Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
308/16.3T8SLV.E2
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: REGISTO PREDIAL
TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE
PRESUNÇÃO REGISTRAL
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- A presunção de titularidade constante do artº 7º do Código do Registo Predial diz respeito apenas e só à inscrição predial, que é o único ato registal em causa, v.g. numa compra e venda.
II.- Os elementos da descrição registal – v.g. confrontações e áreas – não fazem parte do que se regista, sendo apenas o seu suporte, e, por isso, não se encontram abrangidos e beneficiados pela presunção de titularidade constante do citado artigo.
III.- O que implica não estar a alteração dos elementos descritivos do prédio submetida aos mesmos requisitos de exigência do ato registal.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 308/16.3T8SLV.E2

Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…) – Comércio e Indústrias de Cortiça, S.A.

Recorrido: (…) e Filhos, Lda.
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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo de Competência Genérica de Silves - Juiz, (…) – Comércio e Indústrias de Cortiça, S.A. propôs ação declarativa, sob a forma comum, contra (…) e Filhos, Lda., pedindo que se declare que a Ré só é proprietária do prédio, tal qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves, quer quanto à área e composição, ou seja, urbano, Estrada do (…) ou Estrada do (…), Armazém, 350 m2, dependências 200 m2, quintalão 2000, norte e nascente (…), sul estrada do (…) e poente estrada do (…), inscrito na matriz sob o artigo …/310186 e não adquiriu mais do que foi objeto da penhora e constava da proposta que a Ré fez aquando da venda judicial e que se declare a inexistência do direito da Ré em relação à demais área.
Alegou, em síntese, que foi declarada insolvente por sentença proferida em 12 de Maio de 2005, fazendo parte dos seus bens um prédio urbano, sito na estrada do (…) ou estrada do (…), armazém 350m2, duas dependências 200m2, quintalão 2000, confrontando a norte e nascente (…), sul estrada do (…) e poente estrada do (…) – inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do registo Predial de Silves sob o artigo …/310186, tendo tal prédio sido objeto de várias penhoras, nomeadamente da Fazenda Nacional.
Refere que correu termos na Repartição de Finanças de Silves processo de execução fiscal sob o n.º 1120-91/001907, tendo o referido prédio sido penhorado à ordem deste processo e vendido à Ré em 19 de Janeiro de 2005, sendo que a Ré apenas tem direito à área que foi objeto da penhora, não tendo direito à restante área.
A Ré invocou a exceção de caso julgado e a falta de interesse em agir e impugnou parte da factualidade articulada na petição inicial, pedindo a improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a exceção de caso julgado e de falta de interesse em agir.
Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora revogou-se tal decisão julgando-se improcedentes as exceções invocadas.
Foi proferido despacho onde se afirmou a validade e regularidade da instância, se identificou o objeto do litígio e enunciaram os temas da prova, nos termos dos artigos 595.º e 596.º do Código de Processo Civil.
Após julgamento foi proferida a seguinte decisão:
Nestes termos, e por tudo quanto se expôs, decide-se julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e em consequência decide-se: declarar que a Ré é proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o artigo …/310186 e inscrito na matriz sob o artigo (…), absolvendo-se a Ré quanto ao demais.
Custas pela Autora, sem prejuízo de alguma isenção que beneficie – artigo 527.º do Código de Processo Civil.

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Não se conformando com o decidido, a A. recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC:

I. A conclusão de que o prédio não foi negociado com base na área e no preço não encontra fundamento na matéria de facto dada como provada.

II. Com efeito as testemunhas (…) e (…) dizem que o prédio se encontrava todo murado, mas como resulta do seu depoimento o que se encontrava todo murado era toda a fábrica de cortiça.

III. Dentro do que se encontrava murado estava o prédio que foi vendido.

IV. A penhora não incidia sobre a fábrica, não foi o estabelecimento comercial no seu todo que foi penhorado e vendido, o que foi anunciado para a venda e o que consta do auto de penhora e do título de transmissão, um prédio urbano, sito na Estrada do (…) ou Estrada do (…), composto por armazém, duas dependências, quintalão, a confrontar a norte e nascente com (…), sul estrada do (…) e poente com estrada do (…), inscrito na matriz sob o artigo 508 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o artigo … / 310186.

V. O auto de penhora define e descreve o prédio que foi penhorado, sendo que a sua configuração, nomeadamente quanto à área, estava harmonizada entre a matriz e a conservatória.

VI. O titulo de transmissão é um documento autêntico, passado por entidade pública cujo conteúdo não admite prova testemunhal, e cuja validade só pode ser posta em causa alegando a sua falsidade.

VII. O título de transmissão serviu e serve de base ao registo do prédio e define os limites do direito que é transmitido ao adquirente e é uma formalidade “ad substancia” que se exige para a transmissão de direito reais sobre imóveis.

VIII. Não pode ser transmitido à Ré nem a mesma adquiriu mais direito do que se encontrava e consta do título de transmissão.

IX. Ou seja, a R. não tem título de aquisição que sirva de base à aquisição de uma área sensivelmente três vezes superior a que constava do título de transmissão.

X. A A. Não tem que fazer prova da área do prédio a que corresponde a descrição …/310186.

XI. A R. não fez prova de que o título de transmissão era falso e que lhe foi transmitido mais área do que aquela que constava quer do título quer do registo quer da matriz predial.

XII. Salvo o devido respeito, não é de aplicar no caso concreto a presunção derivada do artigo 7.º do registo predial, nem o entendimento de que a presunção não abrange os factos descritivos do prédio (área e limitações ou confrontações).

XIII. Não cremos crer que o Sr. Chefe da repartição das finanças soubesse, que estava a vender mais do que estava a ser anunciado nem se pode aceitar, que sem título, se transmitisse à R. um direito três vezes superior ao constante do título.

XIV. A penhora estava consolidada há mais de 10 anos, mas sobre o prédio que constava do auto de penhora, e que correspondia à matriz e à descrição predial.

XV. Com a reclamação fiscal posterior à venda, não foi só acrescentada área ao prédio, anunciado e vendido, foi ainda acrescentado e modificado todo o prédio, ou seja, ficou a constar a S. C. de 4715 m2, quintalão com S.D. 1230 m2, acessos com a S.D. de 2.295m2, totalizando a área de 8240m2.

XVI. Ora, toda esta modificação foi feita depois de a R. ter adquirido o prédio em venda judicial, o que representa uma apropriação indevida e sem título de área e armazéns que não lhe pertencem nem tem título que a documente ou que justifique a sua aquisição.

XVII. Consequentemente, no caso em apreço, não pode ser invocada a presunção de registo porque essa presunção seria de funcionar em benefício da A. quanto ao prédio objecto da venda, e não em benefício da R. em face da modificação operada posteriormente sem qualquer título.

XVIII. Não há dúvida que é derivada a aquisição do direito de propriedade da R. “e na aquisição derivada a extensão do direito do adquirente depende do conteúdo do facto aquisitivo, mas depende ainda da amplitude do direito do transmitente, não podendo em regra ser maior que a deste direito (Mota Pinto, Teoria Geral do direito civil, Coimbra Editora, pág. 365, 4ª Edição).

XIX. Nos termos do artigo 408.º do C.C., “a constituição e transferência dos direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.

XX. Consequentemente o direito da R. não pode ter um conteúdo contrário ao que consta do título de transmissão.

XXI. Não é também aplicável o disposto nos artigos 76.º e 91.º do C. de Registo Predial para justificar a alteração do direito da A.

XXII. O que se reclama é que a R. não adquiriu mais direito dos que lhe foram transmitidos, e não é a alteração administrativa e sem titulo aquisitivo, que lhe permite ter um direito de conteúdo superior ao que constava da penhora, do anúncio e do título de transmissão todos eles anteriores à alteração que requer e lhe foi facilitada só porque a entidade vendedora foi a Administração tributaria.

XXIII. O título de transmissão é um documento nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 362.º a 387.º do C. Civil.

XXIV. O direito da R ressalta da prova documental sendo o documento “qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (artº 362.º do C.C).

XXV. Nos termos do artº 364.º do C.C. “quando a lei exigir, como forma de declaração negocial, documento autêntico ou autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

XXVI. A declaração de transmissão de propriedade para além do que consta do título de transmissão não pode ser substituída por prova testemunhal ou por outra que não seja de prova superior.

XXVII. Acresce que no caso dos autos o prédio encontrava-se harmonizado de acordo com a matriz e a descrição predial, sendo que a área encontrada para ser corrigida ultrapassava de todo a indicada no artigo 28.º do C.R.P.

XXVIII. A R. não fez prova de ter adquirido mais do que constava da penhora e do título de transmissão.

XXIX. Não sendo assim verifica-se um enriquecimento indevido da R. e um empobrecimento da A., uma vez que lhe era atribuído sem título uma área de valor três vezes superior ao que pagou, tendo em conta a área constante do título.

XXX. E não vendo a sua pretensão satisfeita terá que certamente optar pela anulação da venda dado o objecto vendido não estar de acordo com o anunciado.

XXXI. Na decisão do Processo 329/05.1TBSLV, que correu termos no 2º Juízo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora refere-se: “Dir-se-á por fim, a propósito das conclusões 14, 15, 16 e 18, que da improcedência da acção não decorre que se reconheça ter a R. adquirido, na sequência da venda realizada no processo de execução, mais do que fora efectivamente objecto da penhora, mas apenas que a A. não logrou identificar e demonstrar que lhe pertence o prédio que reivindicou.

XXXII. O pedido da acção deve ser julgado procedente.

XXXIII. Fez-se incorreta aplicação dos artigos 362.º a 387.º do C. Civil e 7.º, 76.º e 91.º do C. R. Predial.


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A R. contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação.

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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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A questão em causa nos autos é a de saber se inexistindo conformidade entre um auto de penhora que descreve a situação registal de um prédio e a real dimensão desse prédio, se a transferência da propriedade operada por contrato de compra e venda, teve por objeto a situação registal ou a real dimensão do prédio.

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Apesar de fazer apelo a declarações de testemunhas, a recorrente não deu cumprimento ao que dispõe o artº 640º/1 a) a c) do CPC, pelo que tal circunstância impossibilita este tribunal de apreciar eventual alteração da matéria de facto, não mais podendo ser sindicada a que foi fixada pelo tribunal a quo e que é a seguinte:

A) Factos Provados.

1. A Sociedade (…) – Comércio e Indústria de Cortiça, SA foi declarada insolvente por sentença proferida no Tribunal de Silves em 12 de Maio de 2005.
2. Dos bens da Sociedade fazia parte um prédio urbano, sito na Estrada do (…) ou Estrada do (…), composto por armazém, duas dependências, quintalão, a confrontar a norte e nascente com (…), sul estrada do (…) e poente com estrada do (…), inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o art.º …/310186.
3. O prédio referido em 2) foi objeto de várias penhoras, nomeadamente da fazenda nacional.
4. Correu termos na Repartição de Finanças de Silves processo de execução fiscal, sob o n.º 1120-91/001907 e apensos, tendo o prédio referido em 2) sido penhorado à ordem deste processo.
5. No processo executivo referido em 4) foi promovida a venda judicial do prédio referido em 2), a qual ocorreu no dia 19 de Janeiro de 2005.
6. A venda do prédio referido em 2) foi anunciada através de edital, constando de tal edital os seguintes dizeres: “verba única, prédio urbano, sito na Estrada do (…) ou Estrada do (…), em Silves, composto por armazém 350 m2, duas dependências 200m2 e um quintalão 2000m2, a confrontar a norte e nascente com (…), sul Estrada do (…) e Poente com Estrada do (…), inscrito na matriz sob o artigo 508, com o valor patrimonial de 188.622,84 (cento e oitenta e oito mil seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e quatro cêntimos), descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o artigo … / 310186, Silves.
7. A Ré na venda judicial apresentou uma proposta no valor de € 655.009,99, tendo na proposta identificado o prédio tal como se encontrava no anúncio para a venda e descreveu-o da mesma forma que em 6).
8. O prédio foi vendido à Ré que pagou o seu preço, e os encargos fiscais, tendo-lhe sido entregue título de transmissão.
9. (…) que o registou a seu favor.
10. Correu termos no Tribunal de Silves processo ordinário intentado pela Autora contra a Ré com o n.º 329/05.1TBSLV, que correu termos no 2.º Juízo.
11. Os pedidos da Autora no processo referido em 10) era que: se declarasse que o prédio identificado nos artigos 24, 25 e 26 da petição inicial, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…), constituído por vários armazéns, com área coberta aproximada de 3415m2 e um quintalão com a área descoberta aproximada de 2276m2 e a área total de 5961m2, com acesso pelo portão da Rua do (…) é propriedade da Autora e que a Autora é dona dos bens móveis, máquinas e rolhas, descritos noas artigos 28.º a 31.º da petição inicial.; se condenasse a Ré a entregar à Autora uma chave do referido portão: e se condenasse a Ré a restituir à Autora todos os bens que se encontravam dentro dos prédios da Autora referidos nos artigos 28 a 31.º da petição inicial ou, no caso de lá não se encontrarem, ser a Ré condenada a pagar-lhe o seu valor, ou seja, € 150, relativos às rolhas e € 50.000 relativos às máquinas, bem como ser a Ré condenada a reparar todo o prejuízo que a Autora sofrer em consequência do facto de estar impedida de utilizar toda a sua documentação comercial e fiscal, a liquidar em execução de sentença; se condene a Ré a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte da Autora do seu prédio, bem como o acesso ao mesmo.
12. No processo referido em 10) deram-se como provados os seguintes factos:
a) A sociedade comercial (…), Limitada, constituída em 16 de Agosto de 1967, por virtude da apresentação (…) alterou o nome da firma para (…), Comércio e Indústria, de Cortiça, SA.
b) Objecto da sociedade era “a indústria transformadora de cortiça ou qualquer outro ramo industrial em que acorde”.
c) A Autora tem as suas instalações em Silves.
d) Em 23 de Novembro de 1907, consignou-se no “Livro de Inscrições Diversas” da Conservatória do Registo Predial de Silves que “fica inscrita a favor do Padre (…) a transmissão do prédio agora descrito sob o n.º (…), a folhas 24 verso do Livro B26, por o haver comprado a (…).
e) Sob o n.º (…) do Livro das Descrições Prediais da Conservatória do Registo Predial de Silves, mencionou-se “um prédio rústico nos subúrbios de Silves, próximo do sítio denominado (…) que se compõe de terra de semear, figueiras e oliveiras e confronta do nascente com o cemitério, e Padre (…), de norte estrada do (…) e (…), do poente com (…) e estrada e do sul com (…) e estrada para o mesmo.
f) Lavrou-se, também, que “do documento apresentado sob o n.º 2 em 22 de Setembro de 1925, consta que o prédio supra foi desanexado o descrito com o número (…) de B.39.
g) Do “Livro das Descrições Prediaes” da Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…), consta a menção a “um prédio rústico que se compõe de terra de semear com duas figueiras, nos subúrbios de Silves, próximo do sítio denominado (…), que confronta do nascente com o barranco do (…) que pertence a (…), do norte com o mesmo barranco e estrada do (…) e do sul com estrada do cemitério.
h) Mais consta que este prédio foi desanexado do n.º (…) de B.26.
i) Lê-se ainda que “da declaração apresentada em 22 de Setembro de 1925 consta que no prédio supra foram constituídos três armazéns que servem de fábrica de cortiça, alpendre com caldeira, poço.
j) Sob o n.º 4 do documento referido em g) escreveu-se que “do documento apresentado sob o n.º 13 em 20 de Dezembro de 1932, consta que o prédio supra confronta do nascente com (…), norte e poente com estrada para o (…).
k) Sob o n.º 5, datado de 24 de Junho de 1939 figura que “a requerimento de (…) se declare que o prédio supra é situado na Estrada do (…), freguesia de Silves, consta de um quintalão com terra de semear, três armazéns que servem de fábrica de cortiça, um alpendre com caldeira e um poço e confronta do norte nascente com (…) e do poente com Estrada do (…).
l) Exarou-se sob o n.º 6 lavrado em 14 de Março de 1944 que “a requerimento de […] se declara que a Estrada do (…), onde o prédio supra é situado, também se denomina estrada do (…).
m) Sob o n.º …/310186 descreve-se o terreno referido em g) como “armazém 350 m2 – duas dependências 200m2 – quintalão 2000m2 – norte e nascente (…), sul Estrada do (…) e poente Estrada do (…).
n) Justaposta à menção Ap. …/260368 no documento referido em … surge a expressão “aquisição a favor de (…), Limitada, Silves por compra à (…), Limitada, Silves.
o) Sob designação “cota G2” refere-se a “aquisição a favor de (…) e Filhas Limitada (…) por compra em processo de execução, procedendo-lhe a menção Ap. … / 20050211.
p) A Ré colocou novas fechaduras no portão que dá acesso ao terreno e dependências referidas em m).
q) Nos armazéns situados no terreno referido em m) encontram-se cinco máquinas de brocar, três de rabanear, uma de prensar e uma de serrar cortiça desmontadas, ferramentas e diversos acessórios para aquelas, pertença da Autora.
r) Antecedendo-lhe a expressão Ap. …/20051021 figura na certidão aludida em m) “Retificação Área 8240 m2”.
s) A seguir à venda a Ré mudou a fechadura do portão de acesso ao prédio.
t) A Ré recusou-se a dar à Autora uma chave desse portão.
u) A Autora está ainda impedida de aceder aos armazéns – cuja cópia da sentença se encontra junta a folhas 298 e ss. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13. A acção referida em 10) foi julgada improcedente, por não terem resultado provados, os factos tendentes a demonstrar a identidade do prédio reivindicado com o prédio possuído, pelo que, não verificando o pressuposto objectivo da identidade do objecto material da acção.
14. A Autora interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora.
15. O Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância, que também foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão proferido em 25 de Maio de 2012.
16. No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora refere-se “Dir-se-á por fim, a propósito das conclusões 14, 15, 16 e 18, que da improcedência da acção não decorre que se reconheça ter a Ré adquirido, na sequência da venda realizada no processo de execução, mais do que fora efectivamente objecto da penhora, mas apenas que a A. não logrou identificar e demonstrar que lhe pertence o prédio que reivindicou.
17. Por despacho, de 14 de Outubro de 2005 do Chefe de Repartição de Finanças competente, exarou-se que:
“● Considerando que o pedido legal, feito em tempo e com legitimidade e, tendo em conta a prova documental apresentada (planta topográfica) que irá servir de base para todos os efeitos legais à declaração que se refere o artigo 13.º, n.º 1, alínea i), do IMI entretanto apresentada, com indicação das áreas reclamadas e confirmadas pela avaliadora aquando da avaliação do IMI;
● Considerando também que o imóvel em causa foi integralmente transmitido à reclamante por venda judicial efectuada neste Serviço de Finanças em 19 de Janeiro do corrente na subsequência da penhora efectuada e consolidada há mais de dez anos, não se podendo por isso, imputar à firma reclamante sequer alguma responsabilidade pela não actualização da matriz até à data da realização e registo daquela penhora, já que o auto de penhora era possível alterar a descrição do prédio, sob pena de a alteração da inscrição discordar com a descrição da Conservatória, o que produziria uma situação insanável passível de anulação da venda do imóvel;
● Considerando finalmente que na presente reclamação são mantidos os mesmos limites originais do prédio que figuram no auto de penhora, na matriz, no registo existente na Conservatória, nos editais de anúncios (fixados e publicados) auto de adjudicação, no consequente registo de aquisição da ora reclamante, numa concordância completa, nos termos do artigo 131.º do referido Código defiro o pedido no sentido de serem corrigidas e consequentemente averbadas as áreas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º (...)da freguesia de Silves, de modo a que fique a constar a S. C. de 4715 m2, quintalão com S.D. 1230 m2, acessos com a S.D. de 2.295m2, totalizando a área de 8240m2. Proceda-se aos competentes averbamentos".
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B) Factos não Provados.

Com interesse para a decisão da causa não resultou provado que:
a) A Ré não podia ignorar que a área que adquiria era a que constava do anúncio e da descrição predial.
b) A Ré aquando a venda referida em 5) adquiriu apenas 2550 m2 do prédio referido em 2).
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Conhecendo.

A essencial questão em causa nos autos é a de saber se:

– Existindo desconformidade entre a descrição de um prédio inscrito no registo predial – realidade tabular – e a realidade substancial desse prédio;

– Operada a transferência da propriedade por efeito de contrato de compra e venda (venda em execução fiscal), qual o objeto deste contrato, a situação tabular ou a substancial?

No caso dos autos, a posição da recorrente é a de que o adquirente só adquiriu o que consta do registo predial e foi anunciado para venda e a posição da recorrida é a de que, através do contrato de compra e venda, adquiriu o prédio na sua real dimensão e não apenas na amputada dimensão que consta do registo.

Está em causa a delimitação do conceito de registo predial na ordem jurídica portuguesa e os efeitos deste regime no caso dos autos.
Para a delimitação do conceito não basta dizer-se que o registo no nosso ordenamento não é, em regra, constitutivo de direitos (não se integram direitos na esfera jurídica das pessoas por mero efeito do registo, a não ser no caso de o titular do direito o ser apenas na aparência) sendo meramente declarativo (o registo funciona como condição de oponibilidade a terceiros dos direitos a ele sujeitos). Neste sentido, O. Ascensão Direitos Reais, 4ª. Ed, 1987, Adenda de atualização, 1989, Cap. IV – Publicidade.
Que se inscrevem factos para se comprovarem direitos e que o artº 7º do CRP consagra uma presunção iuris tantum, de que o direito inscrito integra a esfera jurídica patrimonial do seu titular.
O registo predial tem como função essencial dar publicidade à situação jurídica dos prédios (artº 1º C.R. Predial) e tem em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.
No nosso ordenamento, o registo de um direito de propriedade faz-se por iniciativa do particular e nunca oficiosamente, o que configura o princípio da instância (artº 41º CRP), sob a forma de uma obrigatoriedade indireta, porque constitui um ónus para os interessados, uma vez que, v.g., a transmissão de um imóvel não pode ser titulada sem que o bem esteja definitivamente inscrito a favor da pessoa de quem se adquire o direito - O. Ascensão, ob. cit., pág. 10.
Ao receber o pedido de inscrição do bem, o conservador está sujeito a critérios de legalidade substancial (artº 68º CRP), devendo observar a viabilidade do registo, verificando: a identidade do prédio, a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos atos dispositivos neles contidos.
Toda a organização técnica do registo predial assenta numa descrição do imóvel cuja situação jurídica se pretende tornar pública (artº 79º/1).
Contudo, dado que esta descrição assenta nas declarações e documentação levadas ao conservador pelo particular, pode vir a verificar-se a necessidade de alterar, completar ou retificar a descrição o que é efetuado por averbamento (artº 88º).
Este averbamento pode ser efetuado oficiosamente pelo conservador sempre que a atualização da descrição possa ser comprovada por acesso à base de dados da entidade competente (artº 90º/1 a) do CRP).
Por outro lado, sempre que se realize um ato de registo deve ser feita prova da inscrição na matriz (constante da caderneta predial elaborada pela repartição de finanças onde se localiza o imóvel e que consta da sua base de dados) (artº 31º/1 CRP).
Com interesse para a solução do caso que nos prende devemos ainda acrescentar que, a presunção de titularidade constante do artº 7º diz respeito apenas e só à inscrição predial – neste caso, o ato jurídico compra e venda – que é o único ato registal em causa, porque a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo.
Por isso, os elementos da descrição registal – v.g. confrontações e áreas – não fazem parte do que se regista, não sendo, por isso, abrangidos e beneficiados pela presunção de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial.
O que implica não estar submetido aos mesmos requisitos de exigência a alteração dos elementos descritivos do prédio, como já se explanou acima.
Foi o que aconteceu no caso dos autos.
A repartição de finanças é, ao mesmo tempo, o vendedor e a entidade competente para emitir e atualizar a caderneta predial onde consta a inscrição na matriz do prédio em questão, inscrição que alterou/atualizou, a pedido do interessado, após verificar se estavam reunidos os requisitos para deferir a alteração porque eram “mantidos os mesmos limites originais do prédio que figuram no auto de penhora, na matriz, no registo existente na Conservatória, nos editais de anúncios (fixados e publicados) auto de adjudicação, no consequente registo de aquisição da ora reclamante, numa concordância completa.” (facto provado 17).
De onde se conclui que o imóvel que foi vendido é o que consta da caderneta predial agora atualizada/alterada e não o que constava apenas parcialmente descrito na CRP, no auto de penhora (que reproduzia o registo) e no anúncio da venda que reproduzia ambos.
Esta asserção está espelhada, como não podia deixar de ser, na matéria de facto dado como provada, onde consta que foi publicitado pela entidade vendedora, a Repartição de Finanças à ordem de quem o prédio se encontrava penhorado, a venda do imóvel reproduzindo-se o teor das descrições constantes do respetivo registo predial (facto provado 6).
Com base no anúncio a adquirente do imóvel, a sociedade ora recorrida, apresentou uma proposta de compra – descrevendo o imóvel como havia sido descrito pela Repartição de Finanças, proposta que foi aceite, pelo que o prédio foi adquirido e registado a favor do adquirente (factos provados 7 a 9).
O vendedor, após solicitação do comprador, corrigiu o que entendeu ser uma imprecisão quanto à real dimensão do imóvel e ordenou os respetivos averbamentos na matriz predial (facto provado 17).
Estes averbamentos na matriz obrigam o Conservador do Registo Predial, nos termos do artº 90º/1 a) do CRP, a atualizar oficiosamente a descrição do prédio objeto da compra e venda, assim fazendo corresponder a situação jurídica substancial inscrita na Repartição de Finanças à descrição do mesmo prédio na CRP.
Esta questão da desconformidade da descrição dos prédios no auto de penhora ocorre com alguma frequência e foi por esse motivo que o nº 2 do artº 90º do CRP foi alterado pelo Dec. Lei 60/90, 14-04, como anota Isabel Pereira Mendes, in Código Do Registo Predial Anotado, 6ª Ed., 1994, pág. 188: “Está em causa (…) a hipótese muito vulgar do registo de penhora cujo credor, perante a descrição desatualizada, se achava impossibilitado de promover o registo e de dar seguimento ao processo executivo”.
Ora, acontece que no caso dos autos, o credor na execução é, ao mesmo tempo, a entidade com competência para corrigir desconformidades da descrição do prédio tendo procedido à correção no âmbito da venda executiva, seguindo os trâmites previstos na lei.
A argumentação do recorrente funda-se no entendimento de que o instrumento de transmissão na venda do prédio é um documento autêntico e que, por esse motivo, não pode ser alterado por prova testemunhal, nos termos do artº 364º do CC.
Contudo, não está em causa a alteração de um documento autêntico, mas sim a alteação de uma inscrição na matriz (que dará origem à necessária correção na descrição predial) que deu origem à emissão do documento autêntico.

No mesmo sentido do que vem sendo exposto, se tem pronunciado a jurisprudência, citando a título de exemplo o Ac. TRC de 26-11-2013, Barateiro Martins, Procº 1643/10.0TBCTB.C1:

1 - A presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – preceito em que se diz que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.
2 - Efectivamente, o que se regista (o objecto do registo), como decorre do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros); querendo-se assim dizer, com o art. 7.º do C. Registo Predial, que o facto jurídico definitivamente registado (“o registo definitivo”) faz presumir que o direito resultante do facto jurídico registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado.
3 - Daí que a presunção (de titularidade constante do art. 7.º) diga respeito e se reporte apenas e só à inscrição predial, que é o único acto registal em causa (a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo); daí, consequentemente, que os elementos da descrição registal (que não fazem parte do que se regista) não estejam abarcados pela presunção (de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial).
4 – Ademais, a função primacial do registo predial é publicitar as situações jurídicas reais, mas o seu efeito não é, em regra, atributivo de direitos reais; o que quer dizer que em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal é a primeira que prevalece e que significa que a situação substantiva do prédio não é alterada se a descrição tiver uma área maior (ou menor) que a real (uma vez que a descrição predial não é um facto aquisitivo com eficácia real).

O que equivale por dizer que improcedem as conclusões do recorrente, inexistindo uma apropriação indevida pelo adquirente e não se mostrando violados os artigos 362º a 387º do C. Civil e 7º, 76º e 91º do C. R. Predial.

Improcede, em consequência, a apelação, pelo que se confirma a sentença recorrida.

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Sumário:

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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente – artº 527º CPC.
Notifique.

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Évora, 23-04-2020

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura