Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
397/11.4TATVR-A.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
NULIDADE
PENA DE MULTA
NÃO PAGAMENTO
NOTIFICAÇÃO
DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Cumprem o dever de fundamentação consignado no artigo 97.º do Código de Processo Penal as decisões que contenham, ainda que de forma resumida ou sumária, os elementos que permitam concluir que: (i) o julgador ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão - isto é, não agiu discricionariamente, (ii) a decisão tem virtualidade para os interessados e os cidadãos em geral se convencerem da sua correção e justeza, e (iii) o controlo da legalidade não é prejudicado pela forma como foi proferida.
II. Não decorrendo da lei que a inobservância do disposto no n.º 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal constitua o vício da nulidade, a hipotética irregularidade dela decorrente devia ter sido suscitada junto do Tribunal de 1.ª instância, sob pena de se ter por sanada.
Dito de outra forma e em jeito se síntese, o recurso para o Tribunal da Relação não constitui o meio processualmente adequado para arguir a inobservância doo disposto no n.º 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal, uma vez que não estamos perante invalidade insanável/de conhecimento oficioso [artigos 119.º e 120.º, n.º 1 do Código de Processo Penal], de invalidade reportada à sentença [artigo 379.º, n.º 2 do Código de Processo Penal], nem de invalidade oportunamente suscitada na 1.ª instância.
III. As notificações levadas a cabo na pessoa do arguido – para explicar as razões para a falta de pagamento da multa em que foi condenado e, se disso for caso, providenciar por forma de pagamento – garantem a possibilidade de defesa efetiva em momento prévio ao da tomada de decisão de conversão de pena de multa em prisão subsidiária.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 393/11.4TATVR, do Juízo de Competência Genérica ... da Comarca ..., por decisão judicial datada de 10 de novembro de 2022, foi convertida em prisão subsidiária a pena de multa nele imposta ao Arguido AA, solteiro, guarda noturno, nascido a 20 de agosto de 1967, em ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., n.º ..., ... andar, em ....

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«a) O despacho recorrido onde se converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária não se encontra suficientemente fundamentado.
b) O despacho recorrido violou o princípio do contraditório ao não proceder à previa audição do arguido, violando o art.º 61.º, n.º 1, al. b) do CPP.
c) O despacho recorrido violou o art.º 32.º n.º 1 e 5 da CRP, que consagra que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa e deve estar subordinado ao princípio do contraditório.
d) Mesmo havendo lugar à aplicação de prisão subsidiária esta poderia ainda ser suspensa, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º do CP, ouvido que fosse o arguido, sendo certo que sempre é preciso dar, ao condenado, oportunidade de se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável.
e) O despacho onde se notifica o arguido da conversão da multa em prisão subsidiária enferma da nulidade prevista no art.º 120.º n.º 2, al. d) do CPP, por não haver procedido previamente à audição do arguido perante um juiz de direito e no Tribunal.
f) Mostram-se igualmente violados os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, inscritos no artigo 18.º da Constituição ínsitos no artigo ao não considerar outra solução que não a revogação da suspensão da pena e a determinação sem mais da pena de prisão substituta da pena de multa sem a prévia aquisição do conhecimento das causas do incumprimento, tal e tanto implica a revogação da douta decisão ora recorrida e a sua substituição por outra que obedecendo aos citados princípios Constitucionais determina a audição do arguido recorrente por forma a exercer o direito do contraditório, justificar o incumprimento e podendo ainda requerer a aplicação de medida alternativa à da execução de prisão, nos termos do disposto no artigo 49.º n.º 3, do Código Penal Português.
g) Antes de o Tribunal a quo converter automaticamente a pena de multa não paga em prisão subsidiária e efetiva aplicada ao arguido, deveria ter ouvido o arguido sobre as razões do não cumprimento do pagamento da pena de multa em que foi condenado, em consonância com os termos e para os efeitos do artigo 61.º n.º 1 al. b) do CPP e do artigo 32.º n.º 1 e 5 da CRP.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência declarar nulo o despacho que converteu a pena de multa aplicada ao arguido em prisão subsidiária, sem prévia audição deste e em clara violação do princípio do contraditório violando o art.º 61.º n.º 1 al b) do CPP sendo que o despacho recorrido violou o art.º 32.º n.º 1 e 5 da CRP, ou caso assim não se entenda, considerar-se que o não pagamento da multa não pode ser imputado ao arguido e ser assim, a prisão subsidiária decretada, suspensa na sua execução, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º do CP.
Assim se fará, certamente, a habitual Justiça

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
1. Discorda o recorrente da decisão de conversão da pena de multa não paga, em que foi condenado, em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.
2. Compulsados os autos, verificamos que foi o arguido pessoalmente notificado da guia com vista a efetuar o pagamento da multa no valor de € 1000,00 em que foi condenado.
3. Contudo, o arguido nada disse ou requereu, tão pouco tendo pago, nem nada esclarecido quanto a esse mesmo incumprimento.
4. Nessa sequência, foi o arguido notificado, através de PD, para querendo, proceder ao pagamento da multa em falta e/ou provar que a razão do não pagamento da multa não lhe era imputável, sob pena da multa ser convertida em prisão subsidiária, que o arguido teria de cumprir; indicar bens penhoráveis que pudessem servir à execução coerciva da pena de multa, ou requerer a suspensão da prisão subsidiária.
5. Contudo, mais uma vez, nada juntou/comprovou, assim como nada esclareceu quanto aos motivos de não cumprimento.
6. Assim, da análise aos autos, constata-se que nada foi junto de forma a comprovar que o não pagamento do valor da multa se deveu por motivo não imputável ao arguido, o que em abstrato, poderia determinar uma suspensão da execução da prisão subsidiária.
7. Com efeito, o arguido pura e simplesmente nada esclareceu, revelando total e absoluto desinteresse pela situação em concreto.
8. Não obstante a inércia do arguido, o tribunal procedeu à “audição” do arguido para requerer, justificar ou comprovar o que melhor lhe aprouvesse.
9. Tal audição, com vista ao contraditório, basta-se com a notificação por via postal, não sendo necessário que a mesma ocorra de forma presencial.
10. Pelo exposto, entendemos que se deverá confirmar a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos exatos termos que constam da decisão proferida.
11. Contudo, V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA!»
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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«Pretende o arguido AA ver concedido provimento ao seu recurso ”e em consequência declarar nulo o despacho que converteu a pena de multa aplicada ao arguido em prisão subsidiária, sem prévia audição deste e em clara violação do princípio do contraditório violando o art.º 61.º n.º 1 al b) do CPP sendo que o despacho recorrido violou o art.º 32.º n.º 1 e 5 da CRP, ou caso assim não se entenda, considerar-se que o não pagamento da multa não pode ser imputado ao arguido e ser assim, a prisão subsidiária decretada, suspensa na sua execução, nos termos do n.º 3 do art.º 49.º do CP.”.
A este recurso respondeu o magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo em termos que consideramos suficientes e corretos, pelo que subscrevemos tal entendimento sem necessidade de mais aditamentos.
A alegada nulidade não existe, o arguido foi previamente notificado e nunca se pronunciou, nada informando ou requerendo nos autos, foi-lhe dada a oportunidade de exercer atempadamente o contraditório, mas nunca o fez.
A audição do arguido foi garantida devidamente, não tendo que ser presencial pelo que o recurso deverá improceder.»

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões:
- da insuficiência de fundamentação da decisão;
- da violação do princípio do contraditório;
- da suspensão da execução da pena de prisão.
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Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:
(i) Por sentença proferida a 16 de maio de 2014 e transitada em julgado a 11 de novembro de 2020, foi o Arguido AA condenado, pela prática de crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo a multa de € 1 000,00 (mil euros).

(ii) No dia 3 de maio de 2021, foi o Arguido notificado «para no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento da multa penal (1.000,00€) e das multas por falta injustificada de comparência (408,00€) de sua responsabilidade, no prazo e montante indicados nas guias anexas, sob pena de execução não o fazendo
Esta notificação, porque não dirigida para a morada indicada no TIR do Arguido, foi considerada ineficaz, por despacho judicial datado de 28 de fevereiro de 2022.
Ordenou-se, então a notificação pessoal do Arguido.
E esta notificação foi levada a cabo no dia 11 de março de 2022.

(iii) No dia 6 de junho de 2022, na sequência de promoção do Ministério Público, o Senhor Juiz titular do processo exarou nos autos o seguinte despacho [transcrição]:
«Notifique o arguido AA para, em 10 dias:
a) Proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado nestes autos (mil euros), com advertência de que, não fazendo o pagamento nesse prazo, e não sendo viável a execução coerciva, será a pena de multa convertida em prisão subsidiária pelo tempo correspondente (200 dias) reduzido a dois terços; ou
b) Caso não faça o pagamento, indicar bens penhoráveis que possua, livres e desembaraçados, que possam servir à execução coerciva da pena de multa; e
c) Sendo o caso, apresentar prova de que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, requerendo neste caso a suspensão da prisão subsidiária.
Notifique ainda o ilustre defensor.»
Deste despacho foi notificado o Senhor Advogado que nestes autos assume a defesa do Arguido.
E o Arguido, por via postal simples com prova de depósito, expedida no dia 7 de junho de 2022.
No dia 13 de junho de 2022, foi assinado o respetivo talão de depósito.

(iv) No dia 3 de novembro de 2022, o Ministério Público promoveu que «seja o arguido AA notificado pessoalmente, via OPC» do despacho referido em (iii).

Promoção que o Senhor Juiz indeferiu, em 8 de novembro de 2022, «dado que o arguido já se encontra notificado, por via postal com prova de depósito, na morada que indicou recentemente para efeito de notificação
E ordenou que «vão os autos de novo ao M. Público a fim de promover o mais que entender por conveniente

(v) No dia 10 de novembro de 2022, o Ministério Público promoveu [transcrição]:
«Nos presentes autos o arguido AA foi condenado por sentença transitada em julgado em 11.11.2020, pela prática do crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 1 000,00.
O arguido não procedeu ao pagamento da multa no prazo concedido nem até à presente data, nada tendo requerido ou junto aos autos.
Igualmente, resulta que não se mostra possível a cobrança coerciva da multa face à inexistência de bens e/ou rendimentos penhoráveis.
Dispõe o n.º 1 do artigo 49.º do Código penal que “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente, reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º.”
Nos termos do n.º 2 do citado artigo “o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte, a multa a que foi condenado”, sendo que, de acordo com o n.º 3 “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”
Face ao exposto, o Ministério Público promove que a pena de multa não paga seja convertida em 133 dias de prisão subsidiária nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal.»

(vi) A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:
«O Ministério Público requereu a conversão da multa não paga, em prisão subsidiária, e, notificado, o arguido nada disse.
Apreciando.
Por sentença proferida nestes autos a 16 de Maio de 2014, transitada a 11/11/2020, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360.º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, perfazendo o total de € 1.000,00 (mil euros).
Notificado para o efeito, o arguido não procedeu ao pagamento voluntário da pena de multa.
O arguido também não requereu a substituição daquela pena por trabalho.
Em conformidade com as pesquisas efetuadas juntas das bases de dados e com a informação policial, ao arguido não são conhecidos bens desembaraçados suscetíveis de penhora, não sendo, assim, possível o pagamento coercivo da pena de multa. Aliás, o arguido, apesar de notificado para o efeito, também não indicou bens desembaraçados que pudessem servir à execução coerciva da pena de multa.
Pelo que, impõe-se a conversão da pena de multa em prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
Notificado para o efeito, no prazo concedido o arguido também não apresentou prova de que a razão do não pagamento da multa lhe fosse imputável, não tendo requerido a suspensão da execução da prisão subsidiária. Pelo que não terá lugar a suspensão da execução da prisão subsidiária.
Face a todo o exposto, ao abrigo do disposto no art. 49.º, do Cód. Penal, decide-se converter a pena de multa (não paga), em que o arguido AA foi condenado, em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.
Mais se decide que não terá lugar a suspensão da execução da prisão subsidiária.
O arguido poderá a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenando – art. 49.º, n.º 2, do Cód. Penal.
Poderá o arguido, em 10 dias, vir requerer que a execução da prisão subsidiária seja suspensa, fazendo prova que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.
Notifique, sendo-o o arguido por contacto pessoal.»

(vii) Desta decisão, foi o Arguido pessoalmente notificado no dia 25 de novembro de 2022.
O presente recurso surge interposto no dia 7 de dezembro de 2022.
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Conhecendo.
(i) Da insuficiência de fundamentação da decisão
Diz o Recorrente AA que «O despacho recorrido onde se converte a pena de multa em prisão subsidiária não se encontra suficientemente fundamentado.» - alínea a) das conclusões da motivação do seu recurso.
E alicerça semelhante entendimento em «que deve ser considerado que o não pagamento não se deve a razão que lhe seja imputável e nesses termos de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 49.º do CP deveria ser suspensa a execução da prisão subsidiária, após o Tribunal “a quo” ouvir presencialmente o arguido, podendo nesse momento subordinar-se a suspensão ao cumprimento de regras de conduta ou deveres de carácter não económico ao arguido.».

Dispõe-se no artigo 97.º do Código de Processo Penal:
«1 — Os atos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo for a do caso previsto na alínea anterior.
2 — Os atos decisórios previstos no número anterior tomam a forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial.
(…)
5 — Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»

De forma preponderante, na doutrina e na jurisprudência, se tem entendido cumprirem o dever de fundamentação consignado no artigo 97.º do Código de Processo Penal as decisões contenham, ainda que de forma resumida ou sumária, os elementos que permitam concluir que (i) o julgador ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão - isto é, não agiu discricionariamente, (ii) a decisão tem virtualidade para os interessados e os cidadãos em geral se convencerem da sua correção e justeza, e (iii) o controlo da legalidade não é prejudicado pela forma como foi proferida.

A decisão com a qual o Recorrente se não conforma, e que acima se deixou transcrita, revela-se absolutamente capaz de delimitar a questão que visa resolver e de revelar as razões – de facto e de direito – que a determinaram.
Não lhe vislumbramos qualquer insuficiência de fundamentação.

Mas também o Recorrente não lhe atribui qualquer característica de onde decorra a insuficiência de fundamentação.
Como bem resulta da motivação do seu recurso, o Recorrente não se conforma com os fundamentos da decisão e é semelhante discórdia que o leva a considerar insuficiente a fundamentação dessa decisão.
Mas como decorre do que se deixou dito, a insuficiência de fundamentação de uma decisão judicial não se confunde com a discordância do seu sentido e fundamentos.

Resta deixar expresso que não decorrendo da lei que a inobservância do disposto no n.º 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal constitua o vício da nulidade, a hipotética irregularidade dela decorrente devia ter sido suscitada junto do Tribunal de 1.ª Instância, sob pena de se ter por sanada.
Dito de outra forma e em jeito se síntese, o recurso para o Tribunal da Relação não constitui o meio processualmente adequado para arguir a inobservância doo disposto no n.º 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal, uma vez que não estamos perante invalidade insanável/de conhecimento oficioso [artigos 119.º e 120.º, n.º 1 do Código de Processo Penal], de invalidade reportada à sentença [artigo 379.º, n.º 2 do Código de Processo Penal], nem de invalidade oportunamente suscitada na 1.ª Instância.
Não pode, pois, o Recorrente vir agora invocar – por insuficiência de fundamentação – a invalidade da decisão que converteu em prisão subsidiária a pena de multa que lhe foi imposta nos autos, que não impugnou na altura própria e sobre a qual não há, consequentemente, qualquer decisão da 1.ª Instância.

Pelo que o recurso, neste segmento, não procede.

(ii) Da violação do princípio do contraditório
Entende o Recorrente que não tendo sido ouvido em momento prévio à tomada de decisão de conversão em prisão subsidiária da pena de multa que lhe foi imposta nos presentes autos, foi violado o princípio do contraditório e o disposto no artigos61.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal e no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
E que ocorre a nulidade prevenida no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.

Não lhe assiste razão.
Da tramitação do processo, que acima se deixou inventariada, decorre que em momento prévio à conversão em prisão subsidiária da pena de multa imposta nos autos, foi dada a possibilidade ao ora Recorrente:
a) em 11 de março de 2022, de pagar a multa, sob pena de execução, não o fazendo;
b) em 13 de junho de 2022,
- de proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado, sob pena de conversão dela em prisão subsidiária, não o fazendo ou não sendo viável a execução coerciva
- de indicar bens penhoráveis que possua, livres e desembaraçados, que possam servir à execução coerciva da pena de multa, caso não proceda ao pagamento;
- de apresentar prova de que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, requerendo neste caso a suspensão da prisão subsidiária.
Decorre, ainda, que o Senhor Advogado que assume a defesa do Arguido nos presentes autos teve conhecimento destas notificações.

As notificações levadas a cabo na pessoa do Arguido, com os fins acabados de descrever, garantem-lhe a possibilidade de se defender – em concreto, de explicar as razões para a falta de pagamento da multa em foi condenado e, se disso for caso, providenciar por forma de pagamento.
O que satisfaz, plenamente, o exercício do contraditório na fase processual prévia à conversão de pena de multa não paga nem cobrada coercivamente em prisão subsidiária.
O que equivale a dizer que ao Senhor Juiz do processo não é necessário contacto pessoal com o Arguido na sobredita fase processual.

Neste sentido, que é o dominante na jurisprudência, podem, entre muitos outros, consultar-se
O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26 de abril de 2018, proferido no processo n.º 321/14.5PESTB.E1 e acessível em www.dgsi.pt
«I – Não tendo o arguido pago a multa em que foi condenado, antes da conversão desta em prisão subsidiária deve-lhe ser dada oportunidade de demonstrar que as razões do incumprimento não lhe são imputáveis e, por isso, demonstrar que há razões para lhe ser suspensa a execução da prisão subsidiária, nos termos estabelecidos no art.º 49 n.º 3 do CP.
II – Porém, para tanto não tem, necessariamente, que haver lugar a uma audição presencial do arguido;
III – Em conformidade com as proposições anteriores, é de concluir que ao arguido foi dada oportunidade para se pronunciar sobre a razão do não pagamento da multa se foi notificado, quer através do seu defensor, quer através de via postal com prova de depósito, para a morada por si indicada nos autos, para, “querendo, no prazo de dez dias, vir aos autos proceder ao pagamento da pena de multa ou requerer o que tiver por conveniente, sob pena de ser determinado o cumprimento da prisão subsidiária.»

O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 958/16.8PBAVR.E1 e acessível em www.dgsi.pt
«O princípio do contraditório não exige a audição presencial do arguido em face da promoção do Ministério Público no sentido da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo suficiente a notificação daquele, e da sua defensora, por via postal, para se pronunciar sobre tal promoção.»

O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3 de dezembro de 2018, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1 e acessível em www.dgsi.pt
«I - Não tendo o condenado cumprido (voluntária ou coercivamente) a pena de multa, importa indagar qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação e só decidir sobre a conversão da multa não paga em prisão subsidiária com esse conhecimento, para o que se impõe, previamente à decisão, assegurar o exercício do contraditório, garantindo-se a audição do arguido – presencial ou nos autos após sua notificação – para se pronunciar sobre a possibilidade dessa conversão, assim lhe dando, pois, a oportunidade de requerer a aplicação de outras soluções que não o cumprimento de prisão.
(…)»

O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de abril de 2019, proferido no processo n.º 137/14.9GELSB-5 e acessível em www.dgsi.pt
«- A lei não exige a audição presencial do arguido para justificar as razões do seu incumprimento, previamente à prolação da decisão de conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária.
- É certo que o arguido tem o direito de “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete”, todavia o direito de audição não se confunde com o direito de presença, radicando este na imprescindibilidade de o arguido estar presente nos atos que diretamente lhe digam respeito, conforme dispõe o art.º 61º, al. a), do Código de Processo Penal e que constitui a contra face do dever de comparência imposto pela al. a), do n.º 3, do mesmo artigo.
- O direito de audição do arguido e consequente contraditório em casos como o presente, satisfaz-se com a sua “audição processual”, concretamente, com a notificação do arguido e respetivo defensor, para vir aos autos justificar as razões do seu incumprimento, tal como ocorreu no caso dos autos.
- E tal prende-se com a circunstância de que, em casos como o presente, a lei processual penal não estabelecer a necessidade de audição prévia presencial do arguido, por não se exigir, para efeitos de determinação de cumprimento da pena principal, a apreciação do comportamento culposo do condenado incumpridor, ao contrário do que sucede com a execução de outras penas de substituição em sentido próprio, como a pena de suspensão de execução da prisão e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.»

O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19 de setembro de 2019, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XLIV, Tomo IV, página 313
«I - O ato processual que verdadeiramente afeta a situação jurídico-processual do arguido, a exigir que a notificação seja feita também a ele e não apenas ao defensor, é o despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
II - Já o despacho que determina a notificação do arguido para, querendo, se pronunciar sobre uma eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária na sequência da promoção do Ministério Público não tem quaisquer implicações pes­soais diretas, assegurando-se as garantias de defesa desde que a promoção do Ministério Público seja notificada ao defensor, concedendo­-lhe a possibilidade de sobre ela se pronunciar previamente à decisão judicial.
III - Se o arguido, notificado do despacho que procedeu à conversão da multa em prisão subsi­diária, não alegou, nem comprovou, que o não pagamento da multa não lhe foi imputável (sendo certo também que a sentença condenatória não contém, como provados, quaisquer factos que permitam concluir pela ausência de culpa do arguido quanto ao não pagamento), não há lugar à suspensão da execução da prisão subsidiária: não cabe ao Tribunal cumprir o ónus imposto no artigo 49.º-3 do CP, substituindo-se ao arguido na alegação de ausência de culpa quanto ao não pagamento da multa.»

O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21 de janeiro de 2020, proferido no processo n.º 189/17.0PTFAR-A.E1 e acessível em www.dgsi.pt
«I - Antes de ser proferido despacho a converter a multa não paga em prisão subsidiária nos termos do artigo 49.º, nº 1, do C.P., deve ser cumprido o contraditório, dando-se a oportunidade ao arguido de se pronunciar, mas não é exigível que essa pronúncia seja verbal e presencial.
II - Referindo o nº 3 do artigo 49.º do Código Penal “Se o condenado provar …”, perante o silêncio do arguido face à notificação que lhe foi feita para se pronunciar antes de ser proferido o despacho a converter a multa não paga em prisão subsidiária, não cabe ao tribunal determinar a realização de quaisquer diligências, designadamente elaboração de relatório social, com vista a apurar se, eventualmente, o não pagamento lhe não é imputável.»

O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de junho de 2020, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XLV, Tomo III, página 237
«I - No procedimento com vista à conversão da multa não paga em prisão subsidiária não é obrigatória a realização oficiosa de uma audiência com o condenado para aferir da razão da falta de pagamento da multa.
II - Para cumprir o contraditório e conceder ao argui­do a possibilidade de exercer o seu direito a ser ouvido, pronunciando-se sobre a promoção do Ministério Público (de conversão da multa em prisão subsidiária), basta que ao mesmo seja dada a oportunidade de se pronunciar, notifican­do-se, para o efeito, para a morada constante do T.I.R.»

O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23 de novembro de 2020, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XLV, Tomo 5, Página 269
«I - Havendo que garantir a audição do condenado sobre a possibilidade de conversão da multa não paga em prisão subsidiária, não é necessário que tal audição seja obrigatoriamente presencial, sendo suficiente possibilitar-lhe a sua a sua audição nos autos (por escrito), após notificação para o efeito com indicação do respetivo prazo.
II - A prisão subsidiária resultante do não pagamento de uma pena de multa não pode ser executada em regime de permanência na habitação, que o âmbito de aplicação deste regime respeita exclusivamente às situações taxativamente elencadas no n.º 1 do artigo 43º do Código Penal, todas elas relativas a pena de prisão aplicada a título principal.»

O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de novembro de 2020, proferido no processo n.º 781/17.2S6LSB.L1-5 e acessível em www.dgsi.pt
«- Não é necessária a audição presencial do arguido, antes de convertida a multa em prisão subsidiária e quanto à realização de relatório social, nada na lei o impõe e no caso não se justificava quando a arguida esteve presente na audiência de discussão e julgamento e aí foram discutidos os factos relativos às suas condições pessoais, como consta da sentença.
- Tendo a arguida tido oportunidade para se pronunciar sobre a razão do não pagamento da multa e nada tendo alegado, é seguro concluir que o não pagamento foi voluntário e não tendo sido possível o pagamento coercivo, a conversão pelo despacho recorrido da multa não paga em prisão subsidiária tem apoio legal no art.49º, do Código Penal.»

O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de outubro de 2022, proferido no processo n.º 671/18.0PAPVZ.P1 e acessível em www.dgsi.pt
«I - Não existe o dever de audição presencial do arguido quando a pena em que este foi condenado é convertida de pena não detentiva em pena detentiva; por maioria de razão, também não é exigível tal audição quando o arguido já sabe que impende sobre si o eventual cumprimento de uma pena detentiva.
II - No caso vertente, o arguido sabia perfeitamente da existência deste processo e da necessidade de colaboração com a DGRSP, informando esta da eventual mudança de endereço; foram-lhe dadas oportunidades para justificar o seu incumprimento das condições da suspensão da execução da prisão subsidiária; e ele nada fez, pelo que se justifica a revogação dessa suspensão.
III - O arguido foi validamente notificado da intenção do M.P de revogação dessa suspensão com prova de depósito para a morada do TIR.»

Na situação que nos ocupa, não vislumbramos, pois, violação de qualquer princípio estruturante do processo penal, de qualquer norma do Código de Processo Penal ou da Constituição da República Portuguesa.
Por maioria de razão, também não vislumbramos que ocorra qualquer invalidade processual.

Improcedendo o recurso, também neste segmento.
Resta dizer, face ao teor da decisão recorrida que à data em que a mesma foi proferida não estava decorrido o prazo, - de 10 (dez) dias – em que o Arguido poderia requerer que a execução da prisão subsidiária fosse suspensa, fazendo prova que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.
Pelo que a argumentação do Recorrente nesta matéria não pode deixar de se considerar extemporânea.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s
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Évora, 2023 setembro 12
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
João Francisco Reis Carrola

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[1] ] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.