante de fls. 106 a 114, concluindo nos seguintes termos:

A - Para fundamentar a escolha da referida pena o tribunal a quo baseou-se fundamentalmente nos antecedentes criminais do arguido, nomeadamente nas 10 condenações, já sofridas, sobretudo por condução em estado de embriagues.

B – Bem como, que algumas dessas penas, já tinham sido suspensas na sua execução.

C – É certo que o arguido já foi condenado por 10 vezes, no entanto, se atentarmos nas datas dos factos praticados e que levaram a essas condenações, verificamos que estamos a falar de um período entre 1994 e 2017 (à excepção dos presentes factos), ou seja, um período de 23 anos.

D – Da análise das datas também resulta que alguns deles foram praticados com intervalos de tempo relativamente significativos.

E – Por vezes com intervalos de 5 e 7 anos.

F – É óbvio, que com esta análise não se pretende de forma alguma «mascarar» a conduta do arguido pela prática de factos ilícitos, mas também não poderíamos deixar de a fazer, em sua defesa.

G – O tribunal a quo a favor do arguido, como atenuantes, considerou a confissão do arguido, o arrependimento, bem como, as suas condições pessoais, nomeadamente o facto de estar inserido social profissional e familiarmente, pois é casado, tem duas filhas, de 14 e 21 anos, sendo que ambas são doentes.

H – Uma delas, padece de uma doença cardíaca e em consequência da qual já foi submetida a quatro cirurgias e a outra filha, sofre de obesidade mórbida e também ela já foi submetida a uma cirurgia em consequência dessa doença.

I – Actualmente o arguido encontra-se a fazer tratamento relacionado com o consumo abusivo de álcool, e tem vindo a ter sucesso, pelo que nunca mais ingeriu bebidas alcoólicas.

J – Tanto é assim, que aquando da prática dos factos que deram origem aos presentes autos, submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, revelou uma taxa de zero.

L – Para o sucesso, deste tratamento do arguido, terá seguramente contribuído a justiça, nomeadamente, com as oportunidades, que foram dadas ao arguido e por acreditar na sua ressocialização ao suspender as penas, que entretanto lhe foram aplicadas no passado.

M – Consta dos factos provados que no dia 13 de Março de 2019, o arguido conduzia o veículo de matrícula……….. no Largo dos Duques de Beja em Beja.

N – E de facto é verdade, inclusive o arguido confessou-os.

O – Mas também conforme resulta da motivação da sentença fê-lo para resolver uma situação relacionada com o abastecimento de electricidade.

P – De facto o arguido devido a falta de pagamento dos consumos de electricidade, a EDP tinha procedido ao corte de energia da sua residência.

Q – Esse corte, deixou o arguido ansioso pois não queria que tanto a sua mulher como as suas filhas ao regressarem a casa se deparassem com essa falta de energia.

R – Dai que, de modo a solucionar de forma mais rápida possível essa questão e porque a sua residência ainda fica distante da agência da EDP, conduziu o carro para ai se deslocar.

S – Quando foi interpelado pelo agente da PSP, no referido Largo dos Duques, preparava-se para estacionar a viatura, a fim de se deslocar á agência da EDP que fica a cerca de 30 metros do referido largo.

T – Pensamos, conforme já se disse, ainda que não se trate de uma exclusão da ilicitude, mas ao nível da culpa terá certamente uma consequência positiva para o arguido, nomeadamente na determinação da medida concreta da pena.

U – Pelo que, uma subsunção dos factos supra expostos no artigo 70.º e 71.º do Código Penal, deveria ter levado a uma sentença condenatória sim, mas a qual não deveria exceder os 6 meses de prisão, sob pena de ser desproporcionada, e violadora do princípio da proporcionalidade vertido no artigo 18 n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa.

V – O tribunal a quo decidiu-se pela aplicação de uma pena de prisão de 9 meses, ainda que a ser cumprida em regime de permanência da habitação.

X – A qual entendeu o tribunal a quo não suspender por concluir não estarem verificados os pressupostos previstos no artigo 50.º do Código Penal, nomeadamente por entender que não é possível formular um juízo prognose favorável relativamente á conduta futura do arguido, considerando as anteriores condenações deste.

Y – Como já se referiu, o arguido tem de facto muitas condenações, algumas de prisão suspensas na sua execução, no entanto entendemos que não deixará de assumir especial relevância o elevado período em que essas mesmas condenações foram praticadas, e consequentemente os consideráveis períodos de tempo que decorreram entre algumas delas.

Z – Assim, e reconhecendo que ainda com algum esforço e benevolência, deverá acreditar-se de que no futuro o arguido não cometerá mais crimes.

AA – Dando-lhe, a justiça uma derradeira oportunidade, ao suspender-se a pena de que agora se recorre.

AB – Até porque, se encontra inserido socialmente, tem uma família, as filhas carecem do seu apoio e também se encontra profissionalmente activo, e o rendimento que aufere do seu trabalho é imprescindível para o sustento da sua família.

AC – Por fim, consideramos ainda que não foi observado o comando constitucional previsto no artigo 18 n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa que encerra em si o princípio da proporcionalidade.

Nestes termos e nos demais de direito que V.Exªs suprirão, deverá a douta sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que condene o arguido em pena de prisão não superior a 6 meses, suspendendo-se a mesma na sua execução.

O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 124 a 129, pronunciando-se pela manutenção do decidido e concluindo assim:

- A douta decisão recorrida aplicou correctamente o Direito aos factos no que respeita à ponderação e decisão das circunstâncias que subjazem à aplicação da pena e às finalidades da punição e não enferma de qualquer vício que a afecte na sua legalidade e validade.

Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida nos seus precisos termos a douta decisão recorrida.

Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, no qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respetivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objeto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao arguido, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, as quais se prendem, unicamente, com a medida da pena, já que entende que a mesma não deve ultrapassar os seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

Está em causa a seguinte matéria de facto apurada:

1. No dia 13 de Março de 2019, pelas 09h00, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula ……………, no Largo Duques de Beja, em Beja;

2. Porém, por sentença de 11 de Dezembro de 2017, transitada em julgado em 21 de Janeiro de 2019, proferida no âmbito dos autos de processo comum singular nº 18/17.4GTBJA, que correu termos na Comarca de Beja - Instância Local de Beja – J1, o arguido foi condenado, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, pelo período de 2 anos e 6 meses;

3. Para cumprimento da referida pena acessória, o arguido entregou a sua carta de condução, nos serviços do Juízo Local, no dia 21 de Janeiro de 2019;

4. Tal pena acessória só cessaria em 21 de Julho de 2021 e, durante esse período, o arguido sabia que se encontrava proibido de conduzir qualquer veículo automóvel ou a motor;

5. O arguido agiu sempre livre e deliberadamente, bem sabendo que estava proibido, por sentença transitada em julgado, de conduzir qualquer veículo automóvel ou a motor, razão pela qual se encontrava privado da sua carta;

6. Sabia que a sua conduta era proibida e legalmente punida

7. JC, reside na morada dos autos, em Beja, em casa própria, que partilha com o cônjuge e as duas filhas do casal, de 14 e 21 anos de idade;

Natural de Jungeiros, freguesia de São João de Negrilhos, local de residência dos progenitores, esta foi a sua referência residencial até contrair matrimónio, aos 25 anos de idade, e fixar residência em Beja.

O processo de desenvolvimento do arguido decorreu no agregado familiar de origem, com os pais e uma irmã mais nova, em contexto relacional que nos foi descrito como muito harmonioso e em condição económica que apresentava estabilidade, dado que o progenitor era empresário agrícola. A progenitora, à exceção de um curto período de enquadramento laboral, dedicava-se, sobretudo, às tarefas domésticas.

Frequentou o ensino em idade própria, tendo concluído o 4.º ano de escolaridade em Jungeiros, e em Aljustrel concluiu o 9.º ano de escolaridade, estudando nesta localidade desde o 5.º ano, por ausência de resposta no meio de residência. Com o objetivo de se habilitar com o curso de Agentes Técnicos Agrários, durante cerca de um ano frequentou a Escola Agrícola da Paiã, situada em Pontinha, Lisboa, mas sem sucesso, dado que a sua atitude se pautou pela ausência de investimento.

Entendeu procurar outra via habilitacional e, na DRAL (Direção Regional de Agricultura do Alentejo), em Beja, frequentou, durante um ano, e concluiu, o curso de Empresário Agrícola, atividade com a qual se encontrava familiarizado por via da atividade profissional do progenitor.

Terminado o curso de Empresário Agrícola o arguido integrou a atividade laboral paterna, com o qual colaborava desde os 14/15 anos de idade, sobretudo nos períodos de férias letivas, e manteve este contexto profissional até há cerca de quinze anos, altura em que criou a sua própria empresa, com um sócio, na área do aluguer de máquinas agrícolas e industriais, localizada em Alvalade Sado.

A empresa viria a ser extinta cerca de cinco anos depois de ter sido constituída, passando o arguido a dedicar-se à compra e venda de propriedades.

Atualmente e desde há cerca de quatro/cinco anos o arguido trabalha para uma empresa de olivicultura, como gestor de campo, o cônjuge trabalha como auxiliar de educação, e a situação económica da família foi-nos referida como difícil, quer por compromissos anteriormente assumidos, quer por questões de saúde das filhas, a mais nova com problema cardíaco genético, com sujeição a quatro cirurgias até ao momento, e a mais velha recentemente intervencionada por obesidade mórbida.

Assim, à exceção das problemáticas de saúde atrás referidas, e efeito das mesmas na família e nos seus diferentes elementos, com períodos de grande preocupação, ansiedade e sofrimento, o arguido qualifica a dinâmica familiar como próxima e coesa, consubstanciada no afeto e respeito mútuos.

JC não se dedica a qualquer forma organizada de ocupação dos tempos livres, dedicando os períodos de ócio a estar com a família e, por vezes, a conviver com pessoas amigas.

O arguido aufere 600 € mensais e, a sua esposa e a filha mais velha, o Salário Mínimo Nacional;

O arguido verbaliza arrependimento;

O arguido tem antecedentes criminais, porquanto:

a. por factos praticados em 31.10.1994, foi condenado por decisão de 02.12.1996, pela prática de um crime de condução sob a influência do álcool, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 50 Esc., bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 meses;

b. por factos praticados em 28.10.1994, foi condenado por decisão de 17.11.1998, pela prática de um crime de desobediência, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 700 Esc.;

c. por factos praticados em 14.02.2002, foi condenado por sentença transitada em julgado em 19.03.2002, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e uma contra-ordenação, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 63,00, e ainda em € 50,00 de coima;

d. por factos praticados em 15.11.2002, foi condenado por sentença transitada em julgado em 07.01.2003, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 7 meses de prisão suspensa por 3 anos, bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 18 meses;

e. por factos praticados em 26.11.2002, foi condenado por sentença transitada em julgado em 10.11.2003, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão suspensa por 3 anos, bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 ano;

f. por factos praticados em 28.01.2003, foi condenado por sentença transitada em julgado em 14.03.2007, pela prática de um crime de dano qualificado e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão suspensa por 3 anos, bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos;

g. por factos praticados em 03.05.2002, foi condenado por sentença transitada em julgado em 26.10.2006, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 8 meses de prisão suspensa por 20 meses;

h. por factos praticados em 12.08.2005, foi condenado por sentença transitada em julgado em 11.10.2007, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 11 meses de prisão suspensa por 1 ano, bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos;

i. por factos praticados em 16.06.2012, foi condenado por sentença transitada em julgado em 16.06.2012, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano condicionada á sujeição do arguido a tratamento médico relativo à dependência alcoólica, bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos e 2 meses.

j. por factos praticados em 17.02.2017, foi condenado por decisão transitada em julgado em 29.01.2019, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano, sujeita à condição de o mesmo comprovar nos autos, no prazo do período da suspensão, que se encontra a frequentar consultas para tratamento da dependência do álcool, bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos e 6 meses.

O Tribunal a quo fundou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:

“No apuramento da factualidade provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica:

- As declarações do arguido que confirmou que conduziu o veículo na data dos factos, sabendo que estava em período de cumprimento da proibição de conduzir, dando nota de que o fez por estar ansioso para resolver uma questão de abastecimento de electricidade, referindo que esse não era motivo válido para ter conduzido;

- Documentalmente o Tribunal louvou-se no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 3/4 (Auto de Notícia); fls. 14-29 (certidão do proc. 18/17.4GTBJA); fls. 52-65 (Certificado de registo Criminal) e fls. 75-78 (Relatório Social).

Do cotejo das declarações do arguido com a prova documental, foi possível fundar a convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados.

Quanto às condições económicas e pessoais do arguido, o Tribunal considerou o teor do relatório social junto aos autos e das suas declarações.

Pela análise do CRC, o Tribunal formou a sua convicção quanto aos antecedentes criminais do arguido.”

Vejamos então:

O arguido limita a sindicância da sentença sub judice à medida da pena aplicada, portanto abstém-se de pôr em causa a matéria apurada, sendo certo que a confessou e verbalizou arrependimento pelo ocorrido.

Esta confissão e arrependimento, porém, não revelam importância especial, já que o arguido foi surpreendido pela PSP no exercício da condução, quando estava proibido de o fazer.

O arguido tem razão quando considera determinante para a fixação da medida concreta da pena que lhe foi aplicada os seus antecedentes criminais, bem como o facto de presentemente se encontrar inserido profissional e familiarmente.

Ora, no que respeita à medida concreta da pena, e concordando-se inteiramente com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, temos que tanto as razões de prevenção geral como as de prevenção especial são consideráveis, as primeiras porque se verificou uma desobediência a uma ordem emanada de um Tribunal, e as segundas dado todo o longo passado criminal do arguido, se bem que sempre pela prática do mesmo tipo de ilícito, este relacionado com a adição de que padece.

Foi-lhe aplicada uma pena que não chega a atingir a metade da moldura legalmente prevista para o tipo de ilícito, se bem que a pena de natureza mais gravosa, dentre as aplicáveis, o que o passado criminal do arguido impunha – cfr. artigo 353º do Código Penal.

O arguido põe a tónica no espaçamento com que praticou as infrações criminais para justificar a pena de seis meses de prisão, a qual considera justa e adequada.

Porém, o arguido tem sofrido condenações pela prática do crime de condução em estado de embriaguez desde o ano de 1994, ou relacionadas com este crime, tendo sofrido a última em 2017, sem esquecer que as outras, num total de dez, ocorreram nos anos de 2002, 2003, 2005, 2012 e 2017.

Isto não esquecendo que o motivo que aponta para justificar a prática do ilícito em causa está longe de o justificar.

Por outro lado, tem a oportunidade de cumprir a pena de prisão no seu domicílio.

Sobre as vantagens e inconvenientes da pena principal de privação da liberdade pronunciou-se o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pgs. 112 e 113, nos seguintes termos:

“Vantagens só podem ser divisadas, na verdade, - se abstrairmos de um ponto de vista «metafísico»-retributivo ultrapassado, que encontraria na privação de liberdade o mal por excelência, capaz de compensar o mal do crime – na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, ainda em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor.

Na outra vertente, porém, os inconvenientes da pena privativa da liberdade residem desde logo – e mesmo no que respeita à adequação à culpa – em que a privação da liberdade pode representar (e representará muitas vezes) um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre, sem que essa diferente «sensibilidade à privação da liberdade» possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Acresce que a tentativa de socialização em que, como vimos, deve traduzir-se a execução da pena é declaradamente contrariada - e, nesta aceção, mais que «compensada» - pela forçosa dissocialização derivada do corte das relações familiares e profissionais do condenado, do efeito da infâmia social que inevitavelmente se liga à entrada na prisão e ainda, na maioria dos casos, da inserção daquele na subcultura prisional, em sim mesma criminógena. E a estes inconvenientes se ligam ainda, num plano diferente, os altíssimos – e às vezes insuportáveis – custos financeiros públicos do sistema. Todo este conjunto de inconvenientes vincula estritamente os legisladores e os aplicadores a usarem da pena privativa de liberdade apenas como extrema ratio da política criminal.”

Muito embora o lapso de tempo entretanto decorrido, o juízo exposto, na sua essência, não perdeu a sua atualidade, concordando-se com o teor do mesmo, essencialmente no que respeita às curtas penas de prisão.

Só que o arguido tem a possibilidade de cumprir a pena de prisão na sua habitação, o que lhe possibilitará, inclusivamente, dirigir parte do seu trabalho, pelo que não se virá privado completamente do exercício do direito ao trabalho.

Como tal, a pena que foi imposta ao arguido não nos merece qualquer reparo, pelo que se mantém a mesma, atentos os critérios constantes dos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal.

Entende o arguido que deve beneficiar da suspensão da execução da pena que lhe foi imposta.

O instituto da suspensão da execução da pena de prisão previsto no artigo 50º do Código Penal está dependente da verificação de um pressuposto formal, qual seja, a aplicação de uma pena previamente determinada não superior a 5 anos, e de um pressuposto material, consistente numa avaliação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto que permita concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, de tal modo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como refere Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, pg. 343, “o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”. (…) “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e determinante:o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metomania» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Como refere Jescheck in Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Segundo Volume, pg. 1154 (edição em castelhano), “A prognose favorável do réu, que deve verificar-se em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão não se exige já a perspectiva de uma vida «vida futura ordenada e conforme à lei», já que para o fim preventivo da suspensão é suficiente que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudencial; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se lhe oferece, a prognose deve ser negativa o que de facto supõe um « in dubio contra reo».

No caso em apreço, o arguido já sofreu dez anteriores condenações, sete das quais em penas de prisão, suspensas na sua execução, pela prática dos crimes de condução em estado de embriaguez.

As solenes advertências para não voltar a delinquir ínsitas nessas condenações não surtiram efeito.

Como tal, não se vislumbra a possibilidade de agora formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento do arguido.

E assim sendo, não pode ser concedido ao arguido o benefício da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.

Como tal, acordam os juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, com os legais acréscimos, e a procuradoria no mínimo.

Évora, 04/02/2020

Maria Fernanda Palma

Maria Isabel Duarte