Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
179/14.4GBRMZ.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VALORAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Os recursos são remédios jurídicos, que visam detectar e corrigir erros de julgamento.

II - Constatando-se que não são vislumbráveis desconformidades entre a prova produzida e a percepção que dela foi feita pelo julgador, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, que o tribunal justificou suficientemente as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de um modo sempre racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão da matéria de facto.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo n.º 179/14.4GBRMZ, da Comarca de Évora, foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido LF como autor de um crime de violência doméstica da alínea b), do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal, numa pena de três anos de prisão suspensa com regime de prova e subordinada à frequência, pelo arguido, de programa para agressores de violência doméstica, nos termos a definir pela DGRSP.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“I. Por sentença condenatória de 03 de novembro de 2016, foi o arguido condenado à pena de prisão de 03 anos, suspensa por igual período, sujeitando-se a regime de prova, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. artigo 152 do CP, não se conformando com a douta sentença, por dela discordar, o arguido recorre.

II. Em abono da verdade se refere que a douta sentença é uma reprodução integral da acusação, contrariando o sentido de prova produzido em sede de audiência e julgamento, tal como a documental junto aos autos.

III. A douta sentença baseia-se na íntegra no depoimento da ofendida, valorando-o como sério e credível, deixando contudo por apreciar (i. é, não o valorando de qualquer forma) o transtorno obsessivo-compulsivo de grau severo que a ofendida padece (que está documentado nos autos) e bem assim, deixando de apreciar toda a prova junta aos autos em contestação da defesa, onde se juntaram mais de 3000 mensagens escritas e multimédia onde a ofendida assediava, ameaçava com processos judiciais e perseguia o arguido, após este ter terminado a relação com aquela.

IV. A sentença deu como provados os factos n.º 3, 4, 5 e 6, e com isso não se conforma a defesa pelo que os impugna, uma vez que da prova produzida, apurou-se tão só que o arguido ligava para o telefone da ofendida, mas a ofendida também ligava para o telefone do arguido, fazendo-o ambos várias vezes por dia para conversar sobre assuntos deles próprios. Isso mesmo decorre do depoimento do arguido (gravado entre os 5’58min e 6’24 min).

V. A versão do arguido contraria a versão da ofendida no que diz respeito a estes factos, sendo apenas a palavra daquela, sem qualquer outra contextualização ou fundamento, o que se entende como insuficiente para ser dado como provado o controle ou assedio que, alegadamente, o arguido exerceria sobre a ofendida.

VI. Sempre foi a própria ofendida a mostrar, por sua vontade o facebook ao arguido.

VII. A sentença deu como provado o facto n.º 7, o qual entende a defesa que nunca poderia acontecer, porquanto apenas a ofendida refere que foi obrigada a dar a password do seu facebook ao arguido, nenhuma outra prova existe quanto a isso, pelo que não poderá ser o facto dado como provado.

VIII. Aliás este facto n.º 7, por si só, é de difícil discussão pois não tem qualquer tipo de concretização espácio-temporal, ou sustentação em inquérito, por meio de perícias a equipamentos (por exemplo) pelo que não se pode considerar matéria provada.

IX. A sentença deu como provados os factos n.º 8 , 9 e 10 que referem ofensas à integridade física do arguido à ofendida, perpetradas dentro da casa sita na Rua …, Reguengos de Monsaraz, tendo posteriormente o arguido agarrado pelos cabelos e arrastado para a carrinha a ofendida, seguindo ambos em direção à Cumeada e ai chegados, teria alegadamente o arguido desferido bofetadas na face da ofendida, de seguida teria regressado a casa da ofendida e entre as 03h00 e as 05h00 teria exigido que a mesma enviasse fotos do seu quarto.

X. Ora isto, na perspetiva da defesa tal não poderia nunca ter sido dado como provado.

XI. Porque a ofendida nunca coabitou com o arguido, vivia sim com os seus pais, na rua em questão, estando o arguido impedido de ali entrar, por os pais daquela não aceitarem a relação extraconjugal da sua filha.

XII. O próprio pai da ofendida admitiu que o arguido não era visita de sua casa.

XIII. Logo, não podia nunca o arguido bater à ofendida e arrasta-la pelos cabelos para fora de casa, mete-la numa carrinha e traze-la de volta sem que os pais daquela dessem conta de tais atos de violência.

XIV. Se assim acontecesse os pais da ofendida, que por serem reformados passam muito tempo em casa, dariam pelas agressões e obstariam as mesmas, sendo que o pai da ofendida enquanto antigo escrivão do tribunal de certo reagiria de forma adequada.

XV. Veja-se quanto a isto as declarações do arguido gravadas entre os 10’43min e 12.23min, onde se apresenta a versão real e certa dos factos.

XVI. A sentença deu como provados os factos n.º 11 e 12, que referem que o arguido ofendida verbalmente com expressões como “puta” e “vaca”, entre outras, a ofendida, apertando-lhe de seguida o pescoço, factos estes apenas fundamentados no testemunho da ofendida, já que ninguém mais ouviu o arguido fazer o quer que fosse contra a ofendida, prestando o arguido um depoimento quanto aos factos bastante concreto, ao contrário da ofendida, nomeadamente entre no depoimento do arguido gravado de 15’07min a 16’36min.

XVII. Novamente estes factos além de vago e sem sustentação foram de difícil discussão, em sede de julgamento e apresentação de defesa, uma vez que não têm qualquer contextualização espácio-temporal que o aproximasse com qualquer tipo de verdade material.

XVIII. A sentença deu como provados os factos n.º 13, 14 e 15 que referem que o arguido quando soube que a ofendida ia para Vila Viçosa, obrigava a a regressar, tendo a apelidado de puta, e desferido murros e apagado 3 cigarros no ombro, regressando de seguida a casa, parando numa ponte e ameaçando de atirar a ofendida da mesma.

XIX. Ora tais factos, por serem completamente alheios à verdade material e à prova produzida em sede de audiência e julgamento, são impugnados pela defesa, devendo ser considerados como não provados, pois, a versão destes pertence tão só e apenas à ofendida.

XX. Nenhuma das testemunhas que seguia com a ofendida para Vila Viçosa presenciou que o arguido obrigasse aquela a voltar para casa e muito menos presenciaram marcas físicas de agressões e queimaduras de cigarros.

XXI. As testemunhas que seguiam com a ofendida referiram que após aquela receber um telefonema, deixaram na sozinha em Bencatel e que no dia seguinte a mesma não referiu que tinha sido vitima de qualquer tipo de agressão, nem sequer apresentava marca físicas que isso indicassem, para tanto veja se o depoimentos da testemunha MH (Gravadas de 3’28min até 3’30min e entre os min 4’54 até 5’26min.

XXII. A testemunha MH, colega de formação da ofendida e amiga de sair à noite, a instâncias de interrogatório feito pela Defesa confirmou que não viu nada, soube que havia um telefonema, o qual desconheceu o seu teor, apenas sabe que a ofendida foi deixada em Bencatel e mais nada foi visto ou presenciado, quer por si, quer por outros amigos que com elas seguiam, veja se o depoimento da Sra. MH gravado entre 15’18min ate 16’24min.

XXIII. Também quanto a este facto outra testemunhas, MR, estando com a ofendida nada soube ou presenciou que sustentasse o depoimento da ofendida, vejamos as declarações desta testemunhas gravadas de 20’20min até 20’54min.

XXIV. Também não existiu qualquer prova que referisse que a ofendida tivesse sido sujeita a tratamento para queimaduras de cigarros no ombro e estas, a existirem, efetivamente careciam de tratamento por serem uma lesão que infetaria e provocaria período de doença a quem dela sofresse.

XXV. A sentença deu como provados os factos n.º 16, 17, 18, 19, 20 e 21 que referiam que entre maio e junho de 2014, o arguido teriam apanhado a ofendida na formação e teria levado para um Monte, ai chegado teria ofendido verbalmente a suposta vítima, batendo-lhe, arrastando-a, e por 12 horas teria-lhe batido consecutivamente e obrigado a ter relações sexuais com penetrações anais, seguidas de violência física.

XXVI. A defesa impugna estes factos, dados comos provados em sentença, porquanto de tão inverosímeis nunca poderiam ter ocorrido da forma como se quis demonstrar.

XXVII. Primeiramente, não existiu qualquer tipo de perícia ao local para aferir se no monte referido este tipo de agressões eram possíveis de acontecer por 12horas sem que ninguém se apercebesse.

XXVIII. Depois porque não se pode admitir, tendo em conta as regras da experiencia comum, que alguém sodomizado e agredido violentamente por 12horas seguidas não necessitasse de tratamento médico, ficasse apenas com dores, mas sem marcas físicas.

XXIX. Trata-se novamente de uma fantasia retorcida da ofendida com o intuito claro de prejudicar o ofendido por este ter consigo terminado a relação.

XXX. Não existe prova nenhuma de que estes factos aconteceram, apenas um discurso pouco claro e credível da ofendida, cuja versão não pode de modo algum ser aceite como matéria controvertida.

XXXI. Os próprios pais e mãe da ofendida, em sede de interrogatório não judicial, cfr. Fls 343 e 346 dos autos, referiram perentoriamente que nunca se aperceberam de marcas físicas no corpo da filha.

XXXII. Foi solicitado também um extrato de assistências médicas no centro de saúde de Reguengos, do qual resultou a inexistência de registos referente ao período temporal aqui em causa, conforme documento junto a fls. 292 dos autos, fazendo este documento prova plena. Neste documento é referido que o ultimo episódio de assistência naquele centro de saúde é de 2012!

XXXIII. Também as testemunhas que com a ofendida conviviam diariamente na formação, negaram ter visto qualquer marca de agressão física, de qualquer tipo que fosse.

XXXIV. Nunca nenhuma testemunha viu nada, vejamos os depoimentos de AT ao minuto (7’46), e entre min (24’03min ate 24’09min). Também a testemunha SP, foi perentória nas respostas gravadas de (min 12’23 até min 12’48segundos) do seu depoimento. ZL, uma terceira testemunha, que tal como as outras privava diariamente com a ofendida disse nunca ter visto nada, conforme depoimento a (min 9’06 até min 9’20 seg).

XXXV. A sentença deu como provados os factos n.º 22 e 23 que referem que o arguido obrigou a ofendida a tatuar um cavalo no peito e o seu nome na barriga, sendo que a defesa impugna o facto pois a prova produzida vai em sentido totalmente oposto.

XXXVI. A ofendida fez as ditas tatuagens e nunca referiu a ninguém que fossem feitas por coação ou sob ameaça, pelo contrário, a ofendida as suas colegas de turma fazia gosto em mostrar o enorme cavalo que tem tatuado no peito, vejas as declarações da testemunha AT de 9’25min a 9’46min e de min 23’48 a min 24’00.

XXXVII. Também sobre o mesmo tema a outra colega de turma referiu que nunca ninguém tinha referido que as tatuagens fosse feitas por coação, vide depoimento de SP, entre min 15’58 a 17’03min.

XXXVIII. A sentença deu como provados os factos n.º 24, que refere que o arguido apertou a boca da ofendida e partiu-lhe a placa dentária, não correspondendo este facto à verdade nem a prova produzida em sede de julgamento.

XXXIX. O arguido explica o que aconteceu no seu depoimento gravado de 24’58 min a 25’26min. Onde a ofendida lhe relata que foi ela própria que deixou cair a placa dentária. A mesma versão foi apontada pela ofendida a Sra. Sua mãe, conforme depoimento a fls. 343 dos autos.

XL.A testemunha AT abortou este facto dizendo que perguntou à ofendida o que tinha acontecido sendo que não acreditou no que lhe estava a ser contado pela mesma, pois a ofendida ora dizia uma coisa, ora dizia outra, não concretizando e desvirtuando o seu discurso. Depoimento de AT gravado de 12’56 min ate 13’25 min.

XLI. A incoerência das conversas da ofendida era já conhecidas e notórias até para quem não a conhecia há muito tempo, pois as fantasias, chegavam ao limite da compreensão de um homem médio.

XLII. A sentença deu como provados os factos n.º 25, que refere que o arguido retirou a ofendida do centro de saúde à força interrompendo o tratamento.

XLIII. A defesa impugna este facto, dado como provado, porquanto existe prova documental, que faz prova plena, nomeadamente a fls. 36 dos autos, que refere que nesta data, do facto n.º 25, a ofendida teve assistência médica por via de tratamento endovenoso, cumprindo na integra o mesmo e, a palavras do próprio coordenador da unidade do centro de saúde «desconheço em absoluto se a utente foi retirada à força do centro de saúde, se a situação aconteceu, não assisti nem recordo ter sido informado da mesma.»

XLIV. Assim, à revelia da prova documental existente nos autos foi o facto n.º 25 dado como provado.

XLV. Aliás, caso a ofendida/ utente tivesse abandonado por qualquer forma a terapêutica teria de ter assinado, como é sabido, um termo de responsabilidade e em caso de violência teriam sido chamadas as autoridades o que não aconteceu.

XLVI. A sentença deu como provados os factos n.º 26 e 27 que refere o arguido fez o trajeto de Algarve- Vila viçosa ao telefone com a ofendida e quando chegou perto da mesma, obrigou a voltar consigo para casa.

XLVII. A defesa impugna este facto, não podendo o mesmo ser considerado provado, porque o que aconteceu foi que o arguido quando chegou perto da ofendida, ficou com a mesma no Bar em Vila Viçosa, regressando com a mesma a casa, tendo posteriormente partido de volta para o algarve, veja-se declarações gravadas entre 26’56 min ate 27’45min.

XLVIII. As amigas da arguida, testemunhas do processo nunca viram sequer o arguido no bar em Vila Viçosa, muito menos obrigando a ofendida ao quer que fosse, veja-se depoimento de MR (gravado entre 8’23 min e 8’26min).

XLIX. A sentença deu como provados os factos n.º 28 e 29, que referiu que o arguido teria simulado um suicídio e após a simulação teria agredido a ofendida, com murros, pontapés e puxões de cabelo.

L. Mais uma vez esta é uma versão dos factos, impugnada pelo arguido e não corroborada por qualquer testemunha, ou até pelos pais da ofendida.

LI. Além do mais, uma pessoa que sofresse este tipo de agressão com tanta violência e tão amiúde teria, obrigatoriamente, de ser assistida por médico. O que não aconteceu.

LII. O próprio pai da ofendida desconhece qualquer mau trato que a filha tenha sofrido conforme depoimento gravado entre 13’16 min e 14’15min.

O pai da ofendida não corrobora a versão apresentada pela mesma de que era vitima do arguido quer física, quer emocionalmente.

LIII. A própria GNR, na pessoa do Sr. Cabo A, referiu nunca ter visto marca nenhuma. [Declarações do Sr. Cabo A. com inicio a7’11 min e fim a 7’21 min]

LIV. Foi dado como provado o facto n.º 30 que refere que o arguido proibia a ofendida de andar vestida de forma moderna e provocante.

LV. Quanto a este facto apenas, do que resultou provado, era que a ofendida se vestia diariamente, ou seja por inúmeras e variadas vezes, da forma como queria e gostava e que em certos dias mudava de roupa e de estilo de roupa.

LVI. Nenhuma testemunha ouviu ou viu o arguido exigir que a ofendida mudasse de roupa, o que era ouvido sim era que a ofendida quando falava ao telefone, com pessoas não identificadas pelas testemunhas dizia o que estava a vestir.

LVII. A defesa não consegue vislumbrar que sentido fará uma pessoa dia após dia, insistir em vestir de manhã um tipo de roupa «moderno» e à tarde ter que mudar para um estilo de roupa «conservador», sabendo que iria sofrer algum tipo de consequência ou mau trato por esse motivo? Uma de duas coisas ou essa coação não existia, ou a ofendida não tinha qualquer tipo de receio de sair de manhã vestida com a roupa que mais considerava adequada, mudando a mesma pelos motivos que lhe aprouvesse.

LVIII. A este propósito a testemunha AT referiu em depoimento gravado de 9’22 min a 11’54min, que ouviu a ofendida por varias vezes descrever a roupa mas que não sabem com quem a mesma falava ao telefone, quando isso acontecia, nem sabe os motivos da troca de roupa. No mesmo sentido o depoimento da testemunha AC de de 6’15 min a 6’25 min.

LIX. Foi dado como provado o facto n.º 31 que refere que o arguido teria tentado obrigar a ofendida a retirar a queixa na GNR, facto que se impugna uma vez que não tem qualquer sustento probatório, sem ser uma versão pouco contextualizada da ofendida.

LX. Foi dado como provado o facto n.º 32 que refere por ter visto uma publicação de um homem no facebook da ofendida, o arguido teria chamado “puta” e “vaca” a ofendida.

LXI. Mais uma vez a defesa impugna tal factualidade porquanto não tem sustento probatório para além da ofendida.

LXII. Por fim foram dados como provados os factos n.º 33, 34 e 35 que referem que: «através das agressões, maus-tratos psíquicos, privação da liberdade e violência e ofensas sexuais perpetrados pelo arguido, da forma descrita, contra a pessoa de ME, quis o arguido molestá-la psicológica e fisicamente, atemorizá-la, ofendê-la na sua honra e consideração, limitar a sua liberdade de actuação e de movimentação, bem como molestá-la sua integridade sexual e moral, obrigando-a, através da força física, a suportar atos que feriram a sua sensibilidade pessoal e a sua liberdade sexual, o que representou e logrou. 34. Agiu o arguido livre e deliberadamente, sempre com a consciência que lhe incumbia especial dever de respeito pela integridade física, moral e sexual, pela liberdade e pela dignidade de ME, por força ter manter com a mesma relação de namoro. 35. Mais sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.» (cfr. fls. 01 a 05 Da sentença).»

LXIII. Salvo o devido respeito, que é muito, a prova produzida em sede de audiência e julgamento, leva à conclusão oposta, imperativo é que se absolva o arguido por falta de prova que sustente e corrobore a versão da ofendida e da acusação, que em sentença foi dada como integralmente provada, à revelia do que efetivamente aconteceu em sede de audiência e julgamento e em relação a prova junta aos autos, nomeadamente a clinica.

LXIV. A ofendida é uma pessoa com perturbações psiquiátricas, padece de uma síndrome obsessivo compulsivo grave, já diagnosticado com documentação junta aos autos e reagiu negativamente ao fim da relação (extra conjugal) que o arguido consigo mantinha, tanto assim é que, conforme prova junta pela defesa, após o términus do namoro encetou contra o arguido um verdadeiro stalking, com milhares de mensagens e fotografia de cariz sexual, mensagens essas que o arguido nunca mandou à ofendida em tempo algum.

LXV. A ofendida chegou a dizer ao arguido que se reatasse o namoro tudo mudaria em tribunal, ameaçando-o.

LXVI. Entende a defesa do arguido que por este não foi provado qualquer acto ilícito da autoria do arguido contra a ofendida.

LXVII. Não basta apenas a palavra da ofendida em detrimento da palavra do arguido para o mesmo ser condenado à revelia da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento e aquela junto aos autos.

LXVIII. Em termos de direito, entende também a defesa, na sua humilde perspetiva, que existiu, conforme supra se expôs, um evidente erro na apreciação da prova, sendo a douta sentença, nada mais que a transcrição integral e sem reservas da acusação.

LXIX. A douta sentença não atendendeu à prova produzida e, erroneamente, valorou depoimentos indiretos das testemunhas, que replicavam umas atrás de outras, aquilo que a ofendida lhes comunicavam mas que elas, as testemunhas por si mesmas, nunca viram.

LXX. Ainda na perspetiva da defesa do arguido, a própria acusação e construção do presente processo-crime apresentou imperfeições importantes, já que muitos dos factos imputados ao arguido não foram concretizados no tempo e no espaço, bem como não houve sustentação da acusação com perícias a locais ou a pessoas, de modo a se compreender se o descrito pela ofendida seria ou não possível.

LXXI. O próprio interrogatório, para memória futura da ofendida, cujo motivo pela opção do mesmo não está claro, evitou um confronto e uma imediação de produção de prova em sede de audiência e julgamento.

LXXII. Há uma sobrevalorização do depoimento da ofendida, depoimento que é tido como sério e credível, mas que não é corroborado por nenhuma outra prova documental ou testemunhal, sequer pelas testemunhas da acusação.

LXXIII. A palavra de um ofendido, sem mais, não pode bastar para se considerar sem margem para duvida que a realidade que aquele relata foi a que realmente aconteceu. Pelo contrário, quando a palavra do ofendido existe isolada num processo, sem suporte da tese apresentada por qualquer outro meio, deverão ser tais imputações apreciadas à luz do princípio IN DUBIO PRO REO.

LXXIV. Também é certo que o tribunal se deve orientar pelo princípio da livre apreciação da prova, conforme artigo 127º do C.P.P., e o julgador não está sujeito às regras rígidas da prova tarifada, mas antes à busca da verdade, limitando-se pelas regras da experiência comum e restrições legais. Esse princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valorização, contudo deverá encontrar sempre um fundamento lógico e racional. Porém na douta sentença foram valorados depoimentos indiretos, pois as testemunhas, todas elas nunca presenciaram qualquer facto, muitas delas nem o arguido conheciam, ou sequer viram alguma vez.

LXXV. O que as testemunhas referiam em grande parte do seu depoimento, e isso está gravado, eram acontecimentos relatados na versão da ofendida, chegando a certo ponto, que as próprias testemunhas pelas evidentes contradições no discurso da ofendida já duvidavam de tudo o que lhes era dito.

LXXVI. Assim, na perspetiva a defesa do arguido, a douta sentença, ora recorrida, padece de erro na apreciação da prova, de uma clara violação do princípio do in dúbio pro Reo e de uma equívoca apreciação de prova por depoimento indireto, que não tendo havido contradita, se revela prova proibida.

LXXVII. Termos são os expostos, em que se impõe a modificação da decisão recorrida sobre a matéria de facto, tal como dispõe o artigo 431.º do CPP.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

“1. O recurso apresentado pelo arguido não merece provimento, devendo ser rejeitado ou convidado ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto, respectivamente, nos artigos 420.º, n.º 1, alínea a) e 417.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, mantendo-se integralmente a douta decisão recorrida.

2. Caso assim não se entenda,

3. Da análise das alegações de recurso e dos elementos de prova a que nas mesmas se socorre não fica demonstrado que, face à prova produzida, se imponha decisão diversa da recorrida.

4. O tribunal a quo formou convicção segura sobre a ocorrência dos factos imputados ao arguido, através da apreciação e valoração das provas trazidas aos autos em conformidade com as regras da experiência comum e da normalidade, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

5. A ofendida depôs de modo natural, espontâneo e coerente, assumindo a mesma capacidade para prestar declarações de forma lógica, consentânea com a realidade e sem fabulações. Pelo que o seu depoimento, prestado em sede de declarações para memória futura, é idóneo e suficiente para a prova dos factos julgados verificados pelo tribunal a quo, sendo corroborado quer pelos restantes depoimentos testemunhais, quer pelos documentos juntos aos autos.

6. Não se verifica qualquer erro de apreciação ou de julgamento, não tendo sido alegada (e inexistindo) qualquer violação de regras de experiência comum, pelo que deve ser mantida a decisão da matéria de facto da douta sentença recorrida, atenta a sua motivação e por respeito ao princípio da livre apreciação de prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal).

7. Deve ser julgada infundada a alegada existência de erro notório na apreciação da prova, pois que a sentença recorrida não padece deste vício, nem de qualquer outro previsto no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

8. Por tudo o exposto, deve ser mantida a decisão recorrida de condenação do arguido, nos seus exactos termos.”

A Sra. Procuradora-geral Adjunta, em desenvolvido parecer, pronunciou-se no sentido da confirmação da sentença. Não houve resposta. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados:

“1. O arguido e ME mantiveram relação de namoro durante cerca de um ano e meio, entre novembro de 2013 e abril de 2015.

2. Durante o referido período de tempo, o arguido e ME pernoitavam habitualmente no interior da carrinha utilizada pelo arguido, de cor branca e de matrícula não concretamente apurada, mas pertencente à sociedade agrícola onde o arguido exercia funções.

3. Com o intuito de controlar onde ME se encontrava e com quem estava, no decurso da dita relação de namoro, o arguido ligava-lhe insistentemente, várias vezes ao dia, através dos seus números de telemóvel 924 ---- (profissional) ou 968 --- (pessoal), para o número utilizado por ME, 960 ---.

4. Desde o início da referida relação amorosa, em datas não concretamente apuradas, mas com frequência diária, o arguido LF controlou os contactos telefónicos, fossem chamadas, fossem mensagens escritas, que ME efetuava na sua ausência, quer o seu destinatário, quer o tempo de duração das referidas chamadas.

5. Para o efeito, em datas não concretamente apuradas, mas durante o referido período de tempo, por algumas vezes e no interior da referida carrinha, o arguido obrigava ME a ligar para as pessoas com quem tinha falado durante o dia, à sua frente e em alta voz, e a perguntar-lhes quantas vezes tinham falado naquele dia.

6. Caso a resposta fosse contrária à que previamente ME havia dado ao arguido, este apelidava-a, designadamente, de mentirosa e de aldrabona, puxava-lhe os cabelos, desferia-lhe bofetadas e apertava-lhe o pescoço.

7. Em data não concretamente apurada, o arguido passou a aceder ao perfil de ME na rede social Facebook, através da password que a mesma lhe facultara, a fim de controlar as conversas e os contactos que aquela mantinha na rede social, bem como de eliminar amizades e publicações e efetuar publicações – o que fez ao longo do período em que perdurou a relação de namoro entre ambos e sempre sem o consentimento e contra a vontade de ME.

8. Em data não concretamente apurada, mas em novembro de 2013, e após ME ter dito a uma amiga, no chat do Facebook, que ia tomar banho, o arguido apareceu em casa de ME – sita na Rua …, Reguengos de Monsaraz – cheirou-lhe o pescoço e as axilas, apelidou-a de “porca”, “mentirosa”, “aldrabona” e “jaronda”, desferiu-lhe chapadas na cara e pontapés nas pernas, agarrou-a pelos cabelos e pelos braços e levou-a para dentro da carrinha em que se fazia transportar.

9. Ato contínuo, o arguido transportou ME até ao Monte pertença dos pais do arguido, sito à saída de Reguengos de Monsaraz em direção à Cumeada, onde, ainda no interior da dita carrinha, lhe desferiu mais bofetadas na face e lhe disse que não aprendia nunca e continuava a ser mentirosa e que só sabendo tudo quanto faz é que poderia ter confiança nela.

10. No decurso da relação amorosa mantida entre ambos e nas noites em que não dormiam juntos, em datas não concretamente apuradas, mas por várias vezes, o arguido telefonou a ME de madrugada, entre as 03h00 e as 05h00, e perguntou-lhe se estava em casa e se não tinha ninguém a dormir com ela, exigindo que lhe mandasse fotografias do quarto para comprovar onde estava e se estava acompanhada, o que a mesma fez.

11. Em datas não concretamente apuradas, mas no decurso da relação amorosa entre ambos, por diversas vezes, sempre que o arguido desconfiava de ME apelidava-a de “puta”, “vaca”, “parva”, “mulher da vida”, dizia-lhe que “não tinha cérebro”, que tinha “cérebro de passarinho”, que era assim que merecia ser tratada, “abaixo de cão”, que não pensa, que nunca teve trabalho e que não estava habituada a raciocinar, “tu devias-te matar”, “desaparece da face da Terra porque se tu te matares e morreres eu já consigo seguir com a minha vida para a frente, já não me fazes mais falta. Mas saber que tu existes e estás cá à face da Terra e que podes estar com outros homens isso eu não admito, isso não me cabe no cérebro” e “tu só pensas em me enganar, tu enganas-me”.

12. De seguida, apertava-lhe o pescoço e apertava-lhe os braços com força, sempre no interior da referida carrinha.

13. Em datas não concretamente apuradas, mas no decurso da relação de namoro, por diversas vezes, desde novembro de 2013, e quando ME se dirigia para a localidade de Vila Viçosa com as amigas, à noite, o arguido ia ter com a mesma a meio do caminho e obrigava-a a regressar a casa, para onde a transportava.

14. Por uma das vezes, o arguido foi ter com ME a Vila Viçosa e, após a apelidar de “puta”, desferiu-lhe murros e pontapés em diversas partes do corpo e apagou-lhe três cigarros num dos ombros, provocando-lhe três queimaduras.

15. De seguida, transportou-a de regresso a Reguengos de Monsaraz e, no caminho, antes da localidade de Montoito, parou a carrinha junto de uma ponte, retirou ME do interior da carrinha e colocou, parcialmente, o corpo da mesma do lado de fora da vedação da ponte, como quem a atira da ponte, ao mesmo tempo que ofendia os seus pais e filho, por “não a prenderem em casa”.

16. Em data não concretamente apurada, mas entre maio e junho de 2014 e após ME ter passado a noite em casa dos pais, pelas 11h00, o arguido foi ter com a mesma às instalações da “Partner Hotel” – em Reguengos de Monsaraz, onde aquela frequentava curso de formação profissional – e levou-a na referida carrinha para o Monte pertencente aos pais do arguido, acima já mencionado.

17. Ali chegados, no interior de um dos quartos do dito Monte, o arguido apelidou ME de “pega” e de “puta”, desferiu-lhe bofetadas e pontapés e em diversas partes do corpo, despiu-a, agarrou-a pelo cabelo, puxando-a e virando-a de costas para si, e atirou-a para cima de um colchão ali existente.

18. Ato contínuo, e enquanto ME chorava, o arguido, através da força física, introduziu o seu pénis ereto no ânus de ME, enquanto a agarrava pelo pescoço, apertando-o, e lhe desferia bofetadas nas pernas, nas costas e nos braços e a apelidava de “puta”, “prostituta” e de “pega” e lhe dizia “tu mereces ser tratada assim”, ao mesmo tempo que ME lhe dizia para parar, para ter calma, para a deixar ir para casa e que queria a mãe e o pai.

19. O arguido manteve ME fechada no interior do dito monte até às 23h00 e nesse período de tempo, durante mais de dez horas, desferiu-lhe murros e bofetadas em diversas partes do corpo, puxou-lhe os cabelos e manteve relações sexuais com a mesma contra a sua vontade.

20. Como consequência direta e necessária do comportamento descrito do arguido, ME sentiu dores.

21. Nesse período de tempo o arguido disse a ME que queria fazer desta uma “mulher com M grande”, para a mesma se saber comportar e saber estar na vida, para deixar “esses cursinhos” eram coisa “para gente pobre e medíocre”, que só “andava com a ralé”, que se deixasse estar em casa como a mãe, que sempre foi doméstica e que deixasse de falar com as amigas, porque “não têm trabalho, não têm vida, são pessoas fúteis” e têm conversas de “gente desocupada”.

22. Em data não concretamente apurada, mas no decurso da relação amorosa acima descrita, o arguido obrigou ME a fazer uma tatuagem com a cabeça de um cavalo no peito para encobrir uma outra que já tinha, com uma cobra, porque “não queria nada do seu passado” e “queria apagar tudo do seu passado”.

23. Em data não concretamente apurada, mas no decurso da relação de namoro, o arguido obrigou ME a efetuar uma tatuagem com o nome do arguido na zona abaixo do umbigo.

24. Em data não concretamente apurada, mas no mês de outubro de 2014, o arguido apertou o maxilar inferior de ME, animado de força, fazendo com que a placa dentária daquela saltasse e caísse no chão, partindo.

25. No dia 19 de agosto de 2014, quando ME recebia soro no Centro de Saúde de Reguengos de Monsaraz, o arguido obrigou-a a sair do Centro de Saúde e a abandonar o tratamento médico que lhe era administrado.

26. Em data não concretamente apurada, mas em dia do mês de agosto de 2014, quando ME se encontrava no estabelecimento noturno “Bail’aki”, sito em Vila Viçosa, o arguido telefonou-lhe e manteve-se ao telefone com a mesma durante todo o trajeto que percorria entre o Algarve e aquele estabelecimento de diversão noturna.

27. Ali chegado, o arguido obrigou ME a regressar a casa, conduzindo-a no seu veículo automóvel.

28. Em data não concretamente apurada, mas entre maio e setembro de 2014, o arguido conduziu ME até ao acima referido Monte e, após aquele ter simulado que se matava com a ingestão de herbicida, impediu-a de telefonar a pedir auxílio, atirou-a ao chão, agarrou-a, animado de força, nas pernas e nos braços, desferiu-lhe murros, pontapés e puxões de cabelo, enquanto lhe dizia “se ligas aos teus pais ou atendes o telemóvel eu mato-te. Eu passo-te com o carro por cima, deixo-te numa cadeira de rodas, deixo-te entravada para o resto da vida”.

29. Como consequência direta e necessária do comportamento do arguido, ME sentiu dores.

30.No decurso do relacionamento amoroso mantido com ME, o arguido proibiu-a de vestir determinadas peças de roupa que lhe acentuava determinadas partes do corpo, bem como brincos, anéis e pulseiras, dizendo-lhe que era coisas de “pessoas vulgares, tipo putas”.

31. Após a denúncia que principiou os presentes autos, o arguido obrigou ME a se deslocar à GNR e dizer que não pretendia queixa contra si.

32. Em data não concretamente apurada, mas em setembro de 2015, após ME publicar fotografias com um amigo, em Setúbal, na rede social Facebook, o arguido contactou-a telefonicamente, perguntou-lhe com quem estava, disse-lhe para vir imediatamente para Reguengos de Monsaraz e apelidou-a de “puta” e de “vaca”.

33. Através das agressões, maus-tratos psíquicos, privação da liberdade e violência e ofensas sexuais perpetrados pelo arguido, da forma descrita, contra a pessoa de ME, quis o arguido molestá-la psicológica e fisicamente, atemorizá-la, ofendê-la na sua honra e consideração, limitar a sua liberdade de actuação e de movimentação, bem como molestá-la sua integridade sexual e moral, obrigando-a, através da força física, a suportar atos que feriram a sua sensibilidade pessoal e a sua liberdade sexual, o que representou e logrou.

34. Agiu o arguido livre e deliberadamente, sempre com a consciência que lhe incumbia especial dever de respeito pela integridade física, moral e sexual, pela liberdade e pela dignidade de ME, por força ter manter com a mesma relação de namoro.

35. Mais sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

36. O arguido foi condenado:

a. No processo n.º ---/10.5GBRMZ, do então Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz, pela prática, em 2 de março de 2007, de um crime de violência doméstica, por sentença de 16 de setembro de 2011, transitada em julgado em 17 de outubro de 2011, na pena de dois anos e quatro meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período e subordinada à condição de o arguido pagar à demandante, no prazo de um ano, o pedido indemnização cível, no valor de € 700,00, declarada extinta por decisão de 16 de fevereiro de 2014;

b. No processo n.º ---/14.0GBRMZ, da Secção de Competência Genérica da Instância Local de Reguengos de Monsaraz do Tribunal da Comarca de Évora, pela prática, em 2014, de um crime de violência doméstica, por sentença de 17 de julho de 2015, transitada em julgado em 17 de agosto de 2015, na pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período e subordinada à condição de o arguido frequentar programa para agressores de violência doméstica;

37. Quanto às condições pessoais e económicas do arguido, provou-se que este:

a. É comercial, auferindo uma remuneração de € 600,00 mensais, a que acresce o valor das comissões, contando com um valor mensal de cerca de € 800,00;

b. Vive com uma companheira, que se encontra empregada;

c. Vivem em casa própria, para cuja aquisição contraíram crédito junto de instituição bancária, pagando o valor mensal de cerca de € 600,00;

d. Tem duas filhas menores de idade (com 7 e 6 anos), de um relacionamento anterior, às quais paga uma pensão alimentar no valor mensal de €200,00 (€ 100,00 por cada menor);

e. Tem o 12.º ano.”

A motivação da matéria de facto foi a que segue:
“A convicção do Tribunal, quanto à factualidade considerada provada, radicou na análise ponderada da prova produzida em julgamento, nomeadamente na apreciação crítica das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas, bem como da prova documental e pericial.

Em especial, e como é habitual em crimes desta natureza, consubstanciados por factos essencialmente presenciados apenas pelas duas pessoas que integram a relação, o Tribunal atentou nas declarações do arguido e no depoimento, em sede de declarações para memória futura, da ofendida ME, tendo valorado este último depoimento como credível. Com efeito, o depoimento de ME foi impressivo, tendo esta relatado, com pormenor, a relação que manteve com o arguido e os factos descritos na acusação e que experienciou. O detalhe, a naturalidade e a espontaneidade do depoimento fizeram ao Tribunal crer que a testemunha/ofendida depunha com verdade, sem procurar exacerbar os factos, apenas se limitando a narrar o que lhe havia acontecido, muitas vezes até com alguma desculpabilização da conduta do arguido – o que fez, nomeadamente, diminuindo-se a si própria.

O depoimento da testemunha foi corroborado por demais prova produzida. Em especial, quanto aos contactos telefónicos mantidos entre o arguido e a ofendida, o Tribunal atentou nos detalhes de tráfego constantes do CD aposto na contracapa do vol. II destes autos (no que respeita, nomeadamente, às horas de parte dos contactos telefónicos – n.º 10) e do CD junto a fls. 291, bem como no depoimento isento, espontâneo e credível das testemunhas AT, AM, SP, MM, ZL e AC, que frequentaram cursos de formação com a ofendida e que, sem hesitação e perentoriamente, referiram que a ofendida estava permanentemente ao telemóvel, fosse a enviar e a receber mensagens escritas, fosse a efetuar/receber chamadas (n.os 3, 4 e 5). O Tribunal considerou igualmente credível o depoimento da testemunha MC, pai da ofendida, relativamente à permanência de contactos telefónicos, incluindo para o telefone fixo da sua residência (onde a ofendida habitava), a qualquer hora do dia ou da noite.

Os depoimentos das referidas testemunhas, colegas da ofendida no curso de formação, e que foram considerados credíveis e isentos, tanto mais que se tratou de relatos unânimes, reciprocamente corroborados, de pessoas sem qualquer relação especial ou de amizade com a ofendida (e com quem esta, aliás, não manteve contacto), contribuíram também para a formação da convicção quanto ao acima vertido no n.º 30, tanto mais que todas referiram – unanimemente – que a ofendida, pessoa que descreveram como alguém que se arranjava e que se apresentava com roupas modernas, muitas vezes trocava de roupa à hora de almoço, apresentando-se, para o período de formação da tarde, com roupas mais largas e de estilo mais antiquado.

No que se refere às deslocações a Vila Viçosa (n.os 13, 26 e 27), o Tribunal valorou também os depoimentos naturais e espontâneos das testemunhas MR e NR.

O depoimento da ofendida, corroborado nos termos expostos, foi analisado tendo em conta, também, o relatório pericial realizado, e que se encontra junto de fls. 457 a 463-verso. Com efeito, aquando da tomada de declarações para memória futura à ofendida, foi percetível alguma dificuldade de verbalização e de encadeamento cronológico dos acontecimentos, sem que, todavia, tal tivesse afetado a credibilidade do depoimento. Resulta da referida perícia que a ofendida revela, efetivamente “atitude colaborante, embora pueril e pouco assertiva. Discurso espontâneo, fluente (…) insight e julgamento diminuídos, sem compreensão das suas motivações pessoais e da sua própria participação nos problemas, com baixa capacidade de refletir sobre a experiência interna (…)”, apresentando “uma visão ingénua do mundo”, com traços de afetividade negativa, como ansiedade, insegurança de separação e submissão.

No entanto, e como salienta a referida perícia, estas características detetadas não prejudicam a coerência e a plausibilidade lógica das suas declarações, sendo que “o seu relato contém características qualitativas genéricas (…) que permitem considerar o seu relato lógico, plausível, admissível, realista, sem contradições e com detalhes fornecidos de forma espontânea (…)”, apresentando “contextualização verosímil e compreensível, referência aos estados psicológicos próprios e do alegado agressor e até mesmo desculpabilização (…)”, não tendo sido observados “(…) sinais ou características qualitativas que sugerissem um relato induzido ou imaginado (…)”.

Importa também esclarecer que foram analisados os sms juntos pelo arguido, remetidos pela ofendida. Tais sms não tiveram, porém, a virtualidade de descredibilizar o depoimento prestado pela ofendida, tanto mais que esta referiu ter sido o arguido a terminar o relacionamento e que manteve contacto com o arguido, telefonando-lhe e enviando sms, aliás por sugestão do arguido (“deixou-me sempre uma fisga da porta aberta (…) para eu provar (…) que eu gostava dele, tipo correr atrás dele, ir ao trabalho dele, ir à casa dele ver dele, telefonar muitas vezes, estar sempre a mandar mensagens (…) ele disse-me para eu provar que eu gostava dele (…)” fls. 311 e 312).

Assim, concatenando estas declarações da ofendida quanto ao final da relação, com o teor do relatório pericial, já referido, quanto aos traços de personalidade de dependência emocional (“(…) excessiva dependência dos outros, autoestima vulnerável e preocupação exagerada em ser aprovada pelos outros (…)”), conclui-se que o envio de sms pela ofendida ao arguido, com o teor trazido por este aos autos, não abala a credibilidade das declarações prestadas pela ofendida, antes sendo perfeitamente enquadrado na versão dos factos apresentada pela ofendida.

Por fim, cumpre referir que o Tribunal atentou nas declarações prestadas pelo arguido, tendo este referido, por diversas vezes, que o descrito na acusação não correspondia à realidade, sem que tais declarações, no entanto, tenham merecido credibilidade.

O vertido nos n.os 33 a 35, sendo de índole subjetiva, resultou das regras da experiência comum, à luz das quais, ao adotar as condutas acima descritas, a intenção do arguido não poderia ser outra senão a que ali se descreve.

Os antecedentes criminais do arguido (n.º 36) resultaram demonstrados considerando o teor do certificado de registo criminal junto de fls. 613 a 616. As condições socioeconómicas do arguido (n.º 37) resultaram demonstradas tendo em conta as declarações por este prestadas e que se mostraram, nesta parte, merecedoras de credibilidade.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar respeitam à impugnação da matéria de facto.

O recorrente não invocou erro de direito, pretendendo discutir apenas a factualidade dada como provada na sentença. Considera não terem resultado demonstrados os factos provados.

Agindo ao abrigo do disposto no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP, mas invocando simultaneamente o erro notório na apreciação das provas (art. 410º, nº 2 al. c) do CPP), impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto especificando como pontos de facto os descritos em 3. a 35. de factos provados da sentença e como concretas provas os excertos das declarações do arguido e de depoimentos de testemunhas e alguns documentos juntos ao processo, asseverando que as provas imporiam decisão diversa à tomada na sentença.

Mostram-se, assim, cumpridos os ónus legais de impugnação da matéria de facto por via do recurso amplo, o que não significa que o recurso seja de atender.

Na verdade, procedendo-se à sindicância da “sentença de facto” (consistente nos factos provados e no exame crítico das provas) no confronto com as razões de discordância apresentadas pelo recorrente, sustentadas nas concretas provas que suportaram a sua argumentação, adianta-se ser de concluir que não se vislumbra fundamento para que o tribunal a quo devesse ter permanecido na dúvida relativamente aos factos que considerou como provados. Ou seja, lidas as razões do recorrente, a sentença de facto permanece compreensível e mantém-se suficientemente justificada, pelo que não é visível um erro de julgamento. E se tal erro não se vislumbra por via do recurso amplo (exame da decisão da matéria de facto da sentença através do exame das provas), prejudicado fica o conhecimento por via da arguição de erro notório na apreciação da prova, que seria o erro detectável por simples análise do texto da sentença.

Lembra-se que o recurso da matéria de facto visa a reparação de erros de facto e, como se tem afirmado sem dissensão na jurisprudência e na doutrina, não é um segundo julgamento. Não interessa (porque não releva) vir requerer uma reapreciação de provas em segunda instância se essa reapreciação, do modo como é requerida, exorbita os efectivos poderes de cognição da Relação em matéria de facto.

O recorrente pretende, no fundo, reiterar a posição que defendeu em julgamento (e antes disso em instrução) e que não obteve vencimento, pretendendo agora consegui-lo aqui.

Mas a Relação não pode proceder a uma reapreciação das provas na mesma medida em que o fez o juiz de julgamento - o que sucede desde logo porque a segunda instância não se encontra na mesma posição perante as provas, faltando-lhe a imediação com a prova oral e a possibilidade de interagir com a prova pessoal - havendo que aceitar a ocorrência de uma impressão causada no julgador pelo prestador da prova oral, que só a imediação em primeira instância possibilita ao nível mais elevado.

Tem de aceitar-se, pois, que, no modelo de recurso plasmado no Código de Processo Penal, e em interpretação conforme à Constituição, existirá sempre uma margem de insindicabilidade da decisão do juiz de primeira instância sobre a matéria de facto.

Regressando à concreta matéria objecto de apreciação, o recorrente defende que o tribunal deveria ter acreditado na versão dos factos que apresentou em julgamento, em detrimento de ter acreditado na versão da ofendida. Sempre na sua alegação, em audiência negou os factos integrantes de crime, as declarações da ofendida suportaram sozinhas a acusação e encontram-se desacompanhadas de prova corroborante, ficou demonstrada uma perturbação do foro psíquico de que esta padece. Também de prova documental (v. g., os sms trocados entre telemóveis) resultaria a descredibilização da versão que a mesma apresentou em tribunal. Por último, refere a omissão de diligência de prova essencial á demonstração de factos provados nos pontos 16. a 21. (a inexistência de uma “perícia ao local” “para aferir se no monte referido” tais factos “eram possíveis de acontecer por doze horas sem que ninguém se apercebesse”) e acrescenta que as declarações para memória futura, numa fase mais inicial do processo, prejudicaram a sua defesa.

Esta argumentação mais final suscita logo a observação seguinte: da leitura da contestação e das actas de sessões de audiência de julgamento constata-se que nada foi requerido pelo arguido (e podendo tê-lo sido) no sentido de prevenir ou colmatar eventuais prejuízos ou limitações no exercício dos direitos de defesa. Com efeito, não foi requerida a audição da ofendida (o que seria admissível - art. 271º, nº 8 do CPP) e não foi requerida a inspecção ao local ou a audição de alguém que depusesse sobre as características desse local.

Assim, mostrando-se concretamente cumpridas as legais formalidades na audição da testemunha em causa (ofendida) e tendo sido devidamente assegurado o exercício do contraditório aquando da tomada de declarações para memória futura, tudo nos termos do art. 271º do CPP, e não transparecendo ainda da sentença qualquer motivo que justificasse que o tribunal devesse ter diligenciado oficiosamente no sentido agora pretendido pelo recorrente, falece a argumentação desenvolvida.

Procedendo-se à sindicância da sentença de facto (constituída pelos factos provados e pela sua justificação), no confronto das demais razões do recurso suportadas nas concretas provas especificadas, constata-se que, em julgamento, foram efectivamente apresentadas duas versões dos factos, opostas nos pontos de facto referidos. O arguido negou todos os factos provados relativos à sua culpabilidade; a ofendida relatou-os, confirmando-os integralmente. Fê-lo de modo que não mereceu reserva por parte da senhora juíza de julgamento, por razões que se encontram no exame crítico das provas.

Da sentença resulta efectivamente que, constatando a existência de uma oposição de versões, o tribunal socorreu-se de provas corroborantes das versões apresentadas, justificando depois na sentença porque razão a versão da ofendida foi a que convenceu, e a do arguido a que desmereceu credibilidade.

Em abstracto, as declarações de arguido não são menos credíveis do que as da vítima. Sendo essencialmente um meio de defesa, não deixam de ser também um meio de prova. Foi esta a opção do legislador, na disciplina do art. 344º do CPP, por via do qual atribuiu à confissão efeitos de prova plena. E aceitando-se que o arguido tem um especial interesse no desenrolar do processo, há que reconhecer que tal interesse também se verifica do lado da vítima. Seria, pois, juridicamente errado justificar um eventual menor peso probatório das declarações de arguido (versus declarações do ofendido) com a ausência de juramento ou com um interesse pessoal no desfecho do processo. Do princípio do in dúbio pro reo decorre que ao arguido basta fragilizar a prova da acusação, já que acusação e defesa não se encontram, no enfoque probatório, em situação de igualdade, pois inexiste uma repartição de ónus de prova em processo penal.

No presente caso, não é visível que o tribunal se tenha afastado do cumprimento das regras e princípios de prova, particularmente dos relativos à apreciação, e que tenha dado uma injustificada credibilidade à versão da ofendida. Ou seja, que tenha decidido de facto infundadamente.

Na decisão da matéria de facto, quando se depara com provas de sinal contrário e abstractamente de igual peso probatório, o julgador deve procurar outros elementos probatórios, eventualmente corroborantes das provas dos factos controvertidos e, na ausência destes (de meios corroborantes, directos, indirectos ou circunstanciais), terá de justificar de um modo especial a maior verosimilhança da versão da acusação, se for o caso. Fazendo-o, por exemplo, suportado na maior racionalidade da versão apresentada pela vítima (de acordo com regras de lógica e de experiência comum), na superior credibilidade devidamente objectivada merecida por esta, tudo sob pena de dever fazer operar o princípio do in dubio pro reo.

No caso presente, o depoimento da ofendida revestiu particular importância na demonstração de todos os pontos de facto impugnados. Da prova especificada em recurso, dos excertos selecionados pelo recorrente, resulta também que grande parte do declarado não se encontra realmente corroborado por outros depoimentos. As testemunhas “não viram” ou “não sabem” de grande parte dos factos provados. No fundo, revelaram desconhecer os aspectos mais íntimos de um relacionamento íntimo, como sucede comummente em casos semelhantes ao presente.

Assim, dos excertos de prova especificada no recurso não resulta a confirmação do depoimento da ofendida. Mas as testemunhas em causa também não depuseram contra ele, ou seja, no sentido dos factos não poderem ter acontecido.

Acresce que o depoimento da ofendida não se encontra totalmente desacompanhado de prova corroborante. Independentemente das percepções que a senhora juíza possa ter colhido através da imediação (e note-se que a “memória futura” foi prestada perante a mesma juíza que efectuou o julgamento e a sentença), e aceitando-se que estas percepções de índole mais subjectiva comportem em si uma margem de falibilidade (já que os juízes não são adivinhos dotados de poderes especiais que lhe permitam distinguir a verdade da mentira), o certo é que na sentença encontra-se a explicação devidamente objectivada para esta crença na ofendida, em detrimento da (des)crença no arguido.

A livre apreciação da prova significa ausência de critérios legais pré-fixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, p. 202-3). Não poderá tratar-se de uma convicção puramente subjectiva ou emocional, curando-se sempre de uma convicção pessoal mas necessariamente objectivável e motivável. E essa objectivação encontra-se na motivação da matéria de facto, formada e exteriorizada de um modo que se mantém aceitável, mau grado a argumentação do recorrente.

Dispensamo-nos de repetir o percurso de análise de provas que se mostra claro e coerente, sem saltos ou incongruências, e que não sai abalado por se ter afirmado, agora em recurso e contra o que se evidencia na sentença, que a prova se teria baseado injustificada e exclusivamente nas declarações da ofendida, pessoa que padeceria até de uma doença mental.

A ofendida foi sujeita a avaliação psicológica (cf. fls. 457 a 463), tendo-se procedido a avaliação clínica, psicométrica e da dinâmica da personalidade, a exame do estado mental, entre outros. Os resultados da avaliação mostram-se depois percepcionados e avaliados devidamente pelo tribunal, na sentença. A resposta aos quesitos formulados, sobre a capacidade para prestar depoimento coerente e credível, mereceu do perito resposta afirmativa.

Como se diz no exame crítico das provas, resulta da referida perícia que a ofendida revela, efetivamente “atitude colaborante, embora pueril e pouco assertiva. Discurso espontâneo, fluente (…) insight e julgamento diminuídos, sem compreensão das suas motivações pessoais e da sua própria participação nos problemas, com baixa capacidade de refletir sobre a experiência interna (…)”, apresentando “uma visão ingénua do mundo”, com traços de afetividade negativa, como ansiedade, insegurança de separação e submissão.

No entanto, e como salienta a referida perícia, estas características detetadas não prejudicam a coerência e a plausibilidade lógica das suas declarações, sendo que “o seu relato contém características qualitativas genéricas (…) que permitem considerar o seu relato lógico, plausível, admissível, realista, sem contradições e com detalhes fornecidos de forma espontânea (…)”, apresentando “contextualização verosímil e compreensível, referência aos estados psicológicos próprios e do alegado agressor e até mesmo desculpabilização (…)”, não tendo sido observados “(…) sinais ou características qualitativas que sugerissem um relato induzido ou imaginado (…)”.

Mas o depoimento da ofendida encontra corroborações pontuais também noutros depoimentos, como sucede por exemplo com a constatação, por testemunhas, de que a ofendida mudava de roupa a meio do dia, circunstância compatível com a demonstração do enunciado descrito no ponto 30. dos factos provados.

Também a prova (documental) consistente nos sms, referida em recurso, mostra-se analisada na sentença de modo suficientemente compreensível e aceitável: “Importa também esclarecer que foram analisados os sms juntos pelo arguido, remetidos pela ofendida. Tais sms não tiveram, porém, a virtualidade de descredibilizar o depoimento prestado pela ofendida, tanto mais que esta referiu ter sido o arguido a terminar o relacionamento e que manteve contacto com o arguido, telefonando-lhe e enviando sms, aliás por sugestão do arguido (“deixou-me sempre uma fisga da porta aberta (…) para eu provar (…) que eu gostava dele, tipo correr atrás dele, ir ao trabalho dele, ir à casa dele ver dele, telefonar muitas vezes, estar sempre a mandar mensagens (…) ele disse-me para eu provar que eu gostava dele (…)”. Assim, concatenando estas declarações da ofendida quanto ao final da relação, com o teor do relatório pericial, já referido, quanto aos traços de personalidade de dependência emocional (“(…) excessiva dependência dos outros, autoestima vulnerável e preocupação exagerada em ser aprovada pelos outros (…)”), conclui-se que o envio de sms pela ofendida ao arguido, com o teor trazido por este aos autos, não abala a credibilidade das declarações prestadas pela ofendida, antes sendo perfeitamente enquadrado na versão dos factos apresentada pela ofendida.”

A argumentação do recorrente não coloca o tribunal de recurso na posição de ter de repetir toda a justificação dos factos efectuada em primeira instância, já integralmente transcrita supra. As declarações da ofendida foram efectivamente confirmativas dos factos provados. Mostraram-se verosímeis e mereceram a credibilidade que lhes foi dada pelas razões que a sentença explica em detalhe. E fá-lo resolvendo também as dificuldades colocadas pela apreciação de provas de sinal contrário.

O exame crítico da prova materializa assim as preocupações que se enunciaram como devendo estar presentes, revela um concreto cuidado com as declarações do arguido e o depoimento da ofendida, e oferece resposta lógica e plausível às objecções do recurso.

A estas respondeu também, pertinentemente, o Ministério Público, como se vê daqui:

“O arguido, ora recorrente, afirma em primeiro lugar que a sentença recorrida se baseia na íntegra no depoimento da ofendida, que o tribunal a quo valorou e considerou como sério e credível, não obstante o “transtorno obsessivo-compulsivo de grau severo que a ofendida padece” e sem considerar a remessa pela ofendida ao arguido de mensagens escritas e multimédia, após o termo da relação.

(…) Na verdade, por ser conhecido e evidente o estado psico-emocional da ofendida – o qual, aliás, resulta patente na leitura dos autos e na descrição feita pela própria dos factos de que foi vítima –, foi determinada perícia psicológica, na qual se questionou a sua capacidade para depor de modo sério e credível, sem fabulações. Desta perícia resultou, precisamente, a coerência e a plausibilidade lógica do relatado pela ofendida, como, de resto, foi tido em consideração na douta sentença recorrida, transcrevendo o relatório pericial nas seguintes passagens: «“o seu relato contém características qualitativas genéricas (…) que permitem considerar o seu relato lógico, plausível, admissível, realista, sem contradições e com detalhes fornecidos de forma espontânea (…)”, apresentando “contextualização verosímil e compreensível, referência aos estados psicológicos próprios e do alegado agressor e até mesmo desculpabilização (…)”, não tendo sido observados “(…) sinais ou características qualitativas que sugerissem um relato induzido ou imaginado (…)”».

No que respeita ao comportamento da ofendida, em particular a remessa de mensagens escritas após o término da relação amorosa, tal demonstra, de modo claro e evidente, a relação de obsessão mantida entre ambos e fomentada, aliás, pelo próprio arguido no decurso da mesma, sujeitando a vítima a uma notória submissão e aproveitando-se da dependência emocional criada na pessoa da ofendida, que parece ter perdurado por algum período finda a relação amorosa. Porém, em nada tal comportamento poderia abalar a convicção do tribunal quanto à ocorrência dos factos julgados provados, uma vez que tais circunstâncias não são com os mesmos incompatíveis; pelo contrário, apresentam-se na mesma dinâmica factual, de modo coerente e combinável. Deste modo, bem decidiu o tribunal a quo ao concluir pela inexistência de qualquer incompatibilidade com os factos descritos na acusação e considerados provados, pois «Tais sms não tiveram (…) a virtualidade de descredibilizar o depoimento prestado pela ofendida, tanto mais que esta referiu ter sido o arguido a terminar o relacionamento e que manteve contacto com o arguido, telefonando-lhe e enviando sms, aliás por sugestão do arguido (“deixou-me sempre uma fisga da porta aberta (…) para eu provar (…) que eu gostava dele, tipo correr atrás dele, ir ao trabalho dele, ir à casa dele ver dele, telefonar muitas vezes, estar sempre a mandar mensagens (…) ele disse-me para eu provar que eu gostava dele (…)” fls. 311 e 312).» (itálico no original).

Por último, não se olvide que a tendência demonstrada pela ofendida para gerar dependências emocionais, latente neste tipo de comportamento e descrição factual, não retira à ofendida a dignidade pessoal e humana que lhe é devida e reconhecida, nem a susceptibilidade de a mesma dignidade ser merecedora de tutela penal, mas antes reforça a necessidade e a justiça dessa mesma tutela.

O recorrente alega, também, e por outro lado, que as declarações do arguido são contrárias ao depoimento da ofendida, centrando-se, sobretudo, naquelas declarações para colocar em crise a decisão sobre a matéria de facto. Ora, natural é que a versão apresentada pelo arguido fosse contrária àquela que foi testemunhada pela ofendida – caso contrário teria tido lugar confissão dos factos e, provavelmente, inexistia o presente recurso. As declarações do arguido, apresentadas, naturalmente, em sua defesa e em completa negação dos factos não foram consideradas credíveis pelo tribunal a quo. De resto, conforme o Ministério Público afirmou em sede de alegações orais, as declarações do arguido apresentaram-se demasiado controladas, com respostas absolutamente racionais e pensadas, sem o mínimo de contágio emocional, não obstante a gravidade dos factos, cuja prática o arguido foi negando.

Acresce que, ao contrário do que é referido nas motivações de recurso, a douta sentença recorrida em momento algum valora depoimento indirecto de qualquer uma das testemunhas ouvidas – o que faz é atribuir credibilidade às declarações da ofendida, prestadas para memória futura (e, note-se, perante a Mma. Juíza de Direito que veio a presidir à audiência de discussão e julgamento), conjugadas com os depoimentos das demais testemunhas, na parte em que as mesmas as corroboram (e nunca as contrariando, sublinhe-se).

No que diz respeito à concreta impugnação da prova dos factos inseridos nos pontos 8 a 10, não assiste razão ao recorrente quando alega que tais factos nunca poderiam acontecer da forma descrita na sentença condenatória por o arguido não ser “visita de casa” dos pais da ofendida. Ora, o próprio pai – que não se conhece como “antigo escrivão do tribunal”, como referido nas conclusões da motivação de recurso, mas pensa-se antigo funcionário da Conservatória instalada no mesmo edifício – mencionou que o arguido ia buscar a ofendida a sua casa, sem que ali entrasse, e ia ali levá-la. Ademais, da douta sentença recorrida não decorre que o arguido tenha sequer batido à porta de casa da ofendida, mas que ali surgiu e que dali levou a ofendida, tendo as ofensas aí descritas ocorrido no exterior ou em espaço diverso daquela habitação.

Quanto aos factos julgados provados e descritos nos pontos 13 a 15 da matéria de facto da sentença recorrida, natural é que as testemunhas que haviam acompanhado a ofendida até Vila Viçosa não os tivessem presenciado, na medida em que todas referiram que a deixaram sozinha, à espera do arguido, não tendo sequer assistido à chegada deste ao local. Nem o facto de tais testemunhas não terem observado qualquer marca de agressão no corpo da ofendida contraria a ocorrência dos factos julgados provados, na medida em que as lesões objectivamente verificadas – as queimaduras de cigarro – marcaram um dos ombros da ofendida, que é zona do corpo facilmente ocultável.

Diga-se, ainda, quanto à ausência de tratamento médico e de prova objectiva de marcas ou lesões no corpo da ofendida como consequência das agressões, descritas naqueles pontos da matéria de facto e nos restantes, que, em primeiro lugar, é comum e natural, em face da inicial negação e ocultação de tais agressões por parte da ofendida, que a mesma não tenha recorrido a qualquer estabelecimento de saúde para receber assistência médica ou outra, nem tenha mostrado alguma marca ou possível lesão a terceiros. Em segundo lugar, as zonas do corpo atingidas e o modo como, as mais das vezes, as agressões eram perpetradas pelo arguido (como sejam, a título exemplificativo, bofetadas, apertos de pescoço e puxões de cabelo) levam a crer como verosímil que essas marcas ou lesões não resultassem evidentes horas depois da agressão.

Relativamente à factualidade inserida nos pontos 16 a 21 dos factos julgados como provados, ao contrário do que alega o recorrente, estranho não se mostra a circunstância de as ofensas aí descritas terem perdurado por doze horas sem que ninguém se tivesse apercebido, uma vez que o monte é (até por definição) local isolado, onde não se apurou que alguém habitasse ou trabalhasse em permanência, e, pertencendo à família do arguido, facilmente o mesmo escolheria ocasião em que soubesse não ser surpreendido por outrem.

Quanto aos factos 22 a 24, a circunstância de a ofendida não ter relatado, inicialmente, a terceiros a verdadeira motivação da realização das ditas tatuagens nem o real modo como a sua placa dentária se partiu (bem como, de ter, eventualmente, negado) não põe em causa a versão relatada por si directamente ao tribunal, em sede de declarações para memória futura, até porque, nas circunstâncias atrás descritas, normal e natural é que a mesma o escondesse. Como escondeu, de resto, numa fase inicial do inquérito, sinal evidente do constrangimento demonstrado pela ofendida em relatar os factos de que foi vítima, típico da submissão de que era alvo – tal como é, infelizmente, normal em circunstâncias idênticas e factor comum à grande parte das vítimas de violência doméstica, até pela própria natureza dos factos em causa.

No que respeita ao ponto 25, ao contrário do que alega o recorrente, o descrito no documento citado nas conclusões da motivação do recurso não contraria as declarações da ofendida, uma vez que ali se exarando desconhecimento sobre a concreta factualidade que veio a ser descrita pela mesma, nada se demonstra em contrário.

Acresce que o recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto, sobre tudo, com diverso entendimento sobre o que resulta dos depoimentos das referidas testemunhas, em particular, do da ofendida, sem que refira qualquer regra de experiência comum violada pelo tribunal a quo. Deste modo, o que poderá estar em causa na apreciação dos elementos de prova trazidos aos actos é, tão-só, parece-nos a credibilidade atribuída aos depoimentos testemunhais e, com base nela, a convicção formada pelo tribunal. Como tal, não se verifica qualquer erro de apreciação ou de julgamento, pois em causa não está a violação de regras de experiência comum. Pelo que deve ser mantida a decisão da matéria de facto da douta sentença recorrida, atenta a sua motivação e por respeito ao princípio da livre apreciação de prova (artigo 127.º do Código de Processo Penal).”

Em suma, e para concluir, reitera-se que os recursos são remédios jurídicos, que visam detectar e corrigir erros de julgamento. Constatando-se que não são vislumbráveis desconformidades entre a prova produzida e a percepção que dela foi feita, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, que o tribunal justificou suficientemente as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de um modo sempre racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão da matéria de facto.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença.

Custas pelo recorrente que se fixam em 4UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/5 e Tab. III RCP).

Évora, 07.03.2017

Ana Maria Barata de Brito

Maria Leonor Vasconcelos Esteves