Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
676/21.5T9STR.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA
OMISSÃO DE AUXÍLIO
DEVER DE GARANTE
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O crime de omissão de auxílio previsto no artigo 200.º do CP é cometido sempre que alguém desrespeita dever de solidariedade social de prestação de auxílio que se revele necessário ao afastamento de um perigo de ofensa da vida, da saúde, da integridade física, ou da liberdade de outrem, numa situação de grave necessidade dessa prestação resultante, nomeadamente, de desastre, acidente, calamidade pública, ou situação de perigo comum.
II - Para que se verifique a situação de “grave necessidade” pressuposta pela previsão do tipo penal de omissão de auxílio, bastará que que se configure um quadro factual do qual resulte a perceção, para qualquer pessoa – face aos sinais exteriores evidenciados – de que o ofendido necessita de ser de imediato socorrido, por ser previsível que venham a ocorrer consequências graves para a sua integridade física.

III - Recaindo sobre o omitente do auxílio um dever de garante resultante da sua conduta ilícita causadora da situação de perigo, estar-se-á perante e um concurso aparente entre os tipos penais de comissão por omissão e de omissão de auxílio, punidos, respetivamente, nos termos dos artigos 10º, nº 2 e 200º do CP, respondendo o omitente pelo crime de comissão por omissão.

IV - Porém, existindo entre os crimes de comissão por omissão e de omissão de auxílio uma relação de subsidiariedade, caso o crime de lesão que poderia resultar da conduta omissiva se não encontre preenchido – designadamente por se não ter apurado o nexo de causalidade entre a omissão e a lesão – muito mais exigível será que a pessoa que deu causa à situação de grave necessidade, à qual assiste um dever acrescido de ajudar, preste auxílio. Se o não fizer incorrerá, subsidiariamente, na prática do crime menos grave, ao qual a sua conduta se subsume inteiramente, ou seja, ao crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º, nº 2 do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de … - Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º676/21.5T9STR.E1, foi o arguido AA, titular do número de identificação civil …, solteiro, filho de BB e CC, nascido em …1977, natural de …, residente na Rua … n.º …, …, absolvido e condenado nos seguintes termos:

- Absolvido da prática, em autoria material e na forma consumada, de uma contraordenação por não cedência de passagem em rotunda, prevista e punida pelos artigos 31.º n.ºs 1, alínea a) e 3, 135.º n.º 1 e 145.º n.º 1, alínea f), todos do Código da Estrada.

- Condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º n.ºs 1, alínea a) e b), do Código Penal e 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros);

- Condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo artigo 200.º n.º 2, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros);

- Condenado, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros), nos termos do disposto nos artigos 30.º n.º 1 e 77.º, do Código Penal;

- Condenado na pena acessória de 6 (seis) meses de proibição de conduzir veículos a motor, nos termos dos artigos 69.º n.º 1, alínea a) e 291.º n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

***

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1 - O tribunal a quo entendeu que o arguido ora recorrente praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo artigo 200.º n.º 2, do Código Penal (e também um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que não está aqui em causa).

2 - Consequentemente, operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenou o arguido na pena única de 190 (cento e noventa) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros), nos termos do disposto nos artigos 30.º n.º 1 e 77.º, do Código Penal.

3 - O recorrente entende que não praticou tal crime de omissão de auxílio e que a sentença enferma de vários vícios, designadamente, contradição insanável entre os factos provados e os não provados e deficiente apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, daí que vai necessariamente impugnada a matéria de facto (cf. artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal).

4 - No que respeita à matéria de facto provada na sentença recorrida, foi incorretamente julgado, designadamente, o PONTO 7.

5 - Na motivação de facto, o tribunal recorrido sustenta esta ilação de facto dizendo que, no que respeita aos elementos subjetivos dos crimes…em causa nos presentes autos (factos provados n.ºs 6, 7…) o mesmo infere-se da conjugação dos factos provados que consubstanciam os seus elementos objetivos com as regras da experiência comum. (cf. pág. 10).

6 – Resulta do Facto Provado 19 e dos Factos Não Provados a) e c), que o arguido não abandonou o local (da ocorrência), antes veio a imobilizar voluntariamente o veículo em local visível a olho nu do local do embate.

7 – E deles resulta também que não colocou em perigo a vida do condutor do veículo ….

8 - Por outro lado, inexplicavelmente, o tribunal rejeitou os seguintes depoimentos:

- DD, agente da Esquadra de Trânsito da Polícia de Segurança Pública de …, vide ata Refª: … da sessão de 15/11/2022 (sessão gravada 20221115150742_3007671_2871715, minutos 06.01, 08.22, 08.29 e 11.37, correspondentes respetivamente às alíneas infra) que referiu:

é contactada pelo 112 quando há feridos e que accionam logo os bombeiros até à sua chegada, que os bombeiros voluntários já lá estavam quando chegaram ao local (depois disse não ter a certeza se os bombeiros já lá estavam ou não); b) que foi o condutor do … (i.e. o ofendido EE) que lhe disse que o interveniente (i.e., o arguido) estava mais à frente; c) estavam lá várias pessoas junto ao senhor (i.e. o ofendido), também lá se encontrava alguém conhecido do senhor do …; d) ter chegado (a ET da PSP) ao local cerca de 10 minutos depois do embate.

- EE, ofendido/condutor do … de matrícula …, vide ata Refª: … da sessão de 15/11/2022 (sessão gravada 20221115152107_3007671_2871715, minutos 03.48 e 04.06, correspondentes respetivamente às alíneas infra) que referiu: a) que o arguido acabou por parar um pouco mais à frente, perto da Farmácia …; b) textualmente que “Eu fiquei por lá, houve outros carros que pararam ao pé de mim para saber se eu estava bem, acabei por sair do carro e quando vi, já havia pessoas lá em cima perto…do arguido…pronto, depois entretanto apareceu a polícia”.

8 - A ilação de facto vazada no Facto Provado 7 não corresponde à verdade, porquanto o quadro assistencial referido por ambas as testemunhas não compagina minimamente com qualquer cenário de omissão de auxílio.

9 - O crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, exige a concretização do perigo, que há-de resultar demonstrado das circunstâncias concretas do caso, pois que não basta a existência de um perigo abstrato ou presumido, sendo que a obrigação de auxílio que recai sobre o agente só existe em caso de “grave necessidade”.

Em conformidade, não se verifica a prática do referido crime se não resulta da matéria de facto que em consequência do acidente o ofendido ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física (para além das lesões concretas que sofreu em consequência do acidente) e que do embate (…) tivesse resultado um grave perigo para a vida do ofendido.

10 - Pelo que, deverão Vs. Exas. alterar a resposta ao quesito, dele se extraindo, designadamente, que o arguido / recorrente não abandonou o local, nem se alheou da situação de necessidade do ofendido, pois este não ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física, como resulta demonstrado das circunstâncias concretas do caso.

11 - Consequentemente, devem dar-se por não provados os factos constantes da decisão de facto correspondentes aos seguintes Pontos:

- PONTO 7, nas partes que referem que: o arguido abandonou o local; que se alheou por completo da situação de perigo de lesão da integridade física do ofendido; e que este ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física.

- demais PONTOS, nas partes que estejam em contradição com as alterações a efetuar no Ponto 7, acima assinaladas.

12 - Dispõe o n.º 3 do artigo 412.º que o recorrente pode pedir a alteração da decisão de facto, por a achar incorretamente julgada, já que na mesma não encontra fio lógico que lhe permita avaliar do bem fundado da conclusão jurídica dela extraída. Na verdade, a matéria de facto provada e atenta a motivação que subjazeu à mesma, deixa algo pouco percetível para a explicação que se pretendeu dar na mesma para a julgar provada, o que denota erro de julgamento da mesma.

13 - Com efeito, tomando o facto dado por provado no PONTO 7, o Tribunal a quo, fundou-se num raciocínio inferencial sobre a conjugação dos factos provados que consubstanciam os … elementos objetivos (do crime de omissão de auxílio) com as regras da experiência comum. Ora, nem se verificam todos os elementos objetivos do crime (designadamente, situação de perigo iminente de lesão grave da integridade física do ofendido), nem as regras de experiência comum apontam no sentido ajuizado (mormente, abandono do local pelo arguido).

14 - Estas as incoerências de uma motivação da matéria de facto que impedem o seguimento do fio lógico-racional por parte do arguido, e que à luz do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao vertido no artigo 374.º, n.º 2, a qual deve ser corrigida pelo tribunal superior com a alteração da matéria de facto, por existir nos autos prova suficiente que infirma o ajuizado no Facto Provado 7.

15 – O tribunal a quo extraiu factos provados sem que se perceba qual o iter lógico-racional para até eles chegarem, como é que se ultrapassou a incoerência de se darem provados e não provados factos excludentes da responsabilidade penal, v. g., Facto Provado 10 e Facto Não Provado a), por outro, na motivação de facto, diz-se que os factos provados…consubstanciam os … elementos objetivos do crime de omissão de auxílio.

16 – Ora, o arguido entende que não cometeu o crime de omissão de auxílio, precisamente porque não se verifica a imputação objetiva.

17 – À cautela, vai invocado o pertinente erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação da lei – mormente dos artigos 200.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e 127º do Código de Processo Penal, normas jurídicas assim violadas (art. 412º, nº 2, alínea a), do CPP).

18 – Em conclusão, a Mma. Juiz a quo fez errada determinação dos factos provados, o que fundamenta o uso dos poderes conferidos a essa Relação, a qual conhece de facto e de direito, previstos no n.º 3 do artigo 412.º, visando a alteração da matéria de facto conforme acima melhor se deixou impugnado, por incorrer na nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379.º, com referência ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º, ambos do CPP, devendo Vs. Exas. suprir a mesma ou usando dos acima referidos poderes previstos na citada disposição legal, o que se requer, ou ainda, usar dos previstos na al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo diploma legal, para o caso de se entender ter havido errada apreciação da prova, decorrente do texto do sentenciado, o que é de conhecimento oficioso, em face dessa alteração, a conclusão precípua a extrair é que o recorrente não cometeu o crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal.”

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que que o absolva da prática do crime de omissão de auxílio.

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O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1.ª Os factos dados como provados sob os n.ºs 6 e 7 respeitantes aos elementos subjetivos são inferidos dos restantes factos dados como provados que têm fundamento nas declarações do arguido, nos depoimentos de EE, FF e DD e nas regras da experiência comum.

2.ª Do teor dos factos dados como provados e dos depoimentos de EE (minuto 1:34 ao minuto 1:51, minuto 3:26 ao minuto 3:29, minuto 3: 49 ao minuto 3:59, minuto 4:29 ao minuto 4:32 da gravação com a referência 20221115152107_3007671_2871715), e de DD (minuto 2:43 a 3:07 e minuto 9:48 a 9: 58 da gravação com a referência 20221115150742_3007671_2871715) retira-se que o ora recorrente após ter sido interveniente num acidente de viação, tendo embatido noutro veículo, saiu do local, estacionando a 150 metros, não se tendo inteirado do estado de saúde do ocupante do veículo embatido, inferindo-se o elemento subjetivo do tipo de crime de omissão de auxílio.

3.ª Por o ora recorrente desconhecer a extensão das lesões de EE e as inerentes consequências da sua conduta, não tendo demonstrado qualquer conduta nesse sentido, permanecendo a 150 metros do local de embate, subsiste o seu dever de auxílio, conforme entendimento no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 5 de Dezembro de 1996, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 462, p. 170.

4.ª Da conjugação dos factos dados como provados e do raciocínio explanado na fundamentação da Douta Sentença, permite inferir que a conduta do ora recorrente é adequada a violar o dever especial de auxílio a que estava obrigado, como aconteceu.

5.ª A douta sentença recorrida fez uma correta e ponderada apreciação da prova produzida.

6.ª A matéria de facto provada na sentença recorrida é suficiente para decisão de direito proferida, dela constando, além do mais e de forma inequívoca a conduta omissiva do ora recorrente.

7.ª Deste modo, a conduta do ora recorrente preencheu o tipo objetivo e subjetivo do crime de omissão de auxílio, nos termos do artigo 200.º n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.

8.ª O Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as invocadas pelo recorrente.”

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A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.

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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:

A) Verificar se a sentença é nula por falta de fundamentação, nos termos previstos no artigo 379º, nº 1 alínea a) por referência ao artigo 374º, nº 2 do CPP ou se enferma do vício de contradição insanável da fundamentação consagrado no artigo 410º nº 2, alínea b) do CPP e se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, com desrespeito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP.

B) Determinar se existiu erro de julgamento da matéria de direito em virtude de os factos que o recorrente entende deverem ser tidos por provados não integrarem os elementos objetivos e subjetivos do crime omissão de auxílio.

* II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados, com relevo para a apreciação da situação do arguido recorrente, os seguintes factos:

“A. Factos Provados

[Factos da Acusação Pública]

1) No dia 30 de maio de 2021, pelas 20:05h, após ter ingerido bebidas alcoólicas, o Arguido, AA conduzia o automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, na Rua …, em direção à rotunda de …, em ….

2) Nas mesmas circunstâncias temporais referidas em 1), EE conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … na Rotunda de …, pretendendo mudar de direção para a Av. ….

3) Ao aproximar-se da saída para a Av. …, EE abrandou a marcha de modo a adaptar a velocidade do seu veículo à velocidade dos veículos que circulavam à sua frente.

4) O Arguido, que conduzia com os reflexos, atenção e visão diminuídos, ao entrar na rotunda de … não reduziu a velocidade que havia imprimido ao seu veículo, não travou ao aproximar-se do veículo mencionado em 2) nem efetuou qualquer manobra evasiva, vindo a embater com a parte dianteira direita do mesmo na retaguarda do lado direito do mesmo.

5) Logo após o embate, o Arguido continuou a sua marcha, saindo do local.

6) O Arguido teve consciência do embate que provocou no veículo conduzido por EE e que punha em risco a sua integridade física.

7) Ainda assim, abandonou o local, alheando-se por completo da situação de grave necessidade em que a pessoa se poderia encontrar e que representou como possível, não cuidando de se certificar do seu real estado de saúde nem lhe prestando o auxílio necessário ao afastamento da situação de perigo.

8) Após o embate e a imobilização do veículo conduzido pelo arguido, foi chamada uma brigada de trânsito da PSP de …, a qual acorreu ao local e submeteu o arguido a pesquisa de álcool no ar expirado, tendo este acusado a TAS de, pelo menos, 1,112 g/l.

9) A faixa de rodagem onde circulavam os veículos tem 5,50m de largura e é composta por duas vias de transito no mesmo sentido, o piso encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.

10) Como consequência direta e necessária do embate resultaram, direta e necessariamente para EE lesões corporais, nomeadamente, cervicalgia e lombalgia, tendo sido transportado ao hospital onde foi assistido.

11) O embate ocorreu porque o Arguido conduzia com os reflexos, atenção e visão diminuídos, em consequência da taxa de álcool de 1,112 g/l de que era portador e porque o mesmo não abrandou a marcha à aproximação de uma rotunda, não travou o seu veículo de modo a evitar o embate e não conseguiu imobilizar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente.

12) O Arguido tinha plena consciência de que havia ingerido bebidas alcoólicas e que tal ingestão lhe poderia determinar, como determinou, a referida taxa de alcoolemia, não se abstendo, ainda assim, de as ingerir e de conduzir o referido veículo automóvel na via pública, o que quis fazer, como fez.

13) O Arguido sabia que a ingestão de bebidas alcoólicas lhe retirava a atenção, discernimento e reflexos indispensáveis a uma condução de automóveis com o mínimo de segurança, mas mesmo assim quis fazê-lo, como fez e deste modo e de forma consciente, colocou em perigo a integridade física do condutor do veículo 18-54-AF.

14) Ao agir do modo descrito, o Arguido não reduziu especialmente a velocidade na rotunda nem imprimiu ao seu veículo uma velocidade que lhe permitisse imobilizá-lo no espaço livre e visível à sua frente, o que quis fazer, como fez.

15) Sabia, ainda, o Arguido que é obrigatória a cedência de passagem nas rotundas.

16) Ao conduzir o veículo …, violando a obrigação de cedência de passagem nas rotundas, o Arguido revelou uma conduta temerária, sem observância das regras básicas estabelecidas no Código da Estrada, com falta do cuidado que o dever geral de previdência aconselha.

17) O Arguido sabia que com a condução que fazia violava as referidas regras estradais, agindo com consciência e vontade de as infringir e, deste modo e de forma consciente, colocou em perigo a integridade física do condutor do veículo ….

18) Em todas as situações descritas, o Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.

[Factos da audiência de julgamento]

19) O Arguido veio a imobilizar o veículo que conduzia nas circunstâncias de tempo e espaço referidas de 1) a 4) junto à Farmácia …, a uma distância não superior a 150 metros do local do embate.

20) Em momento não concretamente apurado foram acionados os Bombeiros Voluntários por pessoa de identidade desconhecida, que não o Arguido.

[Factos das condições pessoais, sociais e económicas]

21) O processo de desenvolvimento do Arguido efetuou-se no seio do agregado familiar de origem composto pelos progenitores e cinco irmãos, com um contexto relacional próximo.

22) O rendimento da família provinha da atividade profissional dos pais, que eram vendedores ambulantes de artigos têxteis em feiras e mercados.

23) Em termos escolares, o Arguido iniciou o percurso em idade normativa, tendo completado 11º ano de escolaridade.

24) Deu início ao percurso profissional após atingir a maioridade, como operador de armazém.

25) Prosseguiu o desempenho laboral, com alguma continuidade ao longo do seu percurso de vida, mas sem vínculos duradouros, na área da segurança onde se manteve alguns anos, mas sobretudo como empregado fabril,

26) Em termos familiares, autonomizou-se do agregado familiar de origem, na sequência de ter estabelecido uma relação conjugal que manteve durante cerca de 10 anos, tendo nessa altura fixado residência em ….

27) Após a separação reintegrou o agregado familiar de origem, em …, onde se manteve até estabelecer a relação conjugal que mantém da atualidade e da qual resultou o nascimento da filha, com dois anos e meio de idade.

28) O agregado familiar do Arguido é composto pela companheira, que tem 38 anos de idade e é funcionária …, pela filha comum do casal, de dois anos e meio e pelo enteado GG, de 18 anos, atualmente desocupado.

29) Residem em casa arrendada, composta por três assoalhadas inserida em meio urbano, pela o de rações, onde se encontra a fazer formação/estágio com vista a aí iniciar funções laborais, na linha de produção, em janeiro do próximo ano.

[Factos dos antecedentes criminais]

33) O Arguido não apresenta antecedentes criminais registados no certificado de registo criminal.

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B. Factos não provados

a) Que, nas circunstâncias de tempo e espaço referidas em 1) a 4) o Arguido tenha colocado em perigo a vida do condutor do veículo ….

Processo Comum (Tribunal Singular)

b) Que, nas circunstâncias de tempo e espaço referidas em 1) a 4) o Arguido tenha colocado em perigo a vida e a integridade física de terceiros que se encontrassem na via pública.

c) Que o Arguido tenha sido intercetado por um outro condutor que, ao aperceber-se da fuga do Arguido, seguiu no seu encalço, alcançando-o e forçando a sua paragem.”

***

II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A) Dos invocados vícios de nulidade da sentença e de contradição insanável da fundamentação, previstos, respetivamente, no artigo 379º, nº 1 alínea a) por referência ao artigo 374º, nº 2 do CPP e 410º, nº 2, alínea b) do CPP e do deficiente cumprimento dos requisitos da impugnação da matéria de facto estabelecidos pelo artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP.

Conhecendo os Tribunais da Relação não só da matéria de direito, mas também da matéria de facto, conforme expressamente estatui o artigo 428.º do CPP, importa, porém, distinguir a impugnação da matéria de facto em sentido amplo ou a invocação de um erro de julgamento, realizada com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, e a impugnação restrita, que se traduz na invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP.

Não obstante estarmos em presença de duas formas de questionar a decisão da matéria de facto, as mesmas não se confundem. Assim, na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Conforme decorre do disposto no artigo 412.º, nº 3.º do CPP, o erro de julgamento, ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso. (1)

Quanto ao recurso que constitui o objeto da nossa análise, não podemos deixar de assinalar, primeiramente, as incongruências e imprecisões ostentadas na sua motivação e nas respetivas conclusões, o que torna manifestamente mais difícil a apreciação da pretensão recursória. De facto, quer o corpo da motivação do recurso, quer as suas conclusões, revelam uma incontornável confusão de conceitos e de institutos, com invocação indistinta das figuras da nulidade da sentença por falta de fundamentação do juízo crítico subjacente à convicção probatória do julgador, do vício da contradição insanável da fundamentação da sentença, do erro de julgamento da matéria de facto e do erro de julgamento da matéria de direito. (2)

Assinaladas as sobreditas imprecisões, clarificamos que, para viabilizar o conhecimento da pretensão recursória, optamos por supri-las, convocando os regimes processuais adequados ao conhecimento de cada uma das questões colocadas no recurso, não deixando, porém, de atender aos concretos fundamentos aí invocados.

Dito isto, avancemos.

*

Na sua motivação e nas respetivas conclusões, alega o recorrente, relativamente à sentença recorrida, que a mesma valorou erradamente os depoimentos das testemunhas DD (agente de autoridade que tomou conta da ocorrência) e EE (ofendido), produzidos em julgamento, solicitando a este tribunal que proceda à reapreciação da prova. Fê-lo, porém, sem dar cabal cumprimento ao regime processual estabelecido pelo artigo 412º do CPP para a invocação do erro de julgamento da matéria de facto. O que se constata é que o recorrente, a mais de confundir, nos termos acima referidos, os vícios de nulidade da sentença por falta de fundamentação e de contradição insanável da sua fundamentação com a impugnação da matéria de facto propriamente dita a que se reporta o artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP, como se aqueles vícios fossem uma espécie do mesmo género desta, não cuidou sequer de identificar concretamente os factos a seu ver incorretamente tidos por provados, não tendo igualmente explicitado com clareza o raciocínio lógico no qual fez assentar o seu juízo de incorreta apreciação da prova.

Na verdade, as referências ao alegado erro de julgamento são sempre feitas de acordo com a lógica que enforma todo o recurso, ou seja, visando demonstrar que a sentença recorrida se encontra deficientemente fundamentada e que está inquinada pelo vício a que alude o artigo 410º, nº 2, alínea b) do CPP. Por isso, embora faça referência a depoimentos a seu ver erradamente valorados, não cuidou o recorrente de elaborar a sua motivação de forma a apontar o que, na sua perspetiva, foi mal julgado e porquê, oferecendo uma proposta de correção que pudesse ser avaliada pelo tribunal de recurso. É o que se extrai claramente das seguintes circunstâncias:

- Quanto à indicação dos factos impugnados, limitou-se o recorrente a alegar nas conclusões nºs 4 e 11 que devem dar-se por não provados os factos constantes da decisão de facto correspondentes a parte do ponto 7 e aos demais pontos, nas partes que estejam em contradição com as alterações a efetuar no Ponto 7, como se o ónus de indicar expressamente os factos que pretende impugnar lhe não coubesse e pudesse ser transferido para o tribunal de recurso, a quem o recorrente atribui a tarefa de concretizar os “demais factos” a que alude na identificada conclusão do seu recurso! (3).

- Quanto à indicação da prova em que apoia o seu entendimento – depois de ter sumariado o que foi dito pelas testemunhas DD e EE e de ter indicado os segmentos do suporte técnico em que se encontram tais depoimentos – limitou-se o recorrente a afirmar, na conclusão nº 8, que “inexplicavelmente, o tribunal rejeitou” os referidos depoimentos e a referir, na conclusão nº 9, que “A ilação de facto vazada no Facto Provado 7 não corresponde à verdade, porquanto o quadro assistencial referido por ambas as testemunhas não compagina minimamente com qualquer cenário de omissão de auxílio.”

- Por último, o recorrente não explicitou minimamente por que razão entende, por um lado, que o tribunal não atendeu a tais depoimentos – o que não corresponde de todo à verdade, conforme se atesta pela leitura da motivação da convicção probatória – e, por outro, que os mesmos contrariam a prova do facto 7. no que tange à conduta do arguido relativa ao abandono do local do acidente e ao alheamento da situação de necessidade em que o condutor do outro veiculo pudesse encontrar-se.

O que se verifica verdadeiramente, quanto à impugnação da matéria de facto, é que na motivação e nas conclusões do recurso mais não se consignou do que o entendimento do recorrente segundo o qual a sua conduta de abandono do local do acidente e de alheamento da situação não deveria ter sido dada como provada, em termos que apenas espelham a mera discordância, insustentada, relativamente à convicção do julgador.

Sempre diremos, porém que nenhuma razão assiste ao recorrente no que diz respeito ao alegado erro na apreciação da prova, pois que, ao invés do que propugna na sua motivação de recurso, os autos contêm prova bastante de todos os factos tidos por provados, designadamente no que diz respeito à mencionada conduta do arguido que veio a ser integrada no crime de omissão de auxílio, consentaneamente atestada, de forma absolutamente credível pelos depoimentos das testemunhas DD (agente de autoridade que tomou conta da ocorrência), EE (ofendido) e FF (condutora que circulava no local no momento do acidente e que presenciou os factos), conforme claramente resulta da motivação da convicção probatória constante da sentença. Aí se explicita, em termos que integralmente sufragamos, que se reputa a versão dos factos apresentada pelo arguido como sendo manifestamente inverosímil, não só porquanto a mesma se mostra dissonante da restante prova constante dos autos, mas também na medida em que tal versão não se afigura consentânea com as regras da experiência comum e da normalidade da vida.

Atentemos nos seus termos:

“(…) C. Motivação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção, fixando a factualidade supra enunciada, através da análise crítica e conjugada dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, à luz das regras da experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º, do Código de Processo Penal), mais concretamente as declarações prestadas pelo Arguido, o depoimento das testemunhas arroladas DD, EE e FF e o acervo documental junto aos autos.

Quanto à prova documental, o Tribunal valorou os documentos constantes dos autos, nos termos consagrados no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 87/99, de 09/02/1998, i.e, tenham ou não sido expressa e formalmente debatidos em audiência de julgamento, porquanto o seu teor sempre poderia ter sido ter sido questionado e apreciado naquela sede, ficando assegurado o exercício do princípio do contraditório.

Atendeu-se, pois:

i) À participação de acidente, de fls. 2 a 3; ii) Ao croqui, de fls 4 a 5;

iii) Ao relatório fotográfico, de fls. 7 a 8;

iv) Do talão junto com a cópia dos autos de contraordenação, de fls. 10 a 12;

v) À informação clínica, de fls. 50;

vi) Ao certificado de registo criminal do Arguido, com a referência CITIUS n.º …;

vii) Ao relatório social, com a referência CITIUS n.º ….

Assim:

No que concerne à prova pessoal, importa desde logo referir que conforme antecipado supra o Arguido logrou prestar declarações quer quanto aos factos de que vem quem acusado, quer quanto às suas condições pessoais, económicas e sociais.

Nessa sede, o Arguido corroborou grande parte da matéria vertida na acusação pública, porquanto admitiu prontamente as circunstâncias de modo, tempo e espaço atinentes ao acidente de viação em causa nos presentes autos e, bem assim, a dinâmica que culminou na sua verificação designadamente os concretos moldes em que conduziu o automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula … e a ingestão de bebidas alcoólicas em momento anterior ao exercício de tal atividade de condução .

Contudo, e em sentido diametralmente oposto, o Arguido negou a prática de toda a factualidade atinente à consciência imediata do embate que provocou no veículo conduzido por EE e, no mais, que tenha abandonado o local dos factos.

Assim, com relevo para a sua tese, aduziu o Arguido que aquando do embate, não teve perceção de ter embatido em outro veículo, achando que teria batido na rotunda e que o seu carro continuou em circulação por esse motivo e que apenas se apercebeu do sucedido quando olhou para trás e viu um carro imobilizado na rotunda.

Mais referiu que imobilizou o seu veículo quando, afinal, teve perceção que bateu em outro veículo, tendo ficado no local que aduziu ser na reentrância da Farmácia … a aguardar pela chegada da polícia e que a pessoa, de sexo masculino, que foi interveniente no acidente causado pelo Arguido terá aparecido no local em que este se encontrava com outro veículo, tendo posteriormente voltado ao local do acidente.

Não poderá o Tribunal deixar de referir, antecipadamente, que reputa tal versão dos factos como sendo manifestamente inverosímil. E assim é, por duas ordens de razões: por um lado, porquanto a mesma se mostra dissonante da restante prova constantes dos autos, por outro lado, na medida em que tal não se afigura consentâneo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida.

Na verdade, pese embora resulte talqualmente do depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, de modo uniforme, que o Arguido se terá ausentado na rotunda onde ocorreu o acidente, imobilizando o seu veículo junto à Farmácia …, o certo é que o mesmo não se dirá quanto à distância enunciada pelo Arguido entre ambos os pontos (i.e., a rotunda de … e a Farmácia …) nem, tampouco, quanto à alegada deslocação da vítima do acidente desde a referida rotunda até ao local em que se encontrava o Arguido.

Nesta vertente, refira-se o depoimento da testemunha DD, agente da Esquadra de Trânsito da Polícia de Segurança Pública de … que, de forma isenta e credível para além de ter confirmado o vertido na participação de acidente, de fls. 2 a 3; no croqui, de fls 4 a 5 e no relatório fotográfico, de fls. 7 a 8 , aduziu que a distância entre a rotunda de … e a Farmácia … será de cerca de 150 metros e, já não, de 20 ou 30 metros, conforme referido pelo Arguido.

Atendendo a que a testemunha em apreço desconhecia a pessoa do Arguido, apenas tendo tido contacto com o mesmo em virtude do exercício das suas funções, inexistem dúvidas ao Tribunal quanto à veracidade do seu depoimento, o qual mereceu credibilidade.

Por outro lado, também a testemunha EE, interveniente no embate em causa nos presentes autos relatou ao Tribunal, de forma circunstanciada e espontânea factos com relevo para a decisão da causa, havendo designadamente confirmado, para além do mais, as circunstâncias do embate. Por outro lado, referiu ter-se mantido na rotunda onde ocorreu o embate e que, em nenhuma circunstância, foi ao encontro do Arguido ou vice-versa, contrariando a versão apresentada pelo último.

Ora, atendendo a forma ponderada com que a testemunha em questão prestou o seu depoimento e, ainda, ao facto de o mesmo se encontrar em consonância com as regras da normalidade da vida e da experiência comum, dúvidas não restaram ao Tribunal quanto à sua correspondência com a realidade.

Na verdade, não é crível que uma pessoa que haja sido vítima de um acidente de viação se tenha ausentado do local do embate em outro veículo que não o acidentado, dirigindo-se ao lugar onde se encontrava o Arguido e, posteriormente, tenha regressado ao primeiro dos locais enunciados, conforme pretendeu fazer crer o Arguido.

Ao exposto acresce que do depoimento prestado pela testemunha FF que se encontrava a circular na rotunda aquando do embate resulta, talqualmente, a confirmação de que EE não se ausentou do local do embate, na medida em que referiu ter ficado sempre, nas referidas circunstâncias de tempo e espaço, perto do automóvel que este conduzia nessa ocasião.

No mais, e concretamente no que respeita à invocada falta de consciência imediata do embate que provocou no veículo conduzido por EE e que tenha abandonado o local dos factos, dir-se-á que também os documentos juntos aos autos e as regras da experiência militam em desfavor da asserção trazida aos autos pelo Arguido.

Efetivamente, do relatório fotográfico, de fls. 7 a 8 resultam patentes os danos causados ao veículo conduzido pelo Arguido no circunstancialismo descrito na acusação (fotografia n.º 1) e, bem assim, a altura do lancil da rotunda (fotografia n.º 4), sendo por demais evidente para o Tribunal que não é plausível que o Arguido, no momento da colisão com o veículo de EE não tenha tido perceção do embate e que, ao invés, tenha cuidado que bateu na rotunda.

Por outro lado, também o facto de o Arguido apenas ter imobilizado o seu veículo a mais de 100 metros do local dos factos e de não se ter dirigido ao sítio da ocorrência em momento posterior contraria o por si propugnado, no sentido de que (i) a paragem do seu automóvel se ficou a dever à perceção de que, afinal, embateu em outro veículo, (ii) não teve oportunidade de imobilizar o veículo em momento anterior e que (iii) não teve em vista ausentar-se.

Com efeito, perante a ocorrência de um acidente de viação causado pelo Arguido, não se afigura consentâneo com qualquer regra de normalidade que aquele não tenha logrado imobilizar o seu veículo na berma da estrada ou em qualquer outro local mais próximo, se a sua intenção fosse outra que não a de abandonar o local.

Face ao exposto e em suma, dir-se-á que a narrativa apresentada pelo Arguido não mereceu à exceção da parte em que confirma a acusação pública acolhimento por parte do Tribunal.

Assim, os factos provados n.ºs 1 a 5, 8, 9 e 11 resultaram da conjugação das declarações do Arguido e do depoimento das testemunhas arroladas pelo Ministério Público (nos termos melhor descritos supra) com o acervo documental junto aos autos, mais concretamente da participação de acidente, de fls. 2 a 3, do croqui, de fls 4 a 5 e do relatório fotográfico, de fls. 7 a 8 e do talão junto com a cópia dos autos de contraordenação, de fls. 10 a 12 (este último, no que respeita à TAS que acusou o Arguido).

Por seu turno, o facto provado n.º 10, atinente às lesões sofridas por EE, resultou do vertido na informação clínica, de fls. 50, em conjugação com as declarações prestadas pelo próprio.

Para prova do facto provado n.º 19 o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo Arguido em concatenação com a prova testemunhal produzida, a qual se mostrou consentânea entre si, com exceção para a distância entre a rotunda onde ocorreu o embate e o local onde o Arguido imobilizou o veículo nos termos já abordados anteriormente .

Já o facto provado n.º 20 resultou do depoimento da testemunha DD, conjugadas com as próprias declarações do Arguido e com as regras da experiência comum.

Nesta sede, importa realçar que a testemunha em apreço relatou ao Tribunal ter visualizado os Bombeiros Voluntários no local, tendo mais esclarecido que é um procedimento normal que os mesmos sejam acionados pelo INEM em situações de acidente. Por outro lado, atendendo a que resultou das declarações prestadas pelo Arguido que o mesmo se limitou a imobilizar o veículo e a aguardar a chegada da Polícia, tendo referido não ter conhecimento de que os Bombeiros (ou o INEM) tenham estado no local, sempre será de concluir, de acordo com critério de normalidade e à luz das regras da experiência, que não terá sido a pessoa que procedeu ao acionamento dos meios de socorro.

Por seu turno, no que respeita aos elementos subjetivos dos crimes e da contraordenação em causa nos presentes autos (factos provados n.ºs 6, 7, 12, 13, 14, 15, 17 e 18) o mesmo infere-se da conjugação dos factos provados que consubstanciam os seus elementos objetivos com as regras da experiência comum. Com efeito, é inequívoco que qualquer cidadão, agindo como agiu o Arguido, denota a intenção de praticar os factos, como efetivamente o fez, de forma livre (ou seja, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o Direito, não o fez), deliberada (querendo, assim, a realização do facto) e consciente (representando todas as circunstâncias do facto), com conhecimento de que tal conduta é prevista e punida por lei.

No que respeita aos factos relativos às condições pessoais, sociais e económicas do Arguido (factos provados n.ºs 21 a 32), o Tribunal teve em consideração o relatório social elaborado pela DGRSP e, bem assim, pelas declarações prestadas pelo Arguido neste particular em sede de audiência de julgamento.

Para prova da ausência de antecedentes criminais do Arguido registados no seu certificado de registo criminal (facto provado n.º 33), o Tribunal alicerçou-se na análise do referido certificado, o qual se mostra junto aos autos.

*

No que respeita aos factos não provados a) a c), refira-se que a convicção negativa do Tribunal resultou da ausência de prova a respeito dos mesmos.

Desde logo, note-se que nada resulta do acervo documental junto aos autos nem, tampouco, da prova produzida em audiência de julgamento no sentido de que o Arguido tenha colocado em perigo a vítima do condutor do veículo com a matrícula … nem, tampouco, de qualquer outro utente que se encontrasse na via pública (e integridade física).

Do mesmo modo, sendo certo que resultou provado que o Arguido veio a imobilizar o seu veículo junto à Farmácia …, a uma distância não superior a 150 metros do local do embate (facto provado n.º 19), menos certo não será que inexistem elementos probatórios suscetíveis de corroborar a narrativa da acusação no sentido de que terá ocorrido na sequência da interceção levada a cabo por outro condutor, que terá forçado a sua paragem, porquanto tal não resultou das declarações prestadas pelo Arguido nem, tampouco de forma inequívoca de nenhuma das testemunhas arroladas pelo Ministério Público. (…)”

*

A análise da motivação da convicção probatória que acabámos transcrever não só revela que o julgador valorou todos os documentos juntos aos autos e todos os depoimentos produzidos em audiência (4) – incluindo aqueles que o recorrente afirma terem sido rejeitados – o que lhe permitiu formar convicção segura relativamente ao acervo factológico tido por provado, mas também que a alegação do vício de nulidade da sentença por falta de fundamentação, concretamente por insuficiência do exame crítico da prova é totalmente insustentada.

Sendo arguida alguma nulidade da sentença no recurso, nos termos dos artigos 379º, nº 2 e 414.º, nº 4 do CPP, incumbe ao tribunal que a proferiu pronunciar-se sobre ela e supri-la, antes de mandar subir o recurso. O tribunal a quo nada referiu sobre esta matéria, silêncio que não podemos deixar de atribuir ao entendimento de que nenhuma nulidade realmente existe. E é este também o entendimento que perfilhamos.

De acordo com a lei processual penal, concretamente nos termos do artigo 379.º CPP, sentença nula é aquela que se encontra inquinada por vícios decorrentes ou do seu conteúdo ou da sua elaboração. Tal nulidade, ainda que não arguida em recurso, é de conhecimento oficioso, conforme decorre do nº2 do mesmo artigo. A nulidade da sentença prevista no artigo 379º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 374º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, ocorre nos casos em que a decisão não contenha a fundamentação que inclua o elenco dos factos provados e não provados, a motivação da convicção probatória realizada com o exame crítico das provas e, bem assim, os motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão.

Na situação que agora nos ocupa, o recorrente invoca a nulidade da sentença recorrida em virtude de nela se não conter, de modo suficiente e inteligível, a apreciação crítica da prova, desse modo tornando impossível reconstituir o modo como se formou a convicção do julgador relativamente aos factos constitutivos do objeto do processo. Alega o recorrente quanto a este fundamento do recurso, mais uma vez, repete-se, confundindo o mesmo com a contradição insanável e com o erro de julgamento, que:

“(…) o recorrente pode pedir a alteração da decisão de facto, por a achar incorretamente julgada, já que na mesma não encontra fio lógico que lhe permita avaliar do bem fundado da conclusão jurídica dela extraída. Na verdade, a matéria de facto provada e atenta a motivação que subjazeu à mesma, deixa algo pouco percetível para a explicação que se pretendeu dar na mesma para a julgar provada, o que denota erro de julgamento da mesma.

13 - Com efeito, tomando o facto dado por provado no PONTO 7, o Tribunal a quo, fundou-se num raciocínio inferencial sobre a conjugação dos factos provados que consubstanciam os … elementos objetivos (do crime de omissão de auxílio) com as regras da experiência comum. Ora, nem se verificam todos os elementos objetivos do crime (designadamente, situação de perigo iminente de lesão grave da integridade física do ofendido), nem as regras de experiência comum apontam no sentido ajuizado (mormente, abandono do local pelo arguido).

14 - Estas as incoerências de uma motivação da matéria de facto que impedem o seguimento do fio lógico-racional por parte do arguido, e que à luz do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao vertido no artigo 374.º, n.º 2, a qual deve ser corrigida pelo tribunal superior com a alteração da matéria de facto,(…)

18 – Em conclusão, a Mma. Juiz a quo fez errada determinação dos factos provados, o que fundamenta o uso dos poderes conferidos a essa Relação, a qual conhece de facto e de direito, previstos no n.º 3 do artigo 412.º, visando a alteração da matéria de facto conforme acima melhor se deixou impugnado, por incorrer na nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379.º, com referência ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º, ambos do CPP (…)”. (5)

Na fundamentação da sentença deverão, efetivamente, concretizar-se as razões que estruturaram a convicção do julgador, convicção que se traduziu na seleção factual que o mesmo fez constar do elenco dos factos provados e não provados, com base na valoração dos meios de prova disponíveis. O exame crítico de tais provas exige, não apenas que se indiquem as mesmas, mas também que se explicitem os raciocínios que, de acordo com as regras da lógica e da expediência comum, foram racionalmente seguidos e que conduziram à convicção do tribunal. Tal explicitação deverá ser feita de forma a possibilitar aos destinatários da decisão realizarem a reconstrução do percurso mental efetuado pelo julgador e que se apresenta como sustentador do juízo probatório, permitindo-lhes, ademais, verificar que a decisão tomada não foi arbitrária. (6) Ora, confrontando a fundamentação da sentença recorrida na parte relativa à motivação da decisão de facto, que acima transcrevemos, contata-se que a mesma, após a enumeração dos factos provados e não provados, contém uma completa motivação do juízo probatório realizado com referência aos elementos de prova constantes dos autos e que sustentaram a seleção factológica provada e não provada. Nenhuma razão assiste, pois, ao recorrente quando reclama perante a forma como a sentença apresenta a motivação da decisão de facto, que considera insuficiente. Ao contrário do que se afirma no recurso, a sentença expõe de forma clara, racional e perfeitamente compreensível os raciocínios logico dedutivos subjacentes à formação da convicção probatória relativamente a todos os factos tidos por provados e por não provados.

Não se verifica, assim, a nulidade da sentença arguida pelo recorrente.

*

Finalmente, alega o recorrente que na sentença recorrida se deteta o vício de contradição insanável da fundamentação previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 410º do CPP, sem que, no entanto, justifique em termos minimamente compreensíveis tal alegação. A este propósito afirma que:

“(…) 6 – Resulta do Facto Provado 19 e dos Factos Não Provados a) e c), que o arguido não abandonou o local (da ocorrência), antes veio a imobilizar voluntariamente o veículo em local visível a olho nu do local do embate.

7 – E deles resulta também que não colocou em perigo a vida do condutor do veículo …. (…)

8 - A ilação de facto vazada no Facto Provado 7 não corresponde à verdade, porquanto o quadro assistencial referido por ambas as testemunhas não compagina minimamente com qualquer cenário de omissão de auxílio.

15 – O tribunal a quo extraiu factos provados sem que se perceba qual o iter lógico-racional para até eles chegarem, como é que se ultrapassou a incoerência de se darem provados e não provados factos excludentes da responsabilidade penal, v. g., Facto Provado 10 e Facto Não Provado a), por outro, na motivação de facto, diz-se que os factos provados…consubstanciam os … elementos objetivos do crime de omissão de auxílio.

Salvo o devido respeito, carece absolutamente de sentido tal arguição. O aludido vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, tal como os demais previstos no nº 2 do artigo 410º, ocorre nas situações em que, sem recurso à análise da prova concretamente produzida, a simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir ter-se verificado a referida contradição insanável. Ora, na situação vertente, não detetamos a invocada contradição. Efetivamente, confrontando a sentença recorrida, nela se não descortina qualquer contradição lógica entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, nem entre estes e a motivação da respetiva convicção probatória. Ao invés, analisado o texto da decisão, constata-se que a conexão lógica existente entre os factos que o tribunal recorrido julgou provados e não provados, os meios de prova em que se baseou e a valoração criteriosa que fez dos mesmos, não só não indiciam a invocada contradição, como, ao invés, permitem inferir exatamente o contrário, ou seja, que os meios de prova tidos em conta sustentam logicamente a decisão e que a factualidade provada e não provada se encontra expurgada de qualquer contradição.

Analisando mais de perto as situações sinalizadas pelos recorrentes, parece-nos evidente que as invocadas contradições se não verificam. São as seguintes as situações indicadas no recurso:

a) Contradição entre dar como provado, por um lado, que o arguido abandonou o local do acidente e que se alheou por completo da situação de necessidade em que a outra pessoa interveniente no mesmo se poderia encontrar (facto constante do ponto 7) e, por outro, que o arguido veio a imobilizar o veículo que conduzia a uma distância não superior a 150 metros do local do embate (facto constante do ponto 19);

b) Contradição entre, por um lado, dar como provado que, “como consequência direta e necessária do embate resultaram, direta e necessariamente para EE lesões corporais, nomeadamente, cervicalgia e lombalgia, tendo sido transportado ao hospital onde foi assistido.” (facto constante do ponto 10) e, por outro, dar como não provado que “nas circunstâncias de tempo e espaço referidas em 1) a 4) o arguido tenha colocado em perigo a vida do condutor do veículo ….” (facto constante da alínea a) dos factos não provados).

Vejamos.

Em ambas as situações enunciadas nas alíneas precedentes, verificamos que as realidades contrapostas são absolutamente compagináveis. Na verdade, referir-se, por um lado, ter resultado provado que, como consequência direta e necessária do embate, resultaram para o ofendido EE lesões corporais, nomeadamente, cervicalgia e lombalgia (facto constante do ponto 10) e, por outro, dar-se como não provado que o arguido tenha colocado em perigo a vida do condutor do veículo …, ou seja, do ofendido (facto constante da alínea a) dos factos não provados), não se nos afigura, de todo, incompatível; não se trata da alegação de um facto e do seu contrário, trata-se, outrossim, da referência a realidades diversas, uma tida por provada (a referente às lesões sofridas pelo ofendido em consequência do embate, consignadas no ponto 10 dos factos provados) e outra considerada não provada (a referente à colocação em perigo da vida do ofendido, que se consignou na alínea a) dos factos não provados). Igualmente conciliável é a decisão de se considerar provado que o arguido abandonou o local do acidente e que se alheou por completo da situação de necessidade em que a outra pessoa interveniente no mesmo se poderia encontrar (facto constante do ponto 7) e, por outro, que o arguido veio a imobilizar o veículo que conduzia a uma distância não superior a 150 metros do local do embate (facto constante do ponto 19). Abandonar significa não ficar no local, quer o causador do acidente tenha estacionado a uma distância de cerca de 150 metros, como sucedeu “in casu”, quer não tenha estacionado em qualquer local próximo. O que releva é não ter permanecido junto ao sinistrado. Do mesmo modo, alhear-se da situação em que aquele se encontrava significa não ter cuidado de perguntar, nem de se informar por qualquer forma sobre o sucedido. Ambas as situações se verificaram e em nada colidem com a prova de que o arguido estacionou a cerca de 150 metros do local do acidente. E é tanto quanto se refere na sentença recorrida nos pontos assinalados pelo recorrente, quanto a nós sem qualquer contradição. Não se verifica, pois, o apontado vício de contradição insanável.

*** B) Da qualificação jurídica dos factos e da sua subsunção ao crime de omissão de auxílio pelo qual o arguido foi condenado.

Propugna o recorrente que a factualidade a seu ver apurada nos autos não permite concluir pela prática do crime de omissão de auxílio pelo qual foi condenado, em virtude de: a) Não se ter demonstrado que o arguido abandonou o local do acidente e que se alheou por completo da situação de necessidade em que a outra pessoa interveniente no mesmo se poderia encontrar; b) E também porquanto “a obrigação de auxílio que recai sobre o agente só existe em caso de “grave necessidade”. Em conformidade, não se verifica a prática do referido crime se não resulta da matéria de facto que em consequência do acidente o ofendido ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física (para além das lesões concretas que sofreu em consequência do acidente) e que do embate (…) tivesse resultado um grave perigo para a vida do ofendido”

No que tange ao primeiro argumento, consignado na alínea a), considerando que o mesmo assenta na impugnação da decisão quanto à matéria de facto, a improcedência de tal impugnação, nos termos sobreditos, prejudica, obviamente, a sua apreciação.

Já a apreciação do segundo, consubstanciado na invocação (7) de um erro de julgamento em matéria de direito, por alegada subsunção errada dos factos ao crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200º, nºs 1 e 2 do CP realizada pelo tribunal a quo, por ser independente do invocado erro de julgamento da matéria de facto, mantêm pertinência.

O crime de omissão de auxílio encontra a sua previsão legal no artigo 200º do CP, que dispõe da seguinte forma: “Artigo 200.º Omissão de auxílio 1 - Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe prestar o auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio devido, o omitente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. 3 - A omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou integridade física do omitente ou quando, por outro motivo relevante, o auxílio lhe não for exigível.”

São os seguintes os elementos constitutivos do crime em referência: a) A verificação de caso de grave necessidade – consubstanciado na existência de risco ou perigo iminente de lesão grave de algum dos bens jurídicos protegidos, provocado por desastre, acidente, calamidade pública, situação de perigo comum ou outra situação idêntica; b) A falta de prestação do auxílio necessário à remoção do perigo – seja por ação pessoal, seja promovendo o socorro por terceiro; c) O dolo genérico, em qualquer das modalidades prevista no artigo 14.º. O preenchimento do tipo de omissão de auxílio pressupõe, pois:

- A representação pelo agente de que o necessitado de auxílio corre risco de vida ou de lesão grave da sua saúde ou liberdade, ou seja, a perceção do perigo concreto resultante de um determinado acontecimento atual e idóneo constitutivo de ameaça à integridade dos bens jurídicos tutelados (perigo concreto): - A incapacidade da vítima, de, por si só, afastar o perigo iminente de lesão importante dos bens jurídicos, incapacidade que deverá revelar-se pela existência de sinais, objetivamente apreensíveis pela generalidade das pessoas, da necessidade urgente de atuação na prestação do auxílio (casos de grave necessidade); - A possibilidade fáctica de o agente poder prestar o auxílio que é necessário e a não realização dos atos que – através de um juízo de prognose ex ante, realizado de acordo com os conhecimentos do agente e radicado nas circunstâncias concretas do caso e na conduta do bonus pater familiae – se revelem adequados e necessários ao afastamento do perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados (omissão da conduta devida); - O conhecimento pelo agente da situação de grave necessidade, do perigo que recai sobre a vítima e da possibilidade de atuar no sentido exigido pela norma, e a vontade de omitir o auxílio imposto pela norma (o dolo).

O tipo de crime em análise inseriu-se no Código Penal de 1982, na sua versão inicial, na secção intitulada «Da Violação do Dever de Solidariedade Social», tendo passado a inserir-se, após a revisão de 1995, nos «Crimes contra outros bens jurídicos pessoais».

Conforme referem Simas Santos e Leal Henriques em anotação ao artigo 200º no Código Penal anotado (8), o crime de omissão de auxílio contempla “um dever de solidariedade social que consiste na prestação de auxílio ao próximo em situações em que se encontram em perigo bens fundamentais com consagração constitucional” e abrange, sem dúvida, interesses de ordem pessoal, o que desde logo resultou das atas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal de 1982. Temos, assim, que o fundamento legitimador do dever geral de auxílio estabelecido no tipo é a solidariedade humana que deve vincular todos membros da sociedade, sendo que os bens protegidos por tal preceito, são a vida, a integridade física e a liberdade. Trata-se de um crime de perigo concreto – pressupõe a existência efetiva de perigo para um dos bens jurídicos protegidos – de omissão pura – traduz-se na omissão de uma conduta exigida pela lei, esgotando-se na própria inobservância da norma – e de mera omissão – sem resultado tipicamente relevante – e que, por isso mesmo, não coloca o problema da adequação da conduta à produção de qualquer resultado. Ou seja, a verificação do dano não releva para o preenchimento do tipo, sendo o agente punido apenas porque omitiu o auxílio devido e não porque não impediu o resultado danoso que, entretanto, sobreveio. Na sua forma qualificada, prevista no n.º 2 do artigo 200º do Código Penal, assume a natureza de um crime específico próprio, uma vez que só pode ter por agente o causador do perigo. Verificamos, assim, que o crime de omissão de auxílio previsto no artigo 200.º do Código Penal é cometido sempre que alguém desrespeita dever de solidariedade social de prestação de auxílio que se revele necessário ao afastamento de um perigo de ofensa da vida, da saúde, da integridade física, ou da liberdade de outrem, numa situação de grave necessidade dessa prestação resultante, nomeadamente, de desastre, acidente, calamidade pública, ou situação de perigo comum.

Por outro lado, é importante clarificar os limites do dever de agir integrador do crime de omissão de auxílio, o que, consequentemente, limita o campo de aplicação de tal tipo penal. Pela sua pertinência e porquanto subscrevemos inteiramente a linha de entendimento aí claramente explicitada a tal respeito, passamos a transcrever um excerto da fundamentação do acórdão da Relação de Lisboa de 30.05.2018 (9), no qual se escreveu: “(…) O dever de agir consagrado no tipo [do tipo penal de omissão de auxílio] não se radica numa injunção, mas «no dever geral de diligência como regra que preside à relação dos sujeitos no comércio jurídico» ([15 Beleza dos Santos em Lições de Direito Penal, Coimbra a pág. 225 e ss.]), «na compreensão do homem - do homem socializado - como um ser “com-os-outros” e um “ser-para-os–outros» ([16 Figueiredo Dias na R.L.J.nº 3706 a págs. 18 e ss]). Esta solidariedade social, bem jurídico tutelado, não se perfila como um dever sem limites, sob pena de violação do princípio penal “nullun crimen sine lege”. Ela move-se num campo limitado pelo puro dever moral, (de configuração ou intensidade não suficientemente fortes para merecerem a tutela jurídico-penal) e pela situação de garante (derivada de uma especial relação com a situação, de monopólio ou de domínio ou senhorio, de tal modo que o agente exerça uma função de protecção do bem jurídico em perigo, ou por qualquer modo tenha uma função de controlo da fonte do perigo) determinante da verificação da comissão por omissão, nos termos do artº 10º do CP.(…)” (10)

Tal como refere Américo Taipa de Carvalho na sua anotação ao artigo 200º do CP, “(…) Deste dever geral de auxílio [o do artigo 200º do CP] se tem de distinguir o dever pessoal de garante previsto no art. 10º-2. Doutrinalmente muito discutidos os fundamentos deste dever de garante (art. 10º-2) (…) a importância prática da distinção é, no campo da punição, muito grande. (…) A situação de ingerência a que se refere o art. 200º-2 (…) não e pode confundir com a ingerência fundamentadora de um dever de garante (art. 10º-2) (…) Seguramente que há dever jurídico de garante (art. 10º-2) quando a situação de perigo resultou de uma anterior conduta ilícita do agora omitente do auxílio.(…) Sobre o condutor do veículo recai o dever jurídico de garante, quando o acidente resultar de conduta ilícita (p. ex. infração de regras rodoviárias) (…) O crime de omissão de auxílio está para com o crime de comissão por omissão numa relação de subsidiariedade. Assim, recaindo sobre o omitente do auxílio, necessário à salvaguarda da vida, integridade física ou liberdade, um correspondente dever de garante, estar-se-á diante de um concurso aparente, respondendo o omitente pelo crime de comissão por omissão (homicídio, ofensas corporais, sequestro, violação). (…)” No mesmo sentido, defende Figueiredo Dias que “a omissão de auxílio só entra em questão onde não exista um dever de garante do agente pela não verificação de um resultado típico” (11). No seu entendimento, o critério da distinção resulta da determinação, numa perspetiva normativo social, do ponto de gravidade da valoração da ilicitude relativamente à conduta pessoal relevante.

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Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas, analisemos então a questão colocada pelo recorrente que, a seu ver, obstaria à subsunção da situação dos autos ao crime de omissão de auxílio e que, nos termos acima consignados, mantém pertinência, qual seja a da inexistência de uma situação de perigo iminente de lesão grave da integridade física do necessitado de auxílio causada pelo embate. Ora, como poderá já antever-se, também quanto a esta questão não assiste razão ao recorrente. Efetivamente, ao contrário do que o mesmo defende, e tal como se concluiu na sentença recorrida, nenhuma dúvida temos de que o quadro factual descrito na factualidade provada configura uma situação de “grave necessidade”, que integra o elemento do tipo objetivo do crime de omissão de auxílio. De facto, o embate do veículo conduzido pelo arguido no veículo do ofendido criou um concreto perigo de lesão grave da integridade física do deste último (12), tendo exigido socorro médico imediato, o que era apreensível por qualquer pessoa colocada perante a situação e também, obviamente, pelo arguido. Contrariamente à tese propugnada no recurso, a circunstância de não ter resultado provado que o ofendido correu perigo de vida e de as lesões que sofreu não constituírem ofensa à integridade física grave – não se integrando, pois, na previsão do artigo 144º do Código Penal – não obsta a que se tenha por verificada a “grave necessidade”, sendo certo que, relembramos, estamos perante um crime de perigo concreto, que abrange o perigo de grave lesão da integridade física e que não se exige para o seu preenchimento que esse resultado venha efetivamente a ocorrer. Bastará, de outra sorte, que que se configure um quadro factual do qual resulte a perceção, para qualquer pessoa – face aos sinais exteriores evidenciados – de que o ofendido necessita de ser de imediato socorrido, por ser previsível que venham a ocorrer consequências graves para a sua integridade física, o que, indubitavelmente, se verifica no caso vertente. (13) É que, como se explanou a este propósito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.1996 (14), cujo entendimento sufragamos, “a expressão “grave necessidade” não respeita à gravidade das consequências do acidente, calamidade, etc., mas às condições anormais em que surge a violação dos bens eminentemente pessoais do ofendido, e o conceito de “afastamento do perigo” que se encontra na base do mencionado dever de solidariedade social engloba também, e necessariamente, as situações em que a violação de qualquer daqueles bens eminentemente pessoais de outrem já foi efectivada, mesmo que de forma irremediável, mas cuja extensão ou possíveis futuras consequências se não tornem perceptíveis a quem se depare com a situação em causa”. Improcede, pois, também nesta parte a argumentação do recorrente.

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E o que dizer, porém, da circunstância de, na situação dos autos, o arguido se encontrar investido num especial dever de garante por ingerência resultante da sua conduta ilícita anterior – integradora do crime de condução perigosa – causadora da situação de perigo à qual decidiu não prestar auxílio?

De acordo com a explanação teórica precedente, a posição do arguido – atendendo ao dever de garante decorrente da sua especial relação com a situação de perigo, situação que causou com a sua conduta ilícita anterior – determinaria a sua punição em termos de comissão por omissão, integrando a sua conduta omissiva a previsão do artigo 10º, nº 2 do CP e não a previsão do crime de omissão de auxílio consagrada no artigo 200º do CP, pois que a situação de ingerência refletida na factualidade provada não é a que se refere neste último preceito, mas sim a ingerência fundamentadora de um dever de garante prevista no primeiro. Sucede, porém, que na situação que nos ocupa a conduta omissiva do arguido não poderá subsumir-se ao crime de ofensa à integridade física cometido por omissão, nos termos dos artigos 143º e 10º, nº 2 do CP porquanto se não encontra factualmente apurado qualquer nexo de causalidade ou relação de adequação entre a não prestação de auxílio e o resultado típico do crime de ofensa à integridade física (15). Ou seja, reportando-se o artigo 10º do CP aos crimes de resultado, ao dispor que “quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão adequada a evitá-lo”, se a conduta omissiva do agente vinculado pelo dever jurídico de agir – dever que fundamenta a punição, pela equivalência entre o desvalor da ação e o desvalor da omissão – não se revelar adequada a produzir o resultado típico, não existirá comissão por omissão. Faltando os elementos objetivos do crime que o arguido, por se encontrar investido no especial dever de garante, poderia ter cometido, resta questionar se, de acordo com a linha de entendimento acima exposta no que tange à clarificação dos limites do dever de agir integrador do crime de omissão de auxílio, a sua conduta omissiva poderá subsumir-se ao crime de omissão de auxílio ou se deverá ficar impune. Nenhuma dúvida temos em optar pela primeira alternativa. De facto, e tal como também acima referimos, entre os crimes de comissão por omissão e de omissão de auxílio existe uma relação de subsidiariedade. Assim, e não obstante subscrevermos o entendimento acima exposto – de acordo com o qual, recaindo sobre o omitente do auxílio um dever de garante, estar-se-á perante e um concurso aparente entre os mencionados tipos penais (ofensa à integridade física por omissão e omissão de auxílio), respondendo o omitente pelo crime de comissão por omissão – parece-nos evidente que tal concurso aparente deixará de existir se a conduta do agente não puder subsumir-se ao crime mais gravoso – por falta de outros elementos constitutivos do tipo – caso em que, subsidiariamente, deverá ser punido pelo crime menos grave, ao qual a sua conduta se subsume inteiramente. Outra solução que, numa situação como a dos autos, passasse por não valorar criminalmente a conduta dolosa de não prestação de auxílio a um terceiro em caso de grave necessidade, com o argumento de que tal conduta se não poderia subsumir ao crime de omissão de auxílio p. e p. no artigo 200º do CP em virtude de o agente se encontrar investido num especial dever de garante por ter ilicitamente causado o perigo, parece-nos absolutamente desrazoável e contrário ao espírito da lei penal (16).

Com efeito, se, numa situação de grave necessidade, qualquer cidadão comete o crime de omissão de auxílio, previsto e punido no artigo 200º, nº. 1 do CP, por maioria de razão o cometerá aquele que causou a situação de perigo, caso a sua conduta omissiva, valorada nos termos do artigo 10º, nº 2 do CP, não possa ser punida por crime mais gravoso. É verdade, que, tal como se consignou no acórdão do STJ, de 12.02.2004, “(…) o causador, por acto ilícito que constitua crime, do grave estado de necessidade, gerador do perigo para a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa, não responde nos termos do crime de omissão de auxílio, quer por força do nº. 1, quer do nº. 2 do artº. 200º, se não socorrer a vítima. Todavia, a sua responsabilidade tem de ser vista a uma outra luz de gravidade, e só por isso é que fica arredado em tal caso aquele artº. 200º. É que ele responde como autor do crime de lesão, resultante da omissão da conduta adequada a evitá-la, ou seja, responde pelo resultado a que a omissão adequadamente der lugar, a título de autor, por omissão, do crime configurado por esse resultado.” (17). Porém, caso o crime de lesão resultante da omissão da conduta adequada a evitá-la, a que se alude no excerto transcrito, se não encontre preenchido – designadamente por se não ter apurado o nexo de causalidade entre a omissão e a lesão, como sucede no caso dos autos – muito mais exigível será que a pessoa que deu causa à situação de grave necessidade, à qual assiste um dever acrescido de ajudar, preste auxílio. Se o não fizer, como não fez o recorrente, incorrerá, subsidiariamente, na prática do crime de omissão de auxílio p. e p. no nº 2 do artigo 200º do CP.

Somos, assim, a concluir que recorrente preencheu, com a sua conduta omissiva, todos os requisitos objetivos e subjetivos do crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200º, nºs. 1 e 2 do Código Penal, pelo que se manterá a sua condenação por tal crime, improcedendo o recurso também nesta parte.

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III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)

Évora, 18 de abril de 2023

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

Maria Margarida Bacelar

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1 Preceitua o art.º 412.º, nº 3 e 4 do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso que.

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

2 De tal confusão são exemplo paradigmático as conclusões nºs 17 e 18, com o seguinte teor: “17- À cautela, vai invocado o pertinente erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação da lei – mormente dos artigos 200.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e 127º do Código de Processo Penal, normas jurídicas assim violadas (art. 412º, nº 2, alínea a), do CPP).

18 – Em conclusão, a Mma. Juiz a quo fez errada determinação dos factos provados, o que fundamenta o uso dos poderes conferidos a essa Relação, a qual conhece de facto e de direito, previstos no n.º 3 do artigo 412.º, visando a alteração da matéria de facto conforme acima melhor se deixou impugnado, por incorrer na nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379.º, com referência ao disposto no n.º 2 do artigo 374.º, ambos do CPP, devendo Vs. Exas. suprir a mesma ou usando dos acima referidos poderes previstos na citada disposição legal, o que se requer, ou ainda, usar dos previstos na al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo diploma legal, para o caso de se entender ter havido errada apreciação da prova, decorrente do texto do sentenciado, o que é de conhecimento oficioso, em face dessa alteração, a conclusão precípua a extrair é que o recorrente não cometeu o crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

3 É o seguinte o teor das conclusões 4. e 11.: ““4 - No que respeita à matéria de facto provada na sentença recorrida, foi incorretamente julgado, designadamente, o PONTO 7” e “11 - Consequentemente, devem dar-se por não provados os factos constantes da decisão de facto correspondentes aos seguintes Pontos:- PONTO 7, nas partes que referem que: o arguido abandonou o local; que se alheou por completo da situação de perigo de lesão da integridade física do ofendido; e que este ficou numa situação de perigo iminente de lesão grave da sua integridade física.

- demais PONTOS, nas partes que estejam em contradição com as alterações a efetuar no Ponto 7, acima assinaladas.” 4 Depoimentos cujo teor se encontra reproduzido na sentença em termos totalmente fidedignos, o que pudemos atestar pela audição integral do registo da audiência.

4 Depoimentos cujo teor se encontra reproduzido na sentença em termos totalmente fidedignos, o que pudemos atestar pela audição integral do registo da audiência.

5 Negritos acrescentados.

6 Cfr. a este propósito, entre outros, o Acórdão do STJ proferido no proc. nº 733/17.2JAPRT.G1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.

7 Novamente imprecisa e confusa.

8 1996, Editora Rei dos Livros, volume II

9 Acórdão da Relação de Lisboa de 30.05.2018, relatado pela Desembargadora Maria da Graça Santos Silva, disponível para consulta em www.dgsi.pt. No caso concreto em análise no acórdão citado, diferentemente do que sucede nos presentes autos, estava em causa a necessidade de delimitar o campo de aplicação do crime de omissão de auxílio com vista a apurar se a conduta omissiva do agente subsequente à ação típica do crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado, dolosa e consumada, se lhe subsumiria, tendo o aresto concluído, a nosso ver corretamente, pelo não preenchimento do primeiro.

10 No sentido da punição pela comissão por omissão, nos termos do artigo 10º, nº 2 do CP e não pelo crime menos grave de omissão de auxílio p. e p. no artigo 200º do CP (no caso do acórdão concluiu-se concretamente pela condenação da arguida pela prática do crime de violência doméstica por omissão) decidiu o excelente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.07.2019, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves.

11 Figueiredo Dias, «Temas Básicos da Doutrina Penal» (2001), 104/111.

12 Perigo que veio a concretizar-se em lesões corporais, nomeadamente, cervicalgia e lombalgia.

13 Neste sentido decidiram também os acórdãos desta Relação, de 13.01.2018, relatado pelo Desembargador Alberto Borges e de 13.04.2021, relatado pela Desembargadora Fátima Bernardes e o acórdão da Relação de Lisboa de 24.03.2022, relatado pelo Desembargador Calheiros da Gama, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

14 Disponível para consulta in BMJ 462, págs. 178 e ss.

15 Nexo de causalidade que, aliás, se encontra estabelecido, no ponto 10. dos factos provados, entre o embate e as lesões sofridas pelo ofendido.

16 Lei penal, que, como acima referimos, elegeu certas situações, que designou de grave necessidade, e que põem em perigo bens eminentemente pessoais, para estabelecer uma exigência de auxílio, dirigida a todos em geral, sob pena de a omissão constituir um crime.

17 Acórdão do STJ, de 12.02.2004, proferido no processo nº 03P3202 e relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, disponível para consulta em www.dgsi.pt.